Pronunciamento de Antonio Mariz em 23/05/1994
Discurso no Senado Federal
APOIO A DECISÃO DO MINISTERIO DA INTEGRAÇÃO REGIONAL DE DAR INICIO IMEDIATO AO PROJETO DE TRANSPOSIÇÃO DAS AGUAS DO RIO SÃO FRANCISCO.
- Autor
- Antonio Mariz (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
- Nome completo: Antônio Marques da Silva Mariz
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
- APOIO A DECISÃO DO MINISTERIO DA INTEGRAÇÃO REGIONAL DE DAR INICIO IMEDIATO AO PROJETO DE TRANSPOSIÇÃO DAS AGUAS DO RIO SÃO FRANCISCO.
- Aparteantes
- Francisco Rollemberg, Mansueto de Lavor, Mauro Benevides.
- Publicação
- Publicação no DCN2 de 24/05/1994 - Página 2564
- Assunto
- Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
- Indexação
-
- ELOGIO, DECISÃO, MINISTERIO DA INTEGRAÇÃO REGIONAL (MIR), INICIO, PROJETO, TRANSPOSIÇÃO, AGUAS FLUVIAIS, RIO SÃO FRANCISCO, COMBATE, SECA, REGIÃO NORDESTE.
O SR. ANTONIO MARIZ (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a questão do desenvolvimento regional, da erradicação das disparidades entre as várias regiões do Brasil, tem sido objeto constante dos programas de governo, dos discursos eleitorais, dos compromissos de candidatos. No entanto, o tempo transcorre sem que esses programas, esses discursos, esses compromissos se traduzam em ações.
Por isso, venho a esta tribuna, na tarde de hoje, para exaltar a decisão do Ministério da Integração Regional que decidiu iniciar, imediatamente, a transposição das águas do São Francisco para quatro Estados da região nordestina.
Essa é uma antiga aspiração, um sonho nunca realizado. Mesmo obras menores, iniciativas localizadas, jamais foram concretizadas, desenvolvidas.
Na Paraíba mesmo, durante sessenta anos, a região do alto sertão, abrangendo municípios como Sousa, Cajazeiras, São João do Rio do Peixe, Uiraúna e outros, aguardaram a construção de um canal de interligação entre duas grandes bacias: a do Açude Coremas Mãe d'Água e a do Açude Engenheiro Ávidos São Gonçalo.
Esse canal é essencial para que as chamadas várzeas de Sousa possam ser irrigadas. E foi uma das razões da construção do Açude Coremas Mãe d'Água, iniciada no longínquo ano de 1932.
Esse longo e interminável período constituiu-se em frustrações sucessivas. Vários Ministros, em diversos Governos, assumiram, às vezes, no próprio local, a tarefa de construir essa obra. No entanto, as palavras se perderam ao vento e nunca qualquer ato objetivo de construção foi praticado.
É tão exemplar o caso da interligação Coremas - São Gonçalo que, no curso desse período de 60 anos, inúmeros e repetidos debates, travados no Congresso Nacional, nas audiências de ministros, ficaram na memória do povo paraibano. Um desses debates contrapôs o Ministro José Américo de Almeida, no Governo Getúlio Vargas, e o Deputado João Agripino Filho. Nessa ocasião, quando se punham em posições antagônicas os dois homens públicos paraibanos, João Agripino cobrando do Ministro as ações relativas, na época, ao habitual e inevitável período das secas, dizia o Ministro que agora ia tratar de um assunto de vinte anos atrás; isso era em 1953. José Américo, já irritado pela pertinácia das inquirições de João Agripino, pela forma agressiva com que por ele era tratado, apontando-lhe contradições entre suas palavras e os seus atos, redargüiu dizendo: "Mas isso é coisa prescrita; coisa de mais de vinte anos", ao que João Agripino insistia: “Não é prescrito, trata-se desse canal interligando Coremas e São Gonçalo". Daí por que desde 1932 a Paraíba aguarda essa obra. Isso em 1953, Sr. Presidente. Passados quarenta anos, o quadro é absolutamente o mesmo. Daí a importância de que se reverte a decisão do Ministro Aluizio Alves que por cima de paus e pedras lança esse grande projeto de transposição da, águas do São Francisco.
O Sr. Mansueto de Lavor - Permite-me V. Exª um aparte?
O SR. ANTONIO MARIZ - Ouço V. Exª com prazer.
O Sr. Mansueto de Lavor - Senador Antonio Mariz, quero testemunhar, inclusive, a luta de V. Exª em favor da viabilização desta grande obra para o seu Estado, para a agricultura irrigada de uma das regiões do semi-árido mais carentes que é a construção do Canal Coremas-São Gonçalo. No ano passado, quando era Relator do Orçamento, V. Exª só insistiu em um único pleito, que foi a construção desta obra que representava a garantia do desenvolvimento rural de uma vasta região dos sertões da Paraíba. Todavia, essa é uma obra antiga, da década de 30. Homens ilustres como esses citados por V. Exª projeto que V. Exª dá continuidade na Paraíba, não conseguiram viabilizar essa obra; em geral, argumenta-se que é por falta de recursos. As dotações do Orçamento de 93, apesar da nossa insistência para que não se cortassem as obras hídricas do Nordeste, assolado por mais uma seca, foram reduzidas, conforme já afirmei aqui, pelo corte inicial de 50% e pela corrosão da inflação mensal de mais de 30% durante o período em que esses recursos ficaram retidos sem liberação. Quero aplaudir o nosso bravo companheiro, o Deputado Aluizio Alves, hoje Ministro da Integração Regional. Não temos o direito de contestar sua iniciativa corajosa. E preciso deixar isso bem claro. O que fazemos com o nosso dever de cumprimento de um mandato é saber se realmente há possibilidade de dar continuidade a essa obra. O que tememos é que essa seja mais uma obra paralisada. Se não se faz aquele canal - que é importante, mas é menor - de interligação dos reservatórios de Coremas-Mãe d'Água para o São Gonçalo, como é que se vai assegurar esse grande canal, que é de fundamental importância, no curto espaço de tempo em que o Ministro ainda estará à frente da sua Pasta? Estas questões têm que ser respondidas para a nossa tranqüilidade. Nós, em Pernambuco, temos ainda outra objeção, que é mais de caráter técnico: achamos que o canal deveria sair não da cidade de Cabrobó, a cidade mais próxima das bacias a serem beneficiadas, mas de cima do Lago de Sobradinho, porque com isto já se perenizava quatro importantes bacias em território pernambucano. A obra ia demorar um pouco mais, custaria mais, mas valorizaria muito os investimentos público sobretudo em termos de território pernambucano. Basta lembrar que com esse novo traçado, concebido originalmente pelo Banco Mundial, haveria possibilidade de aumentar a área irrigada de Pernambuco em mais de 110 mil hectares. Entretanto, o problema não é este. A primeira questão é deixar bem claro que aplaudimos a coragem, a iniciativa e a determinação do Ministro Aluizio Alves. Em segundo lugar, dizer que o nosso questionamento quanto à garantia da continuidade da obra é em respeito ao povo da Paraíba, do Ceará e do Rio Grande do Norte, que têm agora suas expectativas numa grande obra, as quais não podem ser frustradas amanhã, em outro governo. Se tivéssemos ainda dois ou três anos de gestão do Ministro Aluizio Alves e do atual Governo Itamar Franco, que aprovou o projeto, tínhamos certeza. Nem estaríamos discutindo isso aqui. Desculpe-me o alongado aparte, Senador, mas essas foram as razões por que citei essa entrevista do Lula, para dizer que ele, agora, é a favor; antes, era contra. Ele disse que não é contra e que vai examinar a transposição. Ótimo, porque já nos dá um alento para que possamos lutar por essa grandiosíssima e importante obra, sem o pavor de que, amanhã, ela entre no rol das obras inacabadas, do desperdício, etc. Mas o Lula não está eleito. Direi até que vou trabalhar por outro candidato, pelo menos no primeiro turno. Será que todos os demais vão assumir esse compromisso? Era bom que o fizessem, porque assim teríamos uma garantia de que a próxima administração federal iria dar continuidade. Quero deixar bem claro que a aspiração do povo da Paraíba, no que toca a essa transposição, é uma luta justíssima. Todavia, precisamos ver, pela grandiosidade da obra e dos recursos investidos, qual é a posição da próxima administração federal.
O SR. ANTONIO MARIZ - V. Exª tem razão.
O Sr. Mansueto de Lavor - Ou pelo menos dos candidatos que estão mais próximos de ter sucesso na eleição, para ver se eles têm uma posição comum no sentido de dar continuidade a esse projeto. Quero louvar V. Exª e dizer que estamos juntos nessa batalha.
O SR. ANTONIO MARIZ - Muito obrigado, Senador Mansueto de Lavor. V. Exª faz considerações absolutamente pertinentes à matéria que venho aqui debater.
Os aspectos técnicos da obra a que V. Exª se referiu, a objeção ao ponto de captação das águas escolhido, toda essa matéria parece-me, de fato, extremamente relevante, mas cumpre, ainda assim, louvar a decisão tomada pelo Ministério da Integração Regional, na medida em que cessam as discussões técnicas para se fazer uma opção de governo.
No curso de todos esses anos, de décadas da vida brasileira, discutiram-se as questões técnicas - a viabilidade do projeto, a disponibilidade das águas do São Francisco, a questão da geração de energia elétrica, os pontos de captação, o trajeto desse canal, o alcance da obra, os Estados a serem contemplados por essas águas, pelas perspectivas que se abrem com a irrigação e com o abastecimento urbano, de geração de energia, e tudo o mais.
Era preciso, num determinado instante, tomar a decisão, fazer as escolhas, porque todas as opções estavam à disposição do Governo. Todas as possibilidades de redistribuição da água do São Francisco eram objeto de estudos, de análises, de projetos, e era justamente o caráter interminável dessas discussões que servia da falsa justificativa para a inércia governamental.
Então, por uma vez que seja, o Governo decide, assume o projeto e se dispõe a realizá-lo.
O Sr. Mauro Benevides - V. Exª me permite um aparte?
O SR. ANTONIO MARIZ - Ouço V. Exª com prazer.
O Sr. Mauro Benevides - Nobre Senador, fiz questão de vir ao plenário neste instante para ouvi-lo e naturalmente expressar o meu pensamento a respeito do Projeto de Transposição das Águas do São Francisco. Eu diria a V. Exª que o grande debate que se realizou em Fortaleza, há cerca de três meses, foi o marco definitivo dessa conscientização que se arraiga em todos nós, nordestinos, para que se viabilize, no menor espaço de tempo possível, algo que representou, desde o século passado, uma aspiração legítima, capaz de contribuir decisivamente para diminuir os efeitos da carência de quedas pluviométricas naquela região, favorecendo privilegiadamente quatro Estados: o de V. Exª, o meu, o Rio Grande do Norte e, possivelmente, parte do Estado do Piauí. Desse encontro de Fortaleza, nobre Senador Antonio Mariz, que contou com a participação de técnicos, governadores, políticos e empresários, resultou a chamada Carta de Fortaleza, que foi entregue ao Presidente Itamar Franco por um grupo de parlamentares, do qual fazia parte também o Presidente da Câmara dos Deputados, Inocêncio Oliveira, e fizemos a entrega desse documento ao Presidente Itamar Franco. Posso dizer a V. Exª, com a minha vivência de contato com os setores governamentais já há algum tempo, que pressenti com muita clareza, de forma inequívoca mesmo, a vontade política do Presidente Itamar Franco em concretizar aquilo que tem sido um sonho acalentado ao longo do tempo, sem que nenhum governo tivesse até aqui a coragem, a firmeza e a decisão de enfrentar a viabilização de um projeto desse porte, dessa magnitude. Digo mais a V. Exª, que, presente o Ministro da Integração Regional, Deputado Aluizio Alves, S. Exª recebeu do primeiro mandatário do País aquele projeto, a carta e o projeto respectivo, com seu lineamento geral, sem qualquer despacho burocrático. Foi o próprio Presidente que, de forma enfática, decisiva, anunciou a nós próprios e ao Ministro que desejava dar os passos iniciais no seu governo e que a partir do dia seguinte, salvo engano, dia 23 ou 24 de março, o Ministro Aluizio Alves iniciasse imediatamente a ultimação do projeto, dentro das suas concepções técnicas, e, mais que isso, apontasse ao governo os recursos indispensáveis à concretização dessa magna iniciativa. O Ministro Aluizio Alves, passando da palavra à ação, efetivamente, entregou-se de corpo e alma a essa tarefa e tem buscado os recursos, que, neste ano, segundo se anuncia, estão no patamar de 650 milhões de dólares. O próprio Banco do Nordeste estaria engajado na captação de recursos externos que garantam o início imediato dessa grande obra. O Ministro Aluizio Alves, nordestino, entendeu, desde o primeiro momento, a relevância desse projeto. Senador Antonio Mariz, gostaria ainda de homenagear um companheiro meu de Assembléia Legislativa, Deputado Wilson Roriz, que, na década de 60, foi um dos arautos dessa solução. Naturalmente o seu trabalho foi cercado de incredulidade, pois todos se manifestaram contrariamente àquilo que pensavam ser um projeto quimérico, francamente irrealizável. Portanto, há trinta anos, S. Exª já marcava sua posição em favor desse projeto, tentando convencer cearenses, paraibanos e potiguares da sua importância - o que só agora ocorre. Por isso, no instante em que V. Exª se reporta a esse projeto da maior significação para a nossa Região, indestrutivelmente vinculando o Governo ltamar Franco ao Nordeste, fiz questão de vir a este plenário para aparteá-lo. A nossa Bancada, bem como aqueles que se reportaram ao tema, como V. Exª, o Senador Mansueto de Lavor há poucos instantes, o próprio Presidente da Casa, Senador Humberto Lucena, e tantos outros, enfim, todos os 27 Senadores do Nordeste devemos somar esforços, para que o Governo se sinta realmente prestigiado nessa iniciativa, a fim de que ela ultrapasse todos os percalços da burocracia, dos orçamentos, e possa transformar numa esplêndida realidade aquele sonho acalentado por muitas gerações. Meus parabéns, portanto, a V. Exª, por sua presença na tribuna e pela defesa de uma tese de extraordinária significação para a Região nordestina.
O SR. ANTONIO MARIZ - Muito obrigado, Senador Mauro Benevides. V. Exª traz um depoimento relevante sobre o processo decisório dessa obra. De fato, esse foi um marco na elaboração do projeto e, sobretudo, para a sua definição.
Também nós, da Bancada da Paraíba, acompanhados do Governador Cícero Lucena, tivemos oportunidade de ouvir, pessoalmente, do Presidente Itamar Franco a sua palavra de compromisso com a obra de transposição das águas do rio São Francisco. Em audiência a que estiveram presentes o Senador Humberto Lucena, o Deputado Ivandro Cunha Lima e outros Parlamentares, bem como o Ministro Alúizio Alves, o Presidente da República foi enfático em reafirmar a sua decisão de construir esse canal.
Portanto, as palavras do Senador Mauro Benevides vêm dar mais força aos argumentos que aqui procuro desenvolver.
O Sr. Francisco Rollemberg - Permite-me V. Exª um aparte?
O SR. ANTONIO MARIZ - Com prazer, ouço V. Exª
O Sr. Francisco Rollemberg - Nesta tarde, V. Exª se reporta a um dos projetos, talvez o mais importante do Governo Itamar Franco: a transposição de águas do rio São Francisco - agora parece que vai caminhar - que atenderá a uma necessidade básica do Nordeste e lhe dará aquilo que tanto espera: a sua inclusão no processo de desenvolvimento nacional. Tenho acompanhado o trabalho do Sr. Ministro Alúizio Alves e daqueles que defendem o projeto. Cuidei de examinar, com muito cuidado, a Carta de Fortaleza. Mas veja V. Exª: quando nós, nordestinos, começamos a encontrar uma saída para resolver um dos nossos mais angustiantes problemas, de outro lado, logo aparece alguém, também de Estados nordestinos, para questionar a possibilidade de algo viabilíssimo, que é o canal que fará a transposição de águas para aqueles Estados que não as têm, como é o de V. Exª Dizem alguns que o rio São Francisco não suportaria a sangria. Ora, Sr. Senador, há alguns anos, fiz um curso sobre irrigação e aproveitamento de terras áridas. Fui a uma cidade dos Estados Unidos que nem consta do mapa, onde existe um rio pequeno, que, em nossa região, chamaríamos de riacho. Esse rio foi trifurcado e está irrigando áreas desérticas, arenosas como as nossas praias. Recordo-me de que, nessa ocasião, ao indagar ao povo dessa terra como ele conseguia produzir na areia, responderam-me que detinham duas coisas importantes: cabeça no sol e pé na água. A cabeça no sol, Deus lhes deu; a água, eles levaram. E esse pequeno rio, que é circulado e reciclado, permite que a Califórnia e o sul dos Estados Unidos, fronteira com o México, sejam uma das zonas de maior produtividade agrícola do mundo. Pois bem: nós temos o rio São Francisco. Dizem que ele começou a ficar assoreado, que diminuiu o seu volume, a sua descarga. Contudo, esquecem que ele é o rio das grandes enchentes, das grandes inundações, das grandes catástrofes nas cidades ribeirinhas. Ora, nobre Senador, evidentemente, um canal de irrigação que vai levar água para o Nordeste, para a Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte, Alagoas, Pernambuco, seja onde quiser, nessa expansão, deverá ter um atendimento, de certa forma, intermitente, mas capaz de manter perenes os rios, leitos naturais onde há de desaguar esta água que, ao lado da tecnologia, já não tão moderna, faz barragens submersas e de outros tipos que vão aprisionar a água na época em que o rio São Francisco não puder, na sua transposição, oferecê-la em quantidade necessária. Esse projeto é da maior seriedade. Além do mais, é a primeira etapa para que possamos fazer as transposições das grandes bacias da Região Norte para a Região Nordeste do País. Se não começarmos por algum ponto, não chegaremos a lugar nenhum. O Ministro Aluizio Alves tem razão, e V. Exª merece os meus encômios, por vir à tribuna, nesta tarde, defender a transposição do rio São Francisco. Ele suportará de sobra. Quando o rio baixar, quando o rio estiver à seca, lá onde os canais levaram água, as barragens submersas manterão o rio, e teremos água para irrigação. Nos Estados como o Piauí, onde existem rios subterrâneos, de profundidade acessível à nova tecnologia, vão suplementar também essa água do São Francisco. Agora, no Estado de V. Exª, no meu Estado, Pernambuco, região que é dita como do cristalino, onde as águas são encontradas em fendas rochosas, de alta dureza e alta salinidade, se não fizermos isso, vamos desertificar os nossos solos e levar nossos Estados a um empobrecimento crescente, retirar os homens do campo pela impossibilidade de lá permanecerem. Portanto, Senador Antonio Mariz, vamos lutar juntos, vamos nos dar as mãos, nós, nordestinos e nortistas, para que essa transposição seja a primeira etapa para a transposição dos grandes rios das bacias do Nordeste e do Norte. Dessa forma, vamos integrar o Nordeste ao desenvolvimento do Brasil, porque a nossa região tem - os estudos pedológicos confirmam - áreas da melhor qualidade de terras. Temos insolação o ano inteiro. Podemos obter, de vários produtos agrícolas, três safras por ano, maiores do que em muitas regiões que produzem bem nos Estados Unidos. E aí está a produção de melão, de uva, às margens do São Francisco; de cebola, de frutas cítricas, de manga; tudo isso, para exportação e consumo interno também, será mais do que decuplicado; será multiplicado por um número que não sabemos qual é. E com esse desenvolvimento, com esse aproveitamento e nova aquisição, que é a produção de frutas, poderemos fazer o que o Chile já faz há anos: dar um reforço substancial à economia deste País, que hoje se esvai numa monocultura de soja; que enfraquece a sua cultura canavieira. O coco já não atende às necessidades da produção industrial no Brasil, estamos buscando coco na África. Ora, se conseguirmos ampliar esses horizontes, se conseguirmos aumentar nossa produtividade, custe o que custar ao País, esse projeto tem de ser executado. Lembro-me de que Jânio Quadros dizia que o Brasil tem que gastar com os brasileiros; que se o Banco do Brasil perdesse dinheiro com brasileiros e com o Brasil, não estaria perdendo, mas gastando o dinheiro que o povo brasileiro foi capaz de fazer com o seu próprio trabalho. Não há que se discutir preços; há que se discutir o fator de desenvolvimento e o fator de integração social, que é o mais importante que essa obra pode fazer, encarando-a, principalmente, como uma primeira etapa para que todo o Nordeste, de uma certa forma, se incorpore ao Norte e ao resto do País no seu desenvolvimento global. Eram essas as considerações que gostaria de ter feito, porque sou daqueles que acreditam que só a irrigação feita científica e corajosamente pode dar ao Nordeste a sua recuperação.
O SR. ANTONIO MARIZ - Muito obrigado, Senador Rollemberg, são extremamente significativas as palavras de V. Exª, que dá uma contribuição inestimável ao pronunciamento que estou fazendo.
Há um aspecto que me parece essencial e foi registrado pelo Senador Mansueto de Lavor e, agora, por V. Exª: é o da necessidade de assegurar a continuidade das obras; é tomar essa primeira transposição das águas do rio São Francisco como um exemplo de outras obras sucessivas que poderão ser feitas utilizando-se águas que vêm do Norte. Fala-se freqüentemente nas águas do Tocantins, do Parnaíba e assim por diante. É fundamental assegurar que essa obra não vai parar ao final do Governo Itamar Franco. Daí a pressa do Ministro Alúizio Alves, uma certa ansiedade em estabelecer o marco inicial desta obra, a vontade de superar obstáculos para concluir a primeira etapa e, assim, garantir o seu prosseguimento.
Temos exemplos trágicos, no passado, de obras abandonadas. Vivemos uma experiência, no Governo Epitácio Pessoa, de grandes iniciativas na construção, no Nordeste, das primeiras barragens, mas, para agravar o sofrimento nordestino, essas grandes obras foram todas paralisadas na transmissão do cargo de Presidente da República ao representante de Minas, ao Presidente mineiro que sucedeu Epitácio Pessoa.
O que se vê no Nordeste, ainda hoje, passados quase 70 anos, são os sinais dos destroços de máquinas que ficaram décadas abandonadas à margem desses açudes inacabados. Somente na década de 30, com a Revolução e a ascensão de um ministro também paraibano ao Ministério de Viação e Obras Públicas, é que foram retomadas essas ações. Esse grande açude a que me referi, na Paraíba, o Coremas-Mãe-d’Água, iniciado no tempo de Epitácio Pessoa, foi concluído apenas no Governo de Juscelino Kubitschek, passados mais de 30 anos. Foi Juscelino quem apôs a placa inaugural do Coremas Mãe d'Água.
São exemplos como esse que revelam a angústia que se apodera do povo nordestino, pela inconseqüência das ações administrativas, pela descontinuidade das ações de Governo. Agora, portanto, é basilar que o Ministro Aluizio Alves e o Presidente Itamar Franco consigam impulsionar com celeridade essa obra, de tal modo que ela se torne irreversível. Daí a preocupação do Ministério da Integração Regional em completar, até o final de dezembro, a primeira etapa dessa transposição: levar as águas de Cabrobó, no sertão pernambucano, até o divisor de águas dos três Estados - Pernambuco, Ceará e Paraíba -, na Serra do Jati, ponto culminante desse sistema de relevo nordestino, e que permitirá que, a partir daí, por gravidade, as águas do São Francisco cheguem a Fortaleza, cheguem ao interior da Paraíba, ao interior do Rio Grande do Norte e, posteriormente, com algumas ações complementares de custo relativamente baixo, perenizem igualmente rios no Estado de Pernambuco. Isso é fundamental, para que não se repita o que se viu em 1926, quando Arthur Bernardes, insensível à seca, à irregularidade climática do Nordeste, simplesmente paralisou todas as obras e com isso trouxe prejuízos que se multiplicaram ao longo dos anos.
Temos, infelizmente, a experiência das iniciativas inconclusas dos grandes projetos que não saem do papel e, quando o fazem, não têm conclusão, não terminam pela realização completa do projeto. Essa, a trágica memória do povo nordestino.
Esperamos que agora seja diferente, porque, de fato, uma série de circunstâncias convergem para que a obra se realize. Vivemos um instante em que no Ministério da Integração Regional está um homem do Rio Grande do Norte; no Ministério do Planejamento, um cearense; na Presidência do Congresso Nacional, do Senado da República, um paraibano; da Câmara dos Deputados, um pernambucano.
Então, se não nos valermos dessa circunstância meramente casual, que põe nas mãos de homens do Nordeste, que conhecem em profundidade os seus problemas, a oportunidade; se não nos valermos dessa circunstância para impulsionar efetivamente ações da grandeza da transposição das águas do São Francisco, realmente teremos perdido um momento histórico, que não se repetirá em breve.
Esse projeto tem metas ambiciosas. Ele vai canalizar rios. Na primeira etapa, em quatro Estados: Rio Grande do Norte, Ceará, Paraíba e Pernambuco. Abrange as bacias dos rios da Brigida, da Terra Nova e Pajeú, em Pernambuco; Jaguaribe, Piranji e Choró, no Ceará; Piranhas e Açu, na Paraíba e no Rio Grande do Norte; Piancó, na Paraíba; Apodi, no Rio Grande do Norte.
É uma realização realmente fantástica, que vai alcançar não somente o objetivo de multiplicar riquezas pela irrigação das terras, fecundas, como assinalava, há pouco, o Senador Francisco Rollemberg, terras apropriadas ao recebimento dessas águas e à produção agrícola conseqüente, mas também o abastecimento das cidades. Na terrível seca que viveu a região em 1993, a maior, a mais dramática do século, segundo as avaliações de órgãos do Governo como a SUDENE e o DNOCS.
Nessa terrível seca do ano passado, não somente a questão diretamente econômica da produção agrícola, a perda das lavouras, a provocação do êxodo rural como efeito dessa calamidade, mas o próprio abastecimento das cidades foi afetado gravemente.
O País inteiro assistiu ao drama de Fortaleza, à situação crítica de Recife. Esta cidade esteve até há pouco - não sei se assim continua - em regime de racionamento de água, que vem sendo oferecida periódica mas descontinuamente em uma das maiores cidades brasileiras.
Fortaleza foi salva por um canal realizado a toque de caixa num prazo de noventa dias, recorrendo-se a todas as formas modernas de técnica para que pudesse ser concluído, sob pena de a cidade ter vivido um colapso. Uma cidade de milhões de habitantes ameaçada de forma grave da carência absoluta de água potável!
À medida que passa o tempo e crescem as cidades, as populações, tomam-se mais urgentes as soluções para a questão da água: água para irrigar, para abastecer as cidades, para gerar energia. Esse projeto contempla igualmente a hipótese de geração de energia valendo-se dos desníveis que uma ação desse porte, um percurso tão longo necessariamente estabelece.
É preciso apoiar o Governo para que realize esse grande empreendimento. É preciso também - como dizia o Senador Mansueto de Lavor - cobrar dos candidatos à Presidência da República a sua visão do problema; a forma como hão de encarar a continuação dessa obra; qual a opinião sobre a transposição do São Francisco, sobre a filosofia dessa obra, que não deve esgotar-se em si mesma, mas deve servir de modelo a outras iniciativas do gênero. E o Brasil não estará fazendo nada de novo.
Ainda, há pouco, citava o Senador Francisco Rollemberg a experiência americana, a experiência na região, sobretudo na Califórnia e no Colorado e em tantos outros pontos do território agreste, situado na fronteira mexicana. E quantos outros países fizeram isso? A China tem um fantástico canal que liga Pequim ao mar, utilizando-se de dois rios. São centenas de quilômetros. A França, no século passado, ainda no Império de Napoleão II, construiu centenas, quem sabe milhares de quilômetros de canais laterais aos rios com o duplo objetivo, então, de favorecer a prática agrícola e de assegurar o transporte fluvial. São canais que ladeiam os rios, que poderiam ter sido considerados, numa visão estritamente técnica, talvez até desnecessários. Na verdade, representaram a regularização do curso de inúmeros rios e permitiram um notável impulso às atividades econômicas na França.
Mas aqui tudo são problemas, objeções de toda ordem, invocações técnicas, alegações de que o rio já não teria o volume suficiente para tal ação do Governo, pois seria prejudicada a geração de energia assim como seriam prejudicadas as regiões mais favoráveis à utilização da água. Isso tudo são balelas. Não podemos aceitar esse tipo de críticas, de obstáculos que procuram antepor à realização desse canal. O rio está lá há quinhentos anos com as suas águas só parcialmente utilizadas, esta grande iniciativa do Vale do São Francisco, algo recente historicamente.
É preciso ampliar a abrangência dessas águas e levá-las efetivamente a outros Estados. Há iniciativas consideráveis no Estado de Sergipe, que representa aqui o Senador Francisco Rollemberg, e no Estado de Alagoas. Já no Estado de Pernambuco, pela construção de adutoras que abastecem cidades, há iniciativas limitadas. Entretanto, é preciso ter a visão global do Nordeste; ter uma perspectiva mais ampla dos problemas que nos afligem. E a construção do grande canal que parte de Cabrobó e vai alcançar a cidade de Fortaleza é, sem dúvida alguma, uma obra essencial à integração territorial do País, à redução das disparidades do desenvolvimento regional, à criação de condições que permitam elevar o nível de vida das populações nordestinas desde que paralelamente às obras civis se desenvolva uma obra social, que preveja e que assegure o acesso dos pequenos proprietários, dos trabalhadores rurais, das populações marginalizadas aos frutos do progresso que daí certamente advirão.
Cito alguns números dessa grande iniciativa do Governo Federal, para que se possa ter idéia das suas dimensões. Requer-se, para a realização desse canal, uma vazão mínima de 150 metros cúbicos por segundo no projeto total e de apenas 50 metros cúbicos por segundo nessa primeira etapa que está sendo atacada pelo Ministério da Integração Regional. Serão 2.000km de extensão, mas apenas 200km de obras civis. Os 1.800km restantes serão objeto simplesmente da utilização dos leitos secos dos rios nordestinos. São apenas 200km de obras de arte e 1.800km de aproveitamento das condições naturais do terreno.
Nesta primeira etapa, levar-se-á água à Serra do Jati, como disse, divisor dos três Estados e que permite que, por gravidade, sejam alcançados o Ceará, a Paraíba e o Rio Grande do Norte. Para alcançar o Jati será necessário apenas 121km de obras de arte.
O valor do projeto total é de dois bilhões de dólares, importância insignificante se comparada a outras grandes obras realizadas no País. Mas nem isso é necessário. Basta comparar este valor ao que se gastou nas frentes de emergência do Nordeste de forma meramente paliativa. Foi uma iniciativa da maior urgência e da maior necessidade, pois as frentes de emergência acodem uma aflição aguda das populações atingidas pela seca e, por isso, torna-se absolutamente irremediável e inadiável. Entretanto, são ações provisórias que não deixam resultados de ordem material, que não contribuem para a solução do problema da seca, para lançar as bases de uma ação conseqüente, consentânea com a realidade social e política da região. São recursos que saciam momentaneamente a fome e a sede da população expulsa do campo pela inclemência do tempo, mas que não lançam os fundamentos de soluções definitivas para o problema.
São dois bilhões de dólares para o projeto total e 500 milhões de dólares para essa primeira etapa. Essa importância equivale ao que se gastou na seca de 1993. Serão beneficiados noventa e nove Municípios em quatro Estados: Paraíba, Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Norte.
Na primeira etapa obter-se-á uma área irrigada de 43 a 63 mil hectares, além do abastecimento de água de vários núcleos urbanos. A abrangência do projeto total é de 1 milhão e 600 mil hectares, sendo 600 mil hectares de boa qualidade para a irrigação.
A população beneficiada seria de 4 milhões de habitantes, além do abastecimento das cidades já referidas.
Na primeira etapa, serão novecentos e quarenta e cinco mil habitantes, os que residem nas áreas alcançadas pelo projeto, com uma produção estimada de duzentos e quinze milhões de dólares ao ano, enquanto que, no projeto direto, essa produção elevar-se-ia a dois bilhões de dólares/ano, gerando setecentos e oitenta mil empregos diretos e quatrocentos e vinte mil empregos indiretos.
É preciso salientar que esse projeto foi alvo de minucioso exame, de severo escrutínio, não só nos órgãos técnicos nacionais, mas também internacionais; aprovado também no Banco Mundial; analisado em todas as instâncias internas e externas e referendado por essas instâncias; e aprovado por esses organismos técnicos.
Então, impõe-se a sua realização. Impõe-se trazer a solidariedade de toda a nossa representação regional a essa iniciativa formidável do Ministério da Integração Regional. São um milhão e quinhentos mil quilômetros quadrados de área nordestina; quarenta e quatro milhões de habitantes que sentem-se, à medida em que se sucedem os governos e passa o tempo, como simplesmente filhos adotivos do Brasil, rejeitados do País, pela indiferença e pela insensibilidade que tem marcado a ação dos governos.
Concluo as minhas palavras, Sr. Presidente, Srs. Senadores, reiterando a minha afirmativa inicial: é preciso transformar o discurso em atos, os compromissos públicos em ações de Governo.
A solidariedade nacional, imprescindível à grandeza do País, traduz-se também em obras como essa, em iniciativas de governo semelhantes. A transposição das águas do São Francisco vem concretizar uma longa aspiração, um sonho interminável, e pode trazer, com absoluta certeza, a redenção para milhares e milhares de pessoas que hoje vegetam na indigência, pode criar condições de vida digna para essas populações, multiplicar a riqueza e tornar mais solidário o Brasil, mais unido o nosso povo.
Muito obrigado, Sr. Presidente. (Muito bem! Palmas.)