Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO DE S.EXA. COM O DESCASO PARA COM O FUTURO DO BRASIL, DEMONSTRADO PELA NECESSIDADE DE SUCESSIVAS REEDIÇÕES DA MEDIDA PROVISORIA QUE INSTITUI O REAL, EM FACE DA SUA NÃO APRECIAÇÃO PELO CONGRESSO NACIONAL EM TEMPO HABIL.

Autor
João Calmon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: João de Medeiros Calmon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CONGRESSO NACIONAL.:
  • PREOCUPAÇÃO DE S.EXA. COM O DESCASO PARA COM O FUTURO DO BRASIL, DEMONSTRADO PELA NECESSIDADE DE SUCESSIVAS REEDIÇÕES DA MEDIDA PROVISORIA QUE INSTITUI O REAL, EM FACE DA SUA NÃO APRECIAÇÃO PELO CONGRESSO NACIONAL EM TEMPO HABIL.
Publicação
Publicação no DCN2 de 10/01/1995 - Página 519
Assunto
Outros > CONGRESSO NACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, RESPONSABILIDADE, SENADOR, CAMARA DOS DEPUTADOS, REEDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), IMPLANTAÇÃO, REAL, MOTIVO, AUSENCIA, APRECIAÇÃO, MATERIA, CONGRESSO NACIONAL.

O SR. JOÃO CALMON (PMDB-ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, nobre Senador Joaquim Beato, que me honra com a sua atenção neste momento: o dia de hoje está sendo marcado por uma série de revelações de extrema gravidade, começando pela intervenção, que já exaltei devidamente, do nobre Senador Eduardo Suplicy, que leu uma crônica antológica da escritora imortal Rachel de Queiroz. Depois, foi focalizado o problema que está em todas as manchetes sobre a atitude do Congresso Nacional em relação à utilização da Gráfica do Senado. A essa altura, nobre Presidente, nobre Senador, é necessária uma razoável dose de, eu diria, coragem, para pedir a palavra e tratar de outro assunto, que, obviamente, não merece manchetes e mesmo ocupar um espaço muito amplo nos meios de divulgação. Mas é uma matéria que deve provocar de nossa parte uma reflexão, embora ligeira e em circunstâncias tão pouco favoráveis, porque somos apenas três Senadores no plenário, certamente porque outras tarefas estão sendo realizadas, ao mesmo tempo, em outras áreas da nossa Câmara Alta.

Entretanto, senti-me no dever, apenas para registro nos nossos Anais, já que este problema não chega a merecer as honras de manchetes - até porque, se merecesse, a situação do Congresso Nacional se agravaria ainda mais -, de discorrer sobre o que está ocorrendo com a Medida Provisória que criou uma nova moeda em nosso País, o real.

A primeira edição desta Medida Provisória ocorreu em junho do ano passado, recebendo aqui o número 542. Como, de acordo com a Constituição da República Federativa do Brasil, a medida provisória entra imediatamente em vigor, não espera por sua aprovação pelo Congresso Nacional, o tempo foi decorrendo e a Medida Provisória nº 542 foi reeditada várias vezes. Quando se aproximava o esgotamento do prazo para sua validade, ela passou a ter o número 566. Antes também que se esgotasse o prazo dessa nova Medida Provisória, foi editada uma outra, que recebeu o número 596.

Não houve nenhuma possibilidade de debate e de sua aprovação, mas ela continuou em vigor porque foi reeditada. A quarta vez que foi enviada a mensagem com a Medida Provisória ela tomou o número 635. Decorrido o prazo regimental sem que o Congresso Nacional aprovasse, embora com emendas, a iniciativa do Poder Executivo, ela foi reeditada e tomou o número 681.

Repetiu-se o mesmo triste fenômeno, o que contribui também para que a imagem do Congresso sofra um processo de deterioração, e nem sempre por culpa exclusivamente do Poder Legislativo, embora fosse estultice a afirmação de que também temos uma parcela inegável de culpa nesse episódio.

Dentro do prazo regimental, foi reeditada mais uma vez a Medida Provisória do Real, que tomou o número 731. Finalmente, no dia 24 de dezembro, véspera do dia de Natal, ela foi reeditada pela sétima vez, tomando o número 785.

Só pela citação dos números, podemos concluir que se impõe, agora, a repetição de uma frase bem humorada do notável Senador Paulo Brossard, que na época do então regime militar se referia ao "constituinte solitário da Granja do Torto". Lembro-me muito desta frase que S. Exª passou a usar em relação ao presidente militar que estava de plantão na época.

O País se reconstitucionalizou, surgiu a iniciativa da criação de uma nova moeda, com um êxito realmente espetacular, o que levou o brasileiro a pensar em incluir um novo capítulo a ser acrescentado no livro muitas vezes ridicularizado do Conde De Afonso Celso: Por que me Ufano do meu País.

Creio que os motivos de aumento do nosso orgulho de sermos brasileiros são cada vez menores. Há pouco, o nobre Senador Eduardo Suplicy leu uma antológica, realmente impressionante crônica de Rachel de Queiroz sobre a situação verdadeiramente revoltante, inacreditável, imperdoável da criança pobre, da criança abandonada.

Sr. Presidente, nobre Senador José Paulo Bisol, que saúdo com o maior respeito e com a renovação da minha velha e crescente admiração, apesar da denúncia contida nessa crônica antológica de Raquel de Queiroz, apesar de o Congresso, nesse episódio das crianças, conforme já salientei, ter cumprido o seu dever e elaborado um dos melhores códigos de proteção à infância e ao adolescente, o quadro mudou pouco e ainda representa para nós uma vergonha. Essa é uma situação indesculpável, mostrando a nossa insensibilidade diante desse problema, que não canso de repetir, diante desse complexo de Herodes, do sacrifício de crianças de maneira tão revoltante, com uma impunidade que não diminui, ao contrário, sempre crescente. Diante dessa recapitulação do que está ocorrendo com o Real, senti-me no dever de trazer a esta Casa algumas palavras, fruto de outra meditação.

Nobre Presidente, Srªs e Srs. Senadores, se aproveitarmos a oportunidade para uma autocrítica, chegaremos a uma conclusão sobre uma culpa do Congresso Nacional, absolutamente inegável. Neste mesmo plenário já abordei pelo menos trinta vezes a necessidade de o Brasil ter ao lado de cada partido político um instituto de formação política.

Sem o temor de ser monótono ou repetitivo, lembraria que nos idos de 1970 um conterrâneo do nobre Senador José Paulo Bisol foi Relator da Lei Orgânica dos Partidos, aprovando-a da maneira mais entusiástica. Os gaúchos estão sempre mobilizados na defesa de causas tão importantes quanto essa, e agradeço muito a ajuda do Senador José Paulo Bisol.

Até 1993, a Lei Orgânica dos Partidos, na parte relativa ao Instituto de Formação Política, continuava letra morta. Só não era letra inteiramente morta porque o Partido dos Trabalhadores - repito isso pela décima vez - conseguiu, com ajuda obtida legalmente da antiga República Oriental da Alemanha, a parte socialista ou comunista da Alemanha e, posteriormente com ajuda dos sindicatos italianos ligados à FIAT, recursos financeiros, sem ferir a legislação brasileira, muito menos a Constituição do nosso País e instalou seis institutos de formação política e sindical que estão prestando relevantíssimos serviços àquela agremiação partidária. Vale a pena continuar a lutar.

No âmbito do meu Partido, o PMDB possui o Instituto Pedroso Horta, que tem prestado alguns serviços inegáveis à democracia brasileira. Mas, até agora, por motivos que não cabem citar, o nosso partido não cumpriu esse artigo da Lei Orgânica dos Partidos, inclusive com a sua nova versão, tendo como Relator o Sr. José Fogaça, nobre Senador pelo Rio Grande do Sul, e um dos Líderes mais importantes do Partido ao qual pertenço.

Realmente, se não organizarmos, não diria nós, porque dentro de poucos dias já não pertencerei ao Senado Federal, mas os que aqui ficarem, juntamente com os integrantes da Câmara dos Deputados. Mas se os Parlamentares brasileiros, no seu conjunto, não incluírem na pauta das sua preocupações prioritárias a necessidade do respeito à Lei Orgânica dos Partidos, se cada um não for obrigado a criar e a manter esse instituto de formação política, desgraçadamente continuaremos a ver a repetição desses episódios que tanto degradam a vida pública do País, que tanto o envergonham.

Creio que talvez possa parecer ridículo ou dispensável este meu pronunciamento numa tarde em que realmente a freqüência em nosso plenário não é das mais elevadas. Mas enfatizo que é meu dever, para ficar em paz com a minha consciência, repetir exaustivamente a necessidade de ação eficaz por parte da classe política. E uma das maneiras em que ela pode ser deflagrada, com possibilidades de êxito, não imediato, é o cumprimento desse artigo da Lei Orgânica dos Partidos.

O episódio envolvendo o problema da Gráfica do Senado, a tentativa de cassação de Parlamentares nos preocupa. Tudo isso, sem dúvida alguma, é grave. Entretanto, não vamos resolver esse problema na base apenas de paliativos. Se alguém estiver gravemente doente, não vamos tentar salvá-lo na base de aspirina ou de algum remédio comprado na farmácia da esquina, temos de pensar não apenas no dia de hoje, não nos próximos dias, não nas próximas semanas, não nos próximos meses, mas, eu diria, nos próximos anos, porque, se não tomarmos plena consciência da extrema gravidade, da delicadeza inegável da situação que o Brasil está enfrentando neste momento, nada poderá impedir que, mais cedo ou mais tarde, nosso País enfrente uma convulsão social. É apenas questão de tempo, porque todos os ingredientes já existem, e a soma desses ingredientes poderá significar uma convulsão social.

E eu diria, para encerrar este rápido pronunciamento, que essa convulsão ainda não começou, apesar de o ex-Ministro da Educação Murílio Hingel ter declarado que a educação brasileira está falida, apesar de cientistas, políticos e líderes populares que não têm assento no Congresso Nacional terem proclamado a extrema gravidade da crise que estamos vivendo e que poderá acontecer algo realmente aterrador.

Aqui fica este grito de alerta de um Senador modesto, sem maior projeção, mas que tem, como quase todos nós, uma paixão por este País. Não penso apenas no dia de hoje, de amanhã, na próxima semana, no próximo mês, mas me preocupo com o que possa ocorrer na próxima década.

Sem essas providências, que devem ter caráter de mobilização suprapartidária, só mesmo um milagre poderá evitar uma catástrofe na área social em nosso País.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 10/01/1995 - Página 519