Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE ARTIGO DA ESCRITORA RACHEL DE QUEIROZ, PUBLICADO NO JORNAL O ESTADO S.PAULO, EDIÇÃO DO ULTIMO DIA 7 E ACERCA DO TEMA TRATADO PELO COLUNISTA JANIO DE FREITAS NO JORNAL FOLHA DE S.PAULO, DE ONTEM, COBRANDO DOS GOVERNOS FEDERAL E ESTADUAIS A SOLUÇÃO PARA O PROBLEMA DOS MENINOS DE RUA E SOBRE O AUMENTO NOS SALARIOS DO PRESIDENTE DA REPUBLICA, DOS PRIMEIRO E SEGUNDO ESCALÕES DO PODER EXECUTIVO, DOS PARLAMENTARES E DO ALTO MAGISTRADO, A SER CONCEDIDO COMO RESULTADO DE ACORDO PUBLICO.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. POLITICA SALARIAL. :
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE ARTIGO DA ESCRITORA RACHEL DE QUEIROZ, PUBLICADO NO JORNAL O ESTADO S.PAULO, EDIÇÃO DO ULTIMO DIA 7 E ACERCA DO TEMA TRATADO PELO COLUNISTA JANIO DE FREITAS NO JORNAL FOLHA DE S.PAULO, DE ONTEM, COBRANDO DOS GOVERNOS FEDERAL E ESTADUAIS A SOLUÇÃO PARA O PROBLEMA DOS MENINOS DE RUA E SOBRE O AUMENTO NOS SALARIOS DO PRESIDENTE DA REPUBLICA, DOS PRIMEIRO E SEGUNDO ESCALÕES DO PODER EXECUTIVO, DOS PARLAMENTARES E DO ALTO MAGISTRADO, A SER CONCEDIDO COMO RESULTADO DE ACORDO PUBLICO.
Aparteantes
João Calmon, Magno Bacelar.
Publicação
Publicação no DCN2 de 10/01/1995 - Página 514
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. POLITICA SALARIAL.
Indexação
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, PUBLICAÇÃO, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, RACHEL DE QUEIROZ, ESCRITOR, REIVINDICAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, TASSO JEREISSATI, MARCELO ALENCAR, GOVERNADOR, ESTADO DO CEARA (CE), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), URGENCIA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, MENOR ABANDONADO, PAIS.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, JANIO DE FREITAS, JORNALISTA, CRITICA, REMUNERAÇÃO, PRESIDENTE, VICE-PRESIDENTE DA REPUBLICA, MINISTRO DE ESTADO, CONGRESSISTA, MAGISTRADO, COMPARAÇÃO, SALARIO, EXECUTIVO, LEGISLATIVO, JUDICIARIO, PAIS ESTRANGEIRO.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, DEMORA, INICIATIVA, MELHORIA, SITUAÇÃO SOCIAL, PAIS, CONTRADIÇÃO, EMPENHO, SOLUÇÃO, AUMENTO, REMUNERAÇÃO, ESCALÃO, EXECUTIVO, LEGISLATIVO, JUDICIARIO.
  • NECESSIDADE, ANALISE, ANTERIORIDADE, DADOS, SALARIO, OBJETIVO, ENCONTRO, VARIANTE, VOTAÇÃO, REMUNERAÇÃO, ESCALÃO, EXECUTIVO, LEGISLATIVO, JUDICIARIO.

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Chagas Rodrigues, Srªs e Srs. Senadores, qual o problema fundamental sobre o qual o Presidente Fernando Henrique Cardoso e o Congresso Nacional estão-se debruçando neste início de 1995, quando o Governo assume com uma aura, um vento, uma energia que pode-se dizer muito positiva e otimista?

Dois artigos, neste final de semana, chamaram a minha atenção. O primeiro, publicado em O Estado de S. Paulo, de sábado, dia 07 de janeiro, onde a escritora Rachel de Queiroz fala sobre o problema capital, o problema que ela gostaria que o Presidente da República, o seu Governador do Estado do Ceará, o do Rio de Janeiro e todos os demais Governadores se empenhassem em resolver; o outro artigo é o de Jânio de Freitas, publicado ontem, na Folha de S.Paulo, sobre o grande empenho que o Executivo começa a ter relativamente à remuneração do Presidente, do Vice-Presidente, dos Ministros e das pessoas que, no primeiro e segundo escalões, seriam contratadas especialmente.

Vou ler esses dois artigos para analisá-los.

Rachel de Queiroz diz:

      Ainda na ressaca de todas as posses, a gente nem sabe por onde recomeçar a vida civil. Atacar logo os homens, com as reclamações e as cobranças? Ah, meu Deus, creio que não haverá cidadão, neste país, que não tenha a sua lista própria de reivindicações, quer pessoais, quer cívicas, quer econômicas.

      Mas, afora as cobranças de ordem geral, cada um de nós tem a sua cobrança predileta: assim, eu cobro do Presidente Fernando Henrique os meninos de rua, cobro do meu governador Tasso, do Ceará, os meninos de rua, cobro ainda mais do meu outro governador Marcelo, no Rio, os meninos de rua, abandonados como cães e gatos, pedindo esmola nos sinais de trânsito, mortos a pau e tiro, pior que os cães, que ao menos são levados na carrocinha para um extermínio discreto.

      O presidente e o governador que dêem solução a esse problema maior, tão vergonhoso - que dizer de um povo que abandona seus meninos? Seremos acaso como os peixes e as cobras, que largam os ovos por aí, e os filhotes que se virem e escapem vivos como puderem? Os peixes, pelo menos, têm a desculpa de pôr ovos aos milhares; os filhotes já nascem com a margem de perdas prevista, cabendo aos predadores pôr cobro aos excessos de população aquática.

      O que não é o caso dos homens. Cada par humano não consegue dar cria senão a uma em cada dez meses, no máximo, duas, se há gêmeos.

      Portanto, dentro do oceano de problemas do país brasileiro, o caso dos meninos abandonados, chamados displicentemente "meninos de rua", é o mais urgente a exigir solução.

      Digo isso e levo um susto - imagina se um exterminador de crianças me escuta e toma a recomendação ao pé da letra! Não seria a primeira vez; as vítimas da Candelária que não me deixam mentir.

      Tem que haver um jeito. E um jeito dado às origens do problema; e seria não apenas o levantamento de proibição religiosa aos anticonceptivos, mas, fazer o contrário, ir à distribuição gratuita da pílula, ao ensino e divulgação de processos de controle familiar. Que a tal proibição, na verdade, só atinge aos destituídos de tudo. Os remediados e os ricos, esses limitam os filhos tranqüilamente, sempre arranjam maneira de controlar a prole - e não deixam de rezar, ir à missa, comungar. Quer dizer que não há, nos pobres, excesso de obediência, o que falta é dinheiro para comprar os anticoncepcionais, o que lhes falta é instrução e informação.

      Não estou me importando com o sucesso do real, com a privatização das estatais e até mesmo com a vinda das indispensáveis emendas constitucionais. Não cobro a prisão dos anões do Orçamento; não aceito nada, não faço negócio nenhum com o governo, enquanto encontrar, dia e noite, pelas ruas da cidade, as crianças pedindo esmolas, roubando, sendo prostituídas, espancadas, mortas. Essa é a verdadeira vergonha nacional.

      Sempre evito ser veemente, tribunícia, altissonante, nas minhas reclamações, mas esse caso dos meninos de rua nos tira a todos da serenidade. Há que dar um jeito e rápido, senhor presidente, senhores governadores. E não adianta carregar com os meninos, prendê-los em orfanatos, até matá-los, como se faz. Tem-se que ir às causas, e a principal delas é a miséria, a falta de estabilidade do homem do povo, a sua desassistida movimentação do campo para a rua. Na esperança de uma melhora, fogem do mato, onde vivem pior do que os índios; esses, pelo menos, têm uma cultura própria e uma tradição secular de sobrevivência. Mas o matuto emigra para cidades, onde, em vez do sonho de emprego e casa, só encontra a fome, a sujeira, a marginalidade das favelas. No Rio, ainda têm os morros que, varridos dos ventos, são pelo menos salubres. Mas vá ver uma favela em São Paulo, na lama e na poeira das periferias.

      Sim, tem que haver um jeito. E não queremos conversa, nem acreditamos em promessa enquanto os homens de cima não nos descobrirem uma solução.

Ora, Sr. Presidente, já se passaram nove dias de governo e o Presidente Fernando Henrique Cardoso está realmente, além dos anseios colocados em seu pronunciamento de posse, resolvendo, com medidas eficazes, o problema da miséria, da fome das crianças de rua?

Ainda não, Sr. Presidente, e já se passaram nove dias. O que está incomodando o Presidente Fernando Henrique Cardoso? Inclusive já se diz que, através de um acordo com o Congresso Nacional, é a remuneração do Presidente, do Vice-Presidente e dos Ministros.

Eis por que relacionarei o artigo de Rachel de Queiroz com o artigo de Jânio de Freitas, "Já chegamos lá":

      O aumento de 220% nos vencimentos presidenciais, segundo o acordo urdido por representantes do próprio Fernando Henrique, da Câmara e Senado" - e quero reiterar que não conheço tal acordo, não fiz parte do mesmo, o Partido dos Trabalhadores não fez parte dele - "e do Supremo Tribunal Federal, fará enfim o mundo curvar-se à grandeza econômica e à modernidade social do Brasil. Em vencimentos presidenciais e nos que o acompanham (os de ministros, parlamentares e altos magistrados), estaremos à frente até do primeiro mundo. Agora, ou o primeiro mundo passa a se chamar segundo, ou passa a chamar-nos de primeiríssimo.

      Aos 2/3 do eleitorado que se recusaram a votar por um governo de tucanos, só resta recolher-se à humildade. Convenhamos que mesmo ao 1/3 que votou em Fernando Henrique não ocorria, por maiores que fossem sua fé, esperança e, sobretudo, caridade com os tucanos, um resultado tão rápido e fantástico: o Brasil direto do terceiro para o primeiríssimo mundo. Ah, que pouca ainda eram a vossa fé e esperança, embora vos sobrasse aquela caridade. Pois, em verdade, não abristes de todo os vossos ouvidos ao aviso no discurso do todo-poderoso ao se tornar todo-poderoso: "Vamos mudar o Brasil!" Só Luís Fernando Veríssimo fez uso do talento prodigioso que outro Todo-Poderoso lhe deu - e aderiu na hora: "Vamos! Vamos para a Dinamarca!"

      Com 220% de aumento autoconcedido, "por acordo" partido de proposta do austero tucanato, os vencimentos do nosso moderno presidente passam de R$42.000,00 anuais a R$134.400,00. E quanto recebe, depois de ridícula correção inflacionária de 5%, o também chefe de Governo John Major, primeiro-ministro da primeira-mundista Grã-Bretanha? São R$102.445,00. O nosso, ímpio leitor, está 31,2% acima. É ou não coisa de primeiríssimo mundo?

      Pelo critério europeu e americano de salários anuais, os nossos ministros, parlamentares e altos magistrados passarão a receber, nos termos do acordo com os tucanos, R$121.560,00. Aí embaixo está uma tabelinha para comparação com o que ganham, também por ano, os parlamentares (e quase sempre também os ministros) de alguns países:

      Estados Unidos - R$102.125,00 anuais;

      Alemanha - R$93.000,00;

      Itália - R$95.512,50;

      França - R$67.500,00;

      Holanda - R$55.425,00;

      África do Sul - R$43.300,00;

      Grã-Bretanha - R$41.462,50;

      Austrália - R$37.787,50;

      Suíça - R$28.350,00;

      Grécia - R$20.187,50;

      Índia - R$2.875,00.

      Ministros e parlamentar brasileiros ganharão, portanto, 20% mais do que os seus congêneres americanos. Mais 30% do que os alemães. Mais 120% do que os holandeses. Três vezes o que ganham os ingleses. Mais de quatro do que ganham os suíços. E para não esticar mais, 42 vezes o que ganham seus congêneres da Índia, o mais similar dos países, nesta lista, ao Brasil. Está conquistada a modernidade prometida. E conquistada, com a austeridade, o pão-durim e a honradez não menos prometidos.

Ora, Sr. Presidente, como aceitar as palavras de austeridade proclamadas pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, se ao mesmo tempo vai-se proceder a aumento dessa ordem para a remuneração do Presidente, dos seus Ministros e de nós próprios Parlamentares?

Como é que, em São Paulo, o Governador Mário Covas extingue o BANESER, que se iniciou com o mesmo pensamento e procedimento que se está considerando para o Governo Federal, porque dizem os porta-vozes do Governo que se faz necessário contratar 200 a 300 funcionários de alta qualificação, com remuneração que hoje não poderia ser adotada pela legislação atual? Então querem contratar de 200 a 300 funcionários com alta remuneração. Foi assim que começou o BANESER. E depois foram contratados mais de 15 mil funcionários. Desses, uns trabalham e outros não, e existem desvios de função os mais variados.

Ora, Sr. Presidente, nós precisamos levar em conta critérios adequados, antes de tomarmos decisão dessa importância.

Gostaria de salientar que, em fevereiro de 1991, a remuneração dos parlamentares, que era de l milhão e 400 mil cruzeiros, portanto 88 vezes maior do que o valor do salário mínimo, que era de 15 mil, 895 cruzeiros. Houve, ao longo desse tempo, uma deterioração, tanto que, hoje, a diferença entre a remuneração do parlamentar, que é de quatro mil e oitenta e poucos reais tendo-se um salário mínimo de 70 reais é de 57,8%. Portanto, essa é uma relação menor do que a de fevereiro de 1991.

Mas se se considerar o salário do parlamentar com o aumento proposto de 146%, com relação ao salário mínimo, que é de 70 reais, há de se querer que ele aumente 144 vezes. Ora, isso já é uma desproporção. Mesmo se se considerar o salário mínimo com o abono de 15 reais, a diferença da remuneração proposta, com o aumento de 146% para os parlamentares, será 118,5 vezes maior em relação ao salário mínimo; portanto, tal diferença será bem maior do que as 88 vezes registradas em fevereiro de 1991.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nessa discussão, é preciso levar em conta diversos aspectos. Inclusive, eu poderia fazer aqui algumas comparações relativamente ao que acontecia em fevereiro de 1991. Vou citar, por exemplo, a Folha de S. Paulo, de 3 de fevereiro de 1991, que, na Bolsa de Salários, divulgava a média mínima e a média máxima de diretores e gerentes. Por exemplo, um diretor administrativo e financeiro ganhava de 677 mil cruzeiros, de média mínima, até 1 milhão e 94 mil cruzeiros de média máxima; o diretor-presidente ganhava de 1 milhão e 74 até 1 milhão, 906 mil cruzeiros. Isso numa época em que a remuneração dos parlamentares era da ordem de 1 milhão e 400 mil cruzeiros. Nessa época, a remuneração mais baixa registrada na Bolsa de Salários da Folha de S. Paulo era da ordem de 17 mil, 561 cruzeiros, quando o salário mínimo era 14 mil, 850 cruzeiros.

Bem, vejamos a comparação com respeito à última edição da Bolsa de Empregos e Salários do referido jornal. Se tomarmos como base o diretor administrativo e financeiro, temos o menor valor de 3 mil 610 e o maior valor 11 mil, 522, quando a remuneração do parlamentar é da ordem de 4 mil e 80 reais. O menor valor para presidente de empresa é de 3.14.413 a 14.948,00 - de menor a maior valor -, enquanto que a menor remuneração, ou seja, a de um mensageiro - pessoa, digamos, menos qualificada - é de 85 reais, correspondente ao salário mínimo mais o abono.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, apresento esses dados para que, na próxima semana, quando votarmos a nossa própria remuneração, a do Presidente e a dos Ministros, tenhamos em conta alguns parâmetros que possibilitem a todos nós uma decisão que leve em conta bom senso e critérios que possam ser considerados razoáveis e que não impliquem demonstrar à Nação que o patriotismo, a seriedade e o empenho no trato da coisa pública, seja por parte do Presidente, do Vice-Presidente, dos seus Ministros e dos Congressistas, dar-se-á apenas se houver tal aumento de remuneração para as funções exercidas por tais pessoas em contraste, por exemplo, com o parcelamento que se quer dar ao ajuste da remuneração do funcionalismo público e ao próprio tratamento que se dará ao salário mínimo.

Para atendermos à conclamação de Rachel de Queiroz no sentido de, efetivamente, transformarmos este País socialmente, cuidarmos das crianças de rua e atacarmos a miséria, para valer, precisaremos de diretrizes um tanto diferentes das que estão sendo aplicadas pelo Governo nesses primeiros dias.

O Sr. Magno Bacelar - V. Exª permite-me um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Ouço, com muita honra, V. Exª.

O Sr. Magno Bacelar - Senador Eduardo Suplicy, também me sinto muito honrado com o aparte que V. Exª me concede. Nobre Senador, nesta tarde em que já se discutiu os termos que estão sendo usados para qualificar o Congresso brasileiro, ou mais precisamente o Senado Federal, V. Exª, ao subir a esta tribuna, como sempre com muita seriedade, merecendo o nosso respeito, leva-nos a pensar. Em primeiro lugar, que V. Exª está, ao ler os dois artigos, caracterizando exatamente o que estamos vivendo: a ditadura da imprensa. A imprensa dita o nosso comportamento aqui dentro. Hoje, quando cheguei e vi a falta das cadeiras aqui no plenário, o meu primeiro pensamento foi: será que amanhã as manchete dos jornais dirão que o Senado retirando as cadeiras destinadas à imprensa está querendo boicotar ou dificultar que ela relate o nosso comportamento aqui dentro?

O Sr. Eduardo Suplicy - Permita-me uma interrupção, nobre Senador Magno Bacelar. Gostaria de indagar do Presidente Humberto Lucena se não poderia convidar os senhores e senhoras jornalistas a se sentarem, hoje, na tribuna de honra, já que estão de pé, e, conforme assinalado pelo Senador Magno Bacelar, não há cadeiras para eles, para que possam trabalhar adequadamente, já que deste lado ainda há cadeiras e as de lá estão sendo consertadas, se não me engano.

O SR. PRESIDENTE (Humberto Lucena) - Deve haver algum motivo. Eu próprio desconheço porque foram retiradas as cadeiras da tribuna de imprensa.

Atendendo a V. Exª, Senador Eduardo Suplicy, convido os senhores jornalistas a ocuparem a tribuna de honra, pelo menos durante a sessão de hoje.

O Sr. Magno Bacelar - Se V. Exª me permite continuar, todas estas coisas hoje nos preocupam muito: o que a imprensa vai pensar, o que vai dizer amanhã do comportamento desta Casa. Concordo, voltando ao cerne do discurso de V. Exª, com o primeiro artigo de Rachel de Queiroz, de que nós temos um retrato do Brasil que não desejamos que permaneça. Nós temos aí, talvez, um assunto muito mais importante do que a indicação do Sr. Pérsio Arida para Presidente do Banco Central. Com muita segurança, Sr. Senador, muito mais importante do que a própria eleição do Sr. Fernando Henrique Cardoso é começar a trabalhar, enfrentar com transparência as dificuldades brasileiras, sobretudo daqueles menos favorecidos. Concordo plenamente com V. Exª. Mesmo lamentando que a imprensa dite nossos passos - nós estamos vivendo a ditadura da imprensa, talvez tão cruel quanto a dos militares em 1964 - mesmo na imprensa nós vemos os dois lados da moeda. E não estou condenando o outro artigo porque fala de subsídios de Parlamentares; estou apenas querendo caracterizar que, no primeiro artigo, nós temos as linhas mestras para um bom governo, para um bom desempenho do nosso mandato e para corresponder à confiança popular. No momento em que estivermos voltados para as reais necessidades do nosso povo, estaremos orgulhando aqueles que em nós votaram. Quero cumprimentá-lo, apenas lamentando que, infelizmente, estejamos sendo regidos, e com muita dureza, pelo que a imprensa e alguns jornalistas pensam. Há jornalistas que engrandecem este País, existem Senadores e Parlamentares que engrandecem a História da nossa Nação; existem também aqueles que estão indo à forra por qualquer motivo, contra as liberdades da democracia tão duramente perseguida e conquistada. Muito obrigado.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Agradeço o aparte, Senador Magno Bacelar, que reconhece a importância do que foi apontado por Raquel de Queiroz, ao transmitir seu anseio de que o problema das crianças deste País seja adequada e energicamente enfrentado.

Com respeito ao que chama a atenção o jornalista Jânio de Freitas, considero que este faz aqui um apelo a nossa consciência e responsabilidade.

Hoje cedo, recebi o telefonema de um dos empresários que mais se tem empenhado à frente do Pensamento Nacional das Bases Empresariais, Oded Grajew, que também fazia uma ponderação sobre a decisão que será tomada relativamente à remuneração do Chefe de Estado, Ministros e Parlamentares. Ele fazia a comparação com decisões que deve tomar, por vezes, em sua empresa. Disse que muitas vezes, no diálogo com o trabalhador, a direção da empresa tem que dizer que é necessário apertar os cintos, que não pode dar um aumento tão significativo para aqueles que estão na base da linha de produção. Assim se dialoga. Entretanto, se no dia seguinte às ponderações dessa natureza, os diretores e gerentes de uma determinada empresa resolvem, após assim terem argumentado, aumentar sobremaneira a sua própria remuneração, isso certamente causaria um impacto negativo no âmbito daquela empresa, porque os trabalhadores se sentiriam como que enganados na argumentação apresentada pelos dirigentes da empresa.

O Presidente Itamar Franco, em um dos seus últimos atos, baixou uma medida provisória propondo a regulamentação da participação nos lucros das empresas, permitindo que trabalhadores e empresários possam ter critérios adequados, definindo, de comum acordo, critérios de produtividade, de resultados, de lucratividade, para se estabelecer qual a justa participação dos trabalhadores nos lucros.

Ora, quando o Governo e o Congresso Nacional definem padrões de remuneração para as pessoas de maior responsabilidade, nós - acredito - precisamos estar atentos para os argumentos que o próprio Executivo está apresentando para a Nação relativamente às necessidades de austeridade. Será que o Brasil já está em condições excepcionais para permitir ao Presidente, aos Ministros do Supremo Tribunal ou dos Tribunais Superiores e aos parlamentares um aumento tão abrupto, se, ao mesmo tempo, se diz aos funcionários públicos que o ajuste para recompor o seu padrão de vida terá que ser parcelado? Se se diz que o salário mínimo não pode ser aumentado por suas conseqüências para a Previdência? Se o Ministro Reinhold Stephanes afirma que, antes da reforma da Previdência, não se poderá definir, em legislação, o novo salário mínimo? Acredito que precisamos ter em conta tais argumentos para que a decisão seja a mais responsável possível.

O Sr. João Calmon - Senador Eduardo Suplicy, V. Exª me permite um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Com muito prazer, Senador João Calmon.

O Sr. João Calmon - Senador Suplicy, desejo felicitá-lo pela iniciativa de ler a antológica crônica de Rachel de Queiroz, focalizando o drama da criança brasileira. Sou devoto de Rachel de Queiroz desde a minha longínqua mocidade no Ceará, quando, aos 21 anos de idade, tive o privilégio de, como diretor num vespertino pertencente aos Diários Associados, começar a ter contatos freqüentes com a imortal autora de O Quinze, que é uma obra prima da Literatura brasileira. Todos os elogios que V. Exª pudesse tecer em torno da personalidade de Rachel de Queiroz não seriam suficientes para transmitir ao povo brasileiro uma idéia, pelo menos próxima, da grandeza desse extraordinário ser humano. Portanto, aplaudo em gênero, número e grau e com maior entusiasmo o registro que V. Exª fez e o pedido de inscrição nos Anais do Senado dessa nova e impressionante peça literária de tanto conteúdo humano de autoria de Rachel de Queiroz. Entretanto, nobre Senador Eduardo Suplicy, eu ousaria - para tentar dar uma humilde contribuição ao discurso que V. Exª está proferindo hoje, nesta Casa a que pertencemos, tão malsinada, tão criticada, muitas vezes com fundadas razões - dizer que precisamos reconhecer uma autocrítica que se impõe. Mas creio que a oportunidade que V. Exª me oferece - e creio que também a todos os nossos Colegas aqui presentes - refere-se a iniciativas que este Congresso a que pertencemos tomou, há alguns anos, para enfrentar o problema que representa para nós uma vergonha, que é o problema da criança abandonada, do menor abandonado. Lembro-me de que aqui mesmo no Senado, por iniciativa do nosso nobre Colega Senador Ronan Tito, foi apresentado o projeto do Estatuto da Criança. Essa iniciativa teve pequena repercussão apesar da sua importância, eu diria, transcendental. Na Câmara dos Deputados, quase ao mesmo tempo, começou a tramitar um projeto de Código da Criança e do Adolescente. Esse tema vinha sendo abordado há muitos anos naquela Casa por um conterrâneo nosso, o Senador e Professor Joaquim Beato - que me honra com a sua vizinhança; posteriormente, a nossa admirável conterrânea Deputada Rita Camata também apresentou um projeto que envolvia uma série de providências para evitar esta vergonha, que é a situação da criança e do adolescente em nosso País. Na hora em que prestamos esta homenagem, que poderia ser multiplicada por dez, por cinqüenta, ou por cem vezes, a Raquel de Queiroz, com esta sua crônica realmente extraordinária, devo colaborar com este lembrete: o Congresso Nacional também se interessa por este problema há muitos anos; recentemente, conseguiu a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Mas, nobre Senador Eduardo Matarazzo Suplicy, o que aconteceu com o Estatuto da Criança e do Adolescente? Temos nessa área dramas comparáveis aos das mais pobres, aos das mais miseráveis cubatas africanas. É uma situação equiparável ao que todos vemos no cinema, nos jornais, nas revistas mais importantes do mundo. O que ainda nos estarrece é que em alguns países da Ásia, inclusive na Índia, com seus párias, há problemas extremamente graves também na sua infância e na sua adolescência. Ousei inserir essas palavras no seu magnífico discurso, com denúncias tão graves, tão patrióticas numa hora em que o Congresso Nacional está sendo alvo de tantas críticas; reconhecemos que muitas delas são fundadas. Portanto, é preciso homenagear representantes do povo brasileiro, com assento na Câmara dos Deputados e aqui no Congresso, que também se impressionaram com este gravíssimo problema e tomaram providências concretas na área do Legislativo, com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Esse assunto, nobre Senador Eduardo Suplicy, tem despertado o maior interesse em nível mundial. Existe aqui uma entidade de âmbito internacional que cuida de perto desse problema, quando, na realidade, a responsabilidade número um da solução desse problema cabe a nós brasileiros, como também nos cabe a solução do problema da educação, que é a obsessão de toda a minha vida parlamentar. Agradeço profundamente a V. Exª a oportunidade que me ofereceu para que eu juntasse esta voz de protesto de Raquel de Queiroz à contribuição relevante ou relevantíssima do Congresso Nacional, que aprovou um estatuto da mais alta importância que continua desrespeitado ou não cumprido até hoje. Muito obrigado a V. Exª.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Obrigado, Senador João Calmon, a preocupação de V. Exª com as diversas iniciativas para resolver o problema do menor no Brasil está devidamente registrada. No entanto, avalio que o desafio colocado por Raquel de Queiroz faz com que verifiquemos junto ao Executivo a solução que certamente há de se ter para o problema. Há que se dar prioridade ao assunto. Tenho a certeza de que V. Exª está de acordo com o ponto de vista por ela externado que aqui registrei.

O Sr. Magno Bacelar - Permite-me V.Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Magno Bacelar - Senador Eduardo Suplicy, agradeço novamente o aparte que me está concedendo, pois pela segunda vez estou interrompendo o discurso de V. Exª, que é de tamanha importância para a Nação brasileira. Na verdade, nobre Senador, no primeiro aparte ative-me à grandeza da crônica, como disse o nobre Senador João Calmon, da jornalista Raquel de Queiroz. Agora, permito-me, mais uma vez, aparteá-lo para dizer que, na realidade, V. Exª tem razão, pois todos nós - tenho a honra de ser Líder do PDT no Senado Federal - sabemos que antes da remuneração de qualquer tipo de trabalhador, há de se levar em conta e examinar o salário mínimo, já que com esse salário nenhuma pessoa pode sobreviver, mesmo que seja no Brasil do Real. Entretanto, eu gostaria de alertá-lo de que o cargo exige também uma remuneração condigna. Talvez a preocupação do Presidente Fernando Henrique Cardoso de melhor remunerar o quadro que o cerca, ou seja, o Primeiro Escalão, prenda-se também a este fato de que precisa haver dignidade e boa remuneração para que se desempenhe bem um cargo de tanta relevância. Parece-me - relembrando a imprensa - que o próprio Ministro da Fazenda, Sr. Pedro Malan, há uns 4 ou 5 meses, haveria dito que não iria ser ministro para ganhar um salário que não lhe permitiria sobreviver e manter sua família nos Estados Unidos. Já fui Secretário da Educação e, quando Secretário, todos os meus assessores ganhavam mais do que eu. Portanto, há de se levar em conta também que muito melhor será o desempenho se o salário também for melhor, pois é uma maneira de manter a dignidade do cargo, evitar as tentações e evitar o que vem ocorrendo no Brasil recentemente, em que todo o quadro de funcionário de um escalão mais elevado quer participar das verbas liberadas aos prefeitos, ou seja, da corrupção em face da má remuneração. Eu defendo essa preocupação do Presidente Fernando Henrique Cardoso de que os seus Ministros tenham uma remuneração digna, exatamente para que, sendo transparente, se evite uma série de regalias irregulares que ocorrem em decorrência da justificativa do salário baixo. Talvez um salário mais elevado permita que não mais se utilizem os aviões oficiais para transportar ministros, fazendo com que se possam manter com dignidade no cargo, com um comportamento transparente, não usando de subterfúgios que envergonham e que se tornaram uma norma dentro da nossa legislação; só por este aspecto. Com relação ao nosso salário, eu não quero interferir nem fazer referência, porque, infelizmente, está na Constituição e é uma decorrência desta. Qualquer opinião que se emita pode sugerir, quando o assunto é os nossos salários, que alguém vai em defesa. Quero finalizar, dizendo uma única frase: o salário mínimo brasileiro é uma vergonha, é a escravidão da mão-de-obra; concordo com V. Exª.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Prezado Senador Magno Bacelar, avalio que uma pessoa que vá exercer função de responsabilidade, como a de Presidente, a de Ministro, a de Deputado e Senador, obviamente precisa ter uma remuneração que corresponda às suas responsabilidades, às decisões; há, inclusive, que se levar em conta que uma remuneração adequada e digna viabilizaria um melhor empenho e maior seriedade na condução daquela função de tamanha responsabilidade. Mas, ao estabelecerem-se os critérios de remuneração, há que se levar em conta o que ocorre no País, o que ocorre com os demais salários dos servidores e o valor do salário mínimo a ser definido.

A serem corretos os dados que o jornalista Jânio de Freitas apresenta, avalio que os padrões de remuneração em outros países devem ser levados em conta como informação para o estabelecimento de parâmetros.

Chama a atenção Rachel de Queiroz: "se se vai de fato atacar a miséria com toda energia e força, é preciso que o Governo Fernando Henrique Cardoso apresente a sua proposição com muita nitidez."

Anuncia-se para a próxima semana a definição do Projeto de Comunidade Solidária. Tenho interesse em saber como será esse projeto. Tendo o ex-Ministro Ciro Gomes baixado portaria em 30 de novembro passado, com um prazo de 30 dias, para que 5 ministérios concluíssem seus estudos de viabilidade operacional do Programa de Garantia de Renda Mínima, e tendo a comissão coordenada pelo Secretário de Política Econômica, Winston Fritsch, tido 10 dias úteis de prorrogação a partir de 30 de dezembro, assinalo que nesta semana, portanto, o Secretário de Política Econômica, o Ministro da Fazenda e os Ministros das Pastas do Trabalho, Previdência e Bem-Estar Social - esta que não mais existe -, deverão apresentar as suas conclusões.

O Programa de Garantia de Renda Mínima seria uma das alternativas de proposta concreta, visando a atender os reclamos, anseios e prioridades apontados por Rachel de Queiroz.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente. (Muito bem!)


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 10/01/1995 - Página 514