Discurso no Senado Federal

APELO AO RESGATE DA DIVIDA SOCIAL, CONSEQUENCIA DAS DISPARIDADES REGIONAIS. PREOCUPANTE SITUAÇÃO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL.

Autor
Joaquim Beato (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/ES)
Nome completo: Joaquim Beato
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • APELO AO RESGATE DA DIVIDA SOCIAL, CONSEQUENCIA DAS DISPARIDADES REGIONAIS. PREOCUPANTE SITUAÇÃO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL.
Aparteantes
Elcio Alvares, Josaphat Marinho, João Calmon.
Publicação
Publicação no DCN2 de 18/01/1995 - Página 784
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • COMENTARIO, AUSENCIA, ESTABILIDADE, ECONOMIA, AUMENTO, DISPARIDADE, SITUAÇÃO SOCIAL, PAIS.
  • ANALISE, PRECARIEDADE, EDUCAÇÃO, MOTIVO, AUSENCIA, INVESTIMENTO, SETOR, EFEITO, PREJUIZO, CRESCIMENTO ECONOMICO, PAIS.
  • COMENTARIO, RELATORIO, FUNDO INTERNACIONAL DE EMERGENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFANCIA (UNICEF), RELAÇÃO, QUALIDADE, ENSINO, COLOCAÇÃO, INFERIORIDADE, BRASIL, COMPARAÇÃO, MUNDO.
  • COMENTARIO, COMPROVAÇÃO, LEVANTAMENTO, ESTATISTICA, RELAÇÃO, ANALFABETISMO, POBREZA, PAIS.
  • QUESTIONAMENTO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, DISCRIMINAÇÃO, POBREZA, RELAÇÃO, EDUCAÇÃO, PAIS.
  • NECESSIDADE, EXECUÇÃO, ESCOLA PUBLICA, COMPROMISSO, FORMAÇÃO, INTEGRIDADE, CIDADÃO, OBJETIVO, POSSIBILIDADE, COLABORAÇÃO, CONSTRUÇÃO, SOCIEDADE, FUNDAMENTAÇÃO, JUSTIÇA SOCIAL, SOLIDARIEDADE.
  • EMPENHO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ALTERAÇÃO, SITUAÇÃO, EDUCAÇÃO, PAIS.

O SR. JOAQUIM BEATO (PSDB-ES. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, consciente da necessidade de o Estado brasileiro assumir um novo papel e de o planejamento governamental objetivar o resgate da imensa dívida social que tem com as camadas mais desassistidas da nossa sociedade, ocupo a tribuna desta Casa para falar de um problema crucial para o País: a preocupante situação da educação brasileira.

É do conhecimento de todos a enorme desigualdade econômica e social que se manifesta no Brasil entre regiões, entre Estados, entre meio rural e meio urbano, entre centro e periferia.

Nosso desequilíbrio econômico se reflete nas disparidades sociais que criam ilhas de excelência dignas do Primeiro Mundo nas regiões de maior renda e as fazem conviver com indicadores sociais perversos em áreas como a educação e a saúde. Esses indicadores, quando expressam a realidade das áreas mais carentes do território nacional, colocam o Brasil em pé de igualdade com países muito menos desenvolvidos do que o nosso.

As diferenças em nosso País são muito mais sociais do que geográficas. Se seguirmos a metodologia adotada pela Organização das Nações Unidas desde 1990, que avalia o nível de desenvolvimento dos países considerando seu índice de desenvolvimento humano e levando em conta fatores sociais como o nível educacional médio da população, analfabetismo, distribuição de renda, taxa de mortalidade infantil e outros, verificaremos que as desigualdades sociais brasileiras são também intra-regionais e não apenas inter-regionais, evidenciando os nítidos contrastes existentes entre as áreas mais prósperas e as mais carentes do País, das Regiões e dos Estados. Essas desigualdades sociais refletem-se em todos os aspectos da vida do indivíduo, principalmente no que se refere ao exercício da cidadania, pois o País está dividido entre uns poucos cidadãos que têm consciência de seus direitos, e os usufruem, e uma maioria que não sabe os direitos que tem.

Sr. Presidente, todos sabemos que a escolaridade é hoje um indicador importantíssimo. Mais do que em qualquer outra época, a riqueza e a soberania das nações dependem cada vez mais do seu patrimônio educacional, científico e tecnológico. A educação é um setor prioritário em qualquer plano de desenvolvimento, pois sem a melhoria dos recursos humanos, sobretudo nas regiões mais carentes, as perspectivas de crescimento são mais difíceis de se concretizarem. E o quadro atual da educação no Brasil é muito preocupante. A educação em todos os níveis está descomprometida com a realidade do País e de suas regiões e representa um entrave ao nosso desenvolvimento. Não é possível se adquirem condições de competitividade em qualquer setor, sem se elevarem o nível educacional e a capacitação tecnológica da população brasileira. 

São inúmeros os exemplos de países que conseguiram superar a marca do subdesenvolvimento, partindo do crescimento de seus indicadores educacionais. O Japão, há algum tempo, e a Coréia do Norte, mais recentemente, são os melhores exemplos do acerto da decisão política dos governos daqueles países. O surpreendente crescimento econômico de ambos é inquestionável.

Entretanto, nosso País parece não dar a devida importância a essas experiências e não investe o suficiente na formação de recursos humanos, tão necessária à implantação de um novo modelo econômico. Por essa razão, não conseguiu incrementar a indispensável mudança de sua face produtiva.

Hoje, o Brasil ocupa no plano internacional uma posição vexatória, desonrosa, incompatível com sua condição de uma das 10 maiores economias do mundo: a posição de campeão mundial de analfabetismo.

Essa manchete estarrecedora, impressa no caderno especial publicado pelo jornal Folha de S.Paulo em 31 de julho passado e intitulada "Brasil 95: Educação e Saúde", é baseada no relatório da Organização das Nações Unidas, segundo o qual o nosso País tem a pior educação básica e o maior contingente relativo de analfabetos funcionais do mundo.

Apesar de as estimativas do Ministério da Educação revelarem que 86% da população em idade de freqüentar o ensino fundamental está sendo hoje atendida, com a perspectiva de a curto prazo poder se considerar finalmente cumprido o preceito constitucional que determina a universalização do ensino a essa taxa etária, o referido levantamento feito pelo Fundo das Nações Unidas pela Infância, UNICEF, em 129 países, revela que o Brasil tem o pior desempenho de todos quando comparada a taxa de evasão escolar do ensino básico com as potencialidades econômicas nacionais.

Segundo esse levantamento, pelo estado da nossa economia seria esperado que 88% das crianças matriculadas no primeiro grau concluíssem a quinta série, a faixa limite do chamado analfabetismo funcional. Não atingimos sequer a metade desse índice, Srs. Senadores; apenas 39% dos nosso alunos atingem esse nível de escolaridade. De acordo com os dados oficiais a quinta série tem os mais altos índices de repetência: 41%. Nesse quesito conseguimos superar até países recordistas em miséria, como a Somália, a Etiópia e o Haiti.

Outros dados estatísticas só vêm reforçar esse quadro constrangedor. A taxa oficial de analfabetismo no Brasil é de 18%; isso significa que estatisticamente cerca de 29 milhões de brasileiros não sabem sequer identificar as letras do alfabeto; somente cerca de 20% dos que entram na escola pública chegam às últimas séries do 1º Grau. E, segundo dados do próprio Ministério da Educação e do Desporto, somente 5% dos alunos da rede pública conseguem completar sem reprovações o ensino fundamental. Esses números nos permitem afirmar que o Estado vem desperdiçando dinheiro para obter um resultado tão pífio.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ler, escrever e pensar são instrumentos de trabalho necessários a qualquer cidadão. Gasta-se mal com educação e gasta-se muito pouco também. A educação como um todo, e em particular o ensino fundamental, revelou-se um setor vulnerável aos cofres orçamentários durante a grave crise econômica que penalizou o País nos últimos 10 anos.

Segundo o Prof. Cândido Gomes, consultor legislativo do Senado Federal para a área da educação, "a despesa total da União cresceu proporcionalmente mais que as despesas educacionais". A função educação e cultura passou do quarto lugar, em 1985, para o segundo, em 1987; passou ao terceiro, em 1989; ao quarto, em 1990; ao quinto, em 1991; daí decaiu ao sexto, em 1993".

Para se ter uma idéia, no início da década de 90, ocorreram cortes de recursos tão drásticos que só bem recentemente se conseguiu atingir o mesmo nível de investimento de 1985.

Segundo dados do relatório mundial sobre educação publicado pela UNESCO em 1991, desde os anos 80 o total mundial de despesas públicas alocadas ao ensino formal passou a ser equivalente a 5,5% do Produto Nacional Bruto, PNB, mundial. O percentual aplicado pelo Brasil é inferior a essa média: apenas 4,6% do nosso PNB; isso faz com que o País ocupe um desonroso 59º lugar no quadro comparativo da UNESCO, numa lista de 181 nações.

Deve-se notar que muitos países de menor expressão que o nosso no cenário internacional aplicam valores mais altos em educação, numa clara demonstração da visão política de seus dirigentes. No Brasil, no entanto, os investimentos no setor têm decrescido nos últimos anos; se considerarmos o Produto Interno Bruto como índice, a queda também é evidente.

Na década de 80, aplicávamos 4,3% do Produto Interno Bruto em educação, enquanto que em 1994 foram aplicados somente 3,3%. Esses dados evidenciam o quanto a educação perdeu em termos de prioridade. Os cortes sofridos em face da escassez se fizeram sentir principalmente no ensino fundamental, sacrificando injustamente a educação da população de baixa renda, que tem como única opção a escola pública.

Essa é uma demonstração cabal de que a educação, no Brasil, reproduz o mesmo esquema excludente na sociedade como um todo e, o que é pior, legitima essa exclusão, considerando incompetentes os excluídos.

Os índices de evasão, repetência são a melhor evidência disso: quando uma criança é reprovada, perde todo o estímulo e deixa a escola, não o faz por incapacidade sua e sim por incompetência da própria escola para ensinar conteúdos de forma compatível com a clientela que a freqüenta. O mal da repetência tem suas raízes na própria estrutura do ensino fundamental. As taxas acumuladas de evasão escolar chegam a 78% ao final da 8ª série, e os índices de repetência são tão grandes que apenas cerca de 20% de alunos da rede pública chegam às últimas séries do ensino fundamental. A isso se deve a surpreendente média de 12 anos de permanência na escola para completar o ensino fundamental no Brasil.

Tudo indica que há uma estreita relação entre analfabetismo e pobreza. As estatísticas oficiais refletem bem essa realidade. No Espírito Santo, Estado que tenho a honra de representar nesta Casa, tenho a certeza de que as crianças de São Pedro, de Itanhenga ou de Santa Rita, na Grande Vitória, apresentam rendimento escolar mais baixo do que as crianças que freqüentam as escolas públicas da Capital. Populações pobres de regiões mais desenvolvidas são mais favorecidas que populações pobres de regiões mais pobres. A título de exemplo, permita-me citar dados extraídos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD, segundo os quais mais da metade dos analfabetos do País encontram-se na região Nordeste, onde para cada cinco pessoas com idade acima de 14 anos duas são analfabetas. O contraste é flagrante se comparados esses dados com os das regiões Sul e Sudeste, onde para cada 10 pessoas dessa faixa etária apenas uma é analfabeta.

É claro que o sistema educacional não é responsável pelas diferenças de nível social e cultural existentes entre os vários alunos que procuram os estabelecimentos públicos de ensino em todo o País. O que é inadmissível é que a escola sirva para agravar ainda mais essas diferenças e não para ajudar a reduzi-las.

O fraco desempenho escolar de nossas crianças está associado às características da clientela amplamente majoritária da escola pública, que são geralmente crianças oriundas das camadas mais carentes da população, com condições de vida e problema sócio-culturais que infelizmente interferem muito no seu desempenho escolar.

Há, sem dúvida, um enorme distanciamento entre a sala de aula e o mundo da realidade da vida de crianças e adolescentes que freqüentam a escola pública. O grande educador Paulo Freire acreditava que não existe homem no vazio e já pregava a valorização do meio social em que o aluno vive, para fazer com que a partir dele a criança conseguisse superar a realidade adversa...

O Sr. Josaphat Marinho - Permita-me V. Exª um aparte?

O SR. JOAQUIM BEATO - Ouço V. Exª com muito prazer.

O Sr. Josaphat Marinho - Nobre Senador, V. Exª trata de um dos mais graves problemas do País e o faz sob vários aspectos, invocando estatística. Não me aterei às estatísticas, quero apenas, indo ao encontro de sua preocupação, salientar um aspecto. V. Exª aponta o problema social, ou seja, a pobreza, como uma das determinantes das deficiências do ensino no País. Isso se pode estender a todos os graus do ensino. O que me espanta é que diante de um quadro dessa gravidade, grandemente resultante das desigualdades sociais, aja quem esteja pleiteando privatizar as universidades públicas. Imagine V. Exª, atente esta Casa para o fato. Em quanto se aumentariam as desigualdades correntes deste País, se as universidades públicas se transformassem em estabelecimentos particulares sujeitos à ganância da indústria do ensino que já domina o País? Aí, então, é que, aos cursos superiores, só chegariam mesmo os ricos.

O SR. JOAQUIM BEATO - Agradeço o aparte de V. Exª, nobre Senador Josaphat Marinho. Estou perfeitamente de acordo com o aparte de V.Exª. É uma preocupação muito justa e é preciso que aqueles que têm responsabilidade pelo destino da Nação cuidem desse grave problema. 

V. Exª antecipa alguns pontos da nossa comunicação esta tarde, mas já fica claro que temos uma afinidade evidente nesta preocupação com as injustiças que se acentuam através do monopólio do ensino por empresas que pensam mais no lucro do que no significado social da sua missão.

O elitismo no Brasil, entretanto, tem impedido que as escolas lidem, de forma eficaz, com a população de baixa renda e com a diversidade sócio-cultural que essa população vive. Os professores são formados para trabalhar com alunos ideais e saem das escolas de formação ou das universidade com esta perspectiva deturpada da realidade. Ocorre, então, o choque entre o aluno ideal e o aluno real. Esta constatação, porém, não é suficiente para mudar a atitude dos professores e um grande número destes continua a trabalhar em sala de aula como se estivesse tratando com uma clientela privilegiada e não com alunos oriundos das camadas mais pobres da população.

Desta forma, a escola pública acaba agravando a situação da população mais carente e sendo legitimadora das imensas desigualdades sociais, existentes no País. Acontece, Srªs e Srs. Senadores que os excluídos não são responsáveis por sua própria exclusão. Se o cidadão não teve como se alfabetizar não foi por culpa dele mas, sim, do próprio Estado que não adotou uma política educacional e social que o amparasse.

Não há uma preocupação em se investir mais nas regiões, nos municípios ou nos bairros mais pobres, dotando-os de escolas e de professores de melhor nível, em condições de contrabalançar as condições sociais e culturais precárias em que vivem os alunos que as freqüentam. Essa perversa realidade faz com que as piores escolas tendem a atender as clientelas mais pobres. Em geral, também, são designados para essas escolas os professores mais inexperientes ou de menor nível de formação como se tivessem que passar por uma espécie de purgatório antes de serem premiados com a remoção para escolas situadas em bairros ou cidades melhores.

Os lamentáveis resultados obtidos são do conhecimento de todos. No Brasil eles são diretamente proporcionais ao descaso com a qualificação e com a remuneração dos professores. Não se reconhece a importância que o magistério tem na formação das novas gerações. Os salários dos professores, na maior parte do País, são vergonhosos. Há 60 anos, o Espírito Santo - é uma lembrança da minha infância - um professor recebia tanto quanto um juiz de direito. Hoje a remuneração do juiz é pelo menos 14 vezes superior.

Existem países como o Japão que, apesar de todas as dificuldades, se preocuparam em tornar mais atraente a carreira do magistério, treinando nas universidades os melhores alunos com vocação para ensinar e encarregando-os de preparar as gerações que impulsionaram o impressionante desenvolvimento daquela nação.

Há infelizmente inúmeros outros fatores que contribuem para acentuar as desigualdades existentes na sociedade brasileira. Gostaria de destacar o fato de as escolas privilegiarem um tipo específico de inteligência: a européia, fruto da influência do cartesianismo, não levando em conta como valores, valores como a intuição ou a criatividade que se despertados podem auxiliar todas as crianças em seu processo de aprendizagem especialmente as crianças mais carentes.

Um outro ponto que merece destaque é o de que nas regiões mais carentes e nos bolsões de pobreza espalhados pelo País a maioria é de negros. Existem alguns dados indicando que são as crianças negras as que mais evadem e repetem o ano.

Pesquisas da Fundação Carlos Chagas evidenciaram a existência de um certo preconceito racional difuso, reforçado pela valorização de tipos de inteligência e de valores estéticos característicos da população de raça branca. Desde a idade escolar já está sendo criada certa dificuldade de integração da população negra em condições de igualdade com a população branca.

É inadmissível que essa realidade persista em um País como o nosso, constituído de indivíduos descendentes das mais diferentes raças. Além da população indígena, para cá vieram pessoas originárias da Europa, da África, do Oriente Médio, da Ásia, e o povo brasileiro surgiu da mistura dessas variadas etnias. Se for realizada uma análise detalhada de nossos currículos escolares será facilmente constatado que eles privilegiam sempre os valores da cultura européia, ignorando ou atribuindo uma importância mínima à contribuição das outras culturas na formação da nossa identidade nacional.

O Sr. Elcio Alvares - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOAQUIM BEATO - Com todo prazer, Senador Elcio Alvares.

O Sr. Elcio Alvares - De início, quero registrar, como integrante da Bancada do Espírito Santo aqui no Senado da República, a minha grande alegria por ter a primeira oportunidade de aparteá-lo no exercício do mandato de Senador pelo Espírito Santo.

O SR. JOAQUIM BEATO - O privilégio é meu, Exª.

O Sr. Elcio Alvares - V. Exª, neste instante, assoma à tribuna para abordar um dos temas mais importantes do Brasil moderno. O tema da Educação é apaixonante. E, dentro da Bancada do Espírito Santo, temos sustentado, ao longo do tempo, um orgulho, que não é um orgulho egoístico, mas um orgulho nacional. Temos, na verdade, integrando a nossa representação, talvez uma das figuras mais exponenciais que já honraram a nossa vida parlamentar e de uma maneira sempre persistente, sempre inteligente e fascinante, a vida pública do Estado do Espírito Santo. Refiro-me ao Senador João Calmon, que se encontra aqui ao meu lado neste instante. Desde os meus primórdios de vida profissional, como advogado, e de homem público tenho pelo Senador João Calmon o mais profundo respeito. João Calmon marcou a sua vida na área da comunicação como homem da mais alta capacidade, tendo a oportunidade de, em vários Estados brasileiros, deixar, de forma indelével, a sua participação nos Diários Associados. Mas talvez a biografia de João Calmon não se altearia se não tivesse uma referência muito estreita ligada à Educação. Diria mesmo, hoje, dando um depoimento que amanhã, quem sabe, pode ser importante na sua biografia: a educação foi sempre a eterna paixão de João Calmon. E diria mesmo, em nome da Educação, João Calmon, conscientemente, se imolou na própria vida pública. É o depoimento que quero fazer aqui, interpretando o pensamento de todos os capixabas que amam a sua terra. Não disputei as últimas eleições, portanto, não tive a oportunidade de ingressar no processo eleitoral de 1994. Mas o nosso Estado assumiu uma dívida, que diria agora no Senado da República, difícil de ser paga a esta extraordinária figura que é João Calmon. João Calmon, por amor à educação, não teve vaidade nem orgulho. Candidatou-se para disputar o mandato de Deputado Estadual em nosso Estado, e não tenho dúvida nenhuma que foi o seu amor à Educação que o levou àquela disputa, porque, a essa altura de sua vida, S. Exª não precisa mais de homenagens nem de reconhecimento, o qual nunca lhe foi negado, porque a sua própria vida está marcada, conforme falei, por um laço indissolúvel com a Educação. E quando V. Exª pronuncia este discurso, conforme falado há pouco pelo Senador Josaphat Marinho, rico no levantamento de estatísticas, dados, comparações, abordando o nosso Espírito Santo, talvez V. Exª esteja dando-me a oportunidade que estava me devendo intimamente ao retornar a esta Casa. Tenho conversado longamente com o Senador João Calmon. Faço, portanto, esta proclamação como uma homenagem ao homem de altivez, de caráter e de dignidade. Em nenhum momento João Calmon teve qualquer palavra que demonstrasse insatisfação e irresignação com o resultado eleitoral. E sempre diz que, com mandato ou sem mandato, sua luta pela educação irá até o último dia de sua vida. Portanto, V. Exª, no momento em que pronuncia este discurso, exatamente abordando o tema da educação, me dá a oportunidade de escrever, com este aparte, um depoimento que penso não seja somente meu; devo falar também pelo Senador Gerson Camata, que está ausente, grande admirador do Senador João Calmon. Nobre Senador Joaquim Beato, não tenho dúvida alguma de que me antecipo às palavras de V. Exª para prestar este depoimento. E diria mesmo, já que não sou um homem dado praticamente às lides da Educação, onde V. Exª é um magnífico professor da universidade, e onde o Senador João Calmon tem pontificado não só em nível nacional mas também internacional, fico muito feliz, Senador Joaquim Beato que, sendo o seu primeiro pronunciamento a que estou presente, tenho a oportunidade de ouvi-lo, abordando efetivamente um tema que foi a razão de ser da vida de um parlamentar, que honrou e vai honrar sobremodo a história política do nosso Espírito Santo. Cumprimento V. Exª. Penso que o seu pronunciamento deve prosseguir na linha do seu raciocínio, mas não poderia, de maneira alguma, deixar de prestar este testemunho, silenciar no meu íntimo, porque hoje, como representante do Espírito Santo, como um homem que ama o Espírito Santo acima de tudo, não posso deixar de fazer esse registro, sob pena de não fazer na história uma crônica que considero profundamente justa a respeito da vida de João Calmon. João Calmon está me ouvindo. João Calmon, dentro de mais alguns dias, não estará mais conosco. Mas tenho a certeza absoluta de que o seu espírito, em todos os momentos, estará fazendo com que S. Exª seja um participante desta Bancada dentro da Educação no Espírito Santo, talvez um dos privilégios de que não abrimos mão. Tivemos, em favor da causa nacional da educação, talvez o maior batalhador. E, neste momento, Senador Joaquim Beato, faço a inscrição no seu discurso, talvez não pela minhas palavras, mas uma inscrição muito importante e histórica no momento em que reverenciamos aqui a Bancada do Espírito Santo, todos os capixabas e a magnifica luta do Senador João Calmon pela Educação. Muito obrigado.(Palmas)

O SR. JOAQUIM BEATO - Muito obrigado a V. Exª, Senador Elcio Alvares.

Não é preciso dizer de público o quanto me honra compartilhar como 1/3 da Bancada capixaba, tão ilustrada pelas presenças dos Senadores Elcio Alvares e João Calmon.

Subscrevo, com toda alegria, as palavras de V. Exª a respeito do nosso "Senador da Educação". Tenho certeza de que V. Exª expressou, nessas palavras, o sentimento de toda a comunidade capixaba.

Neste momento gostaria de afirmar que nos empenharemos, juntamente com V. Exª e com o Senador Gerson Camata, para que, no Espírito Santo, se dê, nas instituições de ensino, especialmente na nossa Universidade Federal, ao Senador João Calmon o reconhecimento público que ele merece. S. Exª é reconhecido pelo Brasil todo, faltando ainda fazê-lo de maneira formal e publicamente na nossa Universidade Federal. Temos certeza de que o reitor e a administração atual da Universidade estarão prontos para apresentar a este homem, não um pagamento do que ele fez pela Educação, mas um reconhecimento de sermos, com ele, nativos daquele recanto tão precioso do nosso País, que é o nosso Estado do Espírito Santo, e ser parte daquela gente tão nobre, tão batalhadora e tão progressista, que é a gente capixaba.

Subscrevo e agradeço todo o belo aparte de V. Exª.

Mais uma vez queria dizer que a abordagem deste assunto era importante para mim na presença de João Calmon, como também uma homenagem indireta à preocupação que ele teve em toda sua vida parlamentar.

O Prof. Percy da Silva, que leciona literatura na rede estadual do ensino de São Paulo, em seu artigo "Escola, espaço de luta contra a discriminação", enfocou, com muita propriedade, o problema. Para ele, se nos dias atuais, a Escola Pública pretende definir-se como democrática e pluralista, atendendo aos interesses e anseios da população que forma a sua clientela, será necessário e urgente uma reavaliação do material didático, especialmente dos livros adotados.

Percy da Silva faz referência ao estudo da Profª Maria de Lourdes Nosella que, naquela época, era professora da Universidade Federal e seu esposo também professor da Universidade Federal do Espírito Santo - que, após estudar os textos para leitura dos livros destinados ao primeiro grau no Espírito Santo, concluiu que esses, muitas vezes, são responsáveis por forjar uma visão do mundo falsa, dissociada da realidade brasileira, objetivando atender aos interesses daqueles que insistem em divulgar características estereotipadas, com a intenção de fixar modelos de comportamento, de relacionamento, de valores pré-estabelecidos, afastando qualquer possibilidade de mudança das normas e dos comportamentos que interessam à classe dominante.

Desde a década de setenta, já havia sido feito pelos franceses Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, em seu famoso livro "A Reprodução", um alerta contra o perigo de as escolas exercerem o seu poder para reproduzir a estrutura das relações de classe, garantindo a estabilidade social pela seleção controlada de um número limitado de indivíduos, relegando à maioria mais carente um papel secundário na sociedade. Esse alerta, repito, tem de ser levado em conta em um país tão desigual e plural como o nosso.

A escola pública não pode ser aliada da minoria, Srªs e Srs. Senadores. Cabe a ela formar cidadãos capazes de exercer lucidamente a cidadania, com liberdade de pensamento e de expressão, capazes de defender seus direitos, cumprir seus deveres e atuar com consciência na construção de uma sociedade mais justa e mais solidária. Cabe a ela, também, ampliar os horizontes culturais dos alunos, favorecendo a sua inserção na sociedade, transformando-os em verdadeiros cidadãos aptos a lutar pelo espaço a que têm direito e a inserir-se de forma produtiva no contexto social.

O Sr. João Calmon - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOAQUIM BEATO - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. João Calmon - Nobre Senador Joaquim Beato, permita-me que, em primeiro lugar, transmita o meu agradecimento ao nobre Senador Elcio Alvares pelas palavras tão generosas que proferiu a respeito da minha batalha em favor da Educação. Essas palavras do Senador Elcio Alvares foram apoiadas também por V. Exª, que já conquistou a admiração de todos os educadores capixabas, pela sua dedicação a essa causa que deveria ter, e ainda não tem, a máxima prioridade, que até agora continua no terreno das aspirações, porque, desgraçadamente para nós, Mestre e Senador Joaquim Beato, a entidade mundial, filiada à Organização das Nações Unidas, que é a UNESCO, apontou o Brasil, na década de 70, abaixo de 80 países - permita-me repetir: abaixo de 80 países -, em dispêndios públicos com a educação em relação ao Produto Interno Bruto. Decorreram vários anos e, em meados da década de 70, a posição do Brasil havia melhorado um pouco, passara a ocupar o 75º lugar em dispêndios públicos com a Educação em relação ao PIB. E, ontem, nobre Senador Joaquim Beato, recebi o Anuário da UNESCO referente ao ano passado. A nossa posição continua extremamente insatisfatória. O Brasil melhorou um pouco os seus dispêndios com a Educação graças a essa iniciativa que o Senador Elcio Alvares destacou de maneira tão generosa: a vinculação obrigatória de um percentual mínimo da receita de impostos federais, estaduais e municipais para a Educação, vinculação que foi incluída na Constituição brasileira por iniciativa deste seu conterrâneo. A situação da educação no Brasil ainda é tremendamente preocupante - ficamos em dúvida sobre os adjetivos a utilizar. De qualquer forma, é realmente uma vergonha para nós que, depois de tantos anos de registro no Anuário da UNESCO, depois de tantas vezes ter sido o nosso País apontado à crítica do mundo inteiro por gastar tão pouco com a educação, ainda estejamos numa posição que realmente deveria provocar uma revolta de todo o povo brasileiro, e não apenas dos segmentos que atuam na educação. Devo dizer que se o Congresso Nacional, na sua maioria, não desse prioridade à educação, não teria sido aprovada a minha primeira proposta de emenda, que vinculava 13% da receita de impostos federais e nunca menos de 22% da receita de impostos estaduais e municipais; este Congresso Nacional, que hoje é alvo de crítica sobre problemas, que existem porque, desgraçadamente para nós, os representantes do povo pertencem à miserável condição humana. Portanto, não é de espantar que também nesse segmento da sociedade brasileira possa ocorrer uma série de distorções, que, no seu conjunto, o Congresso Nacional procurará enfrentar e eliminar. Nobre Senador Joaquim Beato, no Espírito Santo, nos orgulhamos de contar com a uma das mais notáveis e das mais admiráveis educadoras deste País, que é a Profª Ana Bernardes, que tem um prestígio nacional invejável. Já integrou o Conselho Federal de Educação, nos seus bons tempos; já foi Diretora do ensino fundamental do Ministério da Educação, e é uma glória autêntica da educação de nosso País. Por isso mesmo, na hora em que agradeço, mais uma vez, ao Senador Elcio Alvares a sua generosidade em relação a mim, eu não poderia deixar de pedir, também, que todos passem a encarar com respeito, cada vez maior, essa figura realmente extraordinária de educadora de Ana Bernardes, que convive comigo e com o Senador Elcio Alvares, que é ainda mais feliz do que eu: porque mora no mesmo município em que reside Ana Bernardes, que é o Município de Vila Velha. Em relação a mim, Senador Joaquim Beato, há um detalhe que muito me emociona, agora. Quando assumiu a Chefia do Poder Executivo do nosso Estado Vitor Buaiz, ele convidou para que ficasse no seu palanque, de onde se dirigiria ao povo da nossa terra, a minha primeira professora primária, Laura Neves, que ainda vive em excelentes condições na ilha de Vitória. Gostaria de aproveitar esta oportunidade em que V. Exª brinda este Plenário com um pronunciamento de tão alto nível para deixar registrada a minha gratidão a essa mestra, a quem devo a minha formação na Escolinha Primária de Baunilha. Felicito V. Exª com a maior efusão, nobre Senador Joaquim Beato, e agradeço todas as generosas palavras do nobre Senador Elcio Alvares. Só posso assumir com V. Exª, com esta Casa e com a Nação brasileira um compromisso: enquanto eu estiver vivo e lúcido e dispuser de forças, dedicarei a minha vida à continuação desta luta, sem cujo êxito o Brasil continuará a apresentar aos olhos do mundo um dos quadros mais vergonhosos e humilhantes de péssima distribuição da renda nacional, vergonha que devemos, em grande parte, à falta de prioridade que no Brasil se dá à educação, desde os tempos em que o Marquês de Pombal proibiu que os jesuítas continuassem a ensinar, e que persiste até hoje. Há poucos dias, o ex-Ministro Murílio Hinguel proclamou, em entrevista publicada em manchete pelo Jornal do Brasil e pelo O Estado de S. Paulo, que a educação brasileira está falida. Nossas esperanças se renovam agora, ao assumir a Pasta da Educação, como sucessor de Murílio Hinguel, o Professor Paulo Renato Souza, que, no seu discurso de posse, traçou um programa realmente empolgante de luta para melhorar a produtividade e a qualidade da educação em nosso País. Muito obrigado a V. Exª.

O SR. JOAQUIM BEATO - Agradeço a V. Exª o aparte enriquecedor. Com respeito à Profª Ana Bernardes, gostaria de dizer que tive o privilégio e a responsabilidade de sucedê-la na Secretaria de Educação e Cultura do nosso Estado, e pude testemunhar o trabalho notável que ela realizou pela educação no período em que esteve à frente daquela Secretaria.

Quanto a V. Exª, só podemos compará-lo a um pioneiro, a um profeta. Tenho a certeza de que, se os seus contemporâneos não sabem medir a sua dimensão, a história há de lhe fazer justiça e a sua semeadura não vai ficar infrutífera, para o bem desta Nação e da educação brasileira.

Continuando, Sr. Presidente:

O próprio Presidente da República, em seu discurso de posse, proferido diante do Congresso Nacional, afirmou que seu mandato veio do voto livre da maioria dos brasileiros, independente da sua condição social. Veio também, em grande número, dos excluídos, dos brasileiros mais humildes que recebem pouco pelo muito que dão ao País. Fernando Henrique Cardoso afirmou que vai governar para todos e, se for preciso acabar com o privilégio de poucos para fazer justiça à imensa maioria doa brasileiros, estará ao lado da maioria.

Para o novo Presidente da República, a escola precisa voltar a ser o centro do processo de ensino, principalmente no ensino básico. Basta de conviver com o analfabetismo e o semi-analfabetismo em massa, com nossas crianças passando pela escola sem absorver o mínimo indispensável de conhecimento para viver no ritmo da modernidade.

Reiterando as prioridades do Presidente da República, o Ministro da Educação e do Desporto, Paulo Renato Souza, ao assumir a condução dos destinos da educação brasileira, considerou dos mais insatisfatórios os resultados que a sociedade brasileira obtém da ação educacional. Considerou também uma injustiça o fato de as camadas mais pobres da sociedade pagarem proporcionalmente mais impostos do que os ricos, arcando com o peso maior do financiamento da educação, sem terem como retorno o usufruto de serviços de alto nível.

Segundo o Ministro Paulo Renato, "nosso sistema educacional contribui para consolidar e reproduzir uma estrutura social extremamente injusta, produzindo cidadãos de primeira e de segunda classe. Os mais pobres, no Brasil, pagam muito por algo que não obtêm: uma educação de qualidade". O Ministro considera prioridades a melhoria da qualidade do Ensino Fundamental e a reforma do segundo grau, a valorização dos professores e de sua formação, a valorização da sala de aula e o cuidado maior com os currículos escolares.

Esses propósitos enchem de alento aqueles que consideram inadmissíveis as atuais aplicações de recursos nos diferentes níveis de ensino. Em nenhum deles os investimentos são satisfatórios. Não é mais possível permitir-se que o ensino público perca qualidade, favorecendo a proliferação de escolas particulares em todo o País. Se houver um ensino público gratuito e de qualidade, muitos dos cerca de 4 milhões e 900 mil alunos que atualmente freqüentam as instituições pagas, nos diferentes níveis de ensino, passarão a encarar a escola particular como uma possibilidade, como um bem de consumo que se procura por opção, e não como uma necessidade imposta pela falência da educação pública.

É necessário que haja uma verdadeira democratização do ensino para que todas as camadas da população brasileira possam ter acesso ao direito que a Constituição lhes assegura: ter uma educação pública, gratuita e de qualidade. Cabe ao Estado cumprir o seu dever. Só assim as camadas mais pobres da população poderão ter uma esperança de ascensão social e da melhoria de sua qualidade de vida.

Tendo em vista a escassez de investimentos em educação, é necessário haver uma aplicação mais eficiente dos recursos em todos os níveis. O Brasil investe nas instituições federais de ensino superior, que atendem apenas a cerca de 300 mil alunos, a mesma quantia que gasta com o custo direto de financiamento de toda a educação dos 22 milhões de alunos das escolas públicas do primeiro grau, em todo o País. Devem se ampliar os recursos para a merenda escolar e para o transporte gratuito desses alunos nas regiões mais carentes, além do fornecimento gratuito do material escolar de que necessitam.

O quadro atual do ensino de segundo grau também é preocupante. As estatísticas revelam que estamos em situação pior do que a de muitos outros países da América Latina. Os recursos são escassos e insuficientes. As raras ilhas de exceção públicas nesse grau de ensino são as dezenove Escolas Técnicas Federais e os quatro Centros Federais de Educação Tecnológica, que, por serem de excelente qualidade e em pequeno número, são obrigados a selecionar rigidamente os candidatos, impedindo, conseqüentemente, o acesso aos alunos mais carentes, menos preparados.

Felizmente, consta das prioridades do novo Governo a melhoria da qualidade do Ensino Fundamental e a reforma do segundo grau, para adequá-lo aos tempos da revolução científica e tecnológica que atravessamos. Hoje, um trabalhador precisa ser bem alfabetizado, mas precisa também saber utilizar o raciocínio lógico, para ter um perfil adequado ao atual mercado de trabalho nacional, que se sofistica a cada dia mais.

Quanto ao ensino superior público, sua qualidade é reconhecida, apesar de os investimentos também serem insuficientes para o ensino, a pesquisa e a extensão. É preciso, porém, que se reflita seriamente sobre a clientela por ele atendida gratuitamente. Há, sem dúvida, uma inversão no padrão do atendimento aos que demandam o ensino de Terceiro Grau no Brasil. Os alunos que, por necessidade, trabalham durante o dia, os que têm menor poder aquisitivo, pagam universidades particulares, para poderem fazer um curso superior. Os alunos que não trabalham, por pertenceram às camadas mais privilegiadas da sociedade brasileira, estudam gratuitamente nas universidades públicas federais ou estaduais.

Parece não haver uma grande preocupação em ministrar-se um ensino público de qualidade e gratuito para todos. Houve uma verdadeira inversão dos números de universidades no País, nos últimos trinta anos. Quando os militares assumiram o poder, 65% dos cursos de ensino superior pertenciam ao setor público e 35% ao setor privado. Quando o ciclo dos governos militares chegou ao fim, o quadro passou a ser o inverso: 65% do ensino superior era privado e apenas 35% era público.

Essa situação precisa mudar. Não é justo que os mais pobres ainda tenham que pagar os estudos para conseguir obter um diploma universitário. Novas alternativas têm que surgir e as atuais, como os cursos noturnos nas universidades públicas, ou o crédito educativo, têm de ser expandidas. Tem de haver um programa mais ousado, uma ampliação do crédito colocado à disposição dos alunos mais carentes e uma maior flexibilidade nos critérios para a concessão desse crédito, em que a finalidade social deve sobrepor-se à simples questão da segurança financeira do investimento.

O quadro atual evidencia a existência de uma preservação das desigualdades existentes entre as diferentes classes sociais do País. Parece ser do interesse do sistema manter uma grande maioria de pessoas de baixa qualificação profissional, a fim de continuar tendo uma mão-de-obra barata; um número menor de pessoas de nível técnico; e uma pequena minoria que tenha acesso ao terceiro grau, para constituir-se na reduzida elite, econômica, política e socialmente dominante.

Educação é investimento da Nação em seu próprio futuro e não um mero bem de consumo do interesse particular do indivíduo que a demanda. O Brasil precisa investir em educação e priorizar a formação, ampliação e renovação dos seus quadros, se não quiser ficar para trás. No mundo de hoje, não é mais prioritário estimular a competitividade agressiva, a liderança e o individualismo dos elementos mais qualificados, preparando os menos dotados para funções subalternas. A demanda das indústrias tecnológicas de ponta puseram fim à necessidade de haver um chefe que pensa e pessoas que executam. A nova tendência - ora colocada em prática nos Estados Unidos da América, após ter tido êxito na Alemanha e no Japão - é a da equivalência entre os membros de uma mesma equipe. Todos precisam ser bem preparados para exercerem as funções com idêntica capacidade. Isso exige uma mudança radical em nossas práticas pedagógicas e nos valores que procuram transmitir. O que aí está dito é uma versão contemporânea do que, há séculos, nos acostumamos a chamar de solidariedade, valor que, no seu discurso de posse, o Presidente Fernando Henrique Cardoso considera fundamental e nos concita a fazer dele "o fermento da nossa cidadania em busca da igualdade".

Essa visão pressupõe, entre outras coisas, a universalização do conhecimento para enfrentar o desafio da modernidade. Ela sinaliza claramente as mudanças que o nosso País terá de implementar na área da educação se quiser entrar no terceiro milênio em condições de ombrear-se com as grandes potências, como uma nação de iguais, enriquecida pela contribuição valiosa de todos os seus cidadãos.

O momento é este. A educação é uma opção de agora. O Brasil já perdeu tempo demais por não considerá-la prioridade zero.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, ao concluir o meu pronunciamento, gostaria de dizer que tenho muita esperança no novo Governo. Tenho muita esperança de que o Presidente Fernando Henrique Cardoso determinará que sejam feitas mudanças profundas e significativas na área da educação. Sua chegada ao poder significa que, finalmente, o Estado brasileiro poderá contar com um gerenciamento moderno, respaldado em um programa de governo voltado para as grandes transformações sociais que a sociedade brasileira tanto reclama. Tenho a certeza de que a educação será prioridade nas ações e nos investimentos do atual Governo, permitindo a eliminação das deficiências, das injustiças e das mazelas do nosso sistema educacional. Nosso País, estou seguro, se tornará assim mais capaz de romper as amarras que impedem de figurar entre as nações que alcançaram pleno desenvolvimento econômico com justiça social.

Muito obrigado.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 18/01/1995 - Página 784