Discurso no Senado Federal

ANALISE DOS ASPECTOS INCONSTITUCIONAIS DAS MEDIDAS PROVISORIAS 434/94 E 457/94, DE IMPLANTAÇÃO DO PLANO ECONOMICO DO GOVERNO.

Autor
Odacir Soares (PFL - Partido da Frente Liberal/RO)
Nome completo: Odacir Soares Rodrigues
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. POLITICA SALARIAL.:
  • ANALISE DOS ASPECTOS INCONSTITUCIONAIS DAS MEDIDAS PROVISORIAS 434/94 E 457/94, DE IMPLANTAÇÃO DO PLANO ECONOMICO DO GOVERNO.
Publicação
Publicação no DCN2 de 08/04/1994 - Página 1663
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. POLITICA SALARIAL.
Indexação
  • ANALISE, INCONSTITUCIONALIDADE, DISPOSITIVOS, MEDIDA PROVISORIA (MPV), IMPLANTAÇÃO, PLANO DE GOVERNO, ECONOMIA, UNIDADE REAL DE VALOR (URV), RELAÇÃO, EXTINÇÃO, CORREÇÃO MONETARIA, SALARIO DE CONTRIBUIÇÃO, PREJUIZO, CALCULO, APOSENTADORIA, FIXAÇÃO, CRITERIOS, CONVERSÃO, REMUNERAÇÃO, MEMBROS, PODERES CONSTITUCIONAIS, INTERFERENCIA, COMPETENCIA PRIVATIVA, CONGRESSO NACIONAL.

    O SR. ODACIR SOARES (PFL - RO. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Plano Econômico do Governo consubstanciado nas Medidas Provisórias nº 434/94 e 457/94 merece, por parte do Congresso Nacional, uma análise profunda, que verifique, de modo especial, todos os seus aspectos inconstitucionais

    A apreciação de Medidas Provisórias é atribuição exclusiva do Congresso Nacional, portanto indelegável, nos termos do § 1º do art. 68 da CF. Assim, é nosso dever expungir da Medida Provisória nº 457/94, todos aqueles dispositivos que estão hostilizando o texto da Magna Carta, violentando a ordem jurídico-constitucional do nosso País.

    A supressão do art. 31 da Lei nº 8.213, de 1991, que dispõe sobre o Plano de Benefícios da Previdência Social é um exemplo inequívoco de inconstitucionalidade que se está cometendo em nome da propalada estabilização da economia.

    O art. 31 da Lei nº. 8.213/91 estabelece, verbis:

    "Art. 31 Todos os salários-de-contribuição computados no cálculo do valor do benefício serão ajustados, mês da mês, de acordo com a variação integral do índice Nacional de Preços ao Consumidor - INPC, calculado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, referente ao período decorrido a partir da data de competência do salário-de-contribuição até a do início do benefício, de modo a preservar os seus valores reais."

    O dispositivo em tela regula a forma de cálculo do benefício da aposentadoria para todos os segurados da Previdência Social. Este cálculo é realizado com base nos últimos 36 salários de contribuição, apurados em período não superior a 48 meses, como dispõe o art. 29 da Lei nº 8.213/91.

    Assim, a partir da edição da Lei nº 8.213, passou-se a corrigir monetariamente todos os salários de contribuição utilizados no cálculo do benefício, uma vez que até esta data, somente 24, dos 36 meses eram atualizados monetariamente, o que, considerado o contexto inflacionário, representava uma redução enorme do valor do benefício.

    Esta distorção foi corrigida pelo art. 202 caput, da Constituição Federal, que dispôs:

    "Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a média dos trinta e seis últimos salários de contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês, e comprovada a regularidade dos salários de contribuição de modo a preservar seus valores reais e obedecidas as seguintes condições: (grifo nosso)

    As Medidas Provisórias nº 434/94 e 457/94, simplesmente desconsideraram esta expressa disposição constitucional, ou seja determinaram o fim da correção monetária para a atualização dos salários de contribuição que servirão de base para o cálculo da aposentadoria de milhões de trabalhadores.

    O que impressiona é a inflexibilidade técnica dos nossos economistas, pais de tantos planos econômicos deste país, mas que até hoje não conseguiram domar a "Fera Ferida" da inflação, que com maior ímpeto retoma sistematicamente.

    A lógica do Plano Econômico leva a extinção da inflação por decreto, ou seja na era do Real não existirá mais inflação, sentenciam nossos bem intencionados economistas.

    A equipe econômica do Governo desconsiderou o mandamento constitucional contido no art. 202, caput, da Constituição Federal, e o faz para justificar que este é o melhor ou único caminho para o país se recuperar da desordem econômica em que se encontra. Mas será que teremos que rasgar a Constituição para aprovar mais um plano econômico? Se existe a necessidade de mudanças na Constituição por que o Governo não remete ao Congresso Revisor as suas propostas? Onde estão as propostas do Governo para a área da Previdência Social? Onde está a proposta que viabilizará a elevação do salário mínimo?

    O Ministro da Previdência Social, Sérgio Cuttolo, tem dito, reiteradas vezes, que a solução para o salário mínimo passa por alterações na Constituição Federal no que concerne à Previdência Social. Mas onde está esta proposta? Prefere-se manter os minguados benefícios e salários dos trabalhadores deste País do que se propor uma alternativa viável.

    Não será o Congresso Nacional, Sr. Presidente, que avalizará o desrespeito a ordem constitucional vigente. O cálculo da aposentadoria dos trabalhadores deverá continuar sendo corrigido monetariamente, mesmo na era do Real, em observância ao que dispõe a Constituição Federal.

    Mantido, Sr. Presidente, a revogação do art. 31 da Lei nº 8.213/91, e o disposto no art. 20 da MP nº 437/94. os salários de contribuição expressos em Real não serão mais atualizados monetariamente ao arrepio da Constituição.

    Isto significa, que existindo inflação, a mesma não será considerada, achatando violentamente o valor da aposentadoria, o que levará à Justiça, milhões de aposentados.

    Indago se o Congresso Nacional poderá admitir essa situação, pois neste caso, diferentemente dos salários, existe expressa disposição constitucional determinando a correção monetária e esta, com certeza deverá fazer parte do projeto de lei de conversão, sob pena de grave inconstitucionalidade.

    Este é apenas um detalhe, talvez o mais significativo, pois ofende o que é mais caro ao trabalhador, qual seja o seu sustento e o de sua família.

    Mas não é só isso.

    A MP nº 457, de 29 de março de 1994 trouxe, com relação às regras de conversão dos vencimentos, soldos e salários dos servidores públicos, tratada no seu art. 21, significativa alteração.

    Determinava o art. 21, caput e §§ 1º a 3º, da MP nº 434, de 27 de fevereiro de 1994, que o cálculo dos vencimentos dos servidores públicos em URV fosse efetuado pela média dos últimos quatro meses - novembro e dezembro/93 e janeiro e fevereiro/94 - calculada pelo valor da URV no último dia de cada um dos meses.

    Os Poderes Legislativo e Judiciário e o Ministério Público da União entenderam que os critérios lá estabelecidos referiam-se, especificamente, aos servidores do Poder Executivo. Segundo este entendimento, não poderia a Medida Provisória ter cuidado dos servidores desses órgãos por tratar-se de matéria de sua competência privativa, ex vi dos arts. 51, IV, 52 XIII, 73, in fine, 96, II, b, e 129, § 4º, da Lei Maior. Assim como não poderia a MP nº 434, de 1994, tratar do estabelecimento dos critérios relativos aos servidores dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, o que se inscreve na competência da respectiva unidade federada autônoma.

    Neste sentido, observando o fato de que a conversão dos salários e dos vencimentos dos servidores públicos, em URV, pela MP nº 434, de 1994, conforme explicitava o Sr. Ministro de Estado da Fazenda, nos itens 47 e 48 da respectiva Exposição de Motivos, objetivava manter o seu poder de compra médio dos últimos quatro meses e com base nos princípios constitucionais da isonomia e da autonomia dos Poderes, o Legislativo, o Judiciário e o Ministério Público da União, determinaram a conversão dos vencimentos de seus servidores com base na URV do dia 20, uma vez que é esta a data em que lhes são repassados os recursos para pagamento de pessoal, ex vi do art. 168 da Carta Magna.

    A nova redação especifica que os critérios de conversão definidos naquele artigo aplicam-se não apenas aos servidores do Poder Executivo, mas também aos dos demais Poderes e do Ministério Público da União, bem assim a seus membros, fixando o último dia de cada mês como a referência para a conversão, independentemente do dia do pagamento.

    Este critério não altera a regra de conversão dos servidores e membros do Poder Executivo. Com relação aos demais, a nova sistemática traz perdas de 9,86% para os membros e servidores do Poder Judiciário e do Ministério Público da União e para os servidores do Poder Legislativo e de 17,45% para os Deputados Federais e Senadores.

    Comparando com a regra geral de conversão, determinada pelo art. 18 da Medida Provisória para os trabalhadores em geral - isto é, a conversão pelo dia do efetivo pagamento dos salários nos últimos quatro meses, que é a que, efetivamente, mantém o poder de compra médio -, verificamos que o critério de conversão para os servidores públicos implica, para os servidores e membros do Poder Executivo, ganho de 4,59%, enquanto, para os membros e servidores do Poder Judiciário e do Ministério Público da União e para os servidores do Poder Legislativo, perda de 6,53% e, para os Parlamentares, perda de 16,43%.

    Além deste aspecto quantitativo, entendemos ser o novo dispositivo inconstitucional. De início, parece-nos claro que o art. 21 disciplina remuneração de servidores públicos e não matéria financeira, uma vez que os critérios de conversão cuja aplicação é lá determinada aos servidores são específicos, diferentes dos gerais e que, conforme observado acima trazem diferentes conseqüências econômicas aos diversos grupos. Não se busca, no dispositivo, certamente, tão-somente manter o poder de compra médio das retribuições recebidas.

    Trata, assim, o art. 21, sem dúvida, em nosso entendimento, de fixação de vencimentos, o que, conforme já foi referido acima, o Poder Executivo somente pode propor com relação aos seus servidores. A definição da remuneração dos servidores dos demais Poderes e do Ministério Público da União são de sua competência ou iniciativa exclusiva.

    Por outro lado, pretende o dispositivo fixar a remuneração dos membros dos Poderes. Ora, a Constituição prevê que a fixação da remuneração do Presidente e do Vice-Presidente da República e dos Ministros de Estado é matéria de competência privativa do Congresso Nacional e deve ser feita para cada exercício financeiro (art. 49, VIII). Não tendo sido, ainda, fixada a para o exercício de 1994.

    Com relação aos Deputados Federais e Senadores, a Carta Magna determina, em seu art. 49, VII, que a fixação de sua remuneração e, também, competência privativa do Congresso Nacional e deve ser feita em cada legislatura, para a subseqüente.

    Assim, o único instrumento hábil para a fixação das remunerações do Presidente e Vice-Presidente da República, dos Ministros de Estado e dos Parlamentares é o decreto legislativo. Não podem estas matérias ser objeto de lei, e, muito menos, de Medida Provisória.

    Não pretendemos, com estas observações, estabelecer nenhum confronto entre os Três Poderes, mas primar pela observância da Ordem Constitucional.

    Como podemos admitir que a remuneração dos membros do Poder Legislativo e Judiciários sejam fixados por Medida Provisória, ou aceitar que esta mesma Medida fixe a remuneração dos Ministros de Estado, quando esta é uma competência exclusiva do Congresso Nacional, ex vi do que dispõe o art. 49, VIII, da CF.

    Mas não é só isso.

    Reitera-se na Medida Provisória a regra do § 9º do art. 18, que simplesmente revoga as cláusulas coletivas que asseguram correção de salários. Esta disposição é absolutamente inconstitucional, pois o interfere no campo da livre negociação.

    Mas o grave mesmo, é que se criou com esta regra a revogação legislativa da coisa julgada, ou seja as sentenças normativas ou os acordos coletivos em dissídios coletivos homologados pela Justiça do Trabalho simplesmente perdem eficácia no que se refere a cláusulas de correção salarial, que só encontra paradigma na Constituição de 1937 (PLACA), que no seu art. 96, parágrafo único, combinado com o art. 180, possibilitava a revisão de decisões do STF pelo Presidente da República.

    Sr. Presidente, a contundência do nosso pronunciamento, é apenas um alerta a este Parlamento e ao próprio Governo, para a necessidade de estabelecer-se uma negociação que garanta não apenas alternativas constitucionais aos pontos que mencionamos, mas que proteja também os salários dos trabalhadores contra a inflação e as perdas salariais.

    Somente o debate, a negociação, é que poderá fazer com o plano econômico alcance os seus objetivos.

    Era o que tínhamos a dizer, Sr. Presidente, Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 08/04/1994 - Página 1663