Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES A MATERIA PUBLICADA NO JORNAL FOLHA DE S.PAULO, EDIÇÃO DE 14 DE JANEIRO DE 1995, DO JORNALISTA JANIO DE FREITAS, QUE ABORDA A QUESTÃO DA ESTABILIDADE DO FUNCIONALISMO PUBLICO.

Autor
Cid Sabóia de Carvalho (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/CE)
Nome completo: Cid Sabóia de Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • CONSIDERAÇÕES A MATERIA PUBLICADA NO JORNAL FOLHA DE S.PAULO, EDIÇÃO DE 14 DE JANEIRO DE 1995, DO JORNALISTA JANIO DE FREITAS, QUE ABORDA A QUESTÃO DA ESTABILIDADE DO FUNCIONALISMO PUBLICO.
Aparteantes
Irapuan Costa Júnior.
Publicação
Publicação no DCN2 de 20/01/1995 - Página 924
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, JANIO DE FREITAS, JORNALISTA, DENUNCIA, SEMELHANÇA, INICIO, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ADMINISTRAÇÃO, FERNANDO COLLOR DE MELLO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, RELAÇÃO, PERSEGUIÇÃO, FUNCIONARIO PUBLICO.
  • CRITICA, DECLARAÇÃO, LUIS CARLOS BRESSER PEREIRA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA ADMINISTRAÇÃO FEDERAL E REFORMA DO ESTADO (MARE), DEFESA, EXTINÇÃO, ESTABILIDADE, ISONOMIA SALARIAL, FUNCIONARIO PUBLICO.

O SR. CID SABOIA DE CARVALHO (PMDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desde ontem eu pretendia fazer um registro aqui da tribuna do Senado a respeito de recente artigo publicado na imprensa brasileira, na Folha de S.Paulo, assinado pelo jornalista Jânio de Freitas, em que aborda essa questão da estabilidade do servidor público.

Nesse trabalho jornalístico, o conhecido homem de imprensa tece comentários que me parecem por demais adequados ao presente momento nacional, inclusive porque somos obrigados a dizer, Sr. Presidente, que está havendo, no início do atual Governo, uma grande semelhança com o início do Governo do Sr. Fernando Collor de Mello, no que se refere à destruição institucional e à perseguição que se faz ao servidor público.

São sobremaneira desastrosas as declarações do Sr. Bresser Pereira, como se não bastasse a biografia construída até o presente momento com aquela história de supermercado, de se oferecer para substituir Abílio Diniz em seqüestro e outras extravagâncias que mostram que o Sr. Bresser Pereira não anda com o juízo muito bem assentado. E as suas declarações respeitantes à estabilidade do servidor público, à isonomia, àquela história de demitir, tudo isso, na verdade, é um fatal modismo que mostra um comportamento desmiolado e que não fica bem para quem ocupa o alto cargo de Secretário de Administração.

É surpreendente que a Secretaria de Administração, que vinha tão bem no Governo de Itamar Franco, ingresse nesse momento na era do terror, como se o ministro - o titular dessa secretaria com status de Ministro - tivesse, evidentemente, o talento fantasioso de Alfred Hitchcock para traçar aquele filme de suspense, aquela história de terror que sempre recai sobre o funcionário público no Brasil.

Não entendo, Sr. Presidente, como possa o Governo existir desassociado do servidor público e não entendo como se poderia tirar o mérito do servidor público. Não entendo. O Estado não é um ser espiritual: é um ser jurídico e, como ente jurídico, evidentemente necessita da criatura humana para existir, para poder realizar as suas funções, as suas tarefas. O Estado não pode existir somente com computadores, máquinas de escrever e outros apetrechos elétricos, eletrônicos ou mecânicos; precisa, sem dúvida, da criatura humana. E a criatura humana é o servidor público; e esse servidor público, quando tem estabilidade, é para melhor servir a esse Estado, não servir a ele próprio: a estabilidade pertence sobremaneira ao Estado. Ai dos agentes instáveis! Ai de quem representa o Estado com instabilidade, porque isto é o sinal da corrupção, da fraqueza e das grandes pressões!

Imaginem uma república como a nossa, hoje plenamente influenciada pelo grande empresariado, imaginem essa república com fiscais, agentes do Estado e da Fazenda fiscalizando grandes empresários que não tenham estabilidade: significa uma próxima demissão.

O Sr. Irapuan Costa Júnior - V. Exª me permite um aparte, nobre Senador?

O SR. CID SABOIA DE CARVALHO - Pois não, ouço V. Exª.

O Sr. Irapuan Costa Júnior - Concordo inteiramente com V. Exª no que se refere ao respeito que devem ter os funcionários públicos deste País. Mas não concordo com V. Exª quando investe contra a informática.

O SR. CID SABOIA DE CARVALHO - Não invisto contra a informática.

O Sr. Irapuan Costa Júnior - Aliás, se não fosse a informática, V. Exª não poderia apreciar aqueles belos discos dos clássicos mais clássicos que há na sua discoteca. Aliás, aconselharia V. Exª a informatizar toda aquela enorme biblioteca, com obras raras, porque, se o fizesse, V. Exª compreenderia melhor que a informática é hoje parte integrante da vida de todos nós.

O SR. CID SABOIA DE CARVALHO - Não sou contra a informática; pelo contrário, reconheço a necessidade da informática, que é hoje toda uma base cultural do mundo inteiro. O que estou dizendo é que o Estado não existe sem a criatura humana; que a própria informática não prescinde do ser humano.

Quando ouvimos certas declarações hoje, como ouvíamos no início do Governo Collor, essas declarações são de desprezo ao ser humano, à pessoa humana, ao funcionário público, ao servidor público, como se a administração pudesse subsistir com computadores, máquinas de escrever, aparelhos elétricos e eletrônicos ou meios meramente mecânicos, sem a pessoa humana. É isso que estou falando, nobre Senador Irapuan Costa Júnior.

Não prescindo da informática, mesmo por ser um homem atualizado na evolução cultural, na evolução da expressão cultural do mundo. Não poderia prescindir, evidentemente, da informática mesmo para ouvir meus discos, porque hoje as gravações são digitais, portanto, com recursos da informática. Não prescindo nem critico de modo algum a existência da informática; seria uma estupidez. O que não quero é o esmagamento do homem pela informática, como no passado muitos urbanistas não queriam o esmagamento do homem pela máquina. A máquina de um modo geral; o circuito integrado não pode ser melhor do que o cérebro humano. Isso no sentido humanístico; evidentemente isso não pode acontecer.

Mas, pelas declarações colhidas da imprensa, declarações do Sr. Bresser Pereira, tem-se a impressão de que o ser humano é inútil, nada vale a criatura humana para o Governo do Senhor Fernando Henrique Cardoso, nosso ex-companheiro de Senado. Não é possível acreditar nisso, não posso acreditar que o Presidente da República tenha se pervertido tão depressa, que tenha acontecido isso de modo tão rápido. Não é possível.

Mas a verdade é que o jornalista Jânio de Freitas e muitos outros jornalistas já clamam contra a semelhança entre o início do Governo Collor e o início do Governo do Senhor Fernando Henrique Cardoso, no que concerne à perseguição destinada aos servidores públicos, levados nesse momento a um instante de grande terror, de grande desconforto moral, de grande desconforto nas suas emoções. Há uma perseguição contra o servidor público, primeiramente quando se diz: "Há que se demitir". Isso é uma ameaça, aliás, de características fascistas, que sempre se repete no Estado brasileiro. Aliás, é instrumento da incompetência; sempre os administradores incompetentes recorrem a essa história de demitir, enxugar a máquina. Mas na verdade isso é incompetência, é desconhecimento das conseqüências sociais de determinados atos administrativos.

Mas eu dizia, Senador Irapuan Costa Júnior, e quero que V. Exª entenda, que a estabilidade não é do servidor, a estabilidade é a garantia que o Estado dá ao seu funcionário para que ele tenha altivez, para que tenha condições morais, condições administrativas de agir em nome do Estado, porque o Estado não age sem que seja através da criatura humana, através do ser humano, através do funcionário, através do servidor, através de quem ocupe, momentaneamente ou permanentemente, uma função pública. O ser humano é indispensável, e a felicidade humana é necessária para que alguém se conduza de modo digno na Administração Pública.

A estabilidade foi uma decisão da Assembléia Nacional Constituinte, e o que mais espanta, neste momento, Srs. Senadores, é o desconhecimento que notamos em determinadas declarações. Não sabem distinguir nem a estabilidade, porque aquela estabilidade do art. 19 é fato consumado, é fato já registrado, já é direito adquirido para as pessoas que se inserem no contexto daquela disposição transitória da Constituição Federal. Aquilo é indiscutível, com a proteção dos direitos adquiridos. A única estabilidade que pode ser discutida é aquela relativa ao funcionário que há de ingressar no serviço público por concurso, porque diz a lei que, durante os dois primeiros anos, o funcionário adquire a efetividade, para se estabilizar após o estágio probatório, que coincide com o momento da efetividade. Essa estabilidade, se fosse retirada, seria apenas para quem viesse a ingressar no Serviço Público, através dos meios que estão determinados na própria Constituição Federal. Somente essa estabilidade poderia ser alterada para o futuro, não com efeitos retroativos, efeitos para prejudicar.

As declarações do Ministro Bresser Pereira demonstram que aquele cidadão não conhece coisa alguma de Direito Administrativo; e, no entanto, ocupa uma Pasta de Administração. Isso é estranho. Não tem os conhecimentos rudimentares de qualquer servidor público para administrar um setor tão importante, como é a Administração Pública. Não é concebível que o Presidente da República aproveite o Ministro Bresser Pereira, após a desastrosa passagem pelo Governo José Sarney, em uma Pasta tão difícil, onde a sensibilidade administrativa é a mesma sensibilidade humana, e que há de se socorrer do conhecimento, pelo menos primário, pelo menos rudimentar, porque as declarações do Sr. Luiz Carlos Bresser Pereira são declarações de quem ignora, são declarações de um ignorante da matéria. E esse homem aparece assinando artigos na imprensa brasileira, aparece como grande administrador, e ninguém sabe como isso acontece. São os milagres do surrealismo brasileiro, porque suas declarações são de uma pessoa sem preparo, são declarações de uma pessoa que ignora, são declarações de uma pessoa que não sabe o que é o Direito Administrativo no Brasil, que o desconhece.

Vamos retirar a estabilidade. Como? Vão fazer desse País uma Alemanha nazista? A Itália do Mussolini? Vão transformar isso daqui em um país fascista? Retirar as garantias constitucionais? Vão tirar a base da cidadania? A garantia dos direitos adquiridos, do negócio jurídico perfeito, a garantia da coisa julgada? Vamos fazer deste País um país fascista? É isso a que chegaremos pelos caminhos da sociologia do Presidente?

Evidentemente que não acontecerá isso, Sr. Presidente.

Vejo que V. Exª já quer reiniciar os trabalhos. Então, encerro minha fala, registrando aqui o artigo do jornalista Jânio de Freitas e registrando o juízo que faço do atual ocupante da Secretaria de Administração: é um homem que, lamentavelmente, ignora; momentaneamente, está cego.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 20/01/1995 - Página 924