Discurso no Senado Federal

OS PRINCIPIOS DO REAL HUMANISMO NO BOJO DAS CONQUISTAS SOCIAIS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988.

Autor
Jutahy Magalhães (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/BA)
Nome completo: Jutahy Borges Magalhães
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • OS PRINCIPIOS DO REAL HUMANISMO NO BOJO DAS CONQUISTAS SOCIAIS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988.
Publicação
Publicação no DCN2 de 18/05/1994 - Página 2395
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, PAIS, RELAÇÃO, INEFICACIA, NORMAS, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, GARANTIA, EMPREGO, SALARIO, SUBSISTENCIA, ERRADICAÇÃO, FOME, MISERIA, POPULAÇÃO.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, PARTICIPAÇÃO, ESTADO, INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, VIABILIDADE, BEM ESTAR SOCIAL, JUSTIÇA SOCIAL.

    SR. JUTAHY MAGALHÃES (PSDB - BA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, um dos grandes objetivos dos regimes democráticos é, fora de dúvida, a integração do homem à sociedade. É um longo e árduo caminho a ser trilhado para tomar o homem elemento ativo no processo de desenvolvimento.

    Todas as lutas históricas que se travaram através dos séculos, até que se fundasse o moderno Estado constitucional, tinham este escopo comum: o de tornar os homens livres e iguais na busca de oportunidades e na construção de uma cidadania verdadeira.

    A Constituição brasileira de 1988, conquistada após penosas jornadas, em superação à inenarrável quadro de espasmos e compressões políticas, intentou consolidar nossa República Federativa, dentre cujos fundamentos enumera o da cidadania, o dos valores sociais do trabalho e o da livre iniciativa. E mais audacioso e crente no futuro da Pátria, delineou o legislador constituinte, entre seus objetivos fundamentais, o de construir uma sociedade livre, justa e solidária e o de erradicar a pobreza e a marginalização, reduzindo as desigualdades sociais.

    É ainda o nosso diploma maior que estabelece, entre os direitos sociais, o direito ao trabalho, a latere do direito à educação, à saúde, ao lazer.

    Belos princípios e grandiosos fundamentos esses em que se fundou a reorganização de nossa vida republicana. Só que entre eles e a realidade brasileira dos dias atuais, decorridos já mais de cinco anos da promulgação da Carta, existe uma distância abissal, levando-nos a refletir se a nossa Constituição representa efetivamente uma constituição normativa ou se se insere no romântico elenco das chamadas constituições programáticas.

    No que concerne ao direito ao trabalho, então, esses dispositivos parecem completamente destituídos de eficácia, pois o que se verifica, ano após ano, é o crescimento de uma legião imensa de brasileiros que não dispõem de emprego capaz de garantir-lhes a subsistência digna e a de sua família.

    Recente pesquisa do IBGE revela que o Brasil tem vinte milhões de subtrabalhadores. Entre eles, figuram os desempregados, os que nada recebem em troca de seu trabalho e os que ganham menos que o salário mínimo.

    Este país da fome e da miséria exibe números nada envaidecedores: 5,2 milhões de brasileiros trabalham sem serem remunerados; 2,4 milhões encontram-se desempregados; 12,3 milhões recebem menos de um salário mínimo por mês. Dez por cento das pessoas ocupadas ficam com 48% do rendimento do trabalho no País.

    As estatísticas vão além. Desdenham da legislação e mostram números vergonhosos. Embora a lei proíba, 14,2% dos menores entre 10 e 13 anos já estão no mercado de trabalho. É um exército de 1,9 milhão de crianças, equivalente a 14,2% dos infantes nessa faixa etária. Esse contingente - só para se ter uma idéia tênue - é equivalente à população dos Emirados Árabes ou ao triplo da do Chipre.

    Outras distorções aparecem no relatório do IBGE. A discriminação racial, social e sexual é uma delas. O homem ganha mais que a mulher, o homem branco ganha mais que o negro e o pardo, a mulher branca ganha mais que a negra ou a parda.

    A questão do desemprego e subemprego entre nós - como bem radiografou o IBGE - atingiu índices tão alarmantes, que, creio, deve ser enfrentada pela administração como problema público número um. Isso porque a garantia de emprego pressupõe a ocupação racional da força de trabalho, integrando homens e mulheres ao processo de desenvolvimento global, o que representa o anátema do patemalismo estatal.

    Planos e programas de governo não podem ser elaborados, nem urdidos projetos emergenciais de cunho social sem levar em conta esse dado estrutural representado pela necessidade de empregar a força ativa. Só assim, entregando os braços à natureza do trabalho, se manifestarão os valores essenciais da cidadania.

    Porque, quando se fala em cidadania, não se deve levar em conta apenas a cidadania política - aquela que fez com que o homem possa votar ou ser votado - mas, sobretudo, a cidadania social - aquela que transforma o indivíduo em homem participativo, compartilhando dos deveres, mas competindo em igualdade de direitos com seus concidadãos.

    Ao Estado cabe este papel fundamental: o de promover um processo de desenvolvimento capaz de reduzir as disparidades sociais, resgatando os indivíduos da miséria e da marginalização. O desenvolvimento nacional, portanto, há de se planejar e executar considerando esse indeclinável valor humano que não pode ser jogado na sarjeta dos distritos industriais.

    É a própria noção de desenvolvimento, Sr. Presidente, Srs. Senadores, que, como estamos a perceber, necessita de revisão ampla e profunda para que o Estado, concebido como grande instrumento de redenção do homem, não acabe por representar o seu epitáfio.

    Entendo que o desenvolvimento não deve cingir-se às meras idéias de quantificação e progresso material, exaurindo-se em estéreis ciclos tecnológicos. O desenvolvimento, a meu ver, pressupõe, como força motriz, uma idéia social: é processo amplo de integração do homem às novas conquistas do saber humano, processo em que o cidadão deve ser o principal ator e o grande beneficiário de suas benesses.

    É necessário, portanto, que se avalie, com real humanismo, os avanços tecnológicos e a procura persistente de aumento nos índices de produtividade. Eles, embora promovam o crescimento material da economia, favorecem o desemprego e contribuem fortemente para a concentração da renda nacional.

    Essa verdade indiscutível representa, sem dúvida, um problema que se faz sentir em nível mundial, deixando em pânico mesmo as nações mais desenvolvidas. Nem a redução da jornada de Trabalho para permitir a assimilação de novos contingentes de mão-de-obra, como é o exemplo recente da França, tem possibilitado a participação plena da força ativa do trabalho na economia nacional.

    O momento brasileiro é, pois, retomando a linha inicial deste breve pronunciamento, pleno de incertezas e graves desafios. A classe política há de entender o clamor social que se exprime nas ruas e praças deste imenso País. O nosso povo cansou de ser tratado como indigente. Cansou dos programas emergenciais e das cestas básicas.

 

    Encontremos uma saída. A Constituição de 1988 municiou os brasileiros com instrumentos para a ação política. Propiciemos a eles - a imensa maioria do nosso povo - o acesso à estrada do bem-estar social.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 18/05/1994 - Página 2395