Discurso no Senado Federal

PROPOSTAS DE REFORMA DO MODELO ECONOMICO BRASILEIRO VISANDO AO RESGATE DA DIVIDA SOCIAL.

Autor
Valmir Campelo (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/DF)
Nome completo: Antônio Valmir Campelo Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • PROPOSTAS DE REFORMA DO MODELO ECONOMICO BRASILEIRO VISANDO AO RESGATE DA DIVIDA SOCIAL.
Aparteantes
Mauro Benevides.
Publicação
Publicação no DCN2 de 15/04/1994 - Página 1817
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • APRESENTAÇÃO, PROPOSTA, ALTERAÇÃO, MODELO ECONOMICO, PAIS, COMBATE, INFLAÇÃO, AUMENTO, TAXAS, JUROS.
  • CRITICA, POLITICA, GOVERNO FEDERAL, AUSENCIA, DISCRIMINAÇÃO, SUBSIDIOS, TARIFAS, SETOR PUBLICO, RESULTADO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, RESPONSABILIDADE, ESTADO, PREJUIZO, POPULAÇÃO.

      O SR. VALMIR CAMPELO (PTB - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente e Srs. Senadores, apesar do crescimento econômico verificado no começo dos anos 70 - crescimento, aliás, financiado por essa volumosa dívida externa que nos impediu de crescer durante toda a década de 80 - enorme parcela do povo brasileiro continuou a sofrer níveis aviltantes de pobreza e de miséria.

      É chegada a hora de passarmos da retórica à ação concreta. O povo brasileiro não mais pode aguardar pelo efetivo resgate da dívida social e por uma melhor distribuição de renda neste País. Somente de brasileiros indigentes - assim considerados os indivíduos que, no máximo, conseguem satisfazer suas necessidades diárias básicas de nutrientes - temos 32 milhões de pessoas, ou seja, uma população de famintos equivalente à da Argentina! Essa é uma das estatísticas, talvez a mais contundente, da nossa vergonha nacional, que atesta o quanto somos uma sociedade dividida e desarmônica.

      Igualmente é chegada a hora de evitarmos alimentar a sociedade de falsas esperanças, vendendo-lhe ilusões irrealizáveis. O resgate da dívida social é, antes de tudo, um processo árduo, desgastante, complexo, demorado, que deve envolver necessariamente todas as autoridades sociais relevantes do País e que deve empolgar a Nação, necessitando de muita vontade política para dar certo, mas que tem de começar já.

      Sr. Presidente, Srs. Senadores, o que produz a fome, a miséria, a pobreza em nosso País? Diríamos, genericamente, que é um certo modo de organização de nossa economia, conceito que poderia ser resumido pela expressão modelo econômico. Naturalmente, um modelo econômico, embora tenha seu cerne por assim dizer ontológico constituído de variáveis econômicas, sofre as influências dos fatores políticos, sociais e culturais da sociedade.

      Amiúde tem-se mencionado o modelo econômico como o vilão responsável pela pobreza da população brasileira, sem se saber exatamente o que isso quer dizer e como modificá-lo. Sem pretender esgotar um assunto tão complexo e tão multifacetado como esse certamente é, gostaríamos, nessa alocução, de sugerir, de acordo com a visão que temos dos problemas nacionais, duas linhas de reformas necessárias do modelo econômico brasileiro, esperando dar, assim, uma pequena contribuição para retirar o Brasil do rol das nações de distribuição de renda mais desiguais do mundo.

      Uma primeira linha de reformas seriam aquelas conjunturais, que devem produzir efeitos de forma mais ou menos imediata. A segunda seriam as reformas estruturais, que modificam o arcabouço permanente do nosso modelo econômico. Nós nos limitaremos a apontar duas ações concretas em cada linha citada.

      Dentre as reformas chamadas conjunturais, destacaríamos o combate imediato às altas taxas de inflação e a mudança da política de subsídios às tarifas públicas do Governo.

      A inflação altíssima e incontrolável, sem dúvida, representa hoje o inimigo público número um do Brasil. É a causa da nossa incapacidade de voltar a crescer de forma sustentada, sendo igualmente o fator que alimenta a ciranda financeira e as altas taxas de juros vigentes no País. Aliás, quanto às taxas de juros, fica-se muitas vezes numa discussão um tanto estéril para se saber se é a inflação que causa o juro alto ou se é o juro alto que causa a inflação. Certamente, a inflação alta e o juro alto continuadamente se retroalimentam, num efeito, digamos assim, circular. A inflação alta gera um juro alto, que, por sua vez, volta a incentivar a inflação.

      Para combater a inflação, o que temos hoje é o Plano do Ministro Fernando Henrique Cardoso, que, na minha opinião, devemos prestigiar. É um plano que abre mão das bruxarias do passado recente, para afirmar que a queda da inflação depende do equilíbrio das contas públicas e de formas permanentes para o financiamento não inflacionário dos gastos do Governo. Um governo com a autonomia financeira, por sua vez, não precisa sair atrás do mercado financeiro com um pires na mão. Segue-se daí a possibilidade de as taxas de juro recuarem, debelando a ciranda financeira e permitindo os investimentos produtivos no País, o que gera crescimento econômico e certamente empregos.

      O segundo ponto é a modificação da política de subsídio às tarifas públicas, que, diga-se a bem da verdade, começou a ser revista para melhor, no atual Governo. Desde que o Brasil passou a conviver com taxas muito altas de inflação, mais ou menos do Governo Figueiredo para cá, as tarifas públicas começaram a ser comprimidas como estratégia para refrear artificialmente a inflação. Esse recurso fácil e irresponsável ajudava a permitir a contenção temporária da inflação. No entanto, o custo da medida aparecia mais tarde, na forma de uma deterioração na saúde financeira das empresas estatais, de um agravamento do déficit público e de um aumento posterior da inflação que se queria debelar.

      Tomemos o caso emblemático do setor da energia elétrica, administrada pelo sistema ELETROBRÁS. Durante muitos e muitos anos, embora mais modestamente até hoje, as tarifas da energia elétrica têm sido subsidiadas pelo Tesouro Nacional de forma indiscriminada. Isso quer dizer que tanto o consumidor residencial quanto o grande conglomerado industrial pagam menos que o custo real da energia que consomem. Quisemos citar esse exemplo porque flagra o Estado brasileiro, assumindo um papel que é o oposto ao que deveria assumir. Ao subsidiar tarifas generalizadas e indiscriminadamente, sem qualquer critério, o Estado converte-se num fator de concentração de renda no País. O subsídio somente distribui renda quando se atém ao benefício dos grupos sociais de menor renda. No caso da energia elétrica, somente deveria haver subsídio para o pequeno consumidor residencial. Mas, uma vez que o subsídio é estendido a todos, o Estado retira dinheiro dos contribuintes, que constituem toda a sociedade, pobres e ricos, para engordar os lucros das grandes organizações empresariais, principalmente aquelas que consomem grande quantidade de energia, como, por exemplo, as empresas de alumínio e as montadoras de automóveis.

      O Sr. Mauro Benevides - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador?

      O SR. VALMIR CAMPELO - Com muito prazer ouço V. Exª

      O Sr. Mauro Benevides - Nobre Senador Valmir Campelo, V. Exª se reporta à questão do subsídio das tarifas de energia elétrica. Faz considerações indiscutivelmente abalizadas, e eu me permito dizer que há um setor em que o subsídio da energização é indispensável. Eu gostaria de lembrar a V. Exª o que já cheguei a dizer neste Plenário: no que tange à energia rural, sobretudo para os projetos de irrigação, esse subsídio é fundamental, é indispensável, especialmente naquelas áreas reconhecidamente carentes de todo o País. Então, no momento em que V. Exª faz esta apreciação globalizada e, a esta altura do seu discurso, V. Exª se reporta à questão do subsídio das tarifas de energia elétrica, eu me permito inserir no seu pronunciamento esta sugestão, no sentido de que se garanta a energia rural nas regiões carentes do País, a fim de que, especialmente para os encargos da irrigação, tenhamos, de fato, uma energia que possibilite ao mini, ao pequeno e ao médio produtor condições de acionar os seus motores. Enfim, é necessário garantir algo que possa reduzir os custos de produção para que, quando forem repassados os produtos ao consumidor, consigamos fazê-lo em condições muito mais favoráveis. Era esta a sugestão que entendi do meu dever incluir neste oportuno pronunciamento de V. Exª

      O SR. VALMIR CAMPELO - E eu a acolho com o maior prazer, nobre Senador Mauro Benevides, porque ela vem exatamente somar com aquilo que estou dizendo.

      A sugestão é louvável, porque V. Exª se preocupa com os projetos sociais, principalmente com aqueles destinados ao desenvolvimento da agricultura - tema que inclusive será por mim abordado oportunamente.

      V. Exª, homem sensível aos problemas sociais, tem toda razão; Somente através do desenvolvimento, do incentivo à agricultura, poderemos cada vez mais desenvolver, através do financiamento de projetos para a área rural, mais alimentos para a nossa população.

      Continuando, Sr. Presidente, eu diria que isso no Brasil tem que acabar. O Estado deve ser um veículo para a justiça social, não para a concentração de renda.

      Dentre as reformas estruturais, destacaríamos a reforma agrária e uma maior assistência à Educação no Brasil.

      A reforma agrária é um programa de política pública que presidiu o processo de modernização capitalista em todos os países de estrutura agrária baseada no latifúndio, como é o nosso caso.

      Deixando de lado o processo mais antigo das nações européias e concentrando-nos em exemplos mais recentes deste século, é sabido que tanto o Japão quanto os chamados "tigres asiáticos" conheceram um grande impulso em sua prosperidade e na capacidade de crescimento de suas economias após terem promovido uma ampla reforma agrária em suas terras agricultáveis. A reforma agrária, além de ter o efeito de fixar o homem rural no campo, constitui um instrumento indispensável para uma melhor distribuição de renda e para um subseqüente fortalecimento do mercado interno consumidor. Também aumenta a oferta de alimentos e moderniza a estrutura econômica e social do interior.

      O Mapa da Fome, estudo elaborado pelo IPEA, mostra que, por exemplo, na região Nordeste, a maioria da massa de indigentes encontra-se no setor rural.

      Enganam-se aqueles que pensam que a reforma agrária significa mais violência no campo e despesas enormes para o Tesouro. Não; a reforma agrária, que deve recair sobre as grandes e médias propriedades improdutivas, sem valor ecológico considerável, conduzida de forma inteligente e eficaz, faz-se por meio de legislação tributária. É taxando-se progressivamente, com alíquotas altas, as propriedades que são improdutivas e que, portanto, não estão cumprindo sua função social, prevista na Constituição, é taxando-se pesadamente essas propriedades que obrigaremos os seus proprietários ou a passar a produzir alimentos em suas terras ou, então, a terem, mais cedo ou mais tarde, de entregar ao Estado essas terras para fim de reforma agrária.

  

      Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 15/04/1994 - Página 1817