Discurso no Senado Federal

REFLEXÃO A RESPEITO DA SITUAÇÃO DE MISERIA EM QUE VIVE O PRODUTOR RURAL BRASILEIRO A PARTIR DAS CONCLUSÕES CONTIDAS NOS RELATORIOS DO IPEA - 'MAPA DA FOME: SUBSIDIOS A FORMULAÇÃO DE UMA POLITICA DE SEGURANÇA ALIMENTAR' - E DA UNICEF - SOBRE A SITUAÇÃO MUNDIAL DA INFANCIA-1994.

Autor
Jutahy Magalhães (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/BA)
Nome completo: Jutahy Borges Magalhães
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. POLITICA AGRICOLA.:
  • REFLEXÃO A RESPEITO DA SITUAÇÃO DE MISERIA EM QUE VIVE O PRODUTOR RURAL BRASILEIRO A PARTIR DAS CONCLUSÕES CONTIDAS NOS RELATORIOS DO IPEA - 'MAPA DA FOME: SUBSIDIOS A FORMULAÇÃO DE UMA POLITICA DE SEGURANÇA ALIMENTAR' - E DA UNICEF - SOBRE A SITUAÇÃO MUNDIAL DA INFANCIA-1994.
Publicação
Publicação no DCN2 de 14/04/1994 - Página 1789
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • COMENTARIO, RELATORIO, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), DIVULGAÇÃO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, FOME, MISERIA, NECESSIDADE, POLITICA, GARANTIA, ALIMENTOS, POPULAÇÃO CARENTE.
  • COMENTARIO, RELATORIO, FUNDO INTERNACIONAL DE EMERGENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFANCIA (UNICEF), DEMONSTRAÇÃO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, INFANCIA, VITIMA, DESNUTRIÇÃO.
  • APREENSÃO, ORADOR, PROBLEMA, MISERIA, FOME, CRIANÇA, REGIÃO NORDESTE, VINCULAÇÃO, NECESSIDADE, VONTADE, POLITICO, ADOÇÃO, POLITICA DE EMPREGO, COMBATE, FALTA, ALIMENTOS, POPULAÇÃO.
  • DEFESA, ALTERAÇÃO, SISTEMA, PRODUÇÃO, POLITICA AGRARIA, GARANTIA, EMPREGO, ECONOMIA RURAL, AUMENTO, PRODUTIVIDADE, AGRICULTURA, PRIORIDADE, ALIMENTOS.
  • DEFESA, NECESSIDADE, COMBATE, PERDA, ALIMENTOS, CORRUPÇÃO, MOTIVO, FALTA, CAPACIDADE, GESTÃO, CONTROLE, GASTOS PUBLICOS.

    O SR. JUTAHY MAGALHÃES (PSDB - BA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, somos, freqüentemente, atormentados por imagens apresentadas pelos meios de comunicação social, que nos colocam diante dos olhos a triste realidade social de regiões longínquas, quase sempre de países africanos e asiáticos, onde crianças esquálidas, vítimas da fome, aguardam a morte nos braços de suas mães igualmente desnutridas.

    Essas imagens fúnebres, por nos remeterem a regiões distantes - à Somália ou à Eritréia, por exemplo -, fazem-nos, amiúde, esquecer nossa própria realidade social. Servem também para, não raras vezes, encobrir a existência, no Brasil, de milhões de crianças famintas, concentradas em centenas de bolsões de miséria.

    Não faz muito tempo, mais precisamente em março do ano passado, o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas - IPEA - divulgou alarmante documento intitulado Mapa da Fome: Subsídios à Formulação de uma Política de Segurança Alimentar, em que se demonstra que 31,7 milhões de brasileiros não têm dinheiro para se alimentarem. São os indigentes urbanos e rurais do Brasil, aquelas pessoas cuja renda familiar, de acordo com o critério utilizado pelo IPEA, corresponde, no máximo, ao valor de aquisição da cesta básica de alimentos que atenda, para a família como um todo, os requerimentos nutricionais recomendados pela FAO/OMS/ONU.

    De acordo com o estudo, que se baseou na Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios - PNAD -, realizada pelo IBGE em 1990, Bahia, Minas Gerais e Ceará são os Estados brasileiros que apresentam o maior número de cidadãos com renda inferior à linha de pobreza.

    Os dados da indigência colhidos nesses Estados são estarrecedores! A Bahia é a unidade da Federação líder em miséria, com 13,67% de indigentes em relação ao Brasil, possuindo mais de 4,3 milhões de miseráveis, em uma população de 11,9 milhões de habitantes.

    Por região, a liderança da miséria fica com o Nordeste: o percentual de indigentes alcança ali a espantosa taxa de 54,5% em relação ao Brasil. Há, no Nordeste, Sr. Presidente, Srs. Senadores, mais de 17,2 milhões de indigentes em uma população de 42,5% milhões de pessoas. Os números nordestinos ganham de longe da região que ocupa o segundo lugar no País, no que concerne ao número de indigentes - a região Sudeste -, cuja taxa é de 25,2% relativamente ao Brasil, isto é, 8 milhões de indigentes, em uma população de 62,7 milhões de pessoas.

    Outro vergonhoso título ostentado pela região Nordeste é o da maior taxa de mortalidade infantil: 75 por mil nascimentos, quase o dobro da segunda colocada, a também pobre região Norte, que apresenta uma taxa de 47,1 mortes infantis por mil nascimentos.

    O documento do IPEA, à época de sua divulgação, ocupou as manchetes de todos os jornais brasileiros. Seus dados preencheram grandes espaços nos noticiários de rádio e de televisão e alimentaram infindáveis discussões sobre a miséria no Brasil. Hoje, já se encontra meio esquecido, embora outros estudos continuem a expor o macabro diagnóstico da indigência no Brasil, como o realizado por Juarez Brandão Lopes, do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da Universidade de Campinas, divulgado no final do ano passado.

    Segundo o cientista, nas cidades brasileiras, estão em situação de indigência 11% dos domicílios, que abrigam 13,9% dos adultos e 22,9% das crianças. No Nordeste, esse percentual é muito maior: pertencem a domicílios indigentes 40,8% das crianças urbanizadas.

    Como se observa, Sr. Presidente, Srs. Senadores, a grande vítima da miséria é a criança, em especial a nordestina.

    No relatório do UNICEF sobre a situação mundial da infância - 1994 - consta que a desnutrição crônica da criança começa no ventre da mãe. De acordo com o destaque n° 5 do referido relatório, "mães com alimentação deficiente tendem a dar à luz bebês de baixo peso, desnutridos no útero, e expostos a permanecer desnutridos durante os primeiros anos de vida, que são cruciais".

    Sabe-se que o peso normal de uma criança ao nascer é de cerca de três quilogramas. Crianças que nascem com baixo peso, isto é, com 2.500 quilogramas ou menos, têm menores probabilidades de sobreviver e, se sobrevivem, têm menos condições de se desenvolverem adequadamente.

    No Brasil, os resultados da Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição apontam para uma incidência de baixo peso ao nascer em torno de 10%, percentual indicativo de que o País se encontra em uma posição entre "média" e "alta" incidência desse risco. Essa situação, contudo, torna-se mais grave quando se examinam algumas diferenças regionais. Nota-se maior proporção de crianças com baixo peso ao nascer em regiões como o Nordeste, detentor de um nível "alto", quando comparado com regiões como o Sudeste, informa o relatório da pesquisa. Os valores relativos ao Nordeste são compatíveis com a alta taxa de mortalidade infantil ali existente e a prevalência de desnutrição, juntamente com as conhecidas dificuldades de alimentação e de acesso aos serviços de saúde por parte de sua população. Da mesma forma, são compatíveis com a baixa renda auferida pelos nordestinos, pois o risco de nascer com peso baixo é duas vezes maior para crianças cujas famílias percebem um salário mínimo mensal familiar do que para aquelas cujas famílias recebem renda maior que três salários mínimos, conforme se detectou ainda na referida pesquisa.

    O relatório do UNICEF que já mencionei declara que a desnutrição é o cúmplice secreto da pobreza. Com certeza, a afirmação comporta uma verdade hoje já de pleno conhecimento em todo o mundo. O que talvez seja ignorado é que ela impede o crescimento físico e mental de uma em cada três crianças nos países em desenvolvimento.

    É complexa a ecologia da desnutrição. Ela ocorre geralmente em regiões pobres, atingidas pela falta de alimentos em períodos de escassez, de secas e de guerras, mas é também conseqüência de problemas específicos, como baixo peso ao nascer, e de práticas específicas, como aleitamento na mamadeira. "Entretanto - alerta o relatório -, a causa principal (da desnutrição) é o acúmulo de doenças, especialmente a diarréia, que proliferam em comunidades pobres desprovidas de abastecimento de água limpa e saneamento". Segundo o documento do UNICEF, "doenças crônicas drenam os nutrientes do corpo e de suas células". Em conseqüência, "para compensar a falta de nutrientes, a taxa metabólica do corpo apresenta uma queda. A pressão sangüínea cai. Caso tenha pouca gordura, o corpo 'rouba de suas próprias reservas - consumindo músculos ao invés de gorduras, e retardando ou deformando o crescimento dos ossos".

    Aí está, Srs. Senadores, a macabra ciranda da miséria: desnutrição-doença-morte. No mundo todo, ela é responsável por um terço dos 13 milhões anuais de mortes de menores de cinco anos. No Nordeste brasileiro, não é diferente. As vidas de nossas crianças são ali também ceifadas por falta de alimentação.

    Sr. Presidente, Srs. Senadores, o relatório do UNICEF - 1994 -, no mesmo destaque 5, sobre o qual venho discorrendo, faz também esta outra óbvia observação, sem dúvida conhecida em todo o mundo: "Uma boa alimentação é uma excelente proteção contra doenças". Essa consideração do UNICEF seria desnecessária, não fossem, no entanto, os esclarecimentos a ela adicionadas, da seguinte ordem: "Por inúmeros motivos, que os cientistas estão apenas começando a compreender, a desnutrição provoca maiores prejuízos nos últimos três meses de gravidez e durante os primeiros doze meses de vida. Durante esta fase vulnerável, o estômago pequeno exige alimentação constante, o desenvolvimento do cérebro está quase completo, e o sistema de imunização da criança é mais fraco. Os maiores efeitos do crescimento deficiente concentram-se na primeiro ano de vida da criança. Ainda que a alimentação melhore depois desse período, a criança provavelmente apresentará crescimento abaixo do normal, afetando o desenvolvimento físico e mental, e comprometendo o futuro da criança e de seu país".

    O que está expresso no relatório do UNICEF nos indica o círculo vicioso em que nos encontramos: a indigência do presente nos legará a indigência do futuro, se não tratarmos de alimentar a população brasileira, especialmente as crianças e as gestantes.

    Todas essas considerações colocam-nos diante de uma importante questão: Será possível fazer com que os brasileiros, especialmente as crianças, deixem de ser vítimas da desnutrição?

    O relatório do UNICEF apresenta uma resposta positiva a essa indagação, escudando sua convicção na meta estabelecida pelos líderes políticos no Encontro Mundial de Cúpula pela Criança, realizado em 1990, segundo a qual, até o ano 2000, se deverão reduzir em 50% as taxas de desnutrição grave e moderada entre crianças menores de cinco anos. Consta do relatório que "programas de larga escala, implementados recentemente na África e na Índia, mostraram que esta meta pode ser cumprida". Como exemplo de eficácia, é citado o programa de nutrição implementado na Tanzânia, onde, mesmo em meio a crises econômicas, se conseguiu, em período de três anos, uma redução de 50% nas taxas de desnutrição grave, a um custo de 16 dólares por criança, em 1984, quando do início do programa, reduzido depois para 2,5 dólares por criança, à medida que o programa foi ampliado para todo o país.

    Sr. Presidente, Srs. Senadores, não tenho a menor dúvida de que nosso País, desde que haja vontade política, será capaz de satisfazer as necessidades de alimentação de seu povo. País rico em recursos, o Brasil tem condições de alimentar toda a sua população e de superar todas as formas de desnutrição, bastando-lhe, para tal, adotar políticas corretas na área alimentar, promover adequados ajustes institucionais e conferir prioridade política aos investimentos sociais, corrigindo decisões erradas que nos levam a conviver com a fome e a miséria.

    Segundo reportagem publicada na Folha de S. Paulo, em 19 de dezembro de 1993, intitulada Mapa da Miséria, não há escassez de alimentos no Brasil, pois, de acordo com cálculos do IPEA, "com safras agrícolas situadas nos últimos sete anos em torno de 59 milhões de toneladas de grãos, estariam disponíveis, para cada brasileiro, 3.280 calorias e 87 gramas de proteínas por dia". Essa disponibilidade alimentar representa, Sr. Presidente, Srs. Senadores, bem mais que o piso de 2.242 calorias, mencionadas pela FAO para o consumo diário de um adulto.

    Além disso, ao Brasil não faltam também as potencialidades para incrementar sua agricultura, pois ele tem nada menos de 370 milhões de hectares aproveitáveis para a atividade.

    Se ao Brasil não faltam alimentos nem um gigantesco potencial de terras agricultáveis, o que lhe falta, então, para o combate à fome e à desnutrição? Falta-lhe uma adequada estratégia, centrada principalmente em oportunidades de emprego, de geração e distribuição de renda, de difusão de conhecimentos e de serviços de apoio, de modo a aumentar, ainda mais, a produção de alimentos e a aprimorar sua distribuição.

    No que se refere a empregos, insisto em que o País não poderá implementar nenhum programa de combate à fome e à miséria sem levar em conta a necessidade de ampliar a oferta de trabalho à sua população e a necessidade de elevação do valor do trabalho. Julgo que devemos conjugar esforços para o combate à miséria e à fome por meio de uma adequada política de empregos.

    No Brasil, temos uma grave questão, a do subemprego urbano. Como se sabe, é descomunal o contingente de trabalhadores que se concentram nos grandes centros urbanos, com empregos de baixa remuneração e desprotegidos pela legislação trabalhista. Além disso, temos todos os problemas decorrentes da migração para as área urbanas do excedente populacional gerado pelo contínuo descompasso entre o ritmo de reprodução da força de trabalho rural e o baixo crescimento do emprego em atividades agropecuárias. E temos, ainda, todos os problemas decorrentes da recessão, responsável, nas últimas décadas, pela contínua elevação das taxas de desemprego, e decorrentes da não-absorção da mão-de-obra que migra do campo para as cidades, em um país que ostenta elevado crescimento vegetativo da população economicamente ativa.

    Para enfrentar esses problemas, o Brasil tem que modificar seu sistema produtivo, procurando assegurar o pleno emprego, seja na economia rural, seja na economia urbana.

    Em relação à economia rural, urge promover um apropriado programa de reforma agrária, que, considerando as exigências particulares de cada região, busque uma elevação da taxa de emprego no campo, que, ultimamente, tem tido crescimento zero.

    A política de emprego para o campo deve levar em consideração o aumento da produtividade do setor agrícola, principalmente do subsetor de alimentos. Como se sabe, a baixa produtividade agrícola no País está associada à grande ociosidade das terras brasileiras, que, por seu turno, é resultado da estrutura de propriedade da terra. Dessa forma, a política de reforma agrária a ser adotada deve objetivar não somente a distribuição de terras, mas principalmente a redução do grau de ociosidade desse fator e o aumento de sua produtividade, uma vez que estes dois aspectos podem tornar-se importantes instrumentos para melhorar a qualidade dos postos de trabalho na agricultura, reduzindo, em conseqüência, a pobreza no Brasil.

    Em consonância com esse ponto, é imprescindível, ainda, a modificação da atual política agrária, atualmente muito voltada para as grandes lavouras de exportação ou de insumos industriais, como o álcool. Temos de adotar, no Brasil, uma política agrária que seja também capaz de promover uma substancial elevação da produção e da oferta física de alimentos para consumo interno. Tornando-se atividade promotora do aumento da oferta de alimentos básicos, a agricultura poderá vir a ser atividade otimizadora de emprego, contribuindo para a redução do fluxo migratório do campo para as cidades e para a redução das pressões exercidas sobre os centros urbanos.

    Em síntese, é necessário ajustar a política de emprego no campo à renovação da economia agrária a fim de se gerarem condições de atratividade para as pequenas e médias cidades, desconcentrando-se a população das megalópoles, com amplos efeitos positivos para suas áreas habitacional, de transportes, de educação, de saúde, de assistência social, de segurança pública e para seus serviços de saneamento.

    Relativamente à economia urbana, a política de emprego deve contemplar prioritariamente as indústrias com absorção altamente intensiva de mão-de-obra, notadamente para o atendimento de determinados setores do mercado interno, como a construção civil. Para a mão-de-obra urbana subempregada ou para o desemprego estrutural, isto é, aquele causado pela total inadequação da mão-deobra, ou por sua absoluta falta de qualificação, a política de emprego deve favorecer a intervenção complementar do setor público, estimulando programas que utilizem tecnologias intensivas em trabalho não-qualificado na execução de obras públicas locais. A grande vantagem da implementação desses programas é que eles atacam a pobreza gerada pelo desemprego estrutural através da geração de empregos para a mão-de-obra diretamente afetada.

    Conjuntamente à questão do emprego, para enfrentarmos a fome e a miséria, temos que adotar também políticas e medidas que elevem a remuneração do fator trabalho e que reduzam a concentração de renda no País.

    Como é amplamente sabido, o padrão de distribuição de renda no Brasil apresenta um perfil altamente concentracionário. A excessiva desproporção entre a baixa remuneração do trabalho não-qualificado e a dos serviços técnico-gerenciais, bem como dos elevados proventos dos ganhos de capital, é responsável por uma distribuição de renda, no País, que o torna, de acordo com o Banco Mundial, o primeiro em uma lista dos cinco países detentores das mais altas taxas de concentração no mundo, pois que, entre os brasileiros, os 50% mais pobres percebem apenas cerca de 10% da renda total do País, ao passo que os 10% mais ricos têm acesso a aproximadamente 50% da mesma renda.

    Sr. Presidente, Srs. Senadores, quando se fala de redução da indigência em nosso País, outro aspecto que merece atenção é o combate ao desperdício e à corrupção.

    Estudos recentes estimam que o desperdício no Brasil corresponda, anualmente, a um percentual que vai de 5 a 15% de nosso Produto Interno Bruto.

    Somente no setor agropecuário, segundo dados do IPEA - Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, anualmente, o Brasil desperdiça US$ 4 bilhões em alimentos. Estima-se que, somente com os alimentos desperdiçados pelos consumidores, seria possível saciar a fome de até dez vezes o número de indigentes brasileiros. Apenas nas feiras livres do Rio de Janeiro, perdem-se, por ano, 14 mil toneladas de alimentos.

    A economista Ana Maria Brochado, integrante do Comitê do Programa de Qualidade do Ministério da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária, revela, em artigo publicado no informativo do INMETRO, que o desperdício nas diversas etapas dos processos produtivo e de comercialização chega ao montante de US$ 2,34 bilhões para cinco espécies de grãos selecionados e os produtos hortigranjeiros.

    Para se ter uma idéia mais precisa do volume do desperdício no Brasil, citarei, a seguir, números relativos a alguns produtos:

    - no que diz respeito aos grãos, constatam-se estes índices de perdas: arroz - 22,1%; feijão - 15,0%; milho - 17,07%; soja - 10,3%; trigo - 9,2%;

    - relativamente às hortaliças, verificam-se estes percentuais: para o sub-grupo folha, flor e haste - 40,6%; para frutos - 38,1 %; para tubérculos, raízes e rizomas - 30,0%;

    - em relação às frutas, o percentual é também muito elevado; 30,0%.

    Dos cinco tipos de grãos, o milho é o que detém os maiores índices de desperdício, considerado tanto o aspecto físico, quanto o monetário. Em média, as perdas anuais desse produto atingem 4,4 milhões de toneladas, que equivalem a US$ 472,4 milhões. A soja, por seu turno, apresenta perdas médias anuais de 1,88 milhão de toneladas, que correspondem a US$ 302,935. No total, os cinco grãos analisados somam perdas anuais de 9,029 milhões de toneladas, equivalentes a US$ 1,35 bilhão.

    Quanto ao setor de hortigranjeiros, verifica-se que a perda média é de US$ 1,04 bilhão.

    Relativamente à corrupção, deve-se enfatizar que esta prática perversa constitui também um incomensurável desperdício do dinheiro público, ao qual se poderia dar um melhor uso, sobretudo em programas sociais. No Brasil, dados os vários episódios de corrupção recentemente elucidados, torna-se necessário adotar medidas mais enérgicas de punição dos culpados, sem que injustificadas protelações prejudiquem o pronto ressarcimento do erário.

    A propósito de desperdício e corrupção, o Correio Braziliense, de 3 de abril último, publicou uma reportagem intitulada Desperdício no Governo chega a US$ 47 bi, na qual se informa encontrar-se nas mãos do Presidente Itamar Franco um dossiê sobre o Descontrole dos Gastos Públicos, que demonstra o desperdício de US$ 47,43 bilhões nos últimos seis anos, devido à falta de capacidade de gestão e controle de gastos pelo Governo Federal.

    Segundo a reportagem, esse montante seria suficiente para construir 5 milhões 928 mil 750 casas populares de até 38 metros quadrados ao custo unitário de US$ 8 mil. Com o mesmo valor, comprar-se-iam 412 milhões 430 mil cestas básicas de US$ 115,00, que poderiam alimentar 34 milhões 369 mil famílias de até quatro pessoas durante um ano.

    Na matéria publicada no jornal brasiliense, há ainda outros dados interessantes: A soma jogada fora representa quase dez anos de arrecadação do IPMF e 84,69% da arrecadação recorde da Receita Federal no ano passado".

    A reportagem apresenta ainda um quadro do descontrole dos gastos públicos, do qual extraí alguns dados para conhecimento de V. Exªs.:

    - concessão de empréstimos e financiamentos irregulares, obrigando o Governo Federal a investir em programas de recuperação dos bancos estaduais - US$ 2,3 bilhões desperdiçados;

    - superfaturamento em obras financiadas com recursos do FGTS, saques irregulares, etc., comprovados por auditorias - US$ 4 bilhões desperdiçados;

    - desvios de estoques do Governo, irregularidades na administração dos recursos destinados à formação de estoques reguladores e despesas de armazenamento (CPI da Fome) - US$ 1,34 bilhão desperdiçado;

    - intermediação de recursos, inclusão de emendas no Orçamento, superfaturamento de obras etc. (CPI do Orçamento) - US$ 100 milhões desperdiçados;

    - superfaturamento, propinas, etc. (CPI PC - Collor) - US$ 290 milhões desperdiçados;

    - superfaturamento de obras, liberação antecipada de verbas, licitações fraudulentas no DNOCS - US$ 300 milhões desperdiçados;

    - desperdícios em atividades-meio ou nas fases de implementação de projetos, conforme diagnóstico da SEPLAN em 1993 - US$ 33 bilhões;

    - fraudes contra o INAMPS praticadas por médicos e hospitais conveniados - US$ 1,3 bilhão desperdiçado;

    - superfaturamento de compras diversas, cestas de alimentos etc. na LBA - US$ 16 milhões desperdiçados;

    - hidrelétricas e termelétricas inacabadas, pagamento de encargos financeiros pela não utilização de recursos e financiamentos e atrasos no cumprimento de cronogramas de aplicação dos recursos destinados a projetos de infra-estrutura - US$ 1,2 bilhão desperdiçado;

    - irregularidades diversas no pagamento de benefícios da PrevidênciaSocial - US$ 3 bilhões desperdiçados;

    - fraudes decorrentes de descontrole do sistema de seguro às safras agrícolas e indenizações em casos de perda das safras - US$ 600 milhões desperdiçados.

    Sr. Presidente, Srs. Senadores, encerro este pronunciamento, colocando uma última questão: que representam para a Nação brasileira seus mais de trinta milhões de indigentes, sua legião de esfomeados?

    Quando a indigência e a fome atingem grandes massas humanas, como ocorre no Brasil, especialmente na região Nordeste, não são apenas os indivíduos por elas atingidos os que se tomam doentes. Doente se toma a própria sociedade em que se propagam esses flagelos.

    Sendo doenças sociais, a fome e a indigência impõem prejuízos incomensuráveis a toda a população, a começar pelo baixo desempenho escolar manifestado pelas crianças, o qual conduz à repetência e a evasão, com grave ônus para todo o sistema educacional, sem contar o atraso cultural e tecnológico que a baixa escolarização provoca em toda a Nação.

    Além disso, há toda a questão econômica que se coloca em sociedades constituídas por indigentes e pessoas sem escolarização: trabalhadores desqualificados são mal remunerados e, quanto maior o seu número, pior a remuneração da base da sociedade, tornando menor o mercado interno dessa mesma sociedade e menores as suas possibilidades de desenvolvimento.

    Em resumo, Sr. Presidente, Srs. Senadores: indigência e fome têm um alto custo social, pois impõem indiscutíveis ônus às áreas sociais, à saúde, à previdência, à assistência social e à segurança pública.

    Têm, ademais, um alto custo político, porquanto miséria e fome são a mais evidente e odiosa manifestação da desigualdade social e fontes das mais variadas perturbações e anomalias políticas. Diante de uma legião de esfomeados, Senhores Senadores, não é possível a manutenção da estabilidade democrática, sendo sempre necessários custosos recursos, ou para reprimir os famintos, ou para mantê-los alienados de sua própria desgraça.

    Diante de tudo isso, indago-lhes, Srs. Senadores, a propósito das eleições que já se aproximam: não é hora de começarmos a pensar em um plano de governo que tenha por meta a justiça social, para que se realize de fato um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, expresso no art. 3° de nossa Constituição, qual seja, "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais em nossa Pátria"?

    Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 14/04/1994 - Página 1789