Discurso no Senado Federal

SOLIDARIEDADE A POPULAÇÃO DO JAPÃO PELA TRAGEDIA DECORRENTE DE TERREMOTO. A POSIÇÃO DO PT NA QUESTÃO DO SALARIO MINIMO. CONSIDERAÇÕES SOBRE A APROVAÇÃO DOS PROJETOS QUE DISPÕEM SOBRE OS REAJUSTES DOS VENCIMENTOS DOS PARLAMENTARES, DO PRESIDENTE E VICE-PRESIDENTE DA REPUBLICA. PROGRAMA DE GARANTIA DE RENDA MINIMA.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SALARIAL. POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • SOLIDARIEDADE A POPULAÇÃO DO JAPÃO PELA TRAGEDIA DECORRENTE DE TERREMOTO. A POSIÇÃO DO PT NA QUESTÃO DO SALARIO MINIMO. CONSIDERAÇÕES SOBRE A APROVAÇÃO DOS PROJETOS QUE DISPÕEM SOBRE OS REAJUSTES DOS VENCIMENTOS DOS PARLAMENTARES, DO PRESIDENTE E VICE-PRESIDENTE DA REPUBLICA. PROGRAMA DE GARANTIA DE RENDA MINIMA.
Aparteantes
Cid Sabóia de Carvalho.
Publicação
Publicação no DCN2 de 19/01/1995 - Página 844
Assunto
Outros > POLITICA SALARIAL. POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • SOLIDARIEDADE, POPULAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, JAPÃO, VITIMA, ABALO SISMICO.
  • COMENTARIO, POSIÇÃO, PARTIDO POLITICO, APROVAÇÃO, AUMENTO, SALARIO MINIMO.
  • QUESTIONAMENTO, CONTRADIÇÃO, EXECUTIVO, CONCESSÃO, AUMENTO, REMUNERAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, VICE-PRESIDENTE, MINISTRO DE ESTADO, DEPUTADOS, SENADOR, VETO (VET), MELHORIA, SALARIO MINIMO.
  • DEFESA, ALTERNATIVA, MELHORIA, SALARIO, TRABALHADOR, IMPLANTAÇÃO, PROGRAMA, GARANTIA, RENDA, POPULAÇÃO CARENTE.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, DELFIM NETTO, EX MINISTRO DE ESTADO, DEPUTADO FEDERAL, ANALISE, VIABILIDADE, PROGRAMA, GARANTIA, RENDA MINIMA, POPULAÇÃO CARENTE.

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em primeiro lugar, gostaria de prestar a minha solidariedade à população do Japão, que foi vítima, no dia de ontem, do mais grave terremoto ocorrido naquele país desde 1923. Há notícias de que esse abalo resultou em mais de 1.700 mortos e mais de 1.000 pessoas estão desaparecidas.

Existem hoje no Japão nada menos do que 150 mil brasileiros, o que traz grande preocupação à comunidade japonesa e nissei no Brasil. Somente na cidade de São Paulo há 800 mil japoneses e seus descendentes, que estão muito preocupados, querendo saber notícias de seus familiares. Há indicação de que três brasileiros faleceram em virtude do terremoto no Japão, onde a cidade de Kobe foi a mais atingida, tendo ocorrido também tremores na capital, Tóquio. É importante que as autoridades do Governo brasileiro, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, o Ministro Luiz Felipe Lampreia, do Itamaraty, e os órgãos competentes prestem, neste momento, a solidariedade e a ajuda necessárias.

O Japão é um país muito mais rico do que o Brasil, tendo uma renda per capita muito maior, dispõe de condições de enfrentar situações as mais difíceis. Mesmo sendo um país de renda per capita menor, neste momento, é importante que o Brasil procure a maneira de prestar a devida solidariedade à comunidade de uma nação amiga - o Japão - diante dessa tragédia.

Até hoje não foi possível aos cientistas, aos sismólogos preverem com exatidão a ocorrência desses abalos. Por mais que as nações desenvolvidas tenham se empenhado na construção de edificações, estradas, pontes resistentes aos tremores de terra, ainda assim, como aconteceu no Japão, os tremores são mais fortes do que todos esses preparativos.

Quando do último trágico terremoto de Los Angeles, observou-se que o número de mortos decorrente daquele forte abalo foi bem menor do que o de igual intensidade e proporção da Índia. Isso se deu porque em Los Angeles as construções, as edificações, as estradas são melhor estruturadas em conseqüência dos abalos recorrentes na Califórnia desde o início do século, como o de São Francisco e mesmo o de Los Angeles. Aquele país se preparou melhor e o número de vítimas tem sido menor.

Em momentos de tragédia, mesmo um país desenvolvido como o Japão acaba sofrendo conseqüências drásticas para a população. Daí a importância de o Brasil se solidarizar e buscar a maneira de ajudar aquela população.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, outro assunto que me traz à tribuna é que de hoje para amanhã caberá ao Senado Federal analisar a tão importante decisão ontem tomada pela Câmara dos Deputados, relativamente às remunerações do Presidente, do Vice-Presidente, dos Ministros, dos Deputados e dos Senadores.

Considero, Sr. Presidente, que essa aprovação, na verdade, representa um tiro no Plano Real. É muito difícil para os trabalhadores em geral aceitarem apelos no sentido de moderação, de que há necessidade de austeridade, quando aqueles que têm a a prerrogativa de definir a sua própria remuneração resolvem conceder um aumento ao Presidente da República da ordem de 143,6%, aos Ministros, de 155,7%, aos Deputados e Senadores, de 95,7%, sem considerar os acréscimos de ajudas de custo e a instituição de um 13º.

Aqueles que recebem salário mínimo no País estão a se perguntar que tratamento dará o Congresso Nacional à definição do salário mínimo.

O Partido dos Trabalhadores empenhou-se para que se priorizasse o exame do projeto sobre o salário mínimo. Contudo, não conseguiu.

Estou consciente da importância de se prover uma remuneração adequada àqueles que exercem função de grande responsabilidade, como a função de Presidente, de Ministro, de Deputado e Senador, afinal, nós estamos continuamente tomando decisões de grande envergadura, de grande importância do ponto de vista da administração dos recursos do povo. Mas no momento em que se faz tantos apelos à austeridade, a corte de gastos, quando se diz que não há recursos para aumentar a remuneração dos aposentados, quando se coloca que até mesmo o aumento do salário mínimo só pode ser na forma de abono de 70 para 85 reais, para não incindir sobre aquilo que é pago aos previdenciários de todo o País, porque não há recursos suficientes, como é que o Congresso Nacional toma essa decisão, que, inclusive, repercutirá nos Estados e Municípios da Federação, uma vez que a remuneração de Deputados Estaduais, Vereadores, por resolução, emenda proposta pelo Senador Nelson Carneiro e aprovada pelo Congresso Nacional, que, de alguma forma, limita as remunerações de Deputados Estaduais e Vereadores a uma proporção dos vencimentos de Senadores e Deputados Federais.

Portanto, inevitavelmente, esse acréscimo de remuneração repercute nos orçamentos dos governos estaduais e municipais. O próprio Presidente da República, ontem em entrevista, comentou a repercussão, demostrando sua preocupação. Mas, é preciso salientar que Sua Excelência foi partícipe da decisão que resultou de um diálogo do Congresso Nacional com o Executivo.

Agora, precisamos colocar nos devidos termos. Estamos no dia 18 de janeiro. Quando da sua posse em 1º de janeiro, o Presidente Fernando Henrique Cardoso veio à tribuna do Congresso Nacional e, perante Deputados e Senadores, disse que uma das suas principais prioridades seria o combate à fome e à miséria.

Até hoje, que decisões houve na direção do combate à fome e à miséria? A medida efetiva de grande repercussão até o presente momento é esse aumento da remuneração do Presidente, dos Ministros, de Deputados e Senadores, nessa proporção que representa um contraste em relação à remuneração do conjunto dos trabalhadores no País. Para ela, não se disse que haveria necessidade de austeridade, o que se salientou foi a necessidade de essas pessoas serem convenientemente remuneradas.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, alguns argumentam que pessoas que estão exercendo função política no Parlamento precisam ser bem remuneradas para não ficarem sujeitas às pressões, às tentações da corrupção. É preciso realmente uma remuneração adequada, para que aqueles que não têm posses, que não têm outros rendimentos, senão aquele decorrente da sua atividade parlamentar, possam se dedicar ao exercício da política com toda a responsabilidade e dedicação. Tudo na devida proporção.

Na Câmara dos Deputados, neste instante, os Parlamentares do Partido dos Trabalhadores e de outros partidos estão tentando convencer os demais partidos a votarem um salário mínimo mais adequado, talvez de 100 reais. O Governo, até agora, tem-se feito de mouco. Diz que não há possibilidade de o salário mínimo passar para 100 reais.

Será que não há alternativas? Há, sim.

O Governo, em 30 de novembro último, por portaria do Ministro da Fazenda, do Planejamento, da Previdência Social, do Trabalho e do Bem-Estar Social, determinou que fosse constituído um grupo de trabalho para estudar a viabilidade do Programa de Garantia de Renda Mínima. Se esse programa já estivesse vigorando, um trabalhador que estivesse ganhando o salário mínimo teria direito a mais 30% da diferença entre o patamar, por exemplo, de 200,00 reais e o seu nível de renda, o que elevaria a sua remuneração para mais de 100,00 reais. Seria um progresso no sentido de aumentar o salário do trabalhador. Esse grupo governamental, anteriormente sob a coordenação de Winston Fritisch, e agora de José Roberto Mendonça de Barros, respectivamente, ex e atual Secretário de Política Econômica, está concluindo seus estudos. Estou interagindo com os integrantes desse grupo e acredito que esse trabalho poderia ser dinamizado e viabilizado o quanto antes, para que essa matéria, que gradativamente vem alcançando respaldo em meio à opinião pública, tenha uma definição. A discussão em torno do assunto tem sido muito bem-vinda na imprensa, na literatura econômica, e a cada dia mais os economistas deste País estão sendo levados a pensar sobre o Programa de Garantia de Renda Mínima.

Ressalto que para enfrentar a grave crise econômica ocorrida no México, principalmente do ponto de vista social, o Presidente Ernesto Zedillo resolveu instituir um moderado imposto de renda negativo, já passando portanto à nossa frente. A Guiana, há seis anos, instituiu a renda mínima de inserção decorrente da Lei de Renda Mínima de Inserção vigente desde 1988 na França. Na Espanha, desde 1990, instituiu-se também a renda mínima de inserção. Acabo de receber o projeto de lei vigente na Catalunha, porque, na Espanha, cada região tem a sua própria lei de renda mínima.

Hoje, no jornal Folha de S.Paulo, o ex-Ministro da Fazenda, ex-Ministro do Planejamento e hoje Deputado Federal, Delfim Netto, dedica a sua coluna ao tema da renda mínima, como já o fizera na semana passada. Diz Delfim Netto:

      No Brasil os espíritos são extremamente sensíveis. Qualquer observação não laudatória é encarada como "falta de cooperação", como escondendo "inconfessáveis interesses" ou "pura ignorância" (a classificação, obviamente não é completa).

      Em lugar de procurar encontrar a pequena verdade que eventualmente possa estar oculta na crítica, para entendê-la ou negá-la, confunde-se a crítica com o crítico. À afirmação de que dois mais dois não seja 5, responde-se "você é vesgo"!

      Outro dia, um ilustre "nouveau economiste" especializado em economia industrial fazia uma brilhante exposição confundindo "custo médio" com "média de custos". Bastou uma simples observação para que a resposta fosse rápida (e lógica!): "Eu estive exilado e você serviu ao regime militar". Cáspite!

      Na semana passada publicamos nesta mesma coluna que o programa de renda mínima (na verdade uma variante do Imposto de Renda Negativo) era a expressão máxima do individualismo e era divertido vê-lo defendido por ex-tomistas arrependidos, metamorfoseados em social-democratas e muito mais ainda por ex-quase-marxistas. Isso bastou para que uma resposta telefônica fosse: "Reacionário".

Neste ponto o Deputado Delfin Netto reage àquele que comenta uma questão econômica técnica com uma observação adjetiva, ao invés de tratar do assunto objetivamente sobre o que é o custo médio ou a média de custo. O economista respondeu a ele que "eu estive exilado e você serviu ao regime militar". Quase que o Prof. Delfim Netto acaba fazendo a mesma coisa, porque prefere tratar do tema da renda mínima dizendo que o tema é defendido "por ex-tomistas arrependidos, metamorfoseados em social-democratas e muito mais ainda por ex-quase-marxistas". Ora, será essa a forma adequada de tratar do assunto? Vou voltar a esse tema.

      O problema é interessante porque: 1) essa não é uma crítica ao programa ainda que tenhamos várias dúvidas sobre ele e 2) porque a classificação "individualismo" (individualismo metodológico) não pode tisnar uma idéia a ponto de torná-la um pecado.

Aqui a observação é correta, mas vamos aprofundar a análise.

Diz ainda Delfim Netto:

      Não é preciso muita acuidade para entender que os possíveis benefícios de um programa de renda mínima decorrem da proposição de que ele deve aumentar o nível de bem-estar dos indivíduos.

      Uma doação em dinheiro permite-lhes escolher melhor (mais de acordo com a sua função-utilidade) do que uma doação equivalente em espécie. Mas essa afirmação decorre da mais completa aceitação do individualismo metodológico!

      O problema é que ela é demonstrada para um indivíduo e logo, magicamente, contrabandeada (sem nenhuma prova adicional) para a família, como se a função-utilidade do seu chefe coincidisse, necessariamente, com a dos seus membros.

      O programa de renda mínima transforma o chefe de família no "agente principal" da sociedade para atingir os seus fins: transferir recursos de forma eficiente para atender às suas necessidades básicas.

      É exatamente por isso que aparece o "risco moral": o agente principal pode tentar satisfazer as suas próprias necessidades (cigarro, bebida) e não as de seus dependentes (leite, habitação). Não é possível (a não ser com hipóteses muito restritivas) demonstrar para a família, cujos membros têm diferentes funções-utilidade, que a proposição clássica que deu suporte ao programa seja verdadeira.

      Em algum momento do processo civilizatório, as críticas hão de limitar-se aos argumentos e deixar de ser hipócritas homilias pseudomoralizadoras, que revelam mais a arrogância e pretensão dos críticos do que seus conhecimentos.

E reacionário, mesmo, era o velho Aristóteles!

Ora, Delfim Netto, nesse artigo, está tentando, provavelmente, dialogar indiretamente com o autor do projeto que institui o Programa de Garantia de Renda Mínima que, no ano passado, teve a oportunidade de com ele dialogar bastante, ocasião em que inclusive mencionei a ele que a filósofa Marilena Chauí havia me chamado a atenção quando disse que o Programa de Garantia de Renda Mínima era consistente com proposição de Karl Marx segundo a qual quando a sociedade estiver mais amadurecida as pessoas irão se portar de maneira a inscreverem no seu lema, cada um de acordo com a sua capacidade e sua necessidade, definindo-se aqui democraticamente o que seria necessidade básica por decisão do Congresso Nacional. Na ocasião comentei com S. Exª que a Srª Marilena Chauí afirmou ser esta observação decorrente do que pensa Aristóteles, quando fala do objetivo da política que é o alcance do bem-estar, e para a realização da justiça política se faz necessário antes a justiça distributiva. S. Exª comentou comigo que Aristóteles teria também outras proposições que não fossem tão progressistas, e que eu tomasse cuidado com Aristóteles. Talvez seja esse o sentido da sua observação. Na verdade, S. Exª quer identificar-se - chamado que foi de reacionário - com a grandeza do filósofo Aristóteles, que teve tanta importância em termos de contribuição à História e à base da Filosofia.

Essa mesma preocupação de Karl Marx guarda relação com outra observação tão significativa e cristã de São Paulo, na segunda Epístola aos Coríntios, quando diz que: "para que haja igualdade, para que haja justiça todo aquele que teve uma safra tão abundante não tenha demais e todo aquele que teve uma safra pequena não tenha de menos".

O Sr. Cid Saboia de Carvalho - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Com muita honra, Senador Cid Saboia de Carvalho.

O Sr. Cid Saboia de Carvalho - Estou ouvindo o discurso de V. Exª que variou, inclusive, sobre diversos temas; temas práticos, pragmáticos realmente. Mas de repente V. Exª transforma seu discurso numa peça intelectualmente fascinante, quando faz um passeio filosófico para justificar um grande projeto de autoria de V. Exª, ao qual votei favoravelmente na Comissão de Assuntos Econômicos e aqui no plenário. Quero dizer a V. Exª que o seu projeto, pela natureza social, excede uma questão meramente doutrinária como está parecendo que ocorre nesse exato momento no Brasil. Não há necessidade de justificar com epístolas de Paulo - uma das figuras mais valorosas do cristianismo, forte na perseguição a Santo Estevão, mas muito mais forte na sua conversão e na propagação das idéias de Cristo - não há essa necessidade e muito menos a necessidade fundamental do marxismo, porque já não haveria essa preocupação nesta hora. Na verdade, o projeto de V. Exª tem um aspecto que é maior que o Direito e maior que a Filosofia, se me permite o atrevimento desta afirmação. O projeto de V. Exª cuida de justiça social, que é maior que o Poder Judiciário. A maior das justiças não é aquela que é produzida por um órgão, pelo intérprete da lei, que é o Poder Judiciário. Não. A maior justiça é aquela que o homem faz aos seus semelhantes; é a troca de apoio, é a troca de influência, os sustentáculos que a sociedade tem no seu bojo, dentro da solidariedade humana, dentro da solidariedade que há e deve sempre haver entre os diversos grupos sociais, e não isoladamente dentro de um grupo social, para não parecer corporativismo; isto é, aquele apoio mútuo que não é corporativismo exatamente porque é genérico, é social, não vem em contraposição a qualquer grupo, é uma idéia genericamente sadia. Então a renda mínima é, sem dúvida, o momento culminante do raciocínio político no Brasil. Essa é a verdade. O País sem educação - estou olhando aqui para o Senador João Calmon - e que não tem educação porque não se tem uma renda mínima; a educação tem que caber dentro da renda mínima, aquilo que se deva ter necessariamente, a educação. Então isso estará na renda mínima; os diversos itens que foram estudados por V. Exª, estudados por companheiros seus aqui no Senado e na Câmara dos Deputados. É a questão da justiça social. Isso é muito mais importante hoje do que qualquer vinculação filosófica. O que procurarmos vamos encontrar, de certo modo, na Filosofia grega. Platão já dizia que tudo que pensarmos já foi pensado, já houve, já foi imaginado, quando muito, no mistério de sua filosofia; quando menos, já existe no mundo das idéias. É fascinante o mundo filosófico, mas o projeto de V. Exª é um projeto social, de gente. É um projeto que toca as pessoas dentro do pragmatismo da vida diária, do instante. É o cotidiano, é a vida que se movimenta, que acontece, que se registra. É aquela necessidade de correção, para evitar uma doença, uma patologia social que é o egoísmo das classes. Sabe V. Exª que o marxismo, citado por V. Exª, provocou muito o conflito das classes sociais. Esse conflito que se dá às vezes até inconscientemente, até pelo desnivelamento econômico, leva grupos sociais a se conflitarem; ou as classes entre si, ou os grupos isoladamente - eu até chamaria de estamentos. Os estamentos isoladamente se entrechocam num momento de inconsciência, mas por um princípio científico que está na própria Sociologia, que Auguste Comte tentou sistematizar. Quiçá não tenha conseguido; talvez a Sociologia hoje não tenha alcançado ainda a sua metodologia ideal, a sua consumação científica, o estudo dos fatos sociais do modo mais adequado, para que seja, realmente, uma ciência abstrata como as outras, como desejou Auguste Comte. Ela só tem valido mesmo no momento em que é concreta, sai do campo da Sociologia propriamente dita para um campo de aplicação dessas normas científicas, já dentro de princípios da ciência, sob aspectos concretos como o Direito, a Estatística, a Política e outras ciências concretas que V. Exª conhece tão bem. Mas estou falando de tudo isso só para apoiá-lo, porque o seu projeto é genial, é algo que tem merecido o nosso apoio, não apenas o apoio doutrinário, mas também o apoio emocional, o apoio da solidariedade humana. E quero finalizar o meu aparte - talvez tão complicado - dizendo que o projeto de V. Exª é concreto, não é abstrato. É isso que quero dizer. E essas citações que V. Exª está estudando levam o seu projeto para certas abstrações científicas. Acho que V. Exª está me entendendo perfeitamente: estou falando cientificamente. Vai para as abstrações, as abstrações da lógica, as abstrações de todas as ciências que foram sistematizadas por Auguste Comte que estão contidas no Discurso dos Métodos, de Descartes. Este é um lado, e o de V. Exª é outro, é o lado concreto, de aplicação imediata, é a justiça social, é a necessidade que temos da dignidade na família. Veja V. Exª, que a família da qual fala não é aquela juridicamente constituída, mas a família sociologicamente existente. É o grupo social chamado família, não propriamente naquele conceito cristão, por uma família formada por um casamento católico; jurídico, porque formada por um casamento à luz do Direito Civil. Não. Mas a família formada sob acontecimentos sociais que levaram pessoas a se agruparem sob o mesmo teto, sem aquela preocupação da distância de parentesco - se é legítimo ou não -, mas pessoas que se agrupam e que têm que vestir, que têm que se alimentar, precisam da educação e de muitas outras necessidades. V Exª não deve se preocupar com o lado filosófico de seu projeto. Antes de mais nada, seu projeto é cristão. V. Exª está preocupado com a fixação marxista dentro do Materialismo Histórico, quando o seu procedimento, na verdade, é altamente cristão, esta é que é a verdade, dispensando uma natureza jurídico-filosófica, ideológica, para ficar em uma natureza meramente concreta dentro da realidade social. Parabenizo V. Exª por essa luta. Admiro muito V. Exª. Nem sempre concordo com suas posições, mas, V. Exª é um homem notável, aqui, nesta Casa exatamente por sua dedicação. E os homens têm valor a partir que têm essa persistência heróica, persistência formidável que V. Exª exibe aqui em todos os momentos. O mínimo que V. Exª é uma pessoa criteriosa, escrupulosa, isso é o mínimo. A partir daí se ergue todo o edifício moral que recomenda sua figura ao Senado Federal e à vida política nacional. Quero dizer que enquanto eu estiver aqui, estarei apoiando o projeto de V. Exª, não estou nem interessado nessa disputa doutrinária, localização doutrinária, se isso é um socialismo histórico, se é socialdemocracia, se é materialismo histórico, se isso vem da filosofia grega, se já foi previsto no hermetismo de Friedrich Hegel, ou o que for, ou se está passando pela filosofia da teoria alemã, que foi muito pródiga neste início de século da identificação de determinados fenômenos do relacionamento humano, isto não me interessa. O que me interessa é que para o Brasil, neste momento, concretamente o projeto de V. Exª é de uma natureza sociológica e política irretocável. Parabenizo V. Exª, por estar propiciando ao Senado, uma localização intelectual, doutrinária, tão bela que nos motiva para esse aparte, que tenho a impressão de que saiu muito confuso, mas, espero que V. Exª tenha recebido a minha mensagem de apoio com a clareza que ela se dispõe a ter neste momento.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Agradeço e muito , Senador Cid Saboia de Carvalho, especialmente porque V. Exª trouxe elementos que são de fundamental importância para a compreensão do Programa de Garantia de Renda Mínima e que não estão ressaltados na análise do Deputado Delfim Netto. É importante pela sua atuação na história econômica brasileira, especialmente nos anos 60, 70 e 80, primeiro como economista e analista, depois como um dos principais elaboradores e executores da política econômica. A toda hora o ex-Ministro Delfim Netto constitui-se como um farol, como quem está sinalizando caminhos, dizendo que poderão ocorrer armadilhas. Ainda nos últimos meses, o Deputado Delfim Netto tem ressaltado a problemática da política cambial, dizendo de como é preciso o Governo estar alerta para fenômenos tais como os que ocorreram no México. Sem dúvida, a sua opinião hoje tem muito peso. O Deputado Delfim Netto ressaltou em seu artigo da semana passada, e volta ao tema, dizendo que o Programa de Garantia de Renda Mínima seria a quintessência do individualismo. E, hoje, aqui ressalta também esta questão, mas sem levar em conta os elementos que V. Exª traz ao debate, qual seja o Programa de Garantia de Renda Mínima tem o seu fundamento em aspirações de solidariedade, de realização de justiça que são aspirações da humanidade. O fato de se prover, como um direito à cidadania, recursos na forma monetária, para que a pessoa decida o que melhor fazer com aqueles recursos, claro, envolve a possibilidade de a pessoa simplesmente escolher. Nada mais limita tão fortemente a liberdade do ser humano quanto a falta de dinheiro. Esta é uma frase de John Kenneth Galbraith, em recente palestra, realizada na 10ª Conferência Anual do Journal of Low and society perante o John Royal and Society.

Não estou aqui querendo me contrapor ao argumento do Deputado Delfim Netto de que o Programa de Garantia de Renda Mínima não proveria exatamente ao indivíduo a sua possibilidade de escolha a mais ampla possível. Sim, tem essa característica. Mas, se de um lado preserva tanto a possibilidade de escolha do indivíduo, do cidadão, por outro lado, a decisão de se instituir o Programa de Garantia de Renda Mínima resultará da determinação da sociedade brasileira de se considerar a importância da realização de maior justiça, de se ter solidariedade para com o povo, aquele mais sofrido, e de se prover a cada um instrumento mais eficaz para que ele saia da sua condição de miséria e de pobreza absoluta.

O Governo Fernando Henrique Cardoso está lançando o Programa Comunidade Solidária também para atacar a fome e a miséria. Entretanto, nesse programa até o presente existe mais como que a coordenação de ações já vigentes no âmbito dos diversos Ministérios, seja o item, em termos de volume, ali, é o Programa de Seguro Desemprego com mais de 2 bilhões e 300 milhões de reais, esse é um progama já existente, é um programa que existe como um direito à cidadania das pessoas.

Há programas de distribuição de alimentos da COBAL e outros, por critérios de solidariedade e tudo, mas a instituição do Programa de Garantia de Renda Mínima levaria para qualquer cidadão brasileiro, ali, onde ele estivesse o direito a receber um mínimo de renda.

O próprio Deputado Delfim Netto quando do diálogo comigo, a respeito, disse-me: Olha, Eduardo, não há como ser contra o seu projeto, porque ele constitui uma velha aspiração dos economistas; na verdade, não só dos economistas liberais como também dos economistas que se preocuparam antes, como por exemplo, Friedrich August Von Hayek, em 1.944 escrevia "O Caminho da Servidão", antes de Georges Sigler escrever sobre o imposto de renda negativo em 1.946, antes de Milton Friedman escrever sobre o Imposto de Renda Negativo, em 1962, em Capitalismo e Liberdade. Antes disto, no início deste século, pensadores e economistas, como Bertrand Russel, Denis Millner, como John Robinson, Abba Lerner, Oskar Lange, James Edward Meade, Prêmio Nobel de Economia, em 1977, e tantos outros desenvolveram a idéia. Inclusive a Srª Juliet Ryes Williams, a mim apresentada em texto pelo próprio Deputado Delfim Netto, vindo, depois, a conhecê-la melhor. A contribuição desta senhora inglesa, de 1942, que pertencia ao Partido Trabalhista, propõe que haja um crédito fiscal, um dividendo social, uma renda mínima simplesmente a todas as pessoas. Do mesmo modo James Edward Meade propõe um dividendo social, uma renda mínima igual para todos os cidadão, não importando a idade.

Quanto à questão de quem receberá essa renda mínima se o chefe de família ou se a pessoa adulta - no caso do projeto aprovado no Senado é a pessoa adulta, de 25 anos ou mais, cuja renda não atinja o patamar definido pelo Congresso, homem ou mulher. Caso queiramos fazer essa transformação para o chefe de família, poder-se-ia; avalio ser adequado para se dar maior autonomia ao homem e à mulher e também direitos iguais. E se se quiser vincular à educação, pode-se exigir, através de um artigo adicional, que aquela pessoa, para ter direito à renda mínima, deverá demonstrar que seus filhos estejam indo à escola.

Gostaria de dar as boas vindas ao fato de o Deputado Antônio Delfim Netto estar se preocupando com essa questão, dando a sua contribuição para o debate a esse respeito.

Gostaria que na Câmara dos Deputados, inclusive hoje quando está o Congresso definindo a remuneração do Presidente da República, do Vice-Presidente e dos Ministros, houvesse também a preocupação em garantir a todo o brasileiro cuja renda esteja abaixo do patamar de 200 reais ou mais, que para essa pessoa não falte o suficiente para a sua sobrevivência e de seus familiares.

O Sr. Cid Saboia de Carvalho - Permita-me V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Ouço V. Exª com muito prazer.

O Sr. Cid Saboia de Carvalho - Essa expressão "individualismo" nem sempre é pejorativa, porque temos, dentro do estudo do pensamento humano, estudos da inteligência do homem, muitas posições. O individualismo é uma posição existente, mas não tem aquele aspecto pejorativo. Sempre que distinguimos o indivíduo para daí chegar à cidadania será individualista. Mas a própria cidadania é individualista, porque examinamos cidadão a cidadão e não vamos esperar que os casos sejam resolvidos por clamores sempre das multidões. Geralmente, a cidadania é exercitada cidadão a cidadão. Cada cidadão cuida da sua problemática, dos seus direitos, dos direitos que lhe são conferidos constitucionalmente. Não sei se a expressão "individualismo", usada por esse inteligente homem público, que é Delfim Netto, um homem de uma cultura extraordinária e que respeitamos aqui no Congresso Nacional, não sei se essa expressão "individualista" está no sentido pejorativo ou no sentido cultural; no sentido, vamos dizer, clássico da palavra. Porque, se tiver, não há problema nenhum. Não revela isso uma crítica negativa. Ele está apenas tentando situar doutrinariamente um aspecto do projeto. Ora, só é dedutiva a Matemática. Tudo o mais na vida é indutivo, porque começa do particular para o geral. A grandeza é que vai sendo fracionada para chegarmos a particularidades. Mas, a indução, nesse caso aí, é indiscutível. Um método indutivo para chegarmos a uma concepção de cidadania será sempre a partir do cidadão, sempre a partir do indivíduo. Então, o individualismo aí é apenas a explicação de algo pela pessoa, a partir da pessoa. E não aquele individualismo doentio da pessoa que acha que é superior a todas as demais, aquele que acha que isoladamente faz melhor do que a equipe. Quando a gente diz assim:-Fulano é muito individualista. Não. Esse individualismo de que fala Delfim Netto, talvez seja o individualismo enciclopédico, o sentido enciclopédico do termo, o sentido clássico da expressão e não nenhum sentido pejorativo. Talvez, seja isso, nobre Senador Eduardo Suplicy. Eu não li o artigo do Deputado Delfim Netto, mas eu duvido que S. Exª ou qualquer pessoa com a sua ciência, com a sua competência, fique contra a idéia da justiça social a partir de uma renda mínima, a partir do momento em que a dignidade humana é preservada para uma renda conveniente às mínimas necessidade de um ser humano. Duvido que alguém seja contra isto. Aí é que está o problema. Desculpe-me ter interrompido V. Exª nesse final.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Agradeço e concordo com o aparte de V. Exª. Não vejo o artigo do Deputado Delfim Netto como uma crítica ao Programa de Garantia de Renda Mínima por ressaltar que ele garante ao indivíduo a sua liberdade de escolha, em virtude de receber recursos monetários para, assim, poder maximizar a chamada função utilidade do indivíduo, porque ele poderá escolher seja em adquirir alimentos os mais diversos: arroz, feijão, farinha, carne e peixe, ou se naquele mês for necessário ou mais conveniente a aquisição do material de construção para a reforma de sua casa, ou se ele preferir, naquele mês em que se está iniciando o ano escolar, adquirir material escolar para os filhos, ou comprar uma passagem, ou usar o recurso para assistir uma partida de futebol, ou até tomar uma cerveja, ou uma pinga, ou comprar um maço de cigarros. Aí a responsabilidade é dele como adulto e inclusive como chefe de família, para escolher, podendo-se, gradativamente, estender o direito à renda mínima a todas as pessoas de qualquer idade. Isso já existe em determinadas regiões do Planeta Terra. No Alasca, por exemplo, todos os seiscentos mil habitantes, de qualquer idade, receberam, em 1993, mil dólares como um direito à cidadania. Então, isto já é algo que existe exatamente na forma como proposta por James Edward Meade, na primeira vez em que ele escreveu, em 1935, e reiterado em seus livros no ano de 1989, e "Liberty, Equality and Efficiency", de 1993.

Acredito que, na verdade, as ponderações de Antônio Delfim Netto são favoráveis ao Programa de Garantia de Renda Mínima, levando-nos a pensar em como aperfeiçoá-la.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 19/01/1995 - Página 844