Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO DE S.EXA. COM A DEMARCAÇÃO DE AREAS INDIGENAS NO ESTADO DE RORAIMA, EM PARTICULAR, DA RESERVA RAPOSA/SERRA DO SOL.

Autor
João França (PP - Partido Progressista/RR)
Nome completo: João França Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • PREOCUPAÇÃO DE S.EXA. COM A DEMARCAÇÃO DE AREAS INDIGENAS NO ESTADO DE RORAIMA, EM PARTICULAR, DA RESERVA RAPOSA/SERRA DO SOL.
Publicação
Publicação no DCN2 de 28/04/1994 - Página 2038
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • APREENSÃO, ORADOR, POLITICA, GOVERNO FEDERAL, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, ESTADO DE RORAIMA (RR), FRONTEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, VENEZUELA, MOTIVO, PREJUIZO, ATIVIDADE, PECUARIA, MINERAÇÃO.
  • SOLICITAÇÃO, ALEXANDRE DUPEYRAT, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), REFORMULAÇÃO, POSIÇÃO, POLITICA, GOVERNO FEDERAL, RELAÇÃO, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, ESTADO DE RORAIMA (RR).

    O SR. JOÃO FRANÇA (PP - RR. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo mais uma vez a Tribuna do Senado Federal, para externar minha preocupação com relação a demarcação de áreas indígenas no Estado de Roraima.

    Semana passada estava em Boa Vista, quando recebi informações extra-oficiais dando conta de que nos próximos dias o Governo Federal homologaria ato de demarcação de aproximadamente 1,5 milhões de hectares de terras contínuas na região denominada Raposa/Serra do Sol.

    Sr. Presidente e Srs. Senadores, na tarde de ontem mantive contato telefônico com S. Exª, o Sr. Ministro da Justiça que confirmou a intenção do Governo em demarcar o mais rápido possível esta reserva.

    Várias vezes abordei aqui desta tribuna essa questão da Raposa/Serra do Sol. Fiz pronunciamentos e pedi transcrição nos Anais do Senado Federal de várias matérias versando sobre essa questão e que mereceram destaque na grande imprensa nacional e na imprensa de Roraima.

    Ainda preocupado com essa questão e com a política de demarcação de áreas indígenas em todo o país, trouxe à discussão nesta Casa proposta de emenda constitucional que transfere para o Congresso Nacional a responsabilidade de homologar essas demarcações. Tal proposta, que não chegou a ser votada nesta Casa foi sobrestada e seria objeto de discussão na reforma constitucional, no entanto, com o esperado fim da Revisão, trarei novamente à análise de meus Pares a referida proposta.

    Entendo que essa responsabilidade deve ser do Congresso Nacional para permitir que aqui o tema seja amplamente discutido por todos os segmentos envolvidos na questão e que ao final o Congresso se manifeste de forma justa e coerente, como sempre o faz nas questões de relevante interesse nacional.

    Srs. Senadores a demarcação de mais uma imensa área indígena em Roraima, representa mais um duro golpe para nosso Estado.

    Na Raposa/Serra do Sol, região de fronteiras com a Guiana e a Venezuela encontra-se a maior parte do rebanho bovino de Roraima. Em função desse problema o governo da Venezuela há muito que acena para os fazendeiros brasileiros com proposta de doação de terras com título definitivo, isenção fiscal e juros bancários subsidiados, além de cidadania venezuelana em três anos para todos os fazendeiros para que estes atravessem a fronteira com seus rebanhos. São 497 fazendeiros, donos de 240.000 (duzentos e quarenta mil) reses, correspondente a 80% do rebanho bovino de Roraima.

    Em matéria publicada em sua edição de 17-9-91, o Jornal do Brasil destacou o assunto, naquela oportunidade solicitei a transcrição da matéria nos Anais desta Casa. Na ocasião o Presidente da Associação dos Fazendeiros de Roraima, José Augusto Soares declarava que não havia outra saída senão "abrir as porteiras da Raposa/Serra do Sol e tocar a boiada para a Venezuela".

    Com mais 1,5 milhão de hectares de terras que passam ao controle do Governo Federal, Roraima fica sem autonomia de mais de 68% de seu território.

    Essa demarcação é o desfecho de longos anos de convivência pacífica entre índios e fazendeiros, que durante mais de um século conviveram na região em harmonia. O fim da boa convivência deu-se com a interferência de segmentos interessados em radicalizar a questão e que levaram a ocorrência de vários conflitos, nos últimos anos envolvendo índios e fazendeiros.

    Foi marcante a interferência da Igreja Católica, no incitamento aos indígenas, levando-os a invadir a propriedade privada e a praticar roubo de gado naquela região, fatos que desencadearam vários conflitos entre brancos e índios.

    Mais uma vez volto a relatar trechos de anotações históricas sobre Roraima, que revelam a instalação das primeiras fazendas de gado na região da Raposa/Serra do Sol. Esses registros datam do século XVIII, quando o Coronel Lobo D’Almada ali chegou, e revelam que não há vestígio de índios, a não ser na terras onde hoje fica a República da Guiana.

    Os mesmos relatos históricos revelam que após a instalação das primeiras fazendas pelos portugueses, em 1787, apareceram os índios, que desceram das montanhas para habitarem as savanas.

    Hoje, Srs. Senadores, a situação na Raposa/Serra do Sol é a seguinte: os índios que ali chegaram após a instalação das primeiras fazendas, convivem com aproximadamente 500 fazendeiros e um rebanho de quase 250.000 reses. O Governo do Estado mantém toda uma estrutura na região, oferecendo aos índios transporte, saúde e educação.

    Em depoimento prestado na CPI da Amazônia durante audiência pública da Comissão na Assembléia Legislativa de Roraima, o Governador Ottomar Pinto afirmou que a demarcação da reserva dos índios Macuxis é "a antropologia da fome e da miséria" que não terão mais os fazendeiros para lhes dar o sustento do dia-a-dia e nem os médicos e professores do Governo do Estado.

    Pois, com a demarcação aquela área passa ao controle da FUNAI, que não dispõe como todos nós sabemos de recursos e condições materiais e humanas para manter os benefícios que os indígenas ali recebem do governo de Roraima.

    Sr. Presidente, outro fato que nos causa preocupação é a demarcação da faixa e fronteiras com a Venezuela e Guiana como área indígena. Praticamente toda a fronteira norte de Roraima agora passa a ser reserva de índios.

    Onde deveria estar vigilante o nosso exército somente existe o vazio da ausência da autoridade brasileira.

    Por certo, Srs. Senadores, continuarão as invasões ao território brasileiro e o desrespeito aos limites das nossas fronteiras, sobretudo, por parte de militares venezuelanos que costumeiramente invadem o nosso país, matando e prendendo cidadãos brasileiros que atuam na garimpagem nas áreas de fronteira.

    Enquanto avançam as reservas indígenas em Roraima, inviabilizando de forma cruel e injusta o desenvolvimento de atividades produtivas como a mineração e a pecuária, o Governo Federal abandona projetos estratégicos e de fundamental importância para a segurança nacional como é o Projeto Calha Norte.

    Durante visita que fiz na semana que passou ao Comandante Militar de Roraima General Aparício, este me dizia das dificuldades e dos riscos ali existentes pela falta de recursos para que o Exército possa patrulhar aquela imensa área fronteiriça.

    Dizia-me a General Aparício da urgente necessidade de implementação do Projeto Calha Norte.

    Para finalizar Sr. Presidente, apelo ao Ministro da Justiça, Alexandre Duyperat, e ao Excelentíssimo Senhor Presidente Itamar Franco, para que façam uma reflexão e revejam a posição do governo em relação ao problema que aqui levantei.

    Gostaria ainda, de destacar que não sou de forma nenhuma contra a demarcação das terras dos índios. Embora ache que o isolamento não é o único meio de preservar as tradições e a cultura desses povos.

    Devemos demarcar as terras indígenas, utilizando-se de critérios justos e coerentes, sobretudo, respeitando o direito das comunidades não-índias que há séculos também habitam essas terras.

    Demarcações de extensas áreas contínuas como essa da Raposa/Serra do Sol, não observa esse direito, até porque as indenizações propostas pelo Governo Federal não correspondem a realidade e na sua maioria não são pagas, como existem várias exemplos dessa situação em Roraima.

    Concluo, Sr. Presidente, Srs. Senadores, destacando trecho de editorial da Gazeta de Roraima de 7-12-91, que destaca:

    A população interiorana de Roraima, em especial a parcela que há décadas convivem com os índios, é parte integrante dessas comunidades. Hoje, tal como Hitler faz com os judeus, é obrigado a separar-se de tudo, a abandonar um habitat, que é próprio dela, tal qual é dos povos indígenas que com ela convive a mais de um século. Arrancá-la do convívio com essas comunidades é um apartheid tão desprezível quanto o que a África do Sul praticou contra os nativos daquele país.

    Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente. Muito obrigado! 


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 28/04/1994 - Página 2038