Discurso no Senado Federal

A QUESTÃO DA PRIVATIZAÇÃO DA EMBRAER.

Autor
Ronan Tito (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/MG)
Nome completo: Ronan Tito de Almeida
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • A QUESTÃO DA PRIVATIZAÇÃO DA EMBRAER.
Aparteantes
Cid Sabóia de Carvalho, Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DCN2 de 14/04/1994 - Página 1771
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • DEFESA, NECESSIDADE, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA BRASILEIRA DE AERONAUTICA (EMBRAER), GARANTIA, RECURSOS, MANUTENÇÃO, FUNCIONAMENTO, EMPRESA, PAIS.

     O SR. RONAN TITO (PMDB - MG. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, em primeiro lugar, agradeço ao Senador Eduardo Suplicy, por conceder-me a palavra. Em seguida, desejo agradecer ao nobre Senador José Fogaça. E, em terceiro, a V. Exª, Sr. Presidente.

    Perguntaria ao Plenário aaaase há necessidade de uma outra explicação sobre o que disse o Senador José Fogaça a respeito da Lei Tilden Santiago, ou se todos entendemos. (Pausa.)

    Sr. Presidente, desejo fazer apenas uma breve comunicação.

    Publicação de edital pode levar à contestação na venda da EMBRAER.

    Sr. Presidente, a EMBRAER é um patrimônio do povo brasileiro. Com dinheiro subtraído do Orçamento, ou seja, utilizando-se do dinheiro com que se deveria atender à saúde, à educação, às estradas, à infra-estrutura, foi montada uma indústria aeronáutica.

    Essa empresa, no momento, é detentora de muitos conhecimentos, de tecnologias, de uma maneira geral. No entanto, sabemos muito bem que aquela assertiva americana sobre a questão da tecnologia hoje é 100% válida: “Funciona. É obsoleto”. Essa tecnologia, que hoje pode servir ao povo brasileiro e à EMBRAER, amanhã, se ficarmos três, quatro, cinco anos parados, pode não valer mais nada.

    Quando tivemos, no Senado Federal, uma votação para injeção de recursos do Orçamento, tirados do povo para colocar na EMBRAER, votei favoravelmente, sob condições - inclusive o Senador Jarbas Passarinho me acompanhou na votação. Aprovamos a injeção de 500, 600 milhões de dólares àquela empresa, desde que fosse para privatizá-la. Por quê? Para que não se perca o patrimônio da EMBRAER e, muito mais do que isso, a tecnologia por ela apropriada.

    Fala aqui alguém que, no passado, agiu de maneira heróica, pretendendo preservar um patrimônio do povo brasileiro: o Lloyd Brasileiro. Fui contra a privatização naquele momento e hoje o Lloyd está à venda. Alguém quer comprar? Ninguém oferece 10 centavos, porque virou sucata, não vale mais nada. Estipendiamos, gastamos, jogando pela janela esse patrimônio do povo que era o Lloyd. O momento de ser privatizado era aquele, que obstruí e não permiti que fosse.

    Dizem que errar é humano, mas permanecer no erro é diabólico. Brincar com o dinheiro do povo é mais do que diabólico. Tenho assistido, a pretexto de agradar o povo, a pretextos eleitorais, a uma brincadeira com o dinheiro do povo - e, neste momento estamos, outra vez, brincando com o dinheiro do povo. Ou privatizamos a EMBRAER imediatamente ou vamos, mais uma vez, jogar pela janela o dinheiro do povo, que foi tirado do Orçamento e jogado lá dentro e, entretanto, é absolutamente insuficiente. Hoje, para a EMBRAER funcionar, será preciso, no mínimo, mais de 1 bilhão de dólares, além da demissão de três mil funcionários. Senão, não funciona.

    Agora - este é um ponto importante -, a pretexto de resguardar o patrimônio público, alguns são contra a privatização. Isso está me lembrando Hitler, quando invadiu a Polônia em nome da paz, porque os exemplos que já tivemos de obstrução de privatização são catastróficos. Pergunto ao Senador Eduardo Suplicy, que foi tão gentil comigo, permitindo-me usar da palavra, qual foi a empresa que o Presidente do seu Partido e mais alguns companheiros foram pedir ao então Presidente Sarney que não privatizasse. Foi a COBRASMA?

    O Sr. Eduardo Suplicy - A COBRASMA era uma empresa do Sr. Luiz Eulálio Bueno Vidigal Filho, se não me engano.

    O SR. RONAN TITO - Não me lembro. Era uma empresa que fabricava vagões.

    O Sr. Eduardo Suplicy - MAFERSA.

    O SR. RONAN TITO - Sim, foi a MAFERSA. Então o Presidente José Sarney permitiu que não fosse privatizada naquela ocasião, mas o inevitável, mais cedo ou mais tarde, acontece, como diria o Conselheiro Acácio. Aconteceu. O Brasil perdeu, no mínimo, dois anos naquela brincadeira e mais 30 milhões de dólares. Quem vai ressarcir o Tesouro dessa gentileza? De um lado, alguém que pede que não se demita; de outro lado, o Presidente, que diz: “Vou conceder’’.

    A EMBRAER está no ponto de ser privatizada. Essa questão já foi discutida aqui neste plenário e, mais do que isso, autorizamos a injeção de 500 milhões de dólares desse Orçamento minguado, onde faltam recursos para a saúde, para a educação, para o leite das crianças, para tudo, com o compromisso de a EMBRAER ser privatizada. E, agora, vamos entrar em juízo, e, se possível, aparecerá lá um soldado que dê uma cacetada na cabeça de alguém para aparecer sangue e se dizer herói, porque lutou contra a privatização. Patranha das patranhas, engodo dos engodos, mentira das mentiras!

    Neste momento, resguardar os interesses brasileiros é criar condições para que essa empresa, que está capengando, que está afundando, seja privatizada, porque, se ela for privatizada, continuará aqui no Brasil, criando empregos e apropriando tecnologia. Caso contrário, quem está disposto a votar mais 1 bilhão de dólares para os cofres da EMBRAER? Quem?

    Pelo amor de Deus! Essa demagogia já foi feita diversas vezes. Chega! Vamos respeitar um pouquinho os contribuintes. Não vamos fazer, outra vez, aqueles escândalos que foram feitos no passado.

    Eu me lembro de um Governador de Estado, até um homem conceituado, que, primeiro, insuflou a população contra a privatização de uma determinada empresa e, depois, mandou a polícia meter o cacete naqueles que iriam lá resistir à privatização.

    Isso aconteceu no episódio de privatização da Companhia Siderúrgica Nacional, no Estado do Rio de Janeiro. Primeiro, ela não é privatizável, mas todos sabíamos que a lei determinaria que ela o fosse. E aí o que aconteceu? Algumas pessoas, insufladas pelo Governador da Guanabara, resistiram à sua privatização, e o mesmo Governador mandou a polícia meter o cacete. Que beleza, não é? Este País é extraordinário!

    Sr. Presidente, em nome dos recursos do povo brasileiro, em nome desse Orçamento minguado, peço, pelo amor de Deus: não sustem essa privatização! Permitam que a EMBRAER continue existindo! Ninguém vai pegar a EMBRAER, colocá-la nas costas e levá-la para os Estados Unidos da América do Norte. A única maneira de essa empresa continuar vivendo é através da iniciativa privada. Por quê? Porque ela precisa de recursos e não temos recursos para incentivá-la.

    Nós temos casos de empresas estatais que funcionam extraordinariamente e que não têm necessidade de apropriação de recursos, como é o caso da Vale do Rio Doce. Por quê? Porque a Vale do Rio Doce compete interna e externamente. Com isso, ela é uma estatal que tem vitalidade. Em uma consultoria efetuada pelos Salomon Brothers, há pouco tempo, ela foi considerada uma das melhores mineradoras e comerciantes de minérios do mundo. Não vejo por que privatizá-la.

    Não sou daqueles que pensam que a solução de todos os problemas é a privatização. Também não sou daqueles que pensam que as estatais são o paraíso da irresponsabilidade administrativa. Diante de Deus, não sou! Mas há casos e casos. E, neste instante, urge privatizar a EMBRAER.

    O Sr. Eduardo Suplicy - Permite-me V. Exª um aparte?

    O SR. RONAN TITO - Com muito prazer, ouço o nobre Senador Eduardo Suplicy, por graça de quem eu falo neste momento.

    O Sr. Eduardo Suplicy - Senador Ronan Tito, em 1º de julho de 1991, o Senado Federal votou favoravelmente no sentido de ser aprovada uma operação de relending da ordem de 407 milhões de dólares, operação segundo a qual o Banco do Brasil colocava recursos na EMBRAER. Sabia-se, naquela ocasião, que a EMBRAER estava necessitando de recursos e houve, então, uma preocupação do Senador Nelson Carneiro - já prevendo que poderia, mais tarde, haver uma tentativa de se privatizar a EMBRAER, ainda mais diante da nova injeção de recursos do setor público naquela empresa, que tem tido uma função estratégica de desenvolvimento tecnológico para o Brasil - no sentido de que, em havendo a privatização, seria importante que o Congresso Nacional aprovasse o edital de privatização. Isso foi incluído na Resolução nº 30 do Senado. Há três semanas, quando o BNDES estava cogitando de encaminhar o edital de privatização da EMBRAER, o Presidente Pérsio Arida  

telefonou-me perguntando sobre o assunto. Eu avaliava que seria importante que aquele edital fosse encaminhado para exame do Congresso Nacional. O Presidente da Comissão Diretora da Comissão de Privatização, André Franco Montouro Filho, encaminhou ao Presidente Humberto Lucena que, por sua vez, encaminhou-o à Comissão de Assuntos Econômicos, sem, entretanto, colocar nos termos daquela resolução. Preocupado com o assunto, conversei com o Senador João Rocha; fiz uma visita ao Presidente Itamar Franco e conversei com o Ministro Hargreaves, lembrando aquela resolução. O Presidente Itamar Franco disse-me que iria respeitar o Senado Federal e encaminhou, naquele mesmo dia ou no dia seguinte, uma mensagem presidencial. Portanto, não apenas o Sr. André Franco Montouro Filho mas também o Presidente da República encaminharam ao Presidente Humberto Lucena o edital. Disse ao Presidente Itamar Franco: “Presidente, não se trata de uma questão de se opor à privatização, mas seria importante que, dada a situação histórica e estratégica dessa empresa, o Congresso Nacional fosse bem informado das razões da privatização e da maneira como ela vem sendo feita. A mensagem presidencial foi, então, recebida pelo Presidente Humberto Lucena, que a encaminhou à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania onde, ontem, o Senador Iram Saraiva designou o Senador Jutahy Magalhães para dar parecer - se é o caso do Congresso Nacional aprovar aquela resolução, vez que surgiram dúvidas se, em função de medidas provisórias posteriores, haveria ou não aquela necessidade. Sugeri ao Senador Jutahy Magalhães, apesar de não conhecer ainda seu parecer, mas precisando o Congresso Nacional, de acordo com a Resolução nº 30, aprová-la, ou mesmo se S. Exª, em seu parecer, considerar que isso já está ultrapassado, até porque o Senhor Presidente teve a atenção de encaminhar o edital ao Congresso para que possamos ouvir, até em reunião conjunta da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e, proximamente, na de Assuntos Econômicos, antes do dia 20 de maio - data do leilão de privatização da EMBRAER -, o Ministro da Aeronáutica - que foi, segundo André Franco Montouro Filho, quem o convenceu, pois ele prioritariamente não era a favor da privatização, especificamente, da EMBRAER -, bem como o Sr. André Montouro Filho para que expliquem os termos do edital. V. Exª sabe que surgiram dúvidas sobre os termos e as razões. O Presidente do BNDES explicou que, em números redondos, a EMBRAER tem hoje uma dívida de quase 900 milhões de dólares e um patrimônio de 600 milhões de dólares. Há duas possibilidades: ou o Governo assume a dívida para que alguém compre a empresa por 600 milhões de dólares, ou o Governo paga 250 ou 300 milhões de dólares para que alguém assuma o patrimônio da empresa. Alguns economistas fizeram uma avaliação independente a respeito, a exemplo da Srª Laura Calabi, do Sr. Amir Khaair e outra economista. O parecer desses economistas, em virtude de sugestão que fiz, foi distribuído aos membros da Comissão de Assuntos Econômicos. De acordo com esse parecer, o patrimônio da empresa representa um pouco mais do que 600 milhões de dólares. Seria importante que tivéssemos essas informações pormenorizadas. Primeiro: é preciso que especialmente a Comissão de Assuntos Econômicos esteja bastante consciente a respeito desse processo de privatização. Segundo: a questão do edital. O Governo, por exemplo, acha que deve manter o controle da empresa em mãos nacionais e limitou em 40% a participação do capital estrangeiro, no edital. Seria importante que tivéssemos conhecimento das razões da Comissão de Privatização; ou seja, por que chegou a isso? Há uma participação para os trabalhadores. Que razões levaram a isso? Enfim, Senador Ronan Tito, faço a recomendação, inclusive a V. Exª, membro da Comissão de Assuntos Econômicos, para que possamos ouvir as autoridades do Executivo, da própria EMBRAER e da Aeronáutica sobre esse assunto, para que a decisão seja a mais racional e, depois, não tenhamos dúvidas a respeito. Há uma reportagem da revista IstoÉ que levanta algumas dúvidas sobre a forma do edital. Tudo isso pode ser esclarecido e assim poderá até o Congresso confirmar, depois de um debate a respeito desse assunto, que o edital ficará válido em seus termos, para que o leilão seja realizado em 20 de maio. O Senado Federal e a Câmara dos Deputados poderão, diante dessa discussão, propor alguma alteração. Não sei em que medida V. Exª conhecia esses detalhes, mas avaliei que seria importante que V. Exª, assim conhecendo, até possa contribuir para que, proximamente, quem sabe na semana que vem - porque o Senador João Rocha, o Presidente e o Vice-Presidente da Comissão de Assuntos Econômicos viajaram esta semana -, possamos ter a oportunidade de uma reunião dessa natureza para o exame do assunto.

    O SR. RONAN TITO - Agradeço o aparte do nobre Senador Eduardo Suplicy e felicito-me por poder conceder-lhe esse aparte porque, na verdade, falo por concessão do Senador Eduardo Suplicy.

    V. Exª diz que alguns economistas acreditam que a Companhia Siderúrgica Nacional vale mais. Lembraria que Barbosa Lima Sobrinho falou que a USIMINAS valeria, no mínimo, 18 bilhões de dólares; contudo, os tigres asiáticos estão montando aciarias, todas computadorizadas, a um custo de mil dólares a tonelada de produção. Nesse caso, a USIMINAS valeria qualquer coisa em redor de 2 bilhões e 500 milhões de dólares se fosse montada atualmente com os critérios, principalmente, da Coréia: com computadores, controle de qualidade etc.; mas conforme o critério de Barbosa Lima Sobrinho que, segundo ouvi aqui, é homem que não fala simplesmente - não tenho opinião pessoal -; quando ele fala é dogma - não podemos discutir -, valia 18 bilhões de dólares.

    Por outro lado, digo a V. Exª, o que é despiciendo, que quando se leva a leilão, o mercado corrige o preço se ele estiver baixo ou alto. Ninguém é obrigado a vender pelo preço mínimo. Se tivermos pretendentes que queiram pagar um preço superior, o leilão vai determinar isso. Essa é a regra do jogo; não é do Brasil; é do mercado, é do mundo todo. Então, se vai a leilão, se ele é aberto... Devo dizer a V. Exª que há um detalhe em suas explicações que desconhecia: essa proibição de que empresas internacionais não podem adquirir a EMBRAER. Eu imporia outra condição: de que a EMBRAER não pode sair daqui. Só isso. Ficando aqui iria limitar o número dos compradores, e o que aconteceria? V. Exª disse: até 40%. Eu diria o contrário: a empresa não pode sair daqui. Só isso. Esta seria a condição. E teria que ter continuidade. O mais seria estultice, é abaixar o poder de competitividade e o preço da empresa. Se alguma empresa multinacional se interessar em comprar o controle dessa empresa, não vai querer comprar, não vai poder comprar. O mercado vai ficar restrito, menor. O que vai acontecer? Vamos adquirir menos cruzeiros por ação do que teríamos se ampliássemos o mercado.

    Alguém pode investir, de Tóquio, na Bolsa de Valores do Brasil, e qualquer brasileiro pode investir na Bolsa de Tóquio. Desculpe-me, mas essa colocação é estúpida, ignorante e, além de tudo, mostra um desconhecimento que o Poder Executivo tem de mercado no atual momento. Desculpem-me, mas sou obrigado a falar deste jeito.

    Qualquer cidadão brasileiro pode investir na Bolsa de Nova Iorque, de Londres, de Tóquio. Qualquer norte-americano pode estar investindo na Bolsa daqui.

    Mas, de repente, vamos criar regras para quê? Para limitar a possibilidade da venda e por preço correto. Quanto mais restringir o mercado menos competidores teremos e menos preços teremos. 

    Lembro-me bem que quando Felipe González, homem da “extrema direita’’ da Espanha, privatizou a indústria automobilística espanhola, os ditos esquerdistas disseram o seguinte: “Primeiro Ministro, o senhor vai vender a indústria automobilística? Isso não será um prejuízo para o Estado?’’ Ele respondeu: ” -- Se os alemães pegarem essa indústria à noite, colocarem nas costas e levarem para a Alemanha, será um grande prejuízo para a Espanha. Mas se trabalharem aqui, aumentarem, como eles se comprometeram, a produção, agregar tecnologia, criar mais empregos, a Espanha vai ganhar muito’’.

    Mas esse pensamento é de um estulto, de um homem que frequenta os extremos da "extrema direita’’ e que não entende nada de mercado. Apenas por “estultice’’ do povo espanhol, está lá há não sei quantos anos, batendo inclusive recordes de tempo no poder. Ele consertou a Espanha, colocou-a no rumo certo e está lá administrando o país de maneira magnífica.

    Nós, com a nossa ‘’sapiência’’, somos capazes de questionar os maiores luminares do mundo moderno e ficarmos apreciando tudo aquilo que não deu certo, e dizer que aquilo, para nós, é que é tabu. Então, o esquerdismo que não deu certo na Rússia - e que eles estão avocando neste momento -, esse, para nós, é ‘’imexível’’ - como diria um ex-ministro deste País.

    O Sr. Cid Saboia de Carvalho - Permite-me V. Exª um aparte?

    O SR. RONAN TITO - Com prazer, ouço V. Exª.

    O Sr. Cid Saboia de Carvalho - Eu estava no meu gabinete acompanhando o discurso de V. Exª e estou vendo o rumo que V. Exª dá ao seu raciocínio. Quero, no entanto, dizer, nobre Senador Ronan Tito, que essa questão da privatização, leilões etc, tudo isso é da maior gravidade e do maior cuidado nacional. Não é uma questão que se leve no peito, generalizadamente. Tudo que se generalizar leva, evidentemente, a um prejuízo. Acho que há o que deva ser privatizado, deva ir a leilão. Essa providência de que fala V. Exª, de não retirar a empresa, isto é básico, porque ela não será carregada para o exterior; ela ficará aqui gerando riquezas, produzindo efeitos na economia, tudo isso é muito razoável. Mas não admito, no meu raciocínio, mesmo acompanhando o brilhantismo de sua dissertação, é de como o Estado possa se ausentar por inteiro de todas as iniciativas. Por exemplo: eu não sinto o País maduro neste momento para, numa Revisão Constitucional, privatizar a PETROBRÁS ou alterar...

    O SR. RONAN TITO - Senador, a PETROBRÁS é imprivatizável. Qualquer empresário sabe disso. O patrimônio líquido da PETROBRÁS é de 130 bilhões de dólares e ela fatura 14. Qualquer empresário sabe que o seu capital tem que ser remunerado de 7 a 10% ao ano. A PETROBRÁS vende 10% ao ano. Ela criou um monstro às custas do Tesouro Nacional e do povo brasileiro; invendável. Ninguém no mundo vai comprar a PETROBRÁS, V. Exª pode dormir tranqüilo, pois ela é imprivatizável. Com a regra de economia de que o capital tem que ser remunerado de 7 a 10% ao ano, no mínimo - a PETROBRÁS tem um patrimônio de 130 bilhões de dólares e fatura 14. Quem comprará?

    O Sr. Cid Saboia de Carvalho - Sim, mas há um aspecto, Senador Ronan Tito, nesses 13 ou 14 bilhões de dólares que ela fatura, porque aí nesses 13 ou 14 bilhões de dólares estamos apenas verificando o mercado petrolífero e similares, e não estamos verificando o peso político dessa posição. Veja V. Exª, por exemplo, que os Estados Unidos pagam, na verdade, muito mais por um barril de petróleo do que o preço declarado contabilmente, porque os Estados Unidos, para terem petróleo, mantêm uma indústria bélica, mantêm ocupações territoriais, mantêm uma política externa toda voltada para propiciar a possibilidade da compra do petróleo num determinado setor do mundo, um setor muito conflagrado.

    Por isso o barril de petróleo nos Estados Unidos há de custar não os vinte e poucos dólares e sim mais de 90 dólares, quiçá 100 dólares o barril. Nesse lucro da PETROBRÁS V. Exª pode multiplicar, por essa proporção norte-americana, pela diferença do barril verdadeiro de petróleo para o barril que os Estados Unidos compram com todos os cuidados da política internacional. Se fizer uma conversão vai verificar que o lucro da PETROBRÁS é bem maior.

    O SR. RONAN TITO - Penso que V. Exª, neste momento, não deu aula a mim, porque não entendo nada de economia, mas deu aula ao pós-graduado economista Eduardo Matarazzo Suplicy, porque, com toda a sinceridade, tenho exulado muito de economia, mas é a primeira vez que vejo apropriação de custos políticos com esta precisão que V. Exª fala.

    O Sr. Cid Saboia de Carvalho - Não, não estou falando contabilmente, nem economicamente; estou falando politicamente, porque um assunto tem diversas facetas. Só estou trazendo uma faceta política para a questão. Sei que não podemos aplicar à economia um custo político, ainda mais um custo de política internacional. Mas quero dizer que o Brasil, para obter essa mesma situação, poderia, como os Estados Unidos, despender muito mais direta e indiretamente. Não é aula! Sabe V. Exª que neste Senado quem entende mesmo de economia, quem tem demonstrado isso em seus pronunciamentos, é V. Exª. Sou um homem que cuida mais do aspecto jurídico e de outros aspectos.

    O SR. RONAN TITO - Não é verdade. V. Exª é um grande político e entende muito de tudo.

    O Sr. Cid Saboia de Carvalho - Estou abordando a questão no aspecto real. Quanto custa um barril de petróleo aos Estados Unidos? Contabilmente custa tanto, politicamente tanto, não é? Na política externa há um...

    O SR. RONAN TITO - V. Exª também já fez esses cálculos quanto ao Japão, Itália, França, Alemanha? Ou só dos Estados Unidos?

    O Sr. Cid Saboia de Carvalho - Já vi quadros comparativos. Tive o cuidado de analisar quadros comparativos. Verifiquei a situação do petróleo em vários países do mundo. Sei que as fontes norteamericanas secarão dentro de cinco anos e seis meses aproximadamente - é o período pelo qual os Estados Unidos terão petróleo. Eu tenho medo, sinceramente, de que o monopólio do petróleo quebrado no Brasil ou a privatização da PETROBRÁS, quanto a qual V. Exª. tranqüiliza, pela impossibilidade da aquisição privada dessa empresa, porque ela se tornou, digamos assim...

    O SR. RONAN TITO - É um monstro! Um monstro!

    O Sr. Cid Saboia de Carvalho - Exato. Ela se tomou algo monstruoso dentro da economia brasileira.

    O SR. RONAN TITO - Ela é a 16° empresa do mundo em capital e patrimônio liquido; mas ela é a 189° empresa em faturamento.

    O Sr. Cid Saboia de Carvalho - Pois bem, verificando que o monopólio quebrado trouxesse para cá, na exploração do petróleo, diretamente, empresas norte-americanas. elas poderiam levar o nosso petróleo para os Estados Unidos, apressar o nosso foral de produção. Nós temos o máximo de 40 anos em petróleo. A Venezuela tem 300 anos de petróleo, mas esses 300 anos são petróleo de baixa qualidade. O petróleo de boa qualidade, na Venezuela. se não estou enganado - vou arriscar aqui um dado -, parece-me que poderá chegar a 80 anos. Mas chegará a 300 no petróleo de baixa qualidade. Então, todos esses dados me preocupam. Veja V. Exª que a PETROBRÁS já abriu um pouco - quando aqueles contratos de risco foram celebrados, representavam uma abertura do próprio monopólio e nada daquilo deu certo. Não estou tecendo um juízo crítico a V. Exª Eu estou apenas lembrando que o Estado moderno - aliás, quero dizer que estive relendo uma obra fundamental sobre o Estado, de Euzébio de Queiroz Lima, que o Senador Josaphat Marinho deve conhecer muito bem, uma obra clássica da teoria de Estado; penso que a última edição que saiu foi em 1953, mas ainda se mantém absolutamente nova. como nova é a obra de Dei Vecchio e de muitas teorias de Estado; obras que, naturalmente, não prescreveram, obras que não envelheceram -, por tudo isso, verificamos que, evidentemente, ele, o Estado, se exarcerbou. V. Exª tem razão quando fala em tudo isso: o Estado exagerou, o Estado, no Brasil, ocupou estradas de ferro, ocupou estradas vicinais, as BRs...

    O SR. RONAN TITO - Mas, segundo alguns, tudo isso é estratégico. Eu ainda não descobri que estratégia é essa, mas tudo isso é estratégia.

    O Sr. Cid Saboia de Carvalho - O Estado ocupou os portos, o Estado ocupou os teatros, ocupou a edição de livros...

    O SR. RONAN TITO - Ocupou hotéis.

    O Sr. Cid Saboia de Carvalho - E isso, evidentemente, está errado.

    O SR. RONAN TITO - Não, isso é estratégico;

    apenas. V. Exª não percebeu. V. Exª não sabe o que acontece na suíte presidencial do Grande Hotel de Araxá, terra onde nasci. Eu vi fazer aquele hotel. E fui declarado persona non grata na minha cidade, porque disse que aquele hotel precisava ser privatizado. V. Exª não pode imaginar, politicamente, o que vai ocorrer numa suíte daquela se aquilo foi privatizado Jamais V. Exª pode supor.

    O Sr. Cid Saboia de Carvalho - Essa sua crítica, ainda mais marcada pela ironia, é contundente e verdadeira; ninguém pode negar isso ao talento de V. Exª Ninguém pode negar. A sua tese é perfeita. Apenas temos que verificar o, reflexo de. determinadas providências, não apenas da economia, mas, por exemplo, na questão de segurança nacional, no que concerne à TELEBRÁS. A TELEBRÁS faz o intermeio das "teles" nos Estados; quer dizer, é uma coisa gravíssima o controle da telecomunicação. Então, apenas defendo um aprofundamento, um estudo muito grande para o qual não estamos preparados nessa Revisão, porque criamos a figura ditatorial de um Relator, um distanciamento muito grande para com o Plenário, uma ilegitimidade na decisão. Não há como estudar isso profundamente; mas temos que fazê-lo.

    O SR. RONAN TITO - V. Exª teve cinco anos de prazo para estudar. Esse artigo, art. 3° das Disposições Constitucionais Transitórias, foi prolatado no dia 5 de outubro de 1988. Seis anos!

    O Sr. Cid Saboia de Carvalho - Mas a leitura desse, artigo, sabe V. Exª, é feita de dois modos. É feita quanto à intenção do legislador. É uma leitura, foi a que predominou. E há uma leitura técnica, que é a minha, que não autoriza a Revisão. Então, nisso aí discordamos inteiramente, se bem que sou o vencido e estou lá na Revisão marcando a minha posição.

    O SR. RONAN TITO -Parabéns a V. Exª

    O Sr. Cid Saboia de Carvalho - Fui vencido, mas estou lá, democraticamente, como V.Exª estaria vencido numa outra situação. Mas o quero dizer é que iodos esses assuntos são aprofundáveis. V. Exª está prestando uma contribuição ao dar uma visão farte, contundente, sobre todos esses problemas. Apenas defendo que o Estado não pode deixar de ter uma atividade aqui, ali, em que sua presença sirva corno parâmetro, como na área de educação, como na área de saúde e em outras áreas. Então, pergunta-se: E quanto às telecomunicações? Quanto ao fornecimento de petróleo e sua exploração, é necessária a presença do Estado? Então, esse aprofundamento é básico, porque os que defendem uma tese e os que defendem outra se conflitam numa determinada área onde o ponto de conciliação será, sem dúvida, o interesse nacional. Quero parabenizar V. Exª

    mais uma vez pelo discurso que faz, inclusive

porque traz exemplos os mais variados, e fixo minha posição: Sou contra a privatização da TELEBRÁS, sou contra a privatização da PETROBRAS, e a qualquer tentativa que surgisse infrutífera também seria contra. Sou contra a quebra desses monopólios porque entendo que o momento não é adequado, nem há fórum para esse estudo porque a Revisão não está capacitada a tanto. Mas não me recuso - entenda bem -aos estudos que V. Exª hoje clareia aqui e ilumina nossas mentes dando novas linhas e novas dimensões para que examinemos o assunto. Quiçá sejam assuntos para outros momentos, porque este Legislativo é vivo, ele não pára, está sempre atuando. Lá fora há uma imagem distorcida, e seria preciso que se tomasse conhecimento de um discurso com tantos quilates como 0 de V. Exª para saberem o valor deste Congresso Nacional.

    O SR. PRESIDENTE (Chagas Rodrigues. Fazendo soar a campainha.) -Pediria ao nobre Senador Ronan Tito que não mais concedesse apartes, a fim de passarmos imediatamente à Ordem do Dia..

    O SR. RONAN TTTO - Tenho bastante conhecimento das minhas limitações. Tanto tenho que já proclamei e vou repetir, não me candidato à reeleição. Estou até muito bem nas pesquisas no meu Estado: estou em primeiro lugar, segundo as publicações do Ibope, da Vox Populi etc. Mas, nobre Senador, estou inteiramente superado pela realidade do Parlamento. Não tenho a pretensão de pensar que sou o homem com o passo certo num exército onde todos estão marchando com o passo errado. Tenho certeza que estou errado, absoluta certeza.

    Quando vejo, por exemplo, como aquele terremoto em Los Angeles abalou as estruturas daqueles pontilhões a ponto de desabarem ou quase, e vejo os americanos começarem imediatamente a reconstruir, fico pensando que estão errados. Tinham de escutar os brasileiros, tinham de fazer uma CPI porque aquilo é um absurdo; aquela empreiteira, quando construiu aquilo ali, sabia muito bem que lá há terremotos. Mas corno foi que fez aquelas construções? Isso é um absurdo, tinham de fazer uma CPI, tinham de chamar pessoas deste Parlamento para ir lá questionar a construção daqueles elevados; que parassem os Estados Unidos para saber, diretamente, por que aconteceu aquele terremoto, em primeiro lugar, e depois uma CPI para saber quem construiu; terceiro, quem era o governador ?

    A diferença nossa é que lá, quando se necessita fazer, faz-se; aqui, discutimos. Estamos discutindo tudo, enquanto isso temos desempregados, temos gente que passa fome. Mas isso não sensibiliza ninguém, Sr Presidente, e as causas disso também não. Queremos discutir o preciosismo das nessas idéias, que são sempre subjetivas, todas elas lastreadas em doutrinas. Pergunto aqui e me pergunto: será que existe alguma doutrina neste mundo, certa ou errada, que não tenha tido um luminar para defender teses e mais teses sobre ela?

    Mas tem alguma coisa que supera todas as teses: é a realidade. A realidade brasileira é cruel: são 14 milhões de desempregados, são mais de 30 milhões que passam fome, segundo o Betinho; 90% das cidades do interior deste País não têm rede de esgoto, pouca água é tratada e faltam escolas; e isso não queremos discutir. Talvez, instituamos aqui uma CPI para apurar o porquê de tudo isso acontecer, embora. todos saibamos por que isso acontece.

    Quer ouvir uma razão, Sr. Presidente, para encenar?

    O Parlamento moderno foi criado para duas coisas: para fazer o orçamento e para fiscalizar o rei - século XII, João Sem-terra. Criou-se o Parlamento moderno para limitar os gastos do rei e fiscalizá-lo. A Comissão de Orçamento dos Estados Unidos da América do Norte, a Budget Comission está recebendo nesse instante o Orçamento de 1995. Hoje, Senador José Fogaça, o Parlamento dos Estados Unidos da América do Norte está recebendo o Orçamento do ano de 1995. Sr. Presidente, ainda não recebemos o Orçamento de 1994! Como vamos limitar os gastos do rei e fiscalizá-lo?

    Nesse momento, o Parlamento brasileiro está agindo mais ou menos desta maneira: dirigindo um carro com o pára-brisa pintado de preto e olhando através do retrovisor. Estamos fiscalizando o rei pelo retrovisor e empolgadíssimos com a nossa seriedade, competência e, principalmente, com a nossa eficiência. Será que seremos julgados pela nossa competência ou pela nossa eficiência?

    Sr. Presidente, em termos de competência, dou dez para todos, menos para mim. Conheço as minhas limitações - tanto as conheço que não sou mais candidato. Mas, em termos de eficiência, vamos deixar que a história julgue.

      Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 14/04/1994 - Página 1771