Discurso no Senado Federal

INCONSTITUCIONALIDADE DE MEDIDAS PROVISORIAS REEDITADAS.

Autor
Epitácio Cafeteira (PPR - Partido Progressista Reformador/MA)
Nome completo: Epitácio Cafeteira Afonso Pereira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO.:
  • INCONSTITUCIONALIDADE DE MEDIDAS PROVISORIAS REEDITADAS.
Aparteantes
Elcio Alvares, Esperidião Amin, Mauro Benevides, Pedro Teixeira.
Publicação
Publicação no DCN2 de 14/01/1995 - Página 725
Assunto
Outros > LEGISLATIVO.
Indexação
  • ANALISE, INCONSTITUCIONALIDADE, REEDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), EXECUTIVO, NECESSIDADE, PROPOSTA, MAIORIA ABSOLUTA, MEMBROS, SENADO, CAMARA DOS DEPUTADOS, VIABILIDADE, EDIÇÃO, POSTERIORIDADE, REJEIÇÃO, MATERIA.
  • SUGESTÃO, ESTUDO, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUMENTO, PRAZO, VALIDADE, MEDIDA PROVISORIA (MPV), IMPEDIMENTO, REEDIÇÃO.

O SR. EPITÁCIO CAFETEIRA (PPR-MA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o meu discurso nesta Casa, há quatro anos, foi sobre medida provisória. Tenho em mãos até um exemplar do discurso que proferi no dia 17 abril de 1991, em que fiz questão de demonstrar de forma clara que a reedição de medida provisória é inconstitucional. Sr. Presidente, V. Exª foi um dos aparteantes.

Neste pronunciamento, eu mostrava que na Constituição de 1967 o Presidente da República podia editar decretos-leis e, a Emenda Constitucional nº 22, de 1982, o § 1º passou a ter a seguinte redação: "Publicado o texto, que terá vigência imediata, o decreto-lei será submetido pelo Presidente da República ao Congresso Nacional que o aprovará ou rejeitará, dentro de 60 dias, a contar do seu recebimento, não podendo emendá-lo. Se nesse prazo não houver deliberação, aplicar-se-á o disposto no § 3º do art. 51."

Isto é, Sr. Presidente, por decurso de prazo, pelo silêncio, o Congresso aprovava. Assim, funcionamos até a edição da nova Constituição. A nova Constituição não tem o decreto-lei, mas tem a medida provisória. E o que é a medida provisória? Um projeto de lei com eficácia imediata, em que o Governo tem mais do que urgência.

Então, ficamos diante do seguinte quadro, Sr. Presidente: editada e publicada a medida provisória, o Congresso tem 30 dias para apreciá-la. Se não o fizer, claro que a rejeitou; tanto que o Governo as vem reeditando. No presente momento, a medida provisória editada em 1994, se transformada em lei, passa a ter eficácia fiscal em 1995, sob o princípio da anterioridade. Se não foi aprovada em 1995, ao ser reeditada, é uma nova medida, e sendo uma nova medida, só terá eficácia em 1996.

Então, Sr. Presidente, este fato mostra, de maneira clara, que a medida provisória não aprovada no prazo é rejeitada. Essa era a minha tese.

Uma medida rejeitada não pode ser reapresentada na mesma sessão legislativa, exceto em determinadas circunstâncias. É preciso que haja vontade manifesta das duas Casas do Congresso Nacional.

Vejam, por exemplo, o art. 67 da Constituição Federal, que diz:

      Art. 67. A matéria constante de projeto de lei rejeitado somente poderá constituir objeto de novo projeto, na mesma sessão legislativa, mediante proposta da maioria absoluta dos membros de qualquer das Casas do Congresso Nacional.

A reedição, portanto, é um novo projeto de lei sobre a mesma matéria, o que o art. 67, da nossa Constituição, veda.

Tenho aqui a relação das medidas provisórias editadas e reeditadas pelo Governo.

O Congresso Nacional tem 65 medidas provisórias na Casa. Se nós fôssemos reunir essas comissões, não poderíamos fazê-lo a um só tempo, porque não temos 65 salas de reunião.

Cada Senador e cada Deputado participa de 2, 3 ou 4 comissões. Então, o Governo edita a medida provisória e, como não cobramos a proibição de reedição, porque seria um novo projeto na mesma sessão legislativa, eles continuam reeditando. Há medidas que tem 8 reedições. Temos uma legislação definitiva e uma provisória. Até a nossa moeda é provisória. O real é realmente provisório, pode ser forte, mas é provisório. Ele não é de lei, não é definitivo, e está circulando, as cédulas foram impressas. Se amanhã se resolver que não seria mais real o nome da moeda, que faríamos com essas cédulas? Mas o Governo não se importa. Se o Congresso não se importa de haver um Executivo que legisla e executa, por que o Governo vai se preocupar? A não ser quando quer cobrar mais imposto, aí ele se preocupa, pois editando medida provisória em 1994, quer cobrar em 1995. Se o Congresso não a examinar, o Governo, ele, ao reeditá-la em 1995, já não poderá cobrar o imposto no mesmo ano.

Temos aqui, Sr. Presidente, o mapa de todas as medidas provisórias, marcado onde cada Senador do meu partido é titular suplente.

Estamos, agora, diante de uma situação deveras interessante. Em função de medidas provisórias, desde que aqui cheguei, não conheci um dia sequer de recesso, Sr. Presidente. Se quiséssemos entrar em recesso, esbarraríamos na legislação, que diz que, havendo medida provisória, este não poderá entrar em recesso. Então, com 65 medidas provisórias, é claro que não poderemos entrar em recesso nunca!

Dizia eu que coisas interessantes acontecerão, neste fim de mês, deveras difíceis de serem resolvidas. A partir da próxima Legislatura, ou seja, da renovação das duas Casas do Congresso Nacional, muitos desses Senadores deixarão o cargo ou mudarão de partido. O mesmo acontecerá com os nobres Deputados. Haverá, então, uma nova composição de forças, novos números e novos nomes.

Ao se instalar a nova Legislatura será preciso estabelecer o percentual de cada Partido, com os seus Parlamentares, para comporem as comissões destinadas a examinar as medidas provisórias. Isso deverá ser feito com a maior brevidade possível, recomeçando tudo. Será um trabalho difícil. Talvez levemos uma semana, e quem sabe até duas, para reorganizarmos essas comissões.

Sr. Presidente, outro dia pude observar, quando V. Exª lia a composição dessas comissões destinadas a examinar essas medidas, que foram gastos 45 minutos de leitura. Isso acontece todas as vezes em que o Governo as edita. O Palácio do Planalto até poderia fundar uma editora de medidas provisórias, porque não há um dia em que não as esteja editando.

Tudo isso para quê? As medidas provisórias estão esvaziando o Congresso Nacional! O Governo não está se incomodando com o Congresso. Mas agora vai se preocupar, porque quer mudar a Constituição, e aí aparecem pessoas que se dizem iluminadas e que encontraram a fórmula do velocino de ouro.

Espanto-me, deveras, porque o médico que fizer uma operação e errar pode perder seu título de médico e até ser preso e condenado; o engenheiro que fizer um cálculo errado para uma ponte ou edifício, e houver vítimas, pode também ser preso e condenado, além de perder seu título. Dizem até, e não sei se é verdade, que, antigamente, quando um engenheiro construía ponte, ferrovia ou passagem de nível, ficava embaixo na hora em que o primeiro trem fosse passar sobre sua construção, numa demonstração de que ele sabia que aquilo estava bem feito.

No entanto, há um tipo de técnico que não é responsável por coisa alguma: o economista. Este coloca o País e toda a sua população sob experiência ou teoria, afirmando que dará certo. E se não der certo? Não acontece nada!

Vejam V. Exªs, já tivemos o cruzeiro, o cruzeiro novo, o cruzado, o cruzado novo, o cruzeiro real e o real. Tudo isso aconteceu, nada deu certo e ninguém foi responsável por coisa alguma! Simplesmente o povo pagou. O povo pagou para ver e para experimentar. E os responsáveis apenas informam que não ocorreu tal reação, porque o organismo não reagiu conforme o previsto. Como o médico tem vários clientes e pode mostrar que a maioria dos organismos reagem de uma maneira e só aquele não reagiu, ele tem como se defender. Mas o economista não. Este tem apenas um cliente, que se chama Brasil.

Não existe fórmula salvadora. O que pode existir é vontade, desejo de salvar este País. Mas, à custa de quem? Do funcionário público, com um reajuste pago à prestação, para ver se salva o Brasil. 

Quem sabe se, amanhã, o Governo resolvesse pegar um dia de trabalho de cada um para salvar o Brasil! Já houve esse período em nosso País. Lembro-me de que foi no começo da Revolução: ouro para o bem do Brasil! Houve gente que deu relógio, aliança, anel, enfim, tudo. Foi muito ouro e não se salvou o Brasil. Agora, o elenco de medidas salvadoras é muito grande.

Há 32 anos que estou na vida política. Portanto, passei todo esse tempo examinando, olhando, estudando e conversando com o povo e sentindo as mudanças. De repente, chega um cidadão e diz que temos de mudar a Constituição para salvar este País. Será que o Congresso vai dizer amém a tudo isso? Será que vamos ficar calados, vendo mais uma experiência? Será que as conversas desses Ministros serão tão convincentes a ponto de mudarem este País?

Tenho a maior admiração pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso. Conheci de perto o nascimento do seu Partido, o PSDB, porque oriundo do MDB e do PMDB. Foi um grupo que queria pureza de idéias. Assim, afastou-se do PMDB, formando o PSDB, que continuou a luta. E, na hora de ir para o Poder, fez todos os acordos que podia e que não podia. Não vejo os Tucanos no Governo. Estes parecem que vão ficar olhando e apenas aplaudindo.

Vejo que, pelo menos, os fundadores - e conheço vários deles - estão se afastando da vida pública. Seja o Deputado Euclides Scalco, seja o Senador José Richa, seja o Deputado Hélio Duque e tantos outros que conheci naquele elã de resolver os problemas. De repente, é o Sr. Pedro Malan, é o Sr. Pérsio Arida, ou seja, um grupo de técnicos, porque o Governo resolveu fazer política com um grupo de técnicos.

Quero dizer, Sr. Presidente, que, como todo brasileiro, desejo que o País dê certo. Apenas quero demonstrar minha preocupação, pois eles falam como se garantissem ao povo brasileiro que o seu projeto dará certo.

O Sr. Pérsio Arida foi o "pai do cruzado", que não deu certo. E vejam V. Exªs que nada aconteceu com o Sr. Pérsio Arida. Ao contrário, ele ficou arquitetando outro plano.

Agora temos o Plano Real. Estamos vivendo uma mágica, fico sem entender, de desvalorização do dólar frente ao real. Isso, é claro, não vai ajudar a nossa indústria, porque não temos condição de vender nossos produtos concorrendo com um mercado que está totalmente dolarizado.

Então, temos de esperar que o mundo deixe de ser dolarizado para ser "realizado". Trabalhar tendo como base o real, que passa a ser uma moeda mais forte que o dólar. Tudo isso tem demonstrado que, nestes meses, nossa importação tem avançado e nossa exportação caído. Isto, faltamente, acarretará dificuldades para as nossas indústrias.

Como está o MERCOSUL? V. Exª pode dizer que estou falando sobre mil assuntos ao mesmo tempo, mas é que todos esses assuntos se encadeiam. O que vai resultar do MERCOSUL? Eliminamos as barreiras alfandegárias! E com os países do Cone Sul? Temos o maior mercado consumidor. Na hora em que derrubamos a barreira, temos a televisão argentina mais barata do que a nossa, pois esta paga imposto. A que entra pelo MERCOSUL não paga. Vamos começar a consumir a televisão montada na Argentina, a usar produtos fabricados lá. E nós, que temos o maior mercado consumidor, vamos, naturalmente, colocar mais divisas para sair, diminuindo, cada vez mais, nossas indústrias, seu potencial, conseqüentemente, menos mão de obra, prejudicando o nosso trabalhador.

Não sei bem se hoje estamos falando de um país ou de uma empresa. Não sei se se pensa em dar bem-estar ao povo ou dar lucro à empresa. Porque a idéia de privatizar os bancos oficiais tem tido as repercussões mais diferentes, dos próprios administradores do Estado. Enquanto há Governador que, sensatamente, quer manter o banco do seu Estado, porque ser fator de desenvolvimento para a unidade da Federação, outros há, como o Governador do Ceará, que dizem querer privatizar o quanto antes, para pegar o dinheiro e aplicá-lo em obras sociais. Mas existe maior obra do que financiar a produção de um Estado? Ou será que vamos preferir dar o peixe em vez de ensinar a pescar? Será que vamos voltar para tudo aquilo que ensinamos às pessoas a não fazerem?

Então, quero, Sr. Presidente, nesta sexta-feira, de Casa não tão cheia, dia em que não há deliberação, mas serve pelo menos para examinarmos o caminho que estamos percorrendo, aproveitar a presença do Senador Elcio Alvares, virtual Líder do Governo, para passar às mãos de S. Exª este impresso do meu pronunciamento, no qual S. Exª faz um aparte que muito me honra sobre medidas provisórias, cujo título é: "Reedição de Medida Provisória é Inconstitucional".

Medida provisória é um projeto de lei que, em trinta dias, se não for aprovado, está rejeitado, e, rejeitado, não pode voltar na mesma Sessão Legislativa.Gostaria de convocar o Senador Elcio Alvares para estudarmos uma emenda constitucional - essa, sim, assino, estou pronto para lutar por ela - no sentido de aumentarmos o prazo da medida provisória. Para noventa dias? Noventa dias! Mas se em noventa dias não for aprovada, ela é rejeitada e não poderá ser reeditada. O assunto só poderia voltar, na forma do art. 67 da Constituição, com a assinatura da maioria absoluta de uma das duas Casas do Congresso Nacional.

Se temos hoje 65 medidas provisórias editadas e reeditadas, temos que estudar uma maneira de parar com isto, que já é um abuso. Aqui não há mais assunto que - vamos dizer - seja urgente, urgentíssimo ou importante, para caber numa medida provisória. Tem de tudo. Podemos ver perfeitamente. Por exemplo: Tabela, Emolumentos e Taxas; Organização da Presidência da República; Acordo antidoping; Isenção de IPI; Adição de iodo ao do Sal para Consumo, eram tão urgentes, mas deixaram legalmente na condição de Casa do Congresso, que não pode ter recesso, que não teve recesso durante quatro anos. O Congresso Nacional não se importa com a existência de uma medida provisória e o Governo não se importa em aprová-la, pois pode reeditá-la.

O Sr. Elcio Alvares - Senador Epitacio Cafeteira, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EPITACIO CAFETEIRA - Com muito prazer, e muito me honra o aparte de V. Exª, nobre Senador Elcio Alvares.

O Sr. Elcio Alvares - Sempre ouço V. Exª com muita atenção. Nesta Casa, a sua trajetória tem sido pontilhada exatamente pelo bom senso e pela objetividade das colocações. Neste caso das medidas provisórias, também me perfilo - sou um Senador integrado do espírito desta Casa - dentro do seu entendimento. Agora, faço algumas colocações, que devem ser examinadas também dentro dessa visão nova que estamos tendo do Senado e do Congresso. Realmente, a nossa Casa tem sido deficiente no sentido de dar celeridade às propostas que estão sendo colocadas para nosso exame. Diria mesmo que a nossa mecânica legislativa, hoje, é inibidora de qualquer tipo de projeto ou de medida urgente. V. Exª sabe disso muito bem, porque, na verdade, as comissões que são constituídas para examinar as medidas provisórias não se reúnem, não dão quorum, e quando existe uma medida muito importante que precisa ser examinada, infelizmente, temos a oportunidade de verificar a leitura do relatório em Plenário, e aí se vota. Alguns desses pontos que V. Exª está colocando, coincidentemente eu estava no Governo do Presidente Itamar Franco, são exatamente medidas que precisam de uma determinação do Executivo. E quando foi estudado o instituto da medida provisória era para dar ao Governo o instrumental - e V. Exª sabe melhor que ninguém, porque é um estudioso da matéria - da velocidade de alguns assuntos que precisam de uma solução premente. Agora, o que aconteceu realmente foi que a medida provisória se transformou num modismo. Solução para tudo que o Governo precisava? Medida provisória. Temos, no momento, na Presidência da República um companheiro que saiu do Senado. O Presidente Fernando Henrique Cardoso inclusive já participou de alguns debates a respeito dessa matéria de medida provisória. Sua Excelência tem a visão exatamente de dar ao Congresso o seu verdadeiro lugar. Temos lutado muito nesse sentido, e acredito que V. Exª está entre os Senadores que estão examinando agora, inclusive, a mecânica das nossas comissões e a própria constituição das comissões técnicas desta Casa. Sou realmente, como V. Exª e outros Parlamentares aqui, contrário à inflação de medidas provisórias. E, evidentemente, na relação entre Executivo e Legislativo, a instituição permanente da medida provisória desnatura até o caráter de nossa atividade como representantes, não só dos Estados como do próprio povo. Gostaria de dizer a V. Exª, neste instante, que devemos realmente examinar providências. Ontem mesmo eu conversava com o Senador Coutinho Jorge, muito entusiasmado ao me mostrar um projeto de sua autoria visando exatamente dar velocidade e celeridade aos nossos trabalhos, porque o que nos causa amargura é verificarmos um quadro imenso de medidas provisórias que estão sendo reeditadas. Isso, na verdade, se não homenageia o Executivo também não homenageia o Legislativo, porque temos um quadro que demonstra, no fundo, que não houve a necessária apreciação das matérias que estão submetidas através de medidas provisórias. Portanto, de início, deixo claro que entendo que as prerrogativas desta Casa têm que ser respeitadas, evidentemente. Dentro da mecânica do sistema democrático brasileiro, o nosso é fazer as leis e discuti-las em toda a sua amplitude. Agora, vamos tentar encontrar um denominador comum para que o Executivo também não sofra, em determinados momentos, a carência dessa celeridade, que é fundamental. Sempre digo que essa sexta-feira é profundamente gratificante, é uma sessão do Senado colocada ao término de uma semana, com temas muito importantes. Talvez se examinássemos os Anais desta Casa ou os discursos mais importantes, observaríamos que os mesmos acontecem exatamente nas sextas-feiras. Tenho a impressão - e desejo cada vez mais robustecê-la - de que nesse importante debate que teremos nos próximos meses e anos V. Exª será uma figura fundamental para que realmente venhamos a dar ao Senado a projeção que o mesmo deve ter. E, acima de tudo, como componentes que somos do Congresso, não tenho dúvidas também - gostaria de reiterar isso - de que V. Exª será um dos elementos mais brilhantes no debate de matérias que, como essa da medida provisória, hão de merecer toda a nossa atenção, com a celeridade que o processo legislativo requer. Muito obrigado.

O SR. EPITACIO CAFETEIRA - Agradeço o aparte de V. Exª, que muito me lisonjeou. Mas gostaria de dizer que temos de examinar aqui nossas deficiências culturais em termos de política.

Há três ou quatro dias, enviei uma carta às redações de alguns jornais, anexando dois pronunciamentos feitos aqui. Reclamaram porque não havia cadeiras no setor de imprensa. As cadeiras estão ali, mas não há imprensa, observando-se a presença de apenas um ou dois jornalistas.

Parece-me que pedimos segredo sobre o que se diz aqui dentro, porque os jornais não noticiam. Quando comecei na vida pública, há trinta e dois anos, havia uma coluna na imprensa referente ao plenário, publicando tudo o que nele acontecia. Aqui é a vida, o pulmão, a oxigenação da Casa. Se a imprensa prefere ouvir o que se diz na porta de saída - pois é lá que se postam as televisões e os jornalistas - , nos gabinetes, nas comissões, nas rodinhas políticas, não ajuda a fazer com que este plenário esteja repleto de parlamentares. Deste modo, a sessão de sexta-feira é semelhante a uma sessão espírita. Estamos aqui porque este é o nosso serviço, porque dele fomos encarregados pelo povo, mas, na realidade, sabemos que o que conversamos aqui será apenas divulgado na Voz do Brasil. Não se fala mais nisto e não existe conseqüência alguma.

Falei há pouco sobre a cultura do ponto de vista de divulgação. No entanto, se formos olhar do ponto de vista político, eu, que passei todo o período da ditadura no Congresso, o que irei verificar? A ditadura tinha mais visão do Congresso. Estabeleceu-se que o decreto-lei seria aprovado por decurso de prazo; a oposição que colocasse parlamentares no plenário para rejeitá-lo, e ela não tinha número suficiente de representantes para fazê-lo. Portanto, editado o decreto-lei, este já era lei.

Como agora estamos brincando de democracia e fizemos uma Constituição pensando nessa democracia, está estabelecido que, se em 30 dias não se aprovar a medida provisória, esta é rejeitada. O Governo não ficou atento ao fato de que não tem condições de mobilizar a maioria para aprová-la. Desta forma, as medidas provisórias são rejeitadas de 30 em 30 dias, devendo o Executivo encontrar uma maneira de colocar os seus parlamentares no Congresso para aprová-las. Penso que o período de 30 dias é muito curto; era importante no decreto-lei, aprovado por decurso de prazo; porém, no caso da medida provisória, passa a conspirar contra a sua aprovação.

Nobre Senador Elcio Alvares, estou acreditando na imprensa. Entendo que o Governo tomará a melhor medida possível ao procurar um homem como V. Exª, que não somente mora em Brasília, mas que diariamente vive o momento político e os problemas do Congresso. V. Exª não é um político que apenas vem aqui no meio da semana. Por isso, será para mim uma alegria saber que há um interlocutor, não para dar emprego, pois nunca procurei qualquer um deles para empregar alguém, mas para conversar política, para saber como iremos sair deste quadro de 65 medidas provisórias. Daqui a pouco, será mais importante criar uma comissão mista permanente, do Senado e da Câmara, senadores e deputados poderiam vir aqui em outras ocasiões, mas cuja obrigação seria dar parecer sobre as medidas provisórias editadas pelo Governo. V. Exª não estava na oportunidade, mas já havia comentado anteriormente que, de tantas edições de medidas provisórias - algumas estão reeditadas oito vezes -, daqui a pouco o Governo terá que fazer uma medida provisória criando a "Editora Planalto", para editar diariamente quatro ou cinco medidas provisórias. 

O Sr. Pedro Teixeira - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EPITACIO CAFETEIRA - Ouço V. Exª, nobre Senador Pedro Teixeira, com muita alegria.

O Sr. Pedro Teixeira - Senador Epitacio Cafeteira, a abordagem que V. Exª faz sobre temas palpitantes, procedendo a uma varredura generalizada que abrangeu o MERCOSUL, política cambial, questões bancárias e outros pontos relevantes, faz com que esta sexta-feira seja realmente muito benéfica para o Congresso Nacional. Vou me cingir a ser breve, porque, na verdade, V. Exª já abordou a questão por todos os ângulos, e desnecessário seria eu aditar alguma coisa, a não ser pedir a V. Exª, que ainda ficará nesta Casa por um longo período, que dê atenção bem acentuada ao problema do fechamento dos bancos. Acredito que, por detrás disso, existe, sem dúvida alguma, o interesse dos banqueiros, que têm nesses economistas, de insensibilidade política e sem comprometimento com os quadrantes regionais, os seus pontas de lança, os seus sentinelas mais avançados. Outro dia, V. Exª abordou bem essa matéria ao dizer que a questão do banco é uma questão social, muito mais expressiva e relevante do que a questão mercantilista propriamente dita. Não é preciso ser estudioso na matéria para se antever o que vai acontecer com o fechamento dos bancos estaduais. Quem irá suprir, até mesmo para efeito das economias local e regional, essa lacuna que advirá do fechamento dos bancos? Ora, a presunção é de que serão os bancos privados. A economia dos Estados e a das regiões irão sofrer um desequilíbrio fundamental, porque os maiores bancos particulares deste País estão concentrados na região mais rica; até nasceram em outros Estados, mas canalizaram-se e abriram as clareiras na grande metrópole financeira do País, ou seja, a capital e todo o Estado de São Paulo. Além do atendimento regional, das problemáticas regionais e das circunstâncias peculiares de cada Estado, a economia, já tão combalida, vai ser administrada pelos banqueiros deste País! Não tenho a menor dúvida de que atrás disso há os interesses dos banqueiros. Já fiz vários discursos aqui nesse sentido, e até lamento dizer que sempre acreditei que o atual Presidente da República estava ligadíssimo ao sistema financeiro nacional. Todos podem olhar os pronunciamentos - eu os editei -, que estão sendo agora confirmados. Os acólitos do Presidente, os seus pontas de lança, estão favorecendo os banqueiros deste País, que cobram juros exorbitantes, que sangram os cofres públicos, os cofres estatais. Eles hoje estão atingindo os bancos estaduais, mas a tendência é dizer para o Banco do Brasil, para a Caixa Econômica, os bancos federais, também se afastarem, porque eles, banqueiros, dão conta de tudo. Lógico - apanham a poupança a custo zero e emprestam numa correção da ciranda financeira! V. Exª, que irá permanecer aqui, por certo deverá dar atenção a esse problema, porque isso está se transformado numa bandeira do seu trabalho independente, corajoso, altivo! É de se louvar o fato de se ver um Senador da República, em plena sexta-feira, fazendo uma análise profunda e patriótica dessa questão. Vá em frente, Senador, porque certamente V. Exª irá encontrar em seus pares uma resposta positiva. Louvo a sua iniciativa. O País ficará agradecido se V. Exª tiver a coragem de tocar nesse câncer, nessa ferida, não com flor de laranjeira, como na época em que Sua Excelência, o Senhor Presidente da República, era Ministro da Fazenda. Espero que encontre, da parte dos bons brasileiros, dos destemidos, daqueles que não se preocupam com a força opressora dos banqueiros, o aplauso que V. Exª merece.

O SR. EPITACIO CAFETEIRA - Agradeço, nobre Senador Pedro Teixeira.

A minha grande esperança advém da formação de sociólogo do Presidente da República. Sua Excelência cercou-se de técnicos. Parece que tudo neste Governo é técnico. Técnico, para mim, é aquele que sabe cada vez mais sobre cada vez menos. Ele chega a um conhecimento tão profundo, tão especializado, que perde de vista o resto do contexto. Por isso estou assustado. Pérsio Arida falhou com o Plano Cruzado. Outros planos implementados não tiveram êxito. A visão técnica do grupo econômico do Governo é fechar os bancos oficiais, sejam dos Estados ou da União. Amanhã vão querer privatizar o Banco do Brasil, a Caixa Econômica, etc. E a função social desses bancos? Espero que o sociólogo Fernando Henrique Cardoso esteja atento a ela e não deixe que os técnicos a percam. Quero muito mais a visão do sociólogo do que a do economista.

A nossa função aqui é representar o povo do nosso Estado, dizer como o povo está recebendo as medidas governamentais. O povo está esperançoso, mas também apreensivo, quando vê um técnico ocupando uma Pasta. Por exemplo, o Ministro Bresser Pereira, por exemplo, com o seu plano, deixou amargas lembranças. Até hoje os trabalhadores querem recuperar as perdas provocadas pelo Plano Bresser. Um homem que conseguiu entrar para a história com um plano que tirou o dinheiro do povo, principalmente do funcionalismo, e cuja primeira medida anunciada é acabar com a estabilidade do funcionário, pagar o reajuste devido a prestação. Tudo isso me assusta, nobre Senador Elcio Alvares, num Governo de um sociólogo.

Vemos que os técnicos estão preocupados mais com as suas teorias econômicas e menos com o povo brasileiro.

O Sr. Mauro Benevides - Permite V.Exª um aparte?

O SR. EPITACIO CAFETEIRA - Ouço com muita alegria o aparte do nobre Senador Mauro Benevides.

O Sr. Mauro Benevides - Nobre Líder Epitacio Cafeteira, em primeiro lugar, quero louvar a presença de V. Exª na tribuna, nesta manhã de sexta-feira, quando o plenário não está repleto. Gostaria que para ouvir V. Exª estivessem presentes todos os companheiros e não apenas esses 25 ou 30 Senadores que estão aqui no momento. Eu diria que o discurso de V. Exª focaliza exatamente um aspecto preocupante: essa linha privatizante adotada pelo Governo, alcançando os bancos, muito dos quais com finalidades sociais definidas e que vêm atendendo aos seus objetivos precípuos, aos seus objetivos institucionais. Além da privatização em si, o Governo cogita de fundir bancos de finalidades análogas, semelhantes. Ontem ou anteontem, uma declaração do Chefe da Casa Civil, Dr. Clóvis Carvalho, admitia a fusão do BNB - Banco do Nordeste do Brasil, com o BASA, o que chegou a ser, de certa forma, aqui, recusado pelo Líder Odacir Soares, entendendo que cada uma dessas instituições têm uma sistemática própria de atuação. No caso, por exemplo, do Banco do Nordeste, foi uma concepção genial do economista Rômulo de Almeida, que, naquela época, discutiu com um paulista, que era Ministro da Fazenda, Horácio Laffer, e levaram o projeto ao Presidente Getúlio Vargas. Naquela ocasião, Getúlio Vargas enviou ao Congresso uma mensagem que foi amplamente discutida, e em função disso se originou o Banco do Nordeste em 1952. Após dois anos para a sua implantação, começou a funcionar o Banco do Nordeste em 1954. Nobre Senador Epitacio Cafeteira, nesse interregno, nesse lapso de tempo, 42 anos, de 1952 até hoje, somente no ano da sua implantação é que o Banco do Nordeste não apresentou resultados positivos. Até hoje, até este momento em que fala V. Exª, todos os resultados dos balanços do Banco do Nordeste foram positivos, que sinalizaram para o mercado financeiro a atuação de uma equipe competente, que, na renovação dos seus presidentes, continua a atuar de forma eficaz, garantindo ao nosso BNB uma indiscutível projeção no contexto financeiro nacional. Em relação ao Banco do Nordeste, que conheço de perto, e V. Exª também, com a visão que tem da sua região, homem do Maranhão, já afeito aos problemas financeiros, porque funcionário de carreira do Banco do Brasil, V. Exª vivenciou, no seu Estado, o Maranhão, o surgimento do Banco do Nordeste, com a criação de agências em municípios pequenos, de densidade demográfica reduzida, que passaram a ver no BNB um instrumento acelerador do progresso e do desenvolvimento econômico. Para que V. Exª tenha uma idéia dessa perspectiva de privatização ou de fusão do Banco do Nordeste com o BASA, o jornal Gazeta Mercantil, especializado em apreciar os fatos econômicos, em matéria publicada na edição de 9 do corrente, diz, a certa altura do comentário intitulado "Sistema financeiro deve ter novo perfil", de autoria da analista Ana Lúcia Magalhães: "A performance dos bancos oficiais acabam sendo favorecida pela excelente rentabilidade do Banco do Nordeste do Brasil: 195,6% em dólar. O analista Joel Sant`Ana Júnior, gerente técnico da Lopes Filho & Consultores Associados, explicou que o Banco do Brasil é o melhor banco oficial." Sei que V. Exª pertence aos quadros do Banco do Brasil, casa matriz em termos de vida financeira, um banco secular, mas aqui está dito, na apreciação dos resultados, que o Banco do Nordeste é considerado o melhor banco oficial: "É o mais ajustado e era o que dependia menos de floating. Tanto que ele poderia acabar, e o banco teria lucro operacional", conforme comentou Sant Ana Júnior. Veja V. Exª que o Banco do Nordeste está obtendo uma manifestação extremamente favorável, tendo alcançado o mercado financeiro internacional, a ponto de o então Ministro da Indústria, do Comércio e do Turismo, Senador Elcio Alvares - presente neste plenário, cumprindo exemplarmente suas tarefas de Senador, potencialmente apontado como Líder do Governo dentro de mais alguns dias -, eleger o Banco do Nordeste como repassador de recursos decorrentes de um financiamento com o BID, representados por 400 milhões de dólares. Isso demonstra o prestígio internacional da instituição, que, poucos meses antes, exatamente pela correção com que são operacionalizadas as suas transações, captou recursos no mercado externo, os chamados eurobônus, euroienes, tudo administrado de forma verdadeiramente irrepreensível, possibilitando a alavancagem de recursos para o nosso crescimento econômico. Portanto, a presença de V.Exª na tribuna, neste instante, deve ser entendida também como um grito de alerta para que nos posicionemos diante de tudo isso. V.Exª, ao se reportar ao problema do Congresso, do processo legislativo, das medidas provisórias editadas a longa manu pelo Governo Itamar Franco, está advertindo o próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso de que Sua Excelência não pode enveredar também por esses caminhos sinuosos de subtrair do Congresso Legislativo aquilo que é uma tarefa inerente às duas Casas - a competência legislativa de que nós estamos investidos em função da Constituição. Recorde-se, porém, que preparamos o Senado Federal sobretudo para a grande demanda dessas proposições legislativas, até como uma exigência da sociedade. Se V.Exª verificar como funciona o Senado hoje, totalmente informatizado, com aquelas inovações que a Carta de 1988 trouxe, inclusive o caráter terminativo do trabalho das comissões para as iniciativas parlamentares, V.Exª há de convir que o Senado - eu não me arriscaria a falar em termos de Câmara, porque não seria nem ético fazê-lo -, preparou-se para este momento histórico. Daí por que é com justa razão que, desde aquele momento, nós nos posicionamos contra a edição abusiva das medidas provisórias. Nós nos preparamos para isso ao informatizar o Senado Federal, oferecendo aos Senadores o acesso à fiscalização e controle, com a maior abrangência possível. Se V.Exª pretender saber quanto se gasta no Palácio da Alvorada, no Ministério da Fazenda, em qualquer área governamental, ou no âmbito do Legislativo, será preciso apenar acessar o seu computador, e, com a senha que lhe foi conferida, V.Exª terá todos esses dados que desejar. E já que continuará nesta Casa pelo menos por mais quatro anos, porque o Estado do Maranhão não o aproveitou na disputa democrática daquele momento, V.Exª estará aqui substituindo a todos nós, a Joaquim Beato, a Pedro Teixeira e a mim - não quero me reportar aos outros Senadores que aqui estão, pois seria uma legião imensa daqueles que teria que mencionar neste instante - defendendo, como faz hoje, de forma translúcida, clara e transparente o fortalecimento de nossa Casa Legislativa. Se Fernando Henrique Cardoso esteve nesta Casa, se conviveu conosco e, tantas e seguidas vezes, foi compelido a ouvir discursos descoloridos - sem nenhuma referência ao ex-presidente - descoloridos em termos de imagem, certamente, cioso dos seus encargos, das suas responsabilidades e pela necessidade que terá de prestigiar o Poder Legislativo, ele será extremamente parcimonioso na edição das medidas provisórias, muitas das quais - V.Exª sabe disso - são aceitas com a maior complacência pelo Congresso Nacional, porque não atendem aos pressupostos básicos e constitucionalmente definidos, exigidos, da urgência e da própria relevância. Minhas congratulações pelo oportuno pronunciamento de V.Exª, e desculpe-me pelo alongado aparte que lhe ofereci.

O SR. EPITACIO CAFETEIRA - Senador Mauro Benevides, um aparte de V.Exª honra o pronunciamento de qualquer Senador.

Sexta-feira é o dia das reflexões, dia de analisarmos e oferecermos um balanço das nossas atividades, como integrantes desta instituição, e do funcionamento deste País. Mesmo sendo uma sexta-feira 13, é um dia propício para fazermos reflexões a fim de oferecê-las aos técnicos do Governo.

Estou pensando em apresentar alguns projetos, por exemplo, mudando o nome dos bancos oficiais, introduzindo uma palavra, que está embutida na organização dos bancos, mas os técnicos ignoram: desenvolvimento. O Banco do Brasil passaria a se chamar Banco de Desenvolvimento do Brasil, o Banco do Nordeste passaria a se chamar Banco de Desenvolvimento do Nordeste, e o Banco da Amazônia passaria a se chamar Banco de Desenvolvimento da Amazônia. Esses bancos foram criados para o desenvolvimento das regiões, para o desenvolvimento do País. Não são como bancos comerciais, que só visam ao lucro. Entretanto, os técnicos só pensam no lucro.

O Sr. Elcio Alvares - Permite-me um aparte, Senador Epitacio Cafeteira?

O SR. EPITACIO CAFETEIRA - Com prazer, Senador.

O Sr. Elcio Alvares - Realmente as sextas-feiras nos levam ao debate, a reflexões. Neste período de transição que estamos vivendo no mês de janeiro - e o Senador Esperidião Amin mostrou isso com muita capacidade, com muita inteligência - precisamos fazer essa preparação para o grande debate nacional. É saudável que o Legislativo e o Executivo mantenham sempre um diálogo elevado, objetivando conseguir as soluções nacionais. Qualquer tipo de isolamento do Executivo ou do Legislativo desse debate político (coloco o Judiciário à margem porque compete a esse poder uma função completamente diferente desta que estamos debatendo) seria uma distorção do sistema democrático. V.Exª, com o seu pronunciamento, provoca um debate importante para esta Casa. Eu gostaria também, com a benevolência de V.Exª, de fazer uma referência especial ao Senador Mauro Benevides. S.Exª há pouco me sensibilizou, e vou explicar a razão. Na singeleza do seu aparte, mas sempre muito lúcido, S.Exª deixou uma antevisão do fato importante da reminiscência - e não vamos poder negá-lo -, profundamente importante para mim. O Senador Mauro Benevides falou na projeção dos quatro anos sem a sua presença e a de outros colegas. Este Senado da República, com todos os percalços que atravessamos ao longo desses quatro anos - dos três anos que aqui fiquei, mais um no Ministério -, ensinou-nos muito. Eu queria dizer de público, neste instante, já que o debate de V.Exª nos permite uma extensão de reflexão, que o Senador Mauro Benevides, em todos os momentos, marcou a sua trajetória de uma maneira inesquecível, não só pelo tratamento dispensado aos seus colegas, mas por essa preocupação permanente de projetar o Senado da República como o grande fórum do debate que precisamos, esse debate que V.Exª, neste momento, está exercitando com tanto brilhantismo. Eu diria mesmo que o Senador Mauro Benevides, principalmente para mim, foi um Senador que em todos os momentos teve uma palavra de atenção, de aconselhamento. E a participação de S.Exª, aqui, hoje, deixa muito claro que este Senado é realmente um grande colégio de opiniões. Faço este registro imbuído talvez de um sentimento maior de amizade; será muito triste para nós, principalmente quando tivermos aqui os debates do próximo quatriênio, a ausência de pessoas tão relevantes - conforme já tive oportunidade de dizer - a exemplo do Senador Mauro Benevides. Isso me faz refletir sobre a nossa convivência aqui, manifestada em um espírito de muito companheirismo, de muita amizade; e creio que seria muito bom se tivéssemos a perpetuidade das presenças para podermos não só conviver mas também aprender. Aproveito este aparte para prestar uma homenagem muito sincera que, creio, externa o pensamento de todos os colegas. V. Exª, Senador Mauro Benevides, como Líder do PMDB, dá uma demonstração permanente de correção no trabalho, está sempre presente às sessões, participa ativamente da vida da Casa; posso afirmar que o PMDB teve na sua pessoa - e está tendo porque ao longo destes dias ainda vamos usufruir de um convívio altamente proveitoso - uma figura marcante que assinalou de maneira muito expressiva a participação do Nordeste nos grande debates nacionais. Retorno à trilha do seu discurso, Senador Epitacio, que é um imenso caleidoscópio, para fazer apenas mais um registro. Sou político e defendo ardorosamente a posição política especialmente a parlamentar. Convivi durante o último ano no Ministério com técnicos - temos técnicos excelentes -, mas creio que o importante é que nós que fazemos política, que temos a responsabilidade das decisões legislativas participemos ativamente do processo com críticas, debates como o que V. Exª está realizando. Não podemos nos ausentar das grandes decisões nacionais e acredito que encontraremos o denominador comum, agora que o Presidente da República é o Senador Fernando Henrique Cardoso, que saiu desta Casa para assumir uma grande responsabilidade: dirigir este País. Acho que com sua experiência e nossa vontade imensa de colaborar e querer dar uma contribuição positiva, vamos construir exatamente um resultado melhor. Mas torno a dizer a V. Exª que na área de política econômica algumas medidas têm que ser tomadas, e já posso afiançar o resultado do primeiro momento do Plano de Estabilização Econômica, do qual fui participante como Ministro da Indústria, Comércio e Turismo do Governo Itamar Franco: tive a oportunidade de conviver com o então Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, de quem sempre tive exemplos de respeito a esta Casa. Acredito que este mês de transição, a que o Senador Esperidião Amin se referiu e o qual enfatizo, é um difícil mês de ajustamento do Poder Executivo ao Poder Legislativo no sentido comum de se obterem resultados que sejam os mais positivos em nível nacional. Passado este mês de janeiro, definidas as Casas do Congresso e os posicionamentos partidários, competirá a nós, Senador Epitacio Cafeteira, e, evidentemente, ao Chefe do Executivo Fernando Henrique Cardoso, dar a demonstração de que este é um País amadurecido, e o amadurecimento de um país é traduzido pelo debate democrático. Esta Casa, ao longo destes quatro anos do Governo Fernando Henrique Cardoso, ainda vai ouvir debates altamente proveitosos - como é exemplo o que V. Exª está promovendo hoje -, desde que o Governo tenha capacidade democrática; e não tenho dúvida de que o Presidente Fernando Henrique vai timbrar nesse sentido de colher opiniões judiciosas, de colher nossa participação também através de debates como o de hoje. Acredito que o Senado da República deve ter agilidade, celeridade; não podemos ficar na posição de expectativa; creio que em determinados momentos fomos meros expectadores do grande processo político e administrativo nacional. Dessa maneira, portanto, reitero o clima de esperança e otimismo do povo brasileiro: Vamos torcer, com muita fé, Senador Epitacio Cafeteira, para que nos próximos meses possamos, juntamente com o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, realizar exatamente aquelas que são nossas metas básicas. Se críticas existirem dentro da área econômica vamos assumi-las por inteiro, mas não vamos deixar - e acredito que esse seja o espírito de V. Exª e de seu partido - de dar resposta eficiente, eficaz e objetiva nos momentos em que formos solicitados, convocados pelo Executivo brasileiro. Muito obrigado.

O SR. EPITACIO CAFETEIRA - Nobre Senador Elcio Alvares, V. Exª há de convir que, em uma democracia o Congresso tem uma função importante que é a de representar o povo. O congressista não precisa ser técnico, mas sim povo; não precisa conhecer em profundidade cada medida que vem aqui, mas deve ser sensível à reação, ao sofrimento popular, à alegria, ao anseio, ao otimismo e até à apreensão; essa é a nossa função. Assim sendo, o Governo tem que se cercar de homens como V. Exª, e o Presidente Itamar Franco foi muito sábio em tê-lo no Ministério. V. Exª foi ministro, ouvindo seus técnicos e usando sua sensibilidade de homem público. Ninguém pode fazer política sem político; ninguém faz doce de coco sem coco.

Essa concepção, creio que o Presidente da República deve ter para, ao implementar suas medidas, fazer muito mais pelo diálogo com o Congresso do que pela edição e reedição de medidas provisórias, cujo conselho é puramente técnico porque não foi ouvido o político, o que tem sensibilidade, o que pode dizer o que está acontecendo e o que vai acontecer no seu Estado em função de um posicionamento do Governo.

Nobre Senador Elcio Alvares, não é meu desejo senão o de alertar, mostrar que temos que exercitar nossa função, que não podemos abrir mão dessa missão, por maior que seja a confiança que tenhamos no Presidente da República. 

Digo neste momento que o Presidente da República é um homem que deve estar dormindo com dificuldade, preocupado diante de um quadro cheio de perspectivas alarmantes, pois o resultado do México assustou o mundo inteiro. Preocupado, S. Exª tem que ter as pessoas para ouvir, não apenas para não acontecer aqui o mesmo problema de sustentação da moeda.

Já tivemos várias moedas, mas o povo não pode ser mudado. Não podemos fazer um país para técnicos. Temos que adaptar a idéia dos técnicos ao País, ao seu povo, ao seu sofrimento, à sua produção, suas dificuldades de produção. Temos necessidade de bancos de desenvolvimento que não podem correr o risco de terem suas agências fechadas.

O Sr. Esperidião Amin - Permite V. Exª um aparte?

O SR. EPITACIO CAFETEIRA - Pois não. Ouço, com muito prazer o aparte de V. Exª, nobre Senador Esperidião Amin.

O Sr. Esperidião Amin - Nobre Senador, gostaria de interferir exatamente neste momento, porque acredito que V. Exª tenha sido mal interpretado por pessoas muito açodadas no afã de demonstrar sua lealdade irrestrita ao Governo em função do requerimento que pedia a presença do Ministro da Fazenda para esclarecimento de funções de natureza econômica. V. Exª concorda que foi interpretado como um gesto oposicionista, não é verdade?

O SR. EPITACIO CAFETEIRA - É verdade.

O Sr. Esperidião Amin - Acredito que houve um equívoco de interpretação, repito, no açodamento de pessoas que querem se auto-aplicar o carimbo de governistas ou de donos do Governo. O Senado, como enfatizei naquele dia - o Sr. Senador Eduardo Suplicy e outros senadores compreenderam isto -, tem o dever de se inteirar principalmente de questões de natureza econômica que a Constituição fez mais íntimas a esta Casa. Por que as fez mais íntimas? É o Senado que tem a competência específica e privativa de autorizar o endividamento dos Estados, Municípios e da própria União. Não é que a Câmara não tenha essas atribuições, mas o Senado é mais íntimo ao assunto. Por exemplo: a dívida externa, que foi renegociada com a participação extraordinariamente ativa e útil desta Casa; recordo a participação do Senador Elcio Alvares, que foi relator de um dos projetos de resolução mais importantes do acordo. O Senador Ronan Tito, o Senador José Fogaça e eu próprio fomos relatores de matérias correlatas, afins e conseqüentes. E essa vinda das autoridades econômicas à Casa vai ser muito importante, para que se compreenda o que a sociedade está começando a receber de informações e que nós sempre dissemos: o Plano Real precisa de reformas estruturais. Alguns maledicentes dizem que fiquei careca de tanto dizer isso. E percebo que o Governo, consciente dessa necessidade de reformas estruturais, anuncia inclusive uma campanha publicitária para explicar à opinião pública que, se não fizermos reformas estruturais, o "efeito tequila" pode chegar até aqui. Está nos jornais de hoje. É do conhecimento de V. Exª esta questão?

O SR. EPITACIO CAFETEIRA - Não.

O Sr. Esperidião Amin - Então, vou me permitir ler a súmula desta notícia: "O Governo vai lançar, a partir de fevereiro, uma grande campanha publicitária para conscientizar e mobilizar a população acerca da necessidade de reformas constitucionais. Ele pretende com isso atrair para si o ônus pela impopularidade da reforma [aparentemente isto é uma atitude patriótica], livrando os parlamentares de pressões [isto não é verdade]."

O SR. EPITACIO CAFETEIRA - Isso é uma pressão! Eles estão preparando uma pressão. Como eles querem livrar os parlamentares de pressões, se estão fazendo pressão?

O Sr. Esperidião Amin - Veja V. Exª: as peças publicitárias vão reforçar a idéia de que o gigantismo do Estado, se for mantido, resultará na falência do País, e poderemos repetir o México. Ou seja, o Governo gostou do México, vai usá-lo como bicho-papão. O "efeito tequila" vai ser o bicho-papão, e nós não vamos ficar sabendo de nada. Nós vamos de cambulhada? Vamos dentro do efeito secundário do efeito da publicidade? Recordo que essa campanha deveria ter sido feita quando do lançamento do Real e, antes disso, durante a Revisão Constitucional. Isso é um atestado do raciocínio que sempre expendi - e sobre isto quero voltar a falar hoje - e que o nosso Partido sempre expendeu: a oportunidade para isso foi a Revisão Constitucional; agora é muito mais difícil fazer a reforma na Constituição. Agora é pelo rito ordinário: duas votações e três quintos em cada Casa. A Revisão era sessão unicameral e maioria absoluta. Isso deveria ter sido feito por ocasião da Revisão Constitucional. Esse calendário me preocupa. E só para reforçar tudo que V. Exª disse hoje, no que pude acompanhar, inclusive confirmando, sob certo aspecto, o que o Senador Elcio Alvares também dizia: essa campanha publicitária não é para facilitar a deliberação dos Parlamentares: é para apressar mesmo.

O SR. EPITACIO CAFETEIRA - Eu diria que não é só para apressar, mas é até para acionar, é para, aí sim, intimidar. Eu uso a palavra "intimidar", porque acho que é verdadeira. Mas não acredito que não seja este o pensamento do Presidente da República. Quero sempre acreditar que o Presidente da República é um sociólogo, não está neste grupo que age como se o Congresso não existisse e que, não se submetendo às urnas, chega a ministérios para modificar a Constituição.

Querem modificar a Constituição? Candidatem-se, ganhem mandato de parlamentar e venham mudar a Constituição Federal, porque a campanha do Presidente Fernando Henrique Cardoso não tinha como plataforma fechar agências do Banco do Brasil, da Caixa Econômica, do Banco do Nordeste, modificar a sua função. No nosso Estado, já foram listados 14 nomes de cidades que terão agências de banco fechadas. Não posso concordar com isso. Tenho que chamar aqui o Ministro para saber que autoridade lhe foi conferida pelo Presidente da República para invadir o nosso Estado e fechar agências de banco. E, como o Maranhão, ele vai a outros Estados também. Tenho certeza de que outros Senadores virão corroborar conosco nas perguntas que vamos fazer ao Ministro.

Sr. Presidente, as sessões de sexta-feira são boas, porque são de reflexões, com Senadores que aqui moram e acompanham o dia-a-dia desta Casa.

Agora, vejo uma televisão - não sei se é da Casa ou se é de alguma emissora; mas, ontem, na bancada da imprensa, havia somente um representante. A imprensa vai noticiar sobre o Senado por intermédio de apenas um representante, ou não se interessa pelo que se passa no plenário do Senado? Ela se interessa apenas pelos grandes escândalos ou por aquilo que possa representar a venda de exemplares? Isso serve para as nossas reflexões.

Fiquei muito contente, porque recebi apartes de companheiros que participam comigo do dia-a-dia, que têm as mesmas preocupações que me assaltam; que querem, como eu, evitar que continuemos como hoje com 65 Medidas Provisórias na Casa; e que querem que o Congresso se valorize, que o Senado realmente desempenhe sua função por inteiro e não apenas em parte. Assim como existem aqueles que dizem: "Não li e não gostei", é verdade que há também alguns parlamentares que não leram, mas já gostaram das medidas que o Governo irá tomar, contanto que o agradem. Eles podem não ter lido, mas já estão gostando.

Sr. Presidente, quero deixar sempre patente que vale a pena exercitar a vida pública, quando se faz esse exercício sem ser subalterno de ninguém, sem ter de dizer amém às coisas que o Governo faz; sem pedir nada, porque não há nada a pedir, há, sim, que agradecer; temos é que agradecer a Deus a oportunidade que temos de poder lutar pela nossa gente.

Muito obrigado. (Palmas)


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 14/01/1995 - Página 725