Discurso no Senado Federal

DISCURSO DE POSSE DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PROGRAMA DE GOVERNO.:
  • DISCURSO DE POSSE DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO.
Aparteantes
Jacques Silva, Joaquim Beato, Jonas Pinheiro, Ney Suassuna, Pedro Teixeira.
Publicação
Publicação no DCN2 de 04/01/1995 - Página 225
Assunto
Outros > PROGRAMA DE GOVERNO.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, DISCURSO, POSSE, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, AUSENCIA, REFERENCIA, REALIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente e Srªs e Srs. Senadores, o Brasil passa por uma fase extremamente importante da sua história, com o aprofundamento do processo democrático. As eleições de 1994 culminaram com a posse do Presidente Fernando Henrique Cardoso que, ao se pronunciar perante o Congresso Nacional e à Nação, colocou palavras que constituem anseios de todos os brasileiros.

Muitos dos propósitos delineados e afirmados, com muita ênfase, pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, poderiam - tenho a convicção - estar também inseridos no pronunciamento de Luiz Inácio Lula da Silva, caso houvesse ganho as eleições e estivesse tomando posse. A ênfase seria certamente diferente em alguns dos aspectos importantes que não constaram do pronunciamento do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Refiro-me, por exemplo, ao fato de não ter ocorrido qualquer referência à realização da Reforma Agrária e às próprias metas contidas no seu programa "Mãos à Obra".

É preciso ressaltar que o Presidente Fernando Henrique Cardoso colocou anseios que são próprios da humanidade, próprios especialmente de todos os brasileiros, que desde a juventude do Presidente Fernando Henrique, desde a juventude de todos nós estão aqui colocadas, porque Sua Excelência ressaltou pertencer a uma geração que cresceu embalada pelo sonho de um Brasil que fosse ao mesmo tempo democrático, desenvolvido, livre e justo.

Sua Excelência ressaltou o quanto este sonho vem dos heróis da independência, dos abolicionistas e inclusive das lutas que tanto o seu pai, Leônidas Cardoso, quanto o seu avô realizaram. Foram campanhas nacionalistas como a "O Petróleo É Nosso", quanto as do seu avô pelo abolicionismo e pela causa republicana.

É preciso estar atento, especialmente porque depois estaremos cobrando esses compromissos assinalados pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, especialmente quando Sua Excelência ressaltou, em diversos momentos, os seus ideais de justiça, liberdade e desenvolvimento, andando juntos nesta terra.

Sua Excelência ressaltou que temos hoje de volta a liberdade. Teremos desenvolvimento, mas falta a justiça social. Ressaltou que este é o grande desafio do Brasil neste final de século. Nós, do Partido dos Trabalhadores, concordamos nesse aspecto.

Disse mais Fernando Henrique Cardoso, relembrando a luta de Joaquim Nabuco, que o seu mandato veio do voto livre de seus concidadãos, da maioria deles, independentemente de sua condição social, mas ressaltou que veio também dos excluídos, dos mais humildes, que pagavam a conta da inflação sem ter como se defender. E também dos que são humilhados nas filas dos hospitais e da Previdência, dos que ganham pouco, pelo muito que dão ao País nas fábricas, nos campos, nas lojas, nos escritórios, nas ruas e nas estradas, nos hospitais, nas escolas, nos canteiros de obras, dos que chamam por justiça porque têm, sim, consciência e disposição para lutar por seus direitos. A eles se comprometeu a dar grande parte de sua devoção. 

Espera Sua Excelência, na luta contra privilégios, contar com o apoio da maioria dos brasileiros. Nesse sentido, contará com a apoio do Partido dos Trabalhadores, se a sua ação for de fato nessa direção.

Ressaltou ainda mais, que os obstáculos mais importantes que irá enfrentar são os decorrentes dos desequilíbrios internos, das desigualdades extremas entre regiões e grupos sociais. Afirmou ainda que o seu Governo estará empenhado em programas e ações específicas para gerar empregos, e que se jogará por inteiro no grande desafio de diminuir as desigualdades até acabar com elas.

Em seu pronunciamento, o Presidente Fernando Henrique Cardoso diz que fará do sentimento de solidariedade a mola de um grande mutirão nacional unindo o Governo e a comunidade para varrer do mapa do Brasil a fome e a miséria. Ressaltou que assegurará uma vida decente às nossas crianças, tirando-as do abandono das ruas e, sobretudo, pondo um paradeiro nos vergonhosos massacres de crianças e jovens: "Vamos assegurar com energia direitos iguais aos iguais."

"Às mulheres, que são a maioria de nosso povo e às quais o País deve respeito e oportunidade de educação e de trabalho.

Às minorias raciais e a algumas quase maiorias - aos negros, principalmente - que esperam que igualdade seja, mais do que uma palavra, o retrato de uma realidade.

Aos grupos indígenas, alguns deles testemunhas vivas da arqueologia humana e todos testemunhas de nossa diversidade.

Vamos fazer da solidariedade o fermento da nossa cidadania em busca da igualdade."

Sr. Presidente, aqui estaremos cobrando, dia a dia, a consecução de ações que, de fato, levem o Brasil a alcançar tais objetivos, porque uma coisa são os anseios da civilização, dos brasileiros, que todos temos, outra, são as ações para se chegar a esses objetivos maiores.

Será que todas as ações governamentais serão nesse sentido? Ainda não foi completamente delineado o conteúdo do programa pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso ou por aqueles que estarão responsáveis pela ação de comunidade solidária.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, já estamos no segundo dia de governo. Quais foram as medidas realizadas para erradicar a fome e a miséria, para efetivar a reforma agrária, para fazer com que seja cumprido, pelo menos, aquilo que está no Programa "Mãos à Obra", relativamente à ação de reforma agrária?

Se formos ler o capítulo referente à reforma agrária, no Programa Mãos à Obra - como ressalta na Folha de S.Paulo de hoje o jornalista Gilberto Dimenstein -, veremos que ali está escrito, na página 100, que o Governo Fernando Henrique considera que "o fim da fome depende da democratização do acesso à terra".

Na página 103 afirma-se que "no primeiro ano de mandato serão assentadas 40 mil famílias, 60 mil no segundo ano, 80 mil no terceiro e 100 mil em 1998".

Na sua posse, o Ministro da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária, José Eduardo Andrade Vieira, não enfatizou a necessidade da realização da reforma agrária e nem mesmo que irá, efetivamente, cumprir - mesmo quando perguntado pelos jornalistas - as metas que estão no Programa do Presidente Fernando Henrique Cardoso.

O Sr. Jonas Pinheiro - Nobre Senador, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Com muita honra concederei o aparte dentro de poucos instantes, nobre Senador, logo após completar meu pensamento.

O Ministro da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária, em suas declarações - publicadas pela Folha de S. Paulo de hoje e pela imprensa em geral -, mencionou que em alguns casos onde a reforma foi feita quem ganhou a terra não ficou nela nem seis meses. Como opção à reforma agrária, Andrade Vieira sugeriu uma política de contratos de arrendamento, declarando que iria realizar reforma agrária apenas em áreas onde, eventualmente, existissem conflitos.

Senador Jonas Pinheiro, é importante que os compromissos assumidos pelo Presidente Fernando Henrique com relação a esses aspectos sejam, de fato, cumpridos. Espero que o Ministro Andrade Vieira possa cumpri-los ouvindo os trabalhadores sem terra e os agricultores deste País, da mesma maneira que são ouvidos aqueles que normalmente fazem pressão e se organizam, desde há muito tempo, para evitar que o Brasil venha a conhecer uma reforma agrária que seja parte dos instrumentos de resgate da cidadania de grande parte do povo brasileiro.

O Sr. Jonas Pinheiro - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Com muita honra concedo o aparte a V. Exª, Senador Jonas Pinheiro.

O Sr. Jonas Pinheiro - Muito obrigado, nobre Senador Eduardo Suplicy. Gostaria apenas de lembrar que V. Exª assinalou, com muita propriedade, até mesmo enfatizando, que estamos vivendo o começo do segundo dia de Governo.

O SR. EDUARDO SUPLICY - E já estamos cobrando os compromissos por ele assumidos e continuaremos cobrando, cada vez mais intensamente.

O Sr. Jonas Pinheiro - E esse é um papel que V. Exª cumpre com absoluta fidelidade: o papel de oposição. Não tem sido outro, até hoje, o comportamento de V. Exª senão o de fazer o louvável papel de oposição, indicando as falhas do Governo, cobrando medidas, providências e compromissos. Até aí, estou de acordo com o papel que V. Exª tem fielmente cumprido nesta Casa. No entanto, sabe V. Exª, atento leitor de todos os jornais e revistas que publicam o noticiário nacional, que o órgão executor da política de reforma agrária é o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, o qual nem sequer teve ainda a sua equipe constituída. O Ministro dá as diretrizes para que o órgão competente do seu Ministério execute as tarefas. Portanto, o bom-senso recomenda que se dê um pouco de tempo até que as equipes estejam montadas e se possa, efetivamente, estudar o programa de Governo. O Ministro acabou de assumir, não tendo ainda constituído a sua equipe de execução, ou seja, o próprio INCRA. Desse modo, é um rigor absoluto querer-se já, neste instante, as providências numéricas - são tantas famílias a serem assentadas. O Plano de Governo, com o seu Programa Mãos à Obra, realmente contém isso. Entretanto, o próprio Gilberto Dimenstein, lembrando a filosofia popular do nosso inesquecível campeão de futebol, Didi, diz que "Treino é treino e jogo é jogo".

O SR. EDUARDO SUPLICY - Mas o jogo já começou, Senador Jonas Pinheiro.

O Sr. Jonas Pinheiro - O jogo está começando, Senador. O Governo não se iniciou com todos os cargos preenchidos, mas está se assentando. Portanto, apesar de reconhecer o papel que V. Exª tem desempenhado e haverá de continuar desempenhando, com absoluta fidelidade, afirmo ser necessário um pouco mais de tempo para se fazerem as cobranças devidas. Desejava apenas fazer esta ponderação. Estranhei o conteúdo desse texto de um jornalista tão conceituado, que deve ter escrito essa matéria com antecedência, ontem, anteontem ou, quem sabe, sexta-feira, antes mesmo do Governo assumir. Portanto, faço um apelo no sentido de que a consciência nacional, na qual V. Exª se inclui, dê um tempo ao Governo, para que a equipe do Ministério da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária seja constituída, bem como a de seus organismos executores, como o INCRA. Após isso, sim, que se faça uma crítica consistente, abalizada, fidedigna, digna do reconhecimento e do apoio de todos nós que estamos aqui, para igualmente fiscalizar as ações desse Governo que nos encheu de esperança e de confiança, não apenas nós, representantes do povo, mas a Nação inteira está embalada pelas esperanças geradas pelo Governo que ora se instala.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Prezado Senador Jonas Pinheiro, a demora na designação do responsável pelo INCRA já significa algum problema no âmbito do Governo, porque se se quer dar real prioridade para algo tão importante quanto à realização da reforma agrária, então já deveríamos estar observando, neste primeiro mês, ações nessa direção.

Lembro que o Presidente Fernando Collor de Mello propôs, durante a sua campanha, assentar 500 mil famílias. Passados três anos de seu mandato, praticamente nada realizou. Ficamos aqui votando os projetos de regulamentação da reforma agrária, e quando finalmente conseguimos regulamentá-la havia acabado o Governo Fernando Collor de Mello.

A demora na regulamentação do que estava na Constituição, em grande parte, decorreu das grandes pressões, no Congresso Nacional, por parte daqueles que fizeram tudo para adiar a regulamentação dos projetos relativos à sua realização.

Depois, o Presidente Itamar Franco havia colocado como meta o assentamento de 100 mil famílias ao longo de dois anos. Não conseguiu realizá-la em virtude, sempre, das grandes pressões no sentido de que a reforma agrária seja executada a passos completamente distantes dos objetivos de resgate da cidadania do povo brasileiro, sobretudo daqueles que vivem no campo, daqueles que, por exemplo, são netos, bisnetos de tantos escravos que trabalharam na agricultura e que ainda aguardam o resgate da sua cidadania.

Lembro, Senador Jonas Pinheiro, o exemplo do Governador Cristovam Buarque. S. Exª apresentou como plataforma a instituição de um programa de bolsas a famílias de renda mínima, assegurando a cada uma que tenha filhos em idade escolar um salário mínimo.

Eleito, amanhã, às nove horas - convido V. Exª, o Senador Pedro Teixeira e aqueles que tiverem interesse em comparecer em uma escola no Paranoá -, quando terá início o programa de distribuição de bolsas a famílias carentes que tenham filhos matriculados em escolas. Esse programa será iniciado nas áreas em que as famílias são mais carentes.

Assinalo que, de alguma forma, esse programa guarda relação com o Programa de Garantia de Renda Mínima, já aprovado, inclusive por V. Exª, há três anos, neste plenário.

O Governo vem estudando esse projeto e, creio, poderia ter sido mais rápido em sua avaliação, até porque dia 30 de novembro último, os Ministros da Fazenda, do Planejamento, Bem-Estar Social, Trabalho e Previdência assinaram decreto concedendo trinta dias de prazo para que fossem concluídos os trabalhos de sua viabilidade operacional. Às vésperas do fim do Governo Itamar, o Ministro Ciro Gomes baixou outra portaria concedendo mais 10 dias úteis para conclusão dos estudos coordenados pelo Secretário Winston Fritsch, que agora passou o bastão para o Secretário de Política Econômica, José Roberto Mendonça de Barros. Ambos disseram-me que estarão concluindo esses estudos que, na verdade, vêm sendo examinados há três, dois, um ano.

Naquela oportunidade conversei com um dos Ministros, que, acredito, não será apenas um Ministro Extraordinário dos Esportes, mas também um Ministro da vida brasileira. Espero que Edson Arantes do Nascimento, Pelé, seja um Ministro que trate da questão do resgate da cidadania de todos: dos negros deste País que ainda não tiveram a sua cidadania plena assegurada e daquelas crianças com as quais ele tem-se preocupado.

Transmiti a S. Exª o desejo de mostrar-lhe esses estudos para que conhecesse de perto, dada a sua experiência, ao seu conhecimento do que ocorre nos Estados Unidos, na França, no Japão, em países de todos os continentes, e examinasse também o projeto. S. Exª demonstrou grande interesse. Por essa razão, entreguei-lhe os dados sobre o projeto durante a posse.

Também o Presidente Fernando Henrique Cardoso disse-me que marcasse uma audiência com Sua Excelência. A audiência já está marcada para semana que vem. Imagino que Pelé seja, no Governo, um catalisador de ações, no sentido da realização daquilo que o Presidente Fernando Henrique Cardoso apresentou como meta prioritária de seu Governo.

O Sr. Jonas Pinheiro - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Eduardo Suplicy?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Concedo novamente o aparte a V. Exª.

O Sr. Jonas Pinheiro - Muito obrigado, nobre Senador. As novas colocações e considerações de V. Exª praticamente me intimaram a fazer um reingresso em seu pronunciamento, uma nova incursão, pois se eu tivesse o mesmo espírito de cobrança de que é dotado V. Exª, e bem dotado, já estaria aqui a criticar o Governador Cristovam Buarque. Creio que o bom-senso me recomenda, como a toda sociedade, dar-lhe um certo tempo. Durante a campanha, S. Exª prometeu essa providência não para uma escola, para um bairro, para uma cidade-satélite. S. Exª prometeu para o Distrito Federal. Disse, em seu discurso de posse, pois o ouvi pela televisão, que com todo orgulho estaria começando por um bairro, nesta semana, a sua experiência. Qual o critério adotado na escolha do bairro? Por que começar por aquele? Por que não fazer o programa globalizado? Eu estaria a cobrar isso, esse compromisso de campanha, se tivesse a mesma pressa que V. Exª tem revelado ao cobrar certas providências de um Governo que se instala. Sei, estou convencido, que por maior que seja o acerto, por maior que seja o êxito da administração do Ministro José Eduardo de Andrade Vieira no Ministério da Agricultura, V. Exª jamais haverá de aplaudi-lo. Jamais.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Não.

O Sr. Jonas Pinheiro - Não, eu tenho argumentos para dizer isso.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Não, mas eu posso aqui assegurar: no momento em que S. Exª realizar a reforma agrária e cumprir as metas terá, sim, o meu cumprimento. Aliás, assumo de pronto um compromisso com V. Exª.

O Sr. Jonas Pinheiro - Quero justificar, nobre Senador.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Irei ao ato de realização de reforma agrária no momento em que o Ministro lá estiver assinando, se convidado.

O Sr. Jonas Pinheiro - Confio muito na mudança do comportamento das pessoas. Estou avaliando, agora, essas colocações, partindo de um episódio ocorrido na Comissão de Assuntos Econômicos, em que, juntos, sabatinávamos o candidato à Presidência do Banco Central, Sr. Francisco Gross. V. Exª haverá de recordar esse fato. Ao final, V. Exª foi o último a inquiri-lo, depois de sete longas horas de debates, perguntas e respostas, isto ficou retido em minha memória, até hoje não esqueci e não esquecerei. V. Exª reconheceu a grande capacidade de Sr. Francisco Gross, de que ele era o homem adequado para dirigir o Banco Central, louvou e o enalteceu no sentido de que ninguém seria mais competente naquele momento, mas, ao final, sentenciou: "Apesar de tudo, eu votarei contra".

O SR. EDUARDO SUPLICY - Por uma questão de princípio e, ali, estava explicitado.

O Sr. Jonas Pinheiro - ... porque tinha um princípio partidário, não prevaleceu a consciência de V. Exª. Então, como V. Exª faz oposição ao Governo Fernando Henrique Cardoso, já manifestando em suas primeiras palavras esta oposição legítima, baseado nesse episódio passado, tenho que imaginar que, por maior que seja o acerto, V. Exª será uma voz discordante, estará sempre assinalando e cobrando. "Ele fez isto, mas falta aquilo. Fez aquilo mas falta aquele outro." O que é bom para a sociedade.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Recordo, nobre Senador Jonas Pinheiro, que naquele momento, inclusive, recordei o assunto por ocasião da argüição recente do Presidente do BNDES, designado pelo Banco Central, Pérsio Arida, que estava vindo de instituição pública. Foi o próprio Presidente Itamar Franco, enquanto Senador, que apresentou projeto de lei propondo que o Presidente do Banco Central não poderia vir diretamente de instituição financeira privada. A razão do meu voto foi justamente acatar o que já havia sido aprovado pelo Senado, mas não pela Câmara dos Deputados.

O Sr. Pedro Teixeira - Permite V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Com muita honra, ouço o Senador Pedro Teixeira.

O Sr. Pedro Teixeira - Senador Eduardo Suplicy, ao ensejo da campanha do Governador Cristovam Buarque, todos estranhamos a promessa que ele fez de um auxílio substancial à classe mais desvalida, mas entendíamos que aquilo fosse uma jogada de mídia, que acabou tendo um peso substancial na eleição do ex-Reitor da UnB para primeiro mandatário da capital da República. Entretanto, vencida essa fase, creio que o cavalheiro está indo além do que as suas botas permitem. É uma temeridade implantar-se qualquer tipo de benefício à classe menos favorecida, sem normas, sem uma legislação específica, sem que a Câmara Distrital vote lei nesse sentido e sem que existam recursos preestabelecidos, além de passar a idéia de que, num passe de mágica, Brasília pode resolver o problema de todos os brasileiros menos favorecidos. O atual Governador do Distrito Federal está incorrendo no mesmo erro do então Governador Joaquim Roriz, quando acenou para o Brasil inteiro com a possibilidade de moradia gratuita para todos, causando aquele fluxo migratório que nos colocou em condições difíceis - hoje temos uma periferia com mais de trezentas mil pessoas, sem condições de aproveitamento, de trabalho digno e decente. O Governador Cristovam Buarque tenta cumprir o prometido - quisera Deus fosse possível, fosse viável - com um balão de ensaio, para dizer à população do Distrito Federal que a sua plataforma eleitoral está sendo cumprida. O que pode fazer o Chefe do Executivo do Distrito Federal, que é dependente da União em diversas áreas, como segurança, saúde, educação? A iniciativa é louvável. Mas, onde os recursos? Penso que o Senador João Calmon, que vem lutando há tanto tempo por regras nacionais, pudesse até dizer que está resolvido o problema da educação no País. Acredito que S. Exª, pela respeitabilidade que tem, pelo homem sério que é, condutor de um dos trabalhos de maior lisura que temos no Distrito Federal, em todos os quadrantes em que atuou, não pode se expor em troca apenas de balões de ensaio. Lançar, amanhã, uma gotícula, dizendo que vai resolver o problema é uma loucura. E quais são os critérios? Para quem tem mais de 5 anos em Brasília. Isso fere a Constituição Federal, porque todos são iguais perante a lei. Aquele que chegou ontem e apresenta as mesmas condições de miséria - porque miséria não se mede pelo tempo de residência -, também terá esse mesmo direito. Assim o Brasil está convidado para se deslocar para Brasília, porque aqui existe metrô, assentamento e, agora, uma verba, que a União, por certo, terá que pagar, porque o Distrito Federal não tem recursos. Louvo a iniciativa, mas ela é temerária. Um governo sério não pode adentrar por esses caminhos. Agora, com referência à questão do Governo Federal, creio que a cobrança de V. Exª não é prematura, não; é uma cobrança até, como se diz no Código Penal, putativa, se me permite o Senador Josaphat Marinho. É a previsão de que um fato vai ou não ocorrer que determina as medidas. Eu e o Senador Josaphat Marinho, muitas vezes, clamamos aqui, e as paredes do Palácio do Planalto não nos ouviram. Daí, um governo passou dois anos fazendo balões de ensaio, encenando e usando a mídia para não apresentar muita coisa de concreto para este País. O Governo de Fernando Henrique teve bastante tempo para fazer uma programação - e até para tê-la apresentado - em matérias de interesses sociais, como essas que estão sendo cobrados por V. Exª, para que não venha aqui o nobre Senador Jonas Pinheiro dizer que os cargos não foram preenchidos. Ora, meu Deus, este País é feito, agora, na base da escolha de nomes de cargos ou na escolha de programas? Tanto num caso quanto noutro, V. Exª traz reflexões pertinentes. Parabenizo-o por iniciar, logo no primeiro dia do novo governo, a cobrança de posturas e posições de ambos os lados.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Agradeço, Senador Pedro Teixeira, as suas ponderações. Acredito que a assessoria jurídica do Governador Cristovam Buarque deve estar levando em conta essa preocupação, e tudo será resolvido de maneira adequada.

Quero ressaltar que a Prefeitura da Cidade de Campinas teve a iniciativa de instituir um Programa de Garantia de Renda Familiar àquelas famílias que tenham crianças em situação de risco. Aquela família, cuja renda não atinja R$ 140,00 - no caso de uma família composta de 4 pessoas - ou R$ 35,00 per capita - no caso de uma família de cinco pessoas seriam R$ 175,00, e assim por diante - e tenha filhos de zero a dezesseis anos, terá direito a um complemento de renda de até R$ 35,00. Portanto, é outra variante do Programa de Renda Mínima. No caso do Município de Campinas, foi apresentado projeto de lei em dezembro passado, já aprovado em primeiro e segundo turno, e o Prefeito José Roberto Magalhães Teixeira trabalhará, este mês, para a sua regulamentação, e até solicitou auxílio ao nosso gabinete para encontrar formas de regulamentar o projeto de lei, que constitui mais uma experiência. Nesse caso, houve a aprovação pela Câmara Municipal, constando que terão direito aqueles que moram em Campinas há dois anos.

Mas tanto o Governador Cristovam Buarque, do PT, quanto o Prefeito José Roberto Magalhães Teixeira, do PSDB, acreditam ser importante o início de experiências desse tipo.

O Senador Ney Suassuna, no ano retrasado, também apresentou projeto nessa direção. São experiências que devem se multiplicar, para serem aperfeiçoadas.

Ontem à noite, conversando com o Prof. Albert Hirschman, perguntando sobre experiências de Imposto de Renda Negativo, de renda mínima em diversos países do mundo, inclusive nos Estados Unidos, ele me informou que o programa Earned Income Tax Credit, ou Crédito Fiscal por Remuneração Recebida, constitui-se, na avaliação dele, na maior realização do Presidente Bill Clinton, que mais que dobrou o sistema de Imposto de Renda Negativo, ou Earned Income Tax Income naquele país. Segundo o Professor Albert Hirschman, não teria recebido Bill Clinton o devido crédito porque este não foi um tema tão colocado na campanha, na verdade até porque este assunto não foi objeto de crítica dos republicanos, na medida em que também votaram favoravelmente ao projeto.

O Sr. Jacques Silva - Permite-me um aparte, nobre Senador?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Pois não, nobre Senador.

O Sr. Jacques Silva - Senador Suplicy, a idéia é louvável, mas não deixa de ser temerosa. Por uma promessa muito menor, como disse há pouco o ilustre Senador Pedro Teixeira, o Governador Roriz quase consegue preencher os espaços vazios de Brasília. Temo que, com essa promessa agora do Governador Cristovam, de conceder um salário...

O SR. EDUARDO SUPLICY - Um salário mínimo para as famílias com crianças em idade escolar que demonstrem estar freqüentando a escola.

O Sr. Jacques Silva - Exatamente. Preocupo-me com outros aspectos: não só com esta verba para pagar a estas famílias, mas também para construir, Senador Suplicy, muitas casas e escolas porque, com certeza, haverão de chegar aqui muitas famílias em busca desse auxílio. De modo que o Governador Cristovam esteja preparado para enfrentar este problema. Obrigado.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Na legislação prevista, ou na norma regulamentadora, porque ainda não há lei, o benefício seria concedido para aqueles que residem em Brasília há cinco anos.

O Sr. Odacir Soares - Permite-me um aparte, nobre Senador Eduardo Suplicy?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Pois não, nobre Senador.

O Sr. Odacir Soares - Senador Eduardo Suplicy, vou fazer aqui uma consideração que pode parecer estapafúrdia. Entendo que o projeto é positivo, do ponto de vista social. Mas Brasília, de certo modo, é uma cidade privilegiada, pois os governadores operam com recursos da União, e, sem exceção, não se preocupam com as receitas do Distrito Federal porque os gastos são financiados pelo Governo Federal. E, aproveitando-me dessa idéia generosa do Governador Cristovam Buarque de iniciar uma política social positiva com recursos da União, somente lamento que os demais Estados e Municípios brasileiros não possam usufruir do mesmo privilégio: criar um programa desse tipo com recursos da União Federal. Era somente isso que queria aduzir a respeito do discurso de V. Exª. Muito obrigado.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Conforme disse o Governador Cristovam Buarque, em campanha, o início do programa certamente significaria um catalisador para que o Congresso Nacional logo viesse a aprovar um programa de garantia de renda mínima, aliás, o Senado Federal já o fez. Agora, falta a Câmara dos Deputados.

O SR. PRESIDENTE (Humberto Lucena) - Informo que o tempo de V. Exª está esgotado.

O Sr. Joaquim Beato - V. Exª me permite um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY -  Tendo terminado o meu tempo, não sei se posso conceder apartes.

O SR. PRESIDENTE (Humberto Lucena) - A Presidência está apenas fazendo uma advertência, pois há mais oradores inscritos.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Ouvirei, então, o Senador Joaquim Beato.

O Sr. Joaquim Beato - Senador Eduardo Suplicy, rapidamente volto à questão da reforma agrária. Gostaria de dizer que os negros eram os únicos trabalhadores rurais deste País até 12 de maio de 1888. No dia 13 de maio foram proibidos de trabalhar e não lhes foi dado como recompensa o direito à propriedade de um pedaço de terra. Por isso, até hoje estão colocados na periferia do processo econômico brasileiro. Os negros constituem, como coletividade, o grupo mais pobre, de menor poder aquisitivo na nossa sociedade. Mas, falando em reforma agrária, lembro também que é uma necessidade no Brasil de hoje, para atender, com justiça, dez milhões de trabalhadores rurais sem terra. Além disso, por traz do êxodo rural, da favelização e da violência na cidade está exatamente a falta de uma reestruturação da propriedade da terra. Convém lembrar que países que hoje estão na linha de vanguarda em termos econômicos só modernizaram suas economias depois que fizeram a sua reforma agrária, como a Itália e a Coréia do Sul. A reforma agrária aumentaria a produção rural, proporcionaria a liberação dos braços necessários para o desenvolvimento dos outros setores da economia. Sabemos que a pequena e a média propriedades é que produzem alimentos, que atendem à necessidade da população do País, no consumo interno. A grande empresa rural latifundiária geralmente tende a produzir apenas artigos para exportação. Mas lembrando a urgência que V. Exª coloca na cobrança ao novo Governo, coloco que, desde José Bonifácio de Andrada e Silva, há projetos gorados de reforma agrária no País, porque as elites resistem demais a esse tipo de mudança social. Os próprios militares fizeram o Estatuto da Terra e não conseguiram levá-lo a bom termo. E no Governo passado, quando se pensou em realizar a reforma agrária, através do INCRA, houve o movimento dos ruralistas que se armaram, que alugaram forças paralelas para poder resistir, à força, a qualquer idéia de reforma agrária. A reforma agrária vai necessitar principalmente de uma mudança de mentalidade e de um diálogo entre o Executivo, o Legislativo e toda a sociedade. É preciso uma mudança de mente e de coração para que se chegue a compreender que sem a reforma agrária não teremos uma sociedade justa, e sem uma sociedade justa não teremos paz social.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Incorporo inteiramente tudo aquilo que V. Exª colocou como se fossem minhas próprias palavras. V. Exª inclusive reforça a necessidade de não se perder tempo. Constatado que, passados 106 anos desde 1888, está demorando muito para haver o resgate da cidadania dos negros que trabalharam e trabalham ainda, no campo, no Brasil.

Gostaria de ressaltar que Herbert de Souza, o Betinho, ainda há poucos dias, em entrevista, disse que vai cobrar deste Governo a realização da reforma agrária como um dos instrumentos mais importantes para se combater a miséria e a fome no País.

O Sr. Ney Suassuna - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Ouço V. Exª.

O Sr. Ney Suassuna - Senador Eduardo Suplicy, desejo apenas fazer duas colocações. A primeira delas é que seu Projeto de Renda Mínima é um desses projetos que tem de ser apoiados porque está acima dos partidos. Sou um soldado dessa causa. O que apresentei apenas complementa o projeto tão bem desenvolvido e apresentado por V. Exª. A segunda colocação tem o objetivo de lembrar que devemos ter o cuidado de fazer reduções em outras áreas, porque muitos dos países que adotaram esse sistema de renda mínima cortaram verbas na área da educação e da saúde, já que se tornava inviável a manutenção do sistema de renda mínima e dos serviços complementares. Como saúde e educação no Brasil existem apenas na teoria, é bom que se corte mesmo essas verbas e se dê o dinheiro ao cidadão, na sua mão, como renda mínima.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Senador Ney Suassuna, na verdade precisamos assegurar os serviços básicos de educação e saúde ao povo. Todavia, a família cuja criança, por exemplo, precisa freqüentar a escola, deve ter um mínimo de renda. Hoje, no Brasil, muitas crianças precisam trabalhar precocemente ou são forçadas a seguir o caminho da marginalidade, já que seus pais não têm o mínimo necessário para custear sua alimentação e até os meios de a criança ir até a escola.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 04/01/1995 - Página 225