Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES ACERCA DO SEMINARIO REGIONAL SOBRE BIODIVERSIDADE, REALIZADO EM QUITO, NO EQUADOR.

Autor
Aluízio Bezerra (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
Nome completo: Aluizio Bezerra de Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • CONSIDERAÇÕES ACERCA DO SEMINARIO REGIONAL SOBRE BIODIVERSIDADE, REALIZADO EM QUITO, NO EQUADOR.
Publicação
Publicação no DCN2 de 24/05/1994 - Página 2571
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • COMENTARIO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, SEMINARIO, REALIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, EQUADOR, RELAÇÃO, BIODIVERSIDADE, REGIÃO AMAZONICA.

     O SR. ALUÍZIO BEZERRA (PMDB - AC. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há pouco tempo, participamos em Quito, no Equador, do Seminário Regional sobre Biodiversidade, evento organizado pela comunidade das nações amazônicas.

     Como Presidente do Parlamento Amazônico, tivemos a honra de contribuir diretamente nos debates e preocupações daquele importante Encontro, do qual as oito nações dentro das quais está situado o bioma amazônico fomos membros-participantes. Os debates foram ricos, todos eles em torno de um tema que nos toca muito de perto, e é sobre isso que quero, aqui, destacar alguns elementos.

     Desde a nossa chegada no Equador, tratamos de destacar aquela que entendemos ser a preocupação maior quando tratamos de um tema de tamanha magnitude e complexidade como é, atualmente, o da diversidade biológica da Amazônia.

     Nossos países amazônicos possuem, de certa maneira, uma vocação comum, uma singular identidade como defensores da mais importante floresta tropical e formadores do maior ecossistema natural do planeta. No entanto, essa região tão grande e de tão vasto potencial, apresenta um quadro de extrema miséria e marginalidade que é incompatível com aquela realidade natural. Isso se choca frontalmente com a inteligência humana.

     Essas foram as nossas primeiras palavras em Quito, amplamente acolhidas e debatidas pela mídia naquele momento. Não temos a menor dúvida de que é precisamente esse o grande desafio. O Seminário sentiu de dentro esse desafio. Diante de tamanha riqueza (maior banco genético natural do mundo; maior província mineral do planeta; maior ecossistema mundial), sentimos claramente que nosso dever é o de protegê-la, mas, ao mesmo tempo, dela extrairmos elementos, contrapartida para o desenvolvimento social, ambientalmente sustentado.

     Não podemos permitir que se perpetue o atual fluxo no comércio internacional, onde nós apenas perdemos. Ao mesmo tempo em que existe o desafio ambiental, existe o premente desafio do empobrecimento absurdo dos povos da Amazônia. Pobreza em cima da riqueza. O Seminário formulou avaliações a esse respeito, ao constatar que o atual fluxo é de pura sangria: nossos recursos genéticos amazônicos estão sendo levados para os países ricos, para as múltis, sem qualquer benefício para os países da Bacia Amazônica. A relação que se perpetua é de exploração.

     Essa foi, de certa forma, uma das direções dos debates desenvolvidos naquele Seminário. Ou seja, temos que encontrar as formas de conservação e uso da biodiversidade de fauna e de flora, isso é inegável. Mas deve ser feito de tal forma, que haja uma justa e urgente contrapartida por parte dos países que dispõem dos recursos que nos faltam. Contrapartida que alavanque nosso progresso, nossa superação da miséria. Com total respeito à nossa soberania. Como encontrar os princípios, as regras para que isso aconteça, foi exatamente esse o propósito do Seminário.

     Tanto assim, que produziu, ao final, um documento bem definido a esse respeito, reiterando os princípios da reciprocidade, da via de mão dupla nas relações entre as nações. E não mais como tem sido até hoje, onde os países ricos (o Grupo dos Sete industrializados) levam nossas espécies nativas, nossas plantas, microorganismos, levam nossos recursos genéticos com os quais suas multinacionais produzem medicamentos, cosméticos, alimentos, essências, que depois temos que comprar a peso de ouro. E ainda por cima, pagando royalties, patentes, por aquilo que saiu das nossas florestas...

     Os mais de 40 parlamentares dos oito países amazônicos que debatemos amplamente essas questões, coincidimos plenamente nesses princípios gerais. Estão todos formulados no documento final. Lá ficou estabelecido que recurso genético amazônico é patrimônio da comunidade amazônica. Não pode sofrer uso comercial (entrar no mercado) em detrimento das nações amazônicas. Muito menos em desrespeito à sua soberania. Temos que ter nossos próprios bancos genéticos, organizados por cada governo e cooperando entre si. Temos que planejar e garantir nosso zoneamento econômico-ecológico. Nossas leis específicas. E sobretudo, o acesso a recursos genéticos por parte de terceiros, de outros países, só deve ser permitido em bases mutuamente benéficas.

     A riqueza genética que está em pauta é incalculável. Só para se ter uma idéia, basta analisar o quadro abaixo, que aborda apenas parte dos elementos que foram divulgados e discutidos no Seminário:

     - 90% da biodiversidade do planeta está nas regiões tropicais e subtropicais dos países não-industrializados.

     - 40% da economia de mercado mundial se baseia diretamente em produtos e processos biológicos.

     Dois terços das 35 mil plantas medicinais que se estima que existam no mundo, encontram-se nos países em desenvolvimento.

     Calcula-se que a pirataria de direitos de patente dos países do chamado Terceiro Mundo com relação aos do Norte (industrializado) equivale a uns 2,7 bi de dólares. No entanto, a pirataria do Norte em relação aos conhecimentos do Sul empobrecido, chega a algo em torno de 5 bi de dólares, dos quais 20% é de plantas medicinais e o restante, de recursos genéticos em geral.

     Há previsões de que biotecnologia vai movimentar 50 bi de dólares só nos EUA, no ano 2000.

     Por exemplo, se os grupos econômicos do chamado Primeiro Mundo querem utilizar nosso banco genético para produzirem seus medicamentos, sua biotecnologia que depois nos resulta caríssima, muito bem, mas temos que estabelecer acordos. É preciso que haja a contrapartida, que pode ser de transferência de tecnologia, ou o pagamento de royalties, ou o financiamento de projetos de interesse para nossos países, e assim por diante. Se não há contrapartida, é espoliação. E se continuar assim, nunca nos beneficiaremos da biotecnologia produzida dos recursos genéticos da nossa região. Se quisermos ir mais longe, vamos cair na questão seguinte: por que patentear seres vivos, processos biológicos? Por que aceitar patenteamento nesse campo? Esta é uma questão que vem inquietando, no Brasil, vários setores que estão preocupados com o desenvolvimento nacional. É um debate em aberto.

     Ainda em termos do Seminário, vale a pena lembrar um ponto que lá mereceu destaque: é o próprio Tratado da Biodiversidade, assinado na Eco-92, em junho de 1992, quem estabelece aquela idéia da justa contrapartida. Dentro do espírito de cooperação. Nos seus artigos 15, 16 e 19, aquele acordo fala especificamente no acesso à biodiversidade, desde que em "condições mutuamente conveniadas". Por isso mesmo, o Seminário trabalhou respaldado pela Eco-92. Trabalhou consciente de que essas injustas (e arcaicas) relações desiguais de troca entre as nações, são inaceitáveis. E que não se venha aqui falar em "modernidade", em "globalidade". Relação injusta é relação injusta, não importa a maquiagem.

     Dentro desse espírito, foi que o Seminário procurou definir orientações legais para o acesso à biodiversidade e para sua conservação e uso, dentro daquele entendimento, ou seja, para começar, acesso à biodiversidade amazônica deve passar pelo total respeito à soberania de cada membro da comunidade amazônica. E deve passar também por aquela idéia da contrapartida, a que cada nação deve ter direito, para permitir a exploração dos seus recursos genéticos. Sendo que neste caso, cada Estado é que deve estabelecer as formas de acesso, de uso, de conservação, de manejo. O documento final, de Quito, em anexo, é rico em recomendações mais particularizadas nesse campo. E em recomendações válidas para uma legislação comum, regional.

     Seria repetitivo citá-las aqui. O importante a ter em conta, é que foram concebidas invariavelmente dentro da preocupação da justiça social e do respeito às comunidades locais, desde as indígenas até a comunidade maior, de cada país. E do contexto do Tratado da Biodiversidade assinado no Rio em 1992. Aliás, esse nosso Seminário reiterou a recomendação de que os EUA devem assinar esse Tratado sem reservas. Como foi feito por quase duzentas nações. Assinar o Tratado do jeito que está sendo feito pelos Estados Unidos, isto é, pretendendo estabelecer reservas, restrições, é o mesmo que assinar para cumprir apenas a parte que lhe interessa. É assinar rasgando.

     O Seminário recomendou especialmente aos EUA que acolhessem o Tratado integralmente, tal como foi resolvido pela Eco-92. Não dá para se aceitar que as regras nacionalistas só tenham validade para os Estados Unidos: eles podem recorrer ao nacionalismo para proteger seu poder e sua riqueza, mas quando se trata de países como os da Bacia Amazônica defenderem seus interesses - como no caso da biodiversidade - aí aparecem restrições, reservas, condicionantes, e assim por diante. Não dá para funcionar com dois pesos e duas medidas. Se formos aceitar que funcione assim, nunca sairemos do subdesenvolvimento, da miséria.

     Essas foram as linhas gerais das conclusões e recomendações do Seminário sobre Biodiversidade. Devem ser levadas adiante, discutidas, adaptadas a cada país, levadas a cada Legislativo, a cada Executivo (através do Tratado de Cooperação Amazônica, membro ativo e essencial do Seminário sobre Biodiversidade). O que não podemos mais é continuarmos em um ritmo que nos põe em total descompasso seja com a magnitude do problema da biodiversidade no mundo moderno, seja com a urgência de termos, nesses recursos biológicos, uma das bases para nosso desenvolvimento sustentado. E socialmente justo.

     Recursos genéticos possuem imenso valor econômico. Há quem os chame de "ouro do futuro". Essa economia gira bilhões de dólares para países do Grupo dos Sete, por exemplo, muito mais desenvolvidos em termos de capacidade de produzir biotecnologia a partir de recursos genéticos. Eles fazem isso, aproveitando o germoplasma amazônico, as espécies nativas, por exemplo, para melhorar variedades cultivadas. E muitas vezes patenteando novas variedades, novos processos biotecnológicos, que é onde começa todo o processo de espoliação.

     Cito aqui apenas alguns dos exemplos a respeito dessa questão, e que foram mencionados no nosso Seminário, em Quito:

     Em 1990, a Universidade da Flórida, patenteou um fungo brasileiro que é letal para a formiga vermelha (formiga de fogo). Vão ter lucros astronômicos.

     A multinacional Monsanto firmou um acordo multimilionário com o Missionary Botanical Garden para coletar amostras vivas no Hemisfério Sul. Essa é outra rotina que tem redundado em prejuízo para nações como as amazônicas. Estão levando embora espécies nativas, além do milenar conhecimento indígena sobre plantas medicinais, sobre essências, tudo.

     No ano passado, 1993, uma corporação americana requisitou patente de uma espécie de algodão nativo do Peru que possui intensas cores naturais que chegam até o lilás.

     A firma Agrocetus já patenteou dezenas de variedades de algodão do Terceiro Mundo. Como se sabe, o mercado mundial de algodão faz circular bilhões de dólares.

     São exemplos claros de relações econômicas injustas. É preciso ir fundo nesse debate. E nossa recomendação vai no sentido de que essas discussões, realizadas no âmbito do Parlamento Amazônico sejam levadas adiante. E aprofundadas. Não se pode deixar esse debate em suspenso. Menos ainda quando tramita no Congresso Nacional, projeto de lei relativo a patenteamento de seres vivos, por exemplo, e que tem tudo a ver com o que foi abordado por aquele Seminário.

     Em seguida àquele evento de Quito, tivemos várias reuniões de trabalho e visitas. Estivemos junto às autoridades de vários países da região, com quem fizemos contactos e reuniões proveitosas. Dentre outros, contactamos diretamente com o presidente da Assembléia Nacional (Câmara dos Deputados), o ministro das Relações Exteriores, e presidentes das Comissões de Meio Ambiente, e de Relações Exteriores, todos do Equador. No Peru, estivemos com o presidente e vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores; e na Bolívia, com o Presidente da República, o Presidente do Congresso Nacional (que é Vice-Presidente da República), com o Presidente da Câmara dos Deputados e o Ministro das Relações Exteriores.

     Através de reunião oficial, de um dia, definimos também a pauta e outros elementos de organização da próxima Assembléia do Parlamento Amazônico, a ser realizada em junho próximo, no Equador. Nessa Assembléia (será a VI Assembléia do nosso Parlamento) trataremos de aprofundar e encaminhar as conclusões e recomendações do Seminário sobre Biodiversidade. É com esse processo que estamos comprometidos. E, nesse momento, estamos em plena fase preparatória daquele próximo evento. Como sempre, dentro daquela preocupação mais profunda que nos motivou desde o nosso primeiro mandato: integração latino-americana, integração de todos os países da comunidade amazônica, com base num desenvolvimento que só merece esse nome se tiver como meio e como fim, a JUSTIÇA SOCIAL. Portanto, o fim dessa brutal desigualdade que ameaça nosso próprio futuro.

     Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 24/05/1994 - Página 2571