Discurso no Senado Federal

MODO DE INSERÇÃO DO BRASIL NA ECONOMIA INTERNACIONAL E MERECEDOR DE ATENÇÃO IMEDIATA DA CLASSE POLITICA DO PAIS.

Autor
Jutahy Magalhães (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/BA)
Nome completo: Jutahy Borges Magalhães
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).:
  • MODO DE INSERÇÃO DO BRASIL NA ECONOMIA INTERNACIONAL E MERECEDOR DE ATENÇÃO IMEDIATA DA CLASSE POLITICA DO PAIS.
Publicação
Publicação no DCN2 de 04/05/1994 - Página 2080
Assunto
Outros > MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).
Indexação
  • COMENTARIO, ANALISE, IMPORTANCIA, DEFESA, PARTICIPAÇÃO, BRASIL, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), OBJETIVO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, PAIS, CONTINENTE, AMERICA LATINA.

    O SR. JUTAHY MAGALHÃES (PSDB - BA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, temos insistido, na oportunidade de alguns pronunciamentos nossos, em que a questão relativa ao modo da inserção do Brasil na economia internacional é um tema fundamental e urgente que deve merecer a atenção imediata da classe política deste País. O que dizemos não constitui nenhuma novidade: encontra-se estampado diariamente nos jornais e nas capas das revistas, sendo assunto de debates em mesas-redondas na televisão.

    A integração mundial das economias nacionais é um desses fatos peremptórios dos quais, mesmo que se queira, não se pode fugir. No passado existiu a opção, que muitas nações fizeram de forma competente, por uma economia relativamente autônoma em relação aos fluxos de comércio internacional. O Brasil mesmo implantou políticas industriais bastante amplas de substituição de importações, que tinham na contenção das importações sua pedra angular. O País retirava-se de parte da corrente do comércio internacional para que pudesse desenvolver aqui indústrias que jamais vingariam caso tivessem de concorrer de igual para igual com suas similares estrangeiras, mais maduras. Essa política, adotada de forma generalizada, representou uma fase importante de nosso desenvolvimento industrial. Hoje ainda pode ser adotada com eficiência para um ou outro setor estratégico de alto valor tecnológico, desde que de maneira moderada e por tempo determinado.

    Entretanto, as mudanças espantosas que ocorreram no mundo, nas duas últimas décadas, em termos de tecnologia, de transportes e de organização da produção de mercadorias, relegaram essa opção por uma economia auto-suficiente a um malogro quase certo. Um país isolar-se da economia mundial, hoje em dia, equivale a condenar seu parque industrial e sua estrutura de serviços a uma obsolescência muito rápida, com conseqüências funestas sobre sua capacidade de exportação e, de forma mais ampla, sobre o bem-estar de sua sociedade. Assim, uma vez que não é dada ao Brasil a escolha entre se deseja ou não inserir sua economia de maneira mais integrada no comércio internacional de bens e de serviços, resta à elite brasileira pensar de que forma, em que ritmo e em quais condições essa integração deve se processar.

    Nesse contexto, a consolidação do Mercado Comum dos Países do Cone Sul - o MERCOSUL - reveste-se, para o Brasil, de uma importância estratégica capital. Nos quatro cantos do planeta, as nações organizam-se em blocos econômicos, instaurando uniões aduaneiras, zonas de livre comércio e mercados comuns. O Brasil não pode virar as costas para essa tendência mundial, sob o risco de ficar à margem dos caminhos do progresso e dos fluxos de riqueza.

    Sr. Presidente e Srs. Senadores, muito tem sido aplaudida a participação do México, ao lado dos Estados Unidos e do Canadá, no NAFTA - o Acordo de Livre Comércio da América do Norte. O acesso do México ao mercado norte-americano, que o NAFTA permitirá, tem sido apontado por muitos analistas como uma espécie de panacéia para os problemas de desenvolvimento daquele país. Há mesmo quem diga que o NAFTA constitui o marco inicial da entrada do México no Primeiro Mundo. Esperamos que essas esperanças se concretizem e que os mexicanos logrem atingir um melhor bem-estar como conseqüência de suas recentes opções políticas e econômicas.

    Entretanto, sem desmerecer as preferências mexicanas, pensamos sinceramente que o Brasil, ao participar do MERCOSUL, encontra-se em melhor situação do que a do nosso irmão latino do Norte, ainda que o tamanho do MERCOSUL seja bastante modesto em comparação com o do imenso NAFTA. Enquanto o México há de sentir a dificuldade de ter de negociar com um parceiro muitas vezes mais forte que ele, o Brasil lidera, ao lado da Argentina, um processo de integração entre países cultural e economicamente mais próximos a si.

    Aliás, como declarou o Presidente Itamar Franco, no recente encontro ocorrido no Uruguai entre os presidentes dos países do MERCOSUL, o Brasil espera que o MERCOSUL constitua-se numa primeira etapa para uma integração mais ampla de toda a América do Sul em um mercado único. Talvez mesmo o êxito do MERCOSUL seja uma última oportunidade de o Brasil figurar como protagonista numa iniciativa desse tipo e não ser obrigado, mais tarde, a aceitar ingressar num mercado comum que englobe toda ou quase toda a América sob a liderança dos interesses dos Estados Unidos.

    Assim, Srs. parlamentares, o MERCOSUL tem de receber a devida atenção de todos nós, pois representa um dos tópicos fundamentais para a viabilidade do País, no futuro, como nação próspera, justa e sobretudo independente. O Brasil precisa assumir, juntamente com a Argentina, seu papel de liderança num processo de integração econômica que congregue todos nossos vizinhos sul-americanos num mercado único, talhado sob medida para permitir que a região ultrapasse vitoriosa os grandes obstáculos a seu desenvolvimento econômico e social.

    Da mesma forma que a União Européia cresceu e consolidou-se a partir do embrião formado pela aliança entre a Alemanha e a França, o MERCOSUL e, mais tarde, o mercado comum da América do Sul hão de medrar com base no eixo Brasília-Buenos Aires. Para atingir tal objetivo, porém, cumpre procurar uma solução para o que hoje constitui o maior entrave para a integração entre o Brasil e a Argentina, qual seja, o descompasso macroeconômico entre os dois países.

    Na Argentina, a paridade cambial fixa entre o peso e o dólar, fundamento do Plano Cavallo, provocou a sobrevalorização do peso, tendo por conseqüência o encarecimento excessivo das exportações argentinas e o barateamento também excessivo de suas importações. Essa situação artificial dá margem a pressões de empresários argentinos por proteção institucional contra as importações. Como resposta a esses apelos, o Governo argentino adotou, para alguns produtos, no passado recente, a chamada taxa estatística, que nada mais é do que um novo nome para a velho conhecido aumento de alíquotas de importação. Tal medida gerou protestos por parte dos exportadores brasileiros, uruguaios e paraguaios, por ir de encontro ao espírito do MERCOSUL, que é justamente o de queda das tarifas alfandegárias e o de liberalização comercial.

    No Brasil, o principal empecilho à harmonização macroeconômica entre o País e seus parceiros do MERCOSUL continua a ser a falta de estabilização monetária. Nesse aspecto, o Brasil encontra-se na contramão não somente em relação aos países do MERCOSUL mas também em relação às nações da América Latina em geral, as quais, nos últimos anos, têm levado a um bom termo o combate às altas taxas inflacionárias que vigoravam ainda há pouco. A altíssima inflação brasileira, de forma semelhante ao que ocorre com o setor produtivo interno, dificulta aos agentes econômicos do MERCOSUL a previsibilidade quanto a custos e receitas de vendas e compras com o Brasil, bem como o planejamento de investimentos. Ademais, a grande oscilação do valor da moeda causa sempre aos parceiros comerciais apreensões quanto ao comportamento futuro da taxa de câmbio, o que é um desincentivo aos empreendimentos de mais longa maturação.

    Sobre o êxito do MERCOSUL em incrementar as trocas comerciais entre seus membros não paira qualquer sombra de dúvida. Desde a assinatura do Tratado de Assunção, que deu início ao MERCOSUL em 1991, o intercâmbio comercial entre as quatro nações que o compõem mais do que dobrou. Hoje, cerca de 13% do comércio exterior do Brasil mantém-se com a Argentina, o Uruguai e o Paraguai. As exportações brasileiras para os países do MERCOSUL quase triplicaram entre 1990 e 1993. A partir de 1992, o Brasil superou os Estados Unidos como principal mercado importador dos produtos argentinos. Igualmente, nesses anos de vigência do tratado, o intercâmbio e as associações entre empresas dos países membros multiplicaram-se, principalmente entre empresas brasileiras e argentinas.

    Sr. Presidente e Srs. Senadores, o MERCOSUL consolida-se a cada dia, fortalecendo os laços que nos unem a nossos parceiros e vizinhos de nossa fronteira sul. O MERCOSUL consiste na decisão mais importante desta década na área da política externa brasileira, pois abre caminho para a inserção internacional gradativa da economia do Brasil, dentro de uma estratégia correta que concebe a independência do País como um valor fundamental. Juntos, Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai - e, num futuro próximo, quiçá toda a América do Sul - poderão apontar suas economias para uma direção onde irão buscar soluções comuns que superem problemas também comuns próprios a nações em vias de desenvolvimento.

    A maior contribuição concreta a curto prazo que podemos dar a esse projeto refere-se, como aludido, à questão da estabilização da moeda brasileira. Como já dissemos em pronunciamentos anteriores, o Brasil perde seu tempo e afasta-se do caminho do crescimento e do progresso, por não conseguir organizar de forma permanente suas finanças públicas. Pela primeira vez em muitos anos, dispomos de um plano econômico coerente que ataca a inflação da moeda em suas causas reais. Temos de eliminar o déficit público brasileiro se quisermos estancar o processo de emissão de moeda inflacionária e de endividamento público a prazos curtíssimos e a juros escorchantes. Não há mágica fora desse diagnóstico. É o que fazem todas as nações que logram atribuir um valor estável a suas moedas após um processo de descontrole inflacionário. Todavia, como todos sabemos, essa iniciativa exige sacrifícios e espírito público. Esperamos que a sociedade brasileira esteja à altura do momento político em que se encontra e que possamos colocar de volta o Brasil no rumo do desenvolvimento e da prosperidade, que é a vocação maior deste imenso País.

     Era o que tínhamos a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 04/05/1994 - Página 2080