Discurso no Senado Federal

BUSCA DE SOLUÇÕES PARA A COMPLEXA QUESTÃO DA AGRICULTURA BRASILEIRA, COMO MEDIDA DEFINITIVA PARA O PROBLEMA DA FOME NO BRASIL.

Autor
Jutahy Magalhães (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/BA)
Nome completo: Jutahy Borges Magalhães
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • BUSCA DE SOLUÇÕES PARA A COMPLEXA QUESTÃO DA AGRICULTURA BRASILEIRA, COMO MEDIDA DEFINITIVA PARA O PROBLEMA DA FOME NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DCN2 de 18/05/1994 - Página 2377
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • DEFESA, MELHORIA, POLITICA, SUBSIDIOS, PRODUTOR RURAL, INCENTIVO, ATIVIDADE AGRICOLA, AUMENTO, PRODUÇÃO AGRICOLA, ALTERNATIVA, COMBATE, PROBLEMA, FOME, MISERIA, PAIS.

     O SR. JUTAHY MAGALHÃES (PSDB - BA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, um tema tem tomado a nossa atenção nos últimos meses, sem sombra de dúvida, é o problema da fome, trazendo, como corolário, a necessidade de adotarmos medidas plausíveis e duradouras para resolvê-lo.

     Muitas soluções têm sido propostas, adotando-se emergencialmente a distribuição pura e simples de alimentos aos mais carentes, por se ter verificado que o problema apresenta tal gravidade, que a demora em socorrer essas populações poderia acarretar conseqüências desastrosas para o resto de suas vidas. Por isso, o paliativo tem assumido ares de definitivo.

     Entretanto, Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, essa política assistencialista e paternalista não pode durar por muito tempo, sob pena de transformar uma leva enorme de pessoas produtivas em inativas, sempre à espera de que lhes chegue às mãos o que comer, sem que para isso tenham que despender qualquer esforço.

     As discussões em torno desse problema ainda não atingiram o seu ponto nevrálgico. Faltou, a meu ver, o principal, o mais óbvio. Só se acaba com a fome com alimentos, e alimentos produzidos em grande quantidade. Surge daí o outro elo da corrente: só há grande produção de alimentos, só há fartura se a agricultura for forte e eficiente.

     Apesar de termos, praticamente a cada ano, safras levemente melhores do que as do ano anterior, não podemos dizer que a agricultura brasileira seja forte e eficiente. Esse crescimento é inferior ao aumento populacional. Não fora isso, o tripé sobre o qual se assenta toda agricultura saudável e forte ainda deixa muito a desejar entre nós. Efetivamente, a pesquisa agrícola, a despeito de todo o avanço dos últimos anos, tem ainda um caminho muito vasto a percorrer. Em termos de defesa sanitária, o segundo vértice do tripé, o nosso País está muito atrasado, a ponto de sofrermos grandes restrições em termos de exportação de carne bovina, por exemplo, em razão da febre aftosa que até hoje ataca os nossos rebanhos, em todas as regiões do País.

     A terceira base do tripé é a extensão rural. Os grandes produtores estão devidamente atendidos, pois já se convenceram de que os seus lucros serão maiores se contarem com uma boa assistência técnica. Entretanto a grande massa dos produtores ou está desassistida ou recebe uma assistência precária e descontínua. Se isso não bastasse, a resistência à adoção de novas técnicas, de novos hábitos, de novos insumos é ainda muito grande no nosso meio rural.

     Por trás da deficiência nessas três áreas, há uma causa comum: a exigüidade dos recursos financeiros. Em passado bem recente, a EMBRAPA, por exemplo, a despeito dos enormes lucros que já proporcionou ao nosso País com o sucesso obtido no campo da pesquisa agrícola, viu-se na iminência de interromper pesquisas exaustivamente elaboradas, porque algumas cabeças iluminadas no Governo julgavam-na uma organização não-prioritária ou essencial no âmbito da administração federal.

     Estou convencido de que uma única medida econômica não poderia jamais ser descurada por um governante sério: dar todo o apoio possível à agricultura no campo da pesquisa, no campo da defesa sanitária, no campo da extensão rural, no campo do crédito ao produtor. Bastariam essas medidas para que a nossa economia como um todo sofresse um impulso como nunca se viu.

     Todos os economistas e administradores conhecem um fato fundamental: a agricultura é a base da economia e, no caso específico do Brasil, "o setor rural é responsável pela atividade econômica de todo o Brasil urbano não metropolitano, ou seja, a economia que fermenta em todo o interior do País", no dizer do professor Dércio Garcia Munhoz (MUNHOZ, Dércio Garcia - Economia Agrícola - Agricultura - Uma Defesa dos Subsídios, Editora Vozes, 1982, pág. 9).

     O que fazer, então, para melhorar a atividade agrícola? Para que o agricultor produza mais, ele precisa receber incentivos. E os incentivos para o produtor precisam ser diferenciados daqueles que se concedem a outros setores da economia, pois não existe nenhum outro setor que esteja sujeito a tantos riscos quanto o agrícola. Tais riscos são de duas ordens, principais, segundo Miro Martins: o risco da produção, que decorre da imprevisibilidade das condições climáticas e da possibilidade do ataque de pragas; e o risco de mercado, que existe por não se repetirem no momento de dispor da produção as mesmas variáveis que se observavam na época do plantio.

     Por isso, Srs. Senadores, o setor agrícola precisa de incentivos para que seja forte, eficiente, produtivo, pois, se a agricultura estiver bem, o País estará bem. Não podemos ter vergonha do lucro dos produtores rurais. Antes, temos que incentivá-los, se quisermos ser grandes. Li recentemente em um jornal que, se indagar de um motorista de táxi, na França, se ele está de acordo com a enxurrada de subsídios que o governo coloca à disposição dos produtores rurais franceses, ele já tem uma opinião sobre o tema: prefere que o governo tenha esses gastos do que ver as cidades invadidas por camponeses à procura de serviço. No campo têm eles o seu trabalho, a sua renda e não trazem problemas para aqueles que moram nas cidades.

     Quando se fala de incentivos para a agricultura, vem sempre à tona o tema dos subsídios. Em que país do mundo no qual se pratica uma agricultura desenvolvida não há subsídios? Não conheço um, Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores.

     De acordo com matéria do Financial Times, publicada no jornal Gazeta Mercantil de 20-8-90, os subsídios aplicados na agricultura pelos países desenvolvidos chegam a 245 bilhões de dólares por ano - isso mesmo, senhores, 245 bilhões de dólares por ano -, uma soma que, pela sua magnitude, traz grandes distorções ao comércio internacional e verdadeiras aberrações. De acordo com o mesmo artigo, "no Canadá, o direito de ordenhar uma vaca vale duas ou três vezes o preço da própria vaca". E mais: "na pecuária de leite dos EUA, cada vaca absorveu 1.400 dólares em subsídios, em 1986, valor superior à renda anual per capita de metade da população mundial".

     A política agrícola recebe nesses países enfoques diversos: nos Estados Unidos, por exemplo, a intervenção do Estado na agricultura visa primordialmente a proteger a renda do agricultor de situações econômicas adversas. Como objetivos secundários, visa proporcionar aos consumidores uma adequada oferta de alimentos a preços razoáveis, estimular as exportações e manter a renda da agricultura em níveis compatíveis com os auferidos pelos outros setores econômicos.

     Na Comunidade Européia, a segurança alimentar é a grande prioridade. Subsidiariamente, a política agrícola tem por finalidade elevar a produtividade, assegurar nível de vida digno à população rural e estabilizar o mercado.

     Como se vê, os objetivos praticamente se repetem, o que se modifica são as prioridades.

     Em termos econômicos, entretanto, há uma diferença substancial entre a política adotada nos Estados Unidos e aquela praticada na Comunidade Européia. Na Europa, os produtos agrícolas postos à disposição dos consumidores, segundo os engenheiros agrônomos Hugo de Souza Dias e Maria Auxiliadora de Carvalho, tinham, em 1988, um preço 125% maior do que aqueles praticados no mercado internacional.

     No Japão, segundo a mesma fonte, esse acréscimo chegou a 280%. Em razão disso, na Europa e no Japão, o custo da política agrícola é repassado aos consumidores, os quais, por isso, pagam sempre preços mais elevados mesmo para produtos importados a preços mais baixos.

     Nos Estados Unidos, os alimentos são mais baratos em relação à Europa e ao Japão, e a quota dos subsídios é repassada indiretamente aos contribuintes, na forma de impostos.

     A política de subsídios adotada nos países em questão, além de ter conseqüências sobre o bolso do contribuinte norte-americano e sobre o consumidor europeu ou japonês, funciona como um grande algoz para a agricultura dos países em desenvolvimento, dentre os quais o Brasil.

     Através de subsídios e ações tipicamente protecionistas, esses países criam barreiras às importações e, em épocas de grandes safras, colocam os seus produtos à venda no mercado internacional por preços aviltados e, com isso, inviabilizam a agricultura em outros países. No tocante ao trigo, por exemplo, o Brasil foi vítima dessa prática danosa e, por isso, corre o sério risco de ver essa cultura totalmente inviabilizada em seu território. Como os preços no mercado internacional estão muito baixos, prefere-se comprar o produto lá fora a criar mecanismos que propiciem o soerguimento da lavoura tritícola nacional. No futuro, quando os estoques internacionais estiverem baixos, os preços fatalmente subirão. Com o setor interno destruído, seremos obrigados a comprar esse produto por preços ditados pelos produtores, com grandes prejuízos para a nossa economia.

     Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, nunca é demais bater naquela velha tecla tantas vezes repetida aqui nessa tribuna. O Brasil necessita ter uma política agrícola definida, coerente, voltada para objetivos específicos, quais sejam: garantir alimentação farta e a preços acessíveis aos seus habitantes; assegurar uma vida digna ao agricultor. Sem isso, não há solução. A história tem sobejamente demonstrado que todos os países que adotaram esse tipo de política, em pouco tempo se transformaram em grandes produtores e exportadores de alimentos.

     Assim foi na Europa, assim aconteceu nos Estados Unidos e no Canadá. Por que só aqui será diferente? Por que só o Brasil tem que estar na contra-mão dos acontecimentos? Os fatos têm demonstrado que, a partir do momento em que o Governo decidiu dar um apoio mais substancial à agricultura, a nossa produção cresceu, a nossa produtividade aumentou. Plantando hoje a mesma área que era cultivada há dez anos, estamos colhendo praticamente o dobro de grãos. Esse dado, ao tempo em que mostra o grande esforço despendido pelos nossos agricultores para praticarem uma agricultura mais desenvolvida e moderna, obtendo saltos fantásticos em situações às vezes bem adversas, serve para tornar claro que, se a nossa agricultura tivesse o devido apoio, o salto em produtividade e qualidade seria sensivelmente maior.

     Nos últimos tempos, o que estamos tendo com folga são recordes de comandos à frente do Ministério da Agricultura. Numa situação dessas não há política que se cumpra, não há objetivos que se estabeleçam, pois, a cada novo ministro, tem-se de começar tudo de novo. Podem estar certos, Srs. Senadores, o recorde de safra anunciado para este ano não foi obra e graça de nenhum plano agrícola bem estruturado e bem conduzido: esse é um mérito único e exclusivo daqueles que acreditam naquilo que fazem e, para grande alegria nossa, contaram com as benesses de Deus e a ajuda do clima.

     Enquanto, em outros países, o Congresso vota planos qüinqüenais para a agricultura, aqui as autoridades do momento ficam à cata de soluções para problemas emergenciais. Se há crise de abastecimento de determinado produto, recorre-se à importação e deixa-se de procurar uma solução para o problema que aflige o setor que o produz. É esse tipo de solução intempestiva e mal pensada que já decretou a desestruturação quase total do setor tritícola, como já tivemos oportunidade de mencionar, e do setor algodoeiro, que hoje cai pelas tabelas, sufocado por pragas, baixa produtividade e importações.

     Outro ponto que precisa ser analisado com a devida atenção pelas nossas autoridades é o do incentivo aos produtores rurais. Que incentivo têm hoje os nossos agricultores para enfrentar os riscos a que estão sujeitos? Nenhum, Sr. Presidente. Nenhum, Sras e Srs. Senadores. O Brasil aboliu simplesmente todos os subsídios à agricultura, jungido por imposições de países importadores de nossos produtos. Só que os mesmos países que criam barreiras aos produtos brasileiros, porque o País pratica algumas reservas de mercado, simplesmente não sabem conviver com uma agricultura sem grandes regalias, não sabem conviver com um mercado totalmente livre como apregoam.

     Incentivos à agricultura não são só a redução de juros ou de correção monetária. Incentivo é assegurar um preço melhor para um produto de melhor qualidade; incentivo é garantir assistência técnica constante; incentivo é distribuir semente de boa qualidade a ser paga com parte da produção, por exemplo; incentivo é ensinar aos agricultores técnicas para se tornarem mais produtivos; incentivo é colocar ao seu dispor crédito para que possa adotar novas tecnologias.

     Qualquer dinheiro gasto nessas atividades é mais bem aplicado do que se o for em situações emergenciais, tendo em vista que os seus efeitos serão duradouros.

     Quanto aos subsídios propriamente ditos, por que somente o Brasil tem que se curvar às imposições dos países industrializados, que estabelecem barreiras aos nossos produtos, quando os deles só têm mercado, graças às subvenções que são concedidas pelos governos aos produtores?

     Nesse campo, faço uma outra indagação: por que não se concederem subsídios ao consumo de alimentos? A esse propósito, o engenheiro agrônomo Roberto Rodrigues, Secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, tem um posicionamento bem pertinente. Com subsídios ao consumo, apregoa ele, "o consumidor pagará pelos produtos básicos de alimentação (arroz, feijão, leite, ovos, farinha de mandioca, óleo de soja) um preço menor do que o recebido pelos produtores. Assim, o consumo cresce imediatamente, enquanto o agricultor recebe preço remunerado e estimulante para investir na atividade".

     "O eixo da economia começará a rodar; aumentará a demanda pelos produtos subsidiados; será preciso plantar mais; crescerá, assim, a necessidade de sementes, fertilizantes, defensivos, calcário; crescerá também a necessidade de caminhões para transportar o que se produzir a mais. Serão necessários mais armazéns e silos, melhores estradas. Os serviços de crédito, de seguro, de comunicação e informação serão ampliados. Com isto, crescerá espetacularmente a necessidade de novos empregos diretos e indiretos. A massa salarial terá maior participação no PIB. O comércio, estimulado por novos empregados e, portanto, novos consumidores, venderá mais e precisará aumentar suas encomendas à indústria. Em pouco tempo, toda a economia estará funcionando a pleno vapor. E o crescimento da agricultura, com mais tecnologia, terminará por produzir a custos menores. Acabará o desperdício, porque o giro será muito mais rápido. E, ao final, o subsídio poderá ser retirado paulatinamente".

     Fazer isso sai muito mais barato para o Governo, é muito melhor do que distribuir cestas básicas por esse País afora; traz um retorno econômico seguro, pois, ao invés de melhorar e desenvolver apenas um setor, funciona como alavancagem geral para toda a economia.

     Sob outro aspecto, não vejo impedimento algum em que os agricultores tenham créditos a juros reduzidos, ou mesmo, em algumas circunstâncias, sem juros. O que tem que ser verificado é a relação custo/benefício dessa concessão. Por outro lado, deve-se exigir, em troca, que tais créditos sejam realmente produtivos, que, em contrapartida, os fatores de produção sejam adequadamente aplicados e dêem resultados. Assim, quanto mais produtivos forem, mais benefícios poderão ter.

     O volume de subsídios deve seguir a linha de uma política agrícola bem estruturada, aprovada pelo Congresso, para que seja aberta a todos e concedida de forma transparente e sem apadrinhamentos. Aqueles desvios verificados no passado e que proporcionaram maior concentração fundiária e de rendas, ou em que os créditos baratos e fáceis eram desviados para obras que nada tinham a ver com a produção agrícola, devem ser pronta e resolutamente combatidos e reprimidos. O que não se pode é deixar sem crédito e incentivos um setor com a importância e a magnitude da agricultura.

     Será esse o preço a pagar para se conter o grande êxodo rural que caracterizou o Brasil das duas últimas décadas. O agricultor só ficará no campo se houver atrativos que tornem melhor a sua vida lá do que na periferia das cidades.

     Como se pode ver, Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, é bem complexa a questão da agricultura. Esse, entretanto, é um problema que teremos de resolver por bem ou por mal, pois, o futuro das nossas gerações, o futuro do Brasil passa também pela agricultura.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 18/05/1994 - Página 2377