Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DE AYRTON SENNA DA SILVA.

Autor
Gilberto Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AM)
Nome completo: Gilberto Miranda Batista
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DE AYRTON SENNA DA SILVA.
Publicação
Publicação no DCN2 de 11/05/1994 - Página 2131
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, AYRTON SENNA DA SILVA, MOTORISTA PROFISSIONAL, COMPETIÇÃO ESPORTIVA, AUTOMOVEL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).

      O SR. GILBERTO MIRANDA (PMDB - AM. Pronuncia o seguinte discurso.) - Exm° Sr. Presidente do Senado Federal, Senador Humberto Lucena, Exmª Sra Ministra da Ação Social, D. Leonor Franco, Exmº Embaixador Celso Amorim, Ministro das Relações Exteriores, Srs. Embaixadores, Exmºs Srs. Senadores, Sras e Srs., o Brasil, este País irreverente, que tem a maestria de ocupar pódios no mundo inteiro, lançando ao vento seus gritos de vitória no mesmo ritmo que tremula a Bandeira Nacional, está com um nó na garganta.

      Não sai mais o seu grito de guerra e a Bandeira ficou a meio pau.

      O Senna não está mais entre nós.

      Perdemos o nosso herói!

      Parecemos querer acreditar que heróis como Senna não morrem.

      Certamente foi injustiça dos deuses com aquele que dignificou a existência humana em todos os momentos.

      Ayrton Senna, Sr. Presidente, Srs. Senadores, é o brasileiro comum que deu certo.

      Ele foi desses brasileiros que, aos domingos de corrida, fazia parte de nossa casa e de nossa família.

      Realmente, o sentimento nacional perdeu um brasileiro exemplar, que conseguiu o milagre de unir corações em frente dos televisores.

      O mundo inteiro rende homenagens a esse campeão.

      A mídia mostra tudo e a todo tempo, tentando energizar o sentimento de perda com as imagens desse herói.

      É assim que os heróis devem ser lembrados. Ayrton Senna da Silva, Sr. Presidente e Srs. Senadores, não morreu.

      A 300 Km/h, seguiu mais rápido para a reta final de outros espaços, outras dimensões. Certamente, ganhou de novo esta corrida. Subirá, finalmente, ao pódio dos deuses, para sempre.

      Senna, daqui, o nosso aplauso pela sua vitória eterna.

      Mas Senna, Sr. Presidente e Srs. Senadores, não se tornou herói por acaso ou por falta de personalidades na vida do País, pois já nasceu herói, ao transpor todas as barreiras naturais que obstaculizam a vitória de um esportista vindo do Terceiro Mundo perante a exuberância do chamado mundo civilizado.

      A sua incontestável eficiência profissional, a sua retidão de caráter, a par do arraigado sentimento de brasilidade, fizeram deste compatriota idolatrado o símbolo e o modelo de uma raça que ainda acredita em si e na imensa Nação que construiu.

      Forjado na têmpera dos fortes, porque ele era um forte, Ayrton Senna da Silva deixou a este seu amado País e a seu povo o maior legado que um homem pode transferir a seus semelhantes: o exemplo de correção de atitudes, de dignidade, de honradez, de simplicidade e de afeto à sua gente.

      Afastando de si o fantasma do orgulho mesquinho pelo sucesso alcançado, jamais negou um aceno, um sorriso ou uma palavra de estímulo a seus colegas e colaboradores e nunca esqueceu a frenética massa de compatriotas que acompanhou aflita, mas confiante, a sua trajetória brilhante nas mais sofisticadas pistas de alta velocidade em todos os quadrantes da Terra.

      O simpático gesto de empunhar a Bandeira Nacional nos finais felizes dos Grand Prix tornou-se um tônico para milhões de brasileiros que, muitas vezes, já quase descrentes e abandonados pela sorte e pelo Estado, experimentavam uma sensação de esperança no seu País.

      Nascido a 21 de março de 1960, na cidade de São Paulo, estreou no mundo das quatro rodas aos 8 anos de idade, na cidade de Campinas, vindo a correr no Autódromo de lnterlagos, numa prova de Kart, em 1973, portanto com apenas 13 anos de idade, quando ainda estudava no Colégio Rio Branco.

      Nessa modalidade, já em 1977, “Béco”, como era chamado, foi campeão sul-americano, repetindo o feito em 1978.

      Sagrou-se tetracampeão brasileiro de Kart ao vencer os campeonatos de 1978 a 1981 inclusive, tornando-se, nesse mesmo período, vice-campeão mundial por duas vezes.

      Nesse mesmo ano de 1981, e poucos dias antes de adquirir a maioridade civil, foi convidado para participar da Fórmula 1600, quando venceu a sua primeira prova na Europa, em Brands Hatch, tornando-se campeão inglês dessa categoria. Ainda na Inglaterra, ganhou o campeonato inglês e europeu de Fórmula 2000 em 1982 e foi campeão inglês de Fórmula 3 no ano de 1983.

      O jovem e notável piloto Ayrton Senna ingressou no seleto e restrito círculo da Fórmula 1 em 1984, integrando a escuderia Tollemann. Sua primeira vitória se deu no circuito de Estoril em 1985, ano em que obteve a 4a colocação no mundial, pela equipe Lotus, havendo, em 1986, repetido essa colocação. Em 1987, sobe para o 3° lugar no campeonato e, em 1988, já pela McLaren, sagrando-se, pela primeira vez, campeão mundial da Fórmula 1. No campeonato de 1989, obtém a 2a colocação e confessa, publicamente: "Pilotar é a minha paixão. Eu carrego essa paixão no sangue".

      No curso desse mesmo ano de 1989, revela sua enorme força interior ao divulgar: "Luto com todas as minhas forças e a cada volta. Quero a perfeição". E, noutra oportunidade, afirma: "Canalizo todas as energias para ser o melhor do mundo".

      Essas palavras refletiam uma verdade incontestável, pois Senna venceu em 90 e tornou-se tricampeão em 91.

      Nesses 10 anos de competição no mais complexo e sofisticado círculo do automobilismo mundial, em que participou de 161 Grandes Prêmios, obtendo 41 vitórias, 65 pole positions, o inesquecível herói brasileiro somou 614 pontos nos diversos campeonatos de que participou e fez 19 voltas mais rápidas.

      Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, a sua admirável missão entre nós não se circunscreveu a demonstrações de habilidade e perícia na direção de um automóvel, mas caracterizou-se, sobretudo, pela irretocável conduta como pessoa e pelo exemplo deixado à juventude. A nova geração deve muitas alegrias a esse notável brasileiro que há pouco nos deixou, e as gerações futuras serão devedoras pelo modelo de lisura, honradez, dignidade e fraternidade legado pelo inesquecível piloto brasileiro, que jamais permitiu que a glória empanasse a simplicidade do seu modo de ser.

      Ayrton Senna foi uma das unanimidades nacionais. Senna tornou-se o símbolo da eficiência e da correção de caráter perante a descrente sociedade brasileira. Ao lado de tantos outros pilotos brasileiros que honraram o nosso País nas pistas de todo o mundo, quer como autênticos campeões, quer como arrojados aspirantes ao pódio, Ayrton integra essa plêiade de bravos que tanto orgulho nos têm proporcionado. A discrição da sua vida particular, aliada à união com sua família, demonstra, por si só, a retidão de caráter de uma das personalidades mais conhecidas e admiradas internacionalmente no cenário desportivo.

      Quis o destino que justamente aquele que mais se batia em prol da segurança dos circuitos e dos carros de Fórmula 1 viesse a sofrer a maior tragédia que até hoje se abateu sobre essa modalidade de automobilismo.

      A luta iniciada com coragem e desprendimento por Senna certamente não será abandonada pelos seus colegas, pois a sua antevisão do gravíssimo problema da segurança de pilotos há de levar, obrigatoriamente, as autoridades responsáveis pelos eventos da Fórmula 1 a revisar as normas relacionadas com a integridade física dos pilotos.

      Ayrton Senna plantou a semente, e o fez com plena consciência dos perigos que ameaçavam as corrida. Resta aos que ficaram a conclusão dessa obra, que provavelmente colidirá com muitos interesses não revelados.

      As homenagens a ele prestadas na semana que passou deixaram evidenciada a admiração e o afeto de milhões de pessoas em todos os continentes. As manifestações populares ocorridas na chegada do seu corpo ao Brasil e por ocasião dos funerais na cidade de São Paulo, onde milhares de pessoas de todas as camadas sociais se uniram na dor, como se fosse ele um membro da família de cada brasileiro, revelam a liderança natural e carismática de Senna, cidadão brasileiro que tanto contribuiu para a divulgação de seu País no exterior e que tantas alegrias proporcionou a seus patrícios.

      As demonstrações de carinho que presenciamos no último adeus a Senna foram comoventes.

      A afirmação de que o sentimento dos brasileiros com a morte de Ayrton Senna equiparou-se à perda de um ente da família não é exagero, nem fruto de retórica, mas pôde ser constatada por este Senador que vos fala, no seio de sua família.

      No fatídico dia 1° de maio comemorávamos o aniversário de minha filha Juliana. Preparado um almoço, com a presença de amigos e familiares, aquele encontro que deveria ser motivo de festa e alegria transformou-se, abruptamente, a partir da notícia do falecimento de Senna em Imola, numa reunião funesta, onde o riso e a felicidade deram lugar à lágrima e à desolação. Esta cena familiar, naquele infausto domingo, ocorreu em todos os lares brasileiros.

      Sr. Presidente e Srs. Senadores, nesta hora de extrema emoção, na qual prestamos homenagem a um vulto da vida nacional que tanto fez pelo seu País, especialmente divulgando o nome do Brasil nos mais longínquos continentes, consternado com o trágico desaparecimento do compatriota Ayrton Senna da Silva, apresento, em meu nome particular e no de meus familiares, as condolências à família desse ilustre brasileiro, especialmente a seus pais Sr. Milton e Dona Neide e seus irmãos Viviane e Leonardo.

      Valeu, Senna !

      Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 11/05/1994 - Página 2131