Discurso no Senado Federal

O FENOMENO DO DESPERDICIO NA ECONOMIA BRASILEIRA. CAUSAS DO DESPERDICIO DE GRÃOS NA AGRICULTURA DO BRASIL. A PROBLEMATICA DA CONSERVAÇÃO DE ENERGIA E O CONSEQUENTE DESPERDICIO.

Autor
Valmir Campelo (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/DF)
Nome completo: Antônio Valmir Campelo Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA NACIONAL.:
  • O FENOMENO DO DESPERDICIO NA ECONOMIA BRASILEIRA. CAUSAS DO DESPERDICIO DE GRÃOS NA AGRICULTURA DO BRASIL. A PROBLEMATICA DA CONSERVAÇÃO DE ENERGIA E O CONSEQUENTE DESPERDICIO.
Publicação
Publicação no DCN2 de 19/04/1994 - Página 1862
Assunto
Outros > ECONOMIA NACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, PUBLICAÇÃO, PERIODICO, INSTITUTO NACIONAL DE METROLOGIA NORMALIZAÇÃO E QUALIDADE INDUSTRIAL (INMETRO), DIVULGAÇÃO, SETOR, AGRICULTURA, INDUSTRIA, SERVIÇO, CONSTRUÇÃO CIVIL, ENERGIA, RESPONSABILIDADE, AUSENCIA, APROVEITAMENTO, RECURSOS.
  • DEMONSTRAÇÃO, DADOS, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), COMPROVAÇÃO, AUSENCIA, APROVEITAMENTO, ALIMENTOS, PAIS.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, PARCERIA, QUALIDADE, AUTORIA, LUCIA STELA DE MOURA, DIVULGAÇÃO, ESTIMATIVA, PREJUIZO, BRASIL, AUSENCIA, APROVEITAMENTO, RECURSOS, SETOR, ECONOMIA.
  • DEFESA, CRIAÇÃO, PROGRAMA, QUALIDADE, PRODUTIVIDADE, SETOR, ECONOMIA, VALORIZAÇÃO, POPULAÇÃO, OPORTUNIDADE, ATENDIMENTO, NECESSIDADE, ALIMENTAÇÃO, SAUDE, EDUCAÇÃO, VESTUARIO, HABITAÇÃO.

    O SR. VALMIR CAMPELO (PTB-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o ufanismo nacional costuma apresentar o Brasil como o maior país do mundo em um sem-número de aspectos, de atividades e de empreendimentos, campeão em uma gama enorme de realizações. Estamos sempre ostentando pomposos títulos de país responsável por maravilhosas e gigantescas obras e por admiráveis, portentosos e inigualáveis feitos.

    Quase sempre escondemos, porém, que somos grandes também em problemas, por exemplo, em injustiça social, na má distribuição da renda, em pobreza e miséria, em baixos salários, em extermínio de menores, em crimes de toda a espécie, em desemprego, em corrupção e em tantas outras mazelas, desgraças, infortúnios e desacertos. Dessa forma, ignoramos um outro malfadado título: somos os maiores do mundo também em desperdício.

    Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não sabemos estimar o montante do desperdício brasileiro (não somos, diga-se a propósito, muito bons também no conhecimento preciso da nossa própria realidade). Diz-se, é bem verdade, que o conceito de desperdício comporta várias modalidades. Prevê-se, por isso, com base em números encontrados na literatura sobre o tema, que ele corresponda anualmente a um percentual que vai de 5 a 15% do nosso Produto Interno Bruto.

    Entre os setores responsáveis pelas maiores perdas encontram-se os da agricultura, indústria, serviços, construção civil e energia.

    Essas informações, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, bem como outras que apresentarei a seguir, constam da revista INMETRO, relativa ao período de julho a setembro de 1993, dedicada ao desperdício no Brasil.

    São muitas as causas do desperdício em nosso País. As principais, conforme indicação dos técnicos, são o nosso atraso tecnológico, as práticas administrativas incorretas e os modos de produção inadequados. Há também razões de ordem cultural, o baixo investimento em educação e em pesquisa tecnológica e a falta de normas, padrões e sistemas de controle.

    Sr. Presidente, Srs Senadores, verdadeiramente estarrecedores são os números do desperdício que ocorre no setor agropecuário.

    Dados do IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, revelam que, anualmente, o Brasil desperdiça 4 bilhões de dólares em alimentos. Calcula-se que apenas com os alimentos desperdiçados pelos consumidores seria possível saciar a fome de até dez vezes o número de indigentes brasileiros. Somente no Rio de Janeiro, conforme denúncia constante de artigo publicado na edição de 20 de julho de 1993 no Jornal do Brasil, que tem por título "Sobra de feiras pode alimentar milhões", ao final de cada feira realizada naquela cidade, registra-se uma sobra de 1,5 tonelada de alimentos. No período de um ano, o desperdício de alimentos ocorrido nas feiras cariocas chega a 14 mil toneladas.

    Os dados não se esgotam infelizmente aí, Sr. Presidente e Srs. Senadores. No setor moageiro, nada menos do que 15 mil toneladas de trigo, deterioradas pelo tempo, estragam mensalmente e vêm trazendo ao País um prejuízo de 200 milhões de dólares. Não bastasse isso, por deficiência no processo de embalagem de produtos, o Brasil perde cerca de 10% do total das suas exportações.

    A economista Ana Maria Brochado, integrante do Comitê do Programa de Qualidade, do Ministério da Agricultura, do Abastecimento e Reforma Agrária, em artigo intitulado “Perdas da Agropecuária Brasileira”, publicado no informativo do INMETRO, anteriormente mencionado, afirma, com base no estudo da Comissão Técnica para Reunião das Perdas na Agropecuária, que o desperdício nas diversas etapas dos processos produtivo e de comercialização chega ao montante de 2,34 bilhões de dólares para cinco espécies de grãos selecionados e para os produtos hortigranjeiros.

    No que concerne aos grãos, verificam-se esses índices de perda: arroz -22,1%; feijão - 15%; milho - 17,7%; soja -10,3%; e trigo - 9,2%. Os índices de perdas relativos às hortaliças são assustadores: para o subgrupo folha, flor e haste - 40,6%; para frutos - 38,1 %; para tubérculos, raízes e rizomas - 30%;

    Para as frutas, o índice é também muito elevado, 30%.

    Dos cinco tipos de grãos analisados, o milho é o que apresenta os maiores índices de desperdício, considerado tanto o aspecto físico quanto o monetário. Em média, nos três anos anteriores ao estudo, as perdas foram de 4,4 milhões de toneladas, que equivalem a 472,4 milhões de dólares. A soja, por sua vez, apresenta perdas médias anuais de 1,88 milhão de toneladas, que correspondem a 302,935 milhões de dólares. No total, os cinco grãos analisados somam perdas anuais de 9,029 milhões de toneladas, equivalentes a 1,35 bilhão de dólares.

    Quanto ao setor de hortigranjeiros, verificou-se que, nos três anos considerados pelo estudo, a perda média foi de 1,04 bilhão de dólares.

    Muitas são as causas do desperdício na agricultura brasileira, entre as quais se enumeram a escassez e o uso de equipamentos desregulados ou tecnologicamente ultrapassados, a falta de operadores capacitados, a falta de gerenciamento na movimentação das safras, a utilização de variedades, técnicas e sistemas de cultivo inadequados, o escoamento da safra através de rodovias precárias, o congestionamento da produção nos armazéns e portos, a inadequada intermodalidade do sistema de transporte, o excessivo manuseio da safra e o precário sistema de difusão de informações.

    Grandes prejuízos são também devidos à queda da produtividade agrícola, em virtude da não utilização ou uso inadequado de insumos agrícolas, como sementes, defensivos e corretivos de solos.

    Registrem-se, ainda, as perdas de qualidade. Não temos, infelizmente, no Brasil, onde o mercado consumidor é pouco exigente, quase nenhuma tradição no controle de qualidade de produtos agrícolas. Pesquisadores há que afirmam serem mais significativas, na produção brasileira de grãos, as perdas de qualidade e de valor nutritivo do que as perdas físicas.

    O artigo da economista Ana Maria Brochado enumera as etapas da cadeia produtiva em que ocorrem os maiores índices de perdas e os principais fatores de desperdício. Quando se trata de grãos, os maiores percentuais são registrados durante a colheita e armazenagem, o que indica a necessidade de adequadas ações por parte dos agentes responsáveis por essas etapas. Também necessárias são as providências para a redução de perdas no sistema de escoamento da safra agrícola. Somente nessa etapa perde-se cerca de 1 bilhão de dólares.

    As perdas durante o transporte da safra acontecem graças a sérias distorções existentes no sistema. Setenta por cento da safra brasileira é transportada através de rodovias, o que contribui para onerar o custo dos produtos e gerar outros problemas, como os relativos, por exemplo, ao tempo de viagem, número de acidentes e conservação das rodovias.

    Conclui o estudo que, "mantido o quadro atual, os custos de produção continuarão altos, o consumidor continuará onerado por "custos de ineficiência" e a competitividade alcançada pelos níveis de produtividade obtidos nas propriedades rurais perder-se-á quando da movimentação da safra até o porto ou o consumidor final".

    Grandes desperdícios são também verificados na indústria. De acordo com o artigo "Eliminar desperdício para disputar mercados", de José Roberto Vanorden Vieira, industrial e presidente da Expirax Sarco, "em média otimista, a indústria está desperdiçando 25% da energia que produz em suas caldeiras com a queima de óleo combustível, devido a falhas na manutenção e à utilização inadequada de equipamentos". Traduzidas em cifras, essas perdas representam, por ano, pelo menos 175 milhões de dólares, levando-se em conta que a indústria nacional consome cerca de 7 milhões de toneladas de óleo no período.

    Afirmam os técnicos que a forma mais rápida e mais econômica para se alcançar eficiência nos processos produtivos é o combate ao desperdício de energia.

    No Brasil, já implementamos com sucesso programas de conservação de energia elétrica e de óleo combustível, criados pelo Governo Federal quando da crise do petróleo.

    O Programa de Racionalização de Derivados de Petróleo, por exemplo, coordenado pelo extinto Conselho Nacional de Petróleo, possibilitou excelentes índices de economia.

    Infelizmente, no entanto, o projeto foi desativado em 1986, com a queda do preço do barril de petróleo e com o fim da crise mundial de fornecimento do combustível. Não muito tempo depois, extinguiu-se também o Conselho Nacional de Petróleo. Com isso, perderam-se todas as informações que tinham sido levantadas pelo Programa.

    Está aqui, aliás, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, uma inconcebível demonstração de desperdício patrocinada pelo próprio Governo, que, nos últimos anos, por conta de empreender sucessivas reformas administrativas, desmantelou a Administração Pública Federal, com a conseqüente perda de muitas e preciosas informações.

    A propósito da ação governamental, registre-se a denúncia, nos termos do artigo do Sr. José Roberto Vanorden Vieira, de que, quanto à conservação de energia, "não há qualquer fiscalização ou orientação governamental junto às indústrias". Conforme o articulista, "apenas as empresas que precisam exportar, disputando mercados com adversários do Primeiro Mundo, procuraram manter a cultura da conservação de energia em prol da economia e da própria competitividade. E, mesmo entre essas, sabe-se que, no setor petroquímico, ainda se desperdiça, em média, 10% do vapor produzido; no setor químico, esse número fica em 11,7%; no setor alimentício, em 8,8%; e 13,3% no automobilístico(...). Não é raro, contudo, constatarem-se perdas de mais de 30% ou 40%.

    Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na publicação do INMETRO, há também dados muito preocupantes quanto à corrosão metálica. Artigo intitulado "Um desperdício a ser evitado", de Eduardo H. de S. Cavalcanti, relata que o Brasil não dispõe de informações precisas quanto ao valor global das perdas que lhe são impostas pela corrosão. Estima-se, porém, com base em dados coletados de relatório britânico sobre a matéria, que o custo da corrosão em nosso País tenha alcançado, em 1992, o montante de 16 bilhões de dólares. Segundo esse relatório, a perda de pelo menos 25% desse valor - cerca de 1 % do PIB - poderia ter sido evitada com a utilização das técnicas usuais de controle e prevenção da corrosão.

    A corrosão, como se sabe, é conseqüência direta da ação destrutiva que o meio ambiente exerce sobre a grande maioria dos metais e ligas. Está presente nos mais diversos setores produtivos e de prestação de serviços do País, onde torna equipamentos, instalações, estruturas e produtos metálicos impróprios para uma utilização segura e economicamente viável. É responsável, entre muitas outras, por perdas relativas à substituição de peças, reparo e manutenção de instalações, paralisações de unidades e deterioração de produtos.

    De extrema gravidade perante a opinião pública são as perdas ocasionadas pela corrosão, que podem ocorrer, por exemplo, em tubulações submersas ou enterradas, latas de conservas e material cirúrgico, trazendo contaminações metálicas e de produtos químicos ao meio ambiente, a produtos alimentícios ou ao próprio ser humano.

    Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, são intermináveis as ocorrências de desperdício em nosso pobre País. À guisa de síntese, concluindo este pronunciamento, citarei, para demonstrar a extensão do fenômeno no Brasil, alguns números apresentados no artigo de Lúcia Stela de Moura, intitulado Como Vencer a Guerra, publicado em Parceria em Qualidade, nº 5, de abril-maio de 1993. A autora trabalha com a estimativa de que o Brasil desperdice 41 bilhões de dólares - 10% do PIB - em bens e serviços: 40% do consumo nacional de água; 14 milhões de toneladas anuais de grãos - cerca de 20% de toda a produção; 70% de papel não reciclado; seis bilhões de dólares da produção industrial brasileira; 1 milhão de dólares diários na área de educação; 35% de todo o material usado na construção civil.

    Sem dúvida, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a assombrosa dimensão dessas perdas colabora para agravar nossa crise econômica e contribui, além disso, para nos colocar em situação de desvantagem perante a economia mundial, cujas palavras de ordem nestes novos tempos de integração comercial são qualidade, produtividade e competitividade.

    Se quisermos de fato começar a pensar em resolver os graves problemas do nosso País, temos que instituir sérios e eficientes programas de qualidade e produtividade em todos os setores da economia.

    Isso, porém, não é tudo. Temos também que valorizar o povo brasileiro, cujo potencial é vergonhosamente desperdiçado, pois de uma grande parcela de pessoas que o compõe é retirada até mesmo a oportunidade de satisfazer suas mais elementares necessidades vitais, como a alimentação, a saúde, a educação, o vestuário e a habitação.

    Com tanto desperdício nos domínios dos bens materiais e da própria pessoa humana - sem dúvida, o principal patrimônio da Nação - que projeto de desenvolvimento podemos traçar para o Brasil, Sr. Presidente?

    Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 19/04/1994 - Página 1862