Discurso no Senado Federal

FALENCIA DO PROCESSO LEGISLATIVO BRASILEIRO.

Autor
Amir Lando (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Amir Francisco Lando
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO.:
  • FALENCIA DO PROCESSO LEGISLATIVO BRASILEIRO.
Publicação
Publicação no DCN2 de 05/01/1995 - Página 305
Assunto
Outros > LEGISLATIVO.
Indexação
  • ANALISE, FALENCIA, PROCESSO LEGISLATIVO, PAIS, NECESSIDADE, CONGRESSO NACIONAL, IMPOSIÇÃO, PODER, EXECUÇÃO, LEGISLAÇÃO, DEFESA, INTERESSE NACIONAL.

O SR. AMIR LANDO (PMDB-RO. Para uma comunicação. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de abordar um tema, já que estamos aguardando a votação de matérias importantes pautadas pela Mesa, que diz respeito exatamente ao processo legislativo.

Sr. Presidente, tenho refletido sobre este tema e formei a convicção da falência do processo legislativo brasileiro. Em verdade, ainda ontem me referi a um aparte que fiz ao Senador Pedro Simon no qual estabeleci que o Poder Legislativo precisa se reciclar urgentemente para fazer face à sua obrigação maior, que é fazer leis.

Não há dúvida de que esta legislatura que finda teve momentos de glória, momentos em que o povo brasileiro saudou a atuação deste Congresso, sobretudo quando ele investigou atos do Poder Executivo e do próprio Congresso. Houve-se bem o Congresso ao examinar o caso PC, como também as denúncias pertinentes à Comissão de Orçamento.

Mas a lei, Sr. Presidente, deve ser levada a sério, porque ela é feita para ser cumprida, para talhar comportamentos sociais. A lei não é um artigo de luxo que se coloca na prateleira e no Diário Oficial. A lei é, sobretudo, essa parturição social de que falava Dürkheim; a lei edifica-se no seio da sociedade, cabendo aos legisladores apenas inscrevê-la nos textos.

Entretanto, tudo isso não tem o menor efeito na condução do processo legislativo que tive a oportunidade de presenciar na vivência diuturna durante os 4 anos que participo do Congresso brasileiro e, em especial, do Senado Federal.

Sr. Presidente, eu tinha conceitos claros sobre a edificação da lei, eu tinha um respeito até religioso pela lei, agora saio desta Casa, concluindo o meu mandato, com uma ponta de amargura, pois observo que a lei é feita de uma maneira irresponsável na maioria das vezes, porque se vota o que não se leu, vota-se o que não se conhece. E isso não é exceção de comportamento nem de Senadores nem de Deputados.

Poderíamos dizer que, em muitas circunstâncias, muitos de nós - e faço o mea culpa também neste ponto - votamos o que não conhecemos. E queremos que o povo observe essas leis! E temos a pretensão de dispor sobre a vida de outrem, da Nação brasileira, quando essas disposições não têm nada a ver com o real, com as necessidades das relações sociais e econômicas da sociedade brasileira. Essas leis são estranhas como se fossem edificadas em outro planeta; não têm nada a ver com a realidade, e por isso não são aplicadas. Nós temos leis demais e aplicação de menos. Nós temos leis em abundância e respeito nenhum.

É isso que vem acontecendo, Sr. Presidente! E deve haver uma modificação profunda no processo legislativo, que exija a participação de todos os representantes do povo, que, por sua vez, devem haurir no seio da sociedade, nas relações das suas províncias, das suas paróquias, das capitais, de todos os recantos deste Brasil, para trazer uma contribuição, a fim de dar uma legislação a este País continental, mas uma legislação que tenha essa relação intrínseca com a realidade e seja realmente uma parturição social.

Sr. Presidente, vejo que o processo legislativo não sai a não ser do túmulo obscuro das negociações das lideranças. Aqui não se quer fazer uma legislação firme e forte, capaz de construir o futuro do País, mas sempre, Sr. Presidente, negociar assuntos, aspectos de interesses de grupos, de grupelhos, de elites e, às vezes, do Governo. E o Governo não é o Poder Legislativo. O Governo tem, sim, a obrigação de executar as leis, não a de fazê-las ao seu talante e à sua imagem e semelhança.

Vivemos num país sem lei, Sr. Presidente, e eu dou como exemplo as medidas provisórias que aí estão, que não têm mais do que 30 dias de vigência, não obstante a sua reedição eternize uma disposição que se sustenta apenas nos últimos 30 dias de vigência. Elas deixam atrás de si um vácuo legal. Não obstante, uma norma não escrita, não constitucional, contrária à Constituição, elas têm vigência. Observa-se, apesar de tudo, normas escritas que não existem, já que as medidas provisórias se exaurem 30 dias após a publicação.

E o Poder Executivo, que tem o poder de editar nova medida, estabelece, sim, disposições para a frente, mas deixa um vácuo atrás de si. Não há disposição vigente. O parágrafo único do art. 62 diz, expressamente, que cabe exclusivamente ao Poder Legislativo, ao Congresso Nacional, dizer das conseqüências subjacentes às relações decorrentes das medidas provisórias.

E o Congresso Nacional não se manifesta. E aí, Sr. Presidente, o Plano Real, todo o plano econômico do Governo, hoje, prescinde de legislação, porque não tem sustentação legal. Não obstante, é observado.

Vivemos, Sr. Presidente, um momento absolutamente contrário à norma escrita; vivemos um novo tempo, em que, muitas vezes, o arbítrio toma conta da Constituição, e o Congresso, genuflexo, não se levanta, não decide e deixa as coisas correrem. Com isso, Sr. Presidente, este Congresso perde a função e, na medida em que isso ocorre, não tem mais a respeitabilidade social, nem a respeitabilidade da Nação.

Esse é o ponto que deve ser reformulado, sobre o qual o Congresso precisa fazer uma autocrítica urgente para dar uma solução e se impor como poder que legisla, poder que talha as leis ao interesse do País.

Sr. Presidente, enquanto o grupo pequeno, formado pelo Colégio de Líderes, decide o destino da Nação; enquanto as negociações tomam o espaço que deveria ser da construção lídima da lei, da purificação dos textos, da melhoria das disposições, visando sobretudo construir uma nação livre, soberana e democrática, abdicamos do poder de legislar. E isso é grave! E o Congresso perde o espaço e a respeitabilidade. É por isso que hoje o Congresso brasileiro não se impõe porque não exerce a sua competência maior de fazer as leis no interesse maior da Nação, do bem comum, no interesse geral do povo brasileiro.

Sr. Presidente, gostaria, nesta hora, de prosseguir nesta análise e chamar ao debate o Congresso, sobretudo este Senado, para um tema muito relevante, mas que hoje não tem o menor significado, pois não está sendo respeitado pelas duas Casas que compõem o Congresso brasileiro.

É por isso, Sr. Presidente, que vamos continuar neste vazio, é por isso que vamos continuar sem o respeito público porque um poder que não exerce a sua soberania, não sendo soberano, não pode ter o respeito da Nação.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente. (Muito bem!)


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 05/01/1995 - Página 305