Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA TRANSMISSÃO, POR ANTENA PARABOLICA, DE CONVERSA DE BASTIDORES ANTES DE ENTREVISTA DO DEPUTADO FRANCISCO DORNELLES AO JORNALISTA CARLOS CHAGAS, SOBRE A VENDA DE APARTAMENTOS FUNCIONAIS AOS MINISTROS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

Autor
Aureo Mello (PRN - Partido da Reconstrução Nacional/AM)
Nome completo: Aureo Bringel de Mello
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA TRANSMISSÃO, POR ANTENA PARABOLICA, DE CONVERSA DE BASTIDORES ANTES DE ENTREVISTA DO DEPUTADO FRANCISCO DORNELLES AO JORNALISTA CARLOS CHAGAS, SOBRE A VENDA DE APARTAMENTOS FUNCIONAIS AOS MINISTROS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
Aparteantes
Jacques Silva.
Publicação
Publicação no DCN2 de 17/01/1995 - Página 763
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, TRANSMISSÃO, ANTENA, DIALOGO, ANTERIORIDADE, ENTREVISTA, EMISSORA, TELEVISÃO, PARTICIPAÇÃO, FRANCISCO DORNELLES, DEPUTADO FEDERAL, CARLOS CHAGAS (MG), JORNALISTA, CRITICA, REDUÇÃO, PREÇO, VENDA, RESIDENCIA FUNCIONAL, MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF).

O SR. AUREO MELLO (PRN-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, realmente a política atual, como lembra muito bem o Senador Jacques Silva, está merecendo um belo pot-pourri. O Brasil está no início de uma estrada diferente e surpreendente.

Já tive oportunidade de dizer inúmeras vezes, desta tribuna, que fui grande amigo do pai do Presidente Fernando Henrique Cardoso, o bravo General Leônidas Cardoso. Nesse tempo, era o PTB que rugia aqui, enfrentando as cutiladas do tigre da UDN, não menos rugidor, que era o famoso Carlos Lacerda. Ficávamos à esquerda da tribuna, e a banda de música da UDN ficava ali na frente, com os seus paredros e intelectuais. O Lacerda, feroz, lá daquela tribuna, dizia desaforos e horrores direitistas contra os nossos pontos de vista esquerdistas, ou pré-esquerdistas, ou pré-socialistas ou simplesmente trabalhistas, como era o meu caso.

O meu querido amigo General Leônidas Cardoso, meu conselheiro, ao lado de Felicíssimo Cardoso, de Abguar Bastos, de Aarão Steinbruch, era o presidente; junto comigo, pertencia à Liga de Emancipação Nacional, um organismo nacionalista radical. Nós exigíamos o cumprimento das teses nacionalistas verdadeiras, como a nacionalização do petróleo, o direito da ELETROBRÁS de ser mantida pela União e a expulsão de qualquer idéia concernente à aplicação de capital estrangeiro em nosso País, para que não fosse feita a remessa de lucros para o exterior e, sim, criada a indústria nacional, mesmo que depois fosse preciso nacionalizá-la, como eram as teses da nossa Frente Parlamentar Nacionalista.

Juscelino, embora nosso amigo, houve por bem cassar o registro da Frente Parlamentar Nacionalista, considerando-a órgão comunista. Assim, o General Leônidas Cardoso, Aureo Mello, Aarão Steinbruch, o caboclo Abguar Bastos e o General Cardoso, irmão do General Leônidas, foram cassados. Quero dizer, também a nossa Frente foi cassada e extinta, sob a alegação de que era comunista, quando não o era; a nossa Frente era apenas uma Frente Parlamentar Nacionalista.

Mas, Sr. Presidente, justamente por isso, pensei que o início do Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso fosse inspirado nas teses do General Leônidas Pires, teses socialistas voltadas para os pobres, para os humildes, para a economia de despesas desnecessárias. No entanto, houve o Baile da República, com cerca de seis mil pessoas vestidas com o seu melhor aparato, dentre as quais situava-se este modesto amigo, que comprou um smoking em Nova Iorque. Estávamos no Itamaraty, ao brilho das luzes maravilhosas daquela Casa, desfrutando dos biscoitos e das delícias que lá foram servidos - se não me engano, algumas dessas iguarias vieram da Bahia, por sugestão do nobre Senador Josaphat Marinho.

Mas não é sobre isso que quero falar. O pot-pourri de que fala o Senador Jacques Silva não atingirá esse aspecto. Quero falar - e peço a atenção dos meus eminentes Pares - sobre aquela fantasmagoria radialística e televisiva, aquela assombração videofônica que surgiu dias atrás nas televisões brasileiras. Foi o mesmo que aconteceu com o Ministro Rubens Ricupero, que acabou, por isso, sendo afastado da função elevadíssima de Ministro da Fazenda. Dessa vez, a coisa aconteceu com o jornalista Carlos Chagas, que estava ao lado do valetudinário e provecto Deputado Francisco Dornelles. Os dois estavam conversando sobre uma história de apartamentos que foram vendidos a preço de banana (sic) aos Srs. Ministros do Supremo Tribunal Federal e que apenas o Sr. Ministro Néri da Silveira se havia recusado a aceitar tal apartamento a preços módicos, enquanto o Ministro Paulo Brossard seria, segundo a asseveração dos fantasmagóricos personagens da televisão, um daqueles que mais apressadamente trataram de abiscoitar a compra do imóvel. Em princípio, não sou contra essa história de o Ministro ganhar o seu imóvel funcional. Pelo contrário, acho que quem quer ter democracia, com seus poderes constituídos, tem que pagar. E não só o Ministro, como também os Parlamentares, deveriam ter esse direito; mas estes são muito numerosos e não tiveram esse privilégio.

Segundo aquele fantasma televisivo, os Ministros compraram os seus apartamentos. Pessoalmente, não sou contra isso. Oponho-me ao fato de essa história vir a aparecer não através de uma crítica normal e democrática num programa de televisão frontal, mas, sim, numa crítica de televisão fantasmagórica, no tal canal de televisão direta, se não me engano - uma coisa eletrônica que surgiu agora. Lá, o jornalista teceu essas considerações, acolitado pelo provecto Sr. Deputado Francisco Dornelles, um dos mais votados no Rio de Janeiro.

O jornalista ainda é bastante moço. Na cabeça de um jovem pode passar tanta coisa; depois, vem o arrependimento, mas pode-se atribuir isso a erros de juventude. Mas, na cabeça do Deputado Francisco Dornelles, passar uma crítica dessa envergadura, um homem com uma enorme experiência de Ministro, uma figura, por assim dizer, provecta e monumental da República? Isso é que me deixou bastante chocado e surpreendido. Mas eu vi. Eu estava em frente à minha televisão, uma antena parabólica entrou na raia e trouxe os dois, com esse comentário desancando o pobre do Supremo Tribunal Federal e os seus inermes e inocentes Magistrados, que desfrutam o direito de residir. Apesar da negativa do Sr. Néri da Silveira, assoalhada pelo jornalista Carlos Chagas na ocasião, não sou absolutamente contrário a essa idéia de que se atribua aos magistrados o ninho competente para que possam proferir as suas sentenças. É justo. Quem quer democracia tem que pagar bem, porque é um investimento salutar que depois redunda em vantagens maravilhosas que, na ditadura, não se colhem, que na ditadura não se encontram; déficit e demérito são o que aparecem nas ditaduras.

Sr. Presidente, quero aqui manifestar a minha estranheza que a antena parabólica tenha trazido esses dois comentários e, especialmente, ao nobre, culto, brilhante, erudito, científico, economístico, matematicíssimo, financeiríssimo Deputado Francisco Dornelles. Por favor, Deputado Dornelles, não se associe a xingações ao Supremo Tribunal Federal, porque aí não terá a nossa aprovação.

Era esse o final escaravelhano do meu pot-pourri, monsieur Senador Jacques Silva, que eu desejava formular neste final de sessão. Realmente, foi uma coisa estapafúrdia. Não sei se V. Exªs assistiram, mas aquilo me deixou pensando seriamente que o jornalista Carlos Chagas iria acabar recebendo uma embaixada em Roma, ou, quem sabe, o Sr. Dornelles.

O Sr. Jacques Silva - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. AUREO MELLO - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Jacques Silva - Senador Aureo Mello, eu não assisti àquelas inconfidências parabólicas do jornalista Carlos Chagas, mas um amigo meu assistiu e me contou. E, logo em seguida, eu ouvi o próprio Carlos Chagas, numa preparação, comentar o fato. Fui ler depois. Achei muito mais grave do que as inconfidências parabólicas do Sr. Rubens Ricupero. No entanto, a repercussão foi nenhuma.

O SR. AUREO MELLO - Mas ele é jornalista.

O Sr. Jacques Silva - É aí que quero chegar. Então, aí entrou o esprit de corps, o que é normal. Os colegas abafaram. Fosse um Senador que tivesse caído na besteira de ser apanhado pelas parabólicas, este Congresso já teria ido por água abaixo.

O SR. AUREO MELLO - Seria manchete em todos os jornais.

O Sr. Jacques Silva - No entanto, como foi um ilustre colega, nada se comentou. Mas aquela inconfidência foi muito grave.

O SR. AUREO MELLO - Muito obrigado.

Termino estas palavras, desejando que as parabólicas, talvez movidas por espíritos de parlamentares já mortos, ou de jornalistas que já se foram, não venham mais fazer essas assombrações nas nossas televisões. Quem sabe não são eles, com aquele poder eletrônico que têm os falecidos, que empurraram a imagem e a voz do jornalista e do Deputado para os lares que assistiam televisão àquela hora e fizeram com que esse comentário tão privado, tão intramuros, tão interno, chegasse a desabrochar, como uma papoula radiofônica, às nossas humildes antenas parabólicas que são as orelhas.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 17/01/1995 - Página 763