Discurso no Senado Federal

DISCURSO DE DESPEDIDA DE S.EXA DO SENADO FEDERAL.

Autor
Aluízio Bezerra (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
Nome completo: Aluizio Bezerra de Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR.:
  • DISCURSO DE DESPEDIDA DE S.EXA DO SENADO FEDERAL.
Aparteantes
Coutinho Jorge, Mauro Benevides, Nabor Júnior.
Publicação
Publicação no DCN2 de 20/01/1995 - Página 1000
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
Indexação
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO PARLAMENTAR, ORADOR, MOTIVO, DESPEDIDA, SENADO.

O SR. ALUÍZIO BEZERRA (PMDB-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na condição de um dos milhares e milhares de brasileiros, criado à sombra dos seringais e na amplidão da Floresta Amazônica do Acre, meu Estado, posso dizer que um dos mais fortes impulsos que me levou à vida política foi aquela sensação de impacto, de choque que todos sentíamos presenciando o contraste entre a pobreza em meio a tamanha concentração de riquezas naturais. Sempre foi chocante para mim conviver com tal intensidade de miséria e privações, como se fossem bolsões cercados por todos os lados por uma multiplicidade de recursos naturais jamais vista.

Uma incomparável e exuberante celebração de vida, essa é a mais eloqüente característica de toda aquela imensidão amazônica. E isso - nunca tive dúvidas -, não combina com a indigência social reinante. Pouca coisa pode ser tão doída como ver uma criança descalça e barrigudinha sofrendo carências de todos os tipos, justamente ali onde o que não falta é água ou terra para produzir alimentos e emprego em massa. Falta oportunidade; sobram fome e privações.

Primeiro na política estudantil e, depois, através dos sucessivos mandatos parlamentares, entrei para a vida política movido por uma indignação muito clara, pela convicção cada vez mais forte de que sem transformações sociais este nosso País jamais alcançará sua maturidade; jamais será soberano; nunca irá verdadeiramente acolher com dignidade seu povo de norte a sul. Ao contrário, continuará produzindo, em massa, crianças miseráveis, velhice desamparada, desagregação social, injustiça e devastação ambiental.

E foi, Sr. Presidente, com esse ideal da luta por uma sociedade com justiça, em que todos tenham oportunidade de serem felizes, de contribuírem com o melhor de si, que a política passou a ser para mim muito mais do que uma aspiração de juventude, passou a ser uma contínua aspiração de vida.

É por esta razão que, ao despedir-me do mandato de Senador a mim concedido pelo povo do Acre, reafirmo, sem a menor hesitação, que continuarei lutando pelas bandeiras que aqui me trouxeram. Bandeiras que tomam nossa pátria como o centro das preocupações, é claro, mas sempre entendendo o Brasil como parte integrante de uma comunidade de povos com interesses comuns.

Nosso trabalho se dá a partir do Brasil, mas nossas idéias vão além. Nossas idéias transcendem as fronteiras nacionais. Sentimo-nos plenamente irmanados aos povos latino-americanos. Não temos a menor dúvida de que o Brasil é o País latino-americano que mais tem condições para liderar o grande projeto de nossos povos: o projeto de desenvolvimento com justiça social. Isso significa que, como Nação, temos todas as condições geopolíticas de ativar um grande movimento que torne nossa região, nosso País, uma referência mundial para o conjunto dos países em vias de desenvolvimento.

Acredito plenamente que esse é o caminho, essa é a vocação natural de nosso País. E a minha vida é lutar por bandeiras como essa. Continuarei lutando em outras condições, através de diferentes instrumentos. A nossa causa é permanente. Ela não começou com um mandato parlamentar; na verdade, sempre transcendeu qualquer das funções públicas a mim delegadas. Muito mais do que bandeiras de luta de um mandato, que por si só é transitório, os ideais de luta que fui desenvolvendo e assumindo são parte de uma inspiração e de uma batalha de vida inteira.

Como estudante de Direito da Universidade de Brasília, pertenci a uma geração que enfrentou, cara a cara, os "anos de chumbo", isto é, os piores anos da ditadura. Ali, nos embates das lutas estudantis foram temperados e enraizados continuamente os nossos ideais.

Foi ficando claro, a cada passo, em cada embate, que nossa luta, fosse qual fosse a fórmula ou a função que assumisse, teria que pautar-se, invariavelmente, por um programa de transformações sociais mais de fundo. Era cada vez mais evidente que não se tratava de consertar uma coisa ou outra: era o modelo de desenvolvimento brasileiro que estava essencialmente errado; seu caráter era, e continua sendo, essencialmente elitista e exige de nós transformações, para que não seja antipovo e concentrador de rendas.

Foi a partir dessa percepção que conduzi cada uma das minhas lutas, seja como cidadão que sai a defender seus direitos civis no cotidiano, seja como parte de um movimento universitário, como bacharel em Direito; posteriormente, em outras condições, em outras frentes.

Em meio a tudo isso, tive o privilégio de conviver, no meu período de doutorado na França, com toda uma geração de intelectuais e estudiosos latino-americanos, todos vivendo um processo semelhante ao nosso, de repressão política nos seus países e exílios, voluntários ou forçados. Foi daquele convívio fecundo que saiu profundamente reforçada em nós uma idéia básica, essencial. Era a idéia de que a luta por um Brasil socialmente justo passava, e passa, pela luta por transformações sociais em toda a América Latina. O Brasil não pode desenvolver-se cercado de países miseráveis ou em situação difícil de desenvolvimento. Por isso mesmo, a minha entrada no Parlamento Amazônico, a nossa luta com parlamentares de outros países, neste sentido, foi fruto da consolidação, não apenas das nossas lutas universitárias, mas de um desafio pensado e assumido também por nobres companheiros de exílio, de doutorado, lutadores democratas, companheiros idealistas, que sonhavam com uma América Latina soberana e igualitária. Ficou claro para mim que a luta era maior, muito maior do que poderíamos imaginar - mas nela pensávamos - e que o Parlamento Amazônico cumpriria um papel essencial nessa direção.

Passou a fazer parte da nossa convicção a bandeira e a idéia de que os demais países vizinhos, países irmãos, eram tão oprimidos quanto nós. Oprimidos pelo mesmo grupo dos países mais ricos, através de relações desiguais, que faziam com que, para cada dólar que entrava, três saíssem para os cofres dos bancos internacionais dos países mais ricos. A espoliação, a sangria, era comum, tanto fazia no Brasil, como na Bolívia, Venezuela ou em qualquer outro país latino-americano.

A principal conseqüência desse processo perverso era uma só: uma maior integração nossa, das nossas lutas; era muito mais do que uma boa idéia, tornava-se necessidade histórica. Nossa emancipação histórica era, e é, coletiva, comum, integrada.

Na condição de Presidente do Parlamento Latino-Americano, a nossa luta foi assumindo, em profundidade e em extensão, uma clara direção social. Nossa direção foi sendo a da luta contra a miséria e a exploração. Fomos adquirindo uma visão muito explícita na linha de integração de esforços, na linha da soma de esforços, da articulação de forças políticas, sem o que não se muda nada.

Nesse passo, a luta pela integração da comunidade das nações amazônicas passou a ser, para mim - primeiro filho de seringueiro amazônico a tomar assento no Senado Federal - uma bandeira primordial. Entendi, desde antes do atual boom das lutas ecológicas, que nem a nossa região poderia continuar a ser devastada desordenada e irracionalmente, nem poderíamos acolher o discurso parcial e interessado da Amazônia santuário intocável.

Já como Deputado Federal, tomei a iniciativa de coordenar um movimento de expressão nacional e um seminário no Congresso Nacional contra a devastação florestal desencadeada por grupos de grandes empresas na Amazônia. Nessa época, pouquíssimo se falava sobre o assunto. Nossa iniciativa teve eco político. Daí irradiaram movimentos em defesa da Amazônia nos meios estudantis, nos MDAs, uma iniciativa nossa que tomou forma de massa, que preparou o terreno, naqueles anos 70, para lutas maiores.

Ao participar recentemente da ECO-92, como organizador do Fórum Amazônico, que deu sua contribuição àquela megaconferência internacional através de documento de propostas para o desenvolvimento auto-sustentado da Amazônia, me bati por novos conceitos para o progresso regional, como também o brilhante Senador Coutinho Jorge, que trabalhou atentamente naquela conferência também com esses objetivos. Era inaceitável o modelo de exploração dominante, modelo que colocava o homem em segundo plano, e o boi, as pastagens e a mineração predatória em primeiro lugar.

É evidente, Sr. Presidente, que não somos contra a pecuária nem somos contra a necessidade de produção de carne na Amazônia para suprir a necessidade de alimentação de toda a população, mas entendemos que qualquer iniciativa nesse sentido deve passar pelo crivo do zoneamento econômico-ecológico, pelo crivo do respeito à natureza, de tal forma que certas áreas menos densas sejam destinadas ao gado e a outras iniciativas, e outras mais densas, mais apropriadas aos sistemas agroflorestais integrados e assim por diante. A idéia de harmonizar e respeitar vocações naturais dentro da Amazônia.

Fiz sucessivas visitas a estadistas dos países da Bacia Amazônica, procurando articular uma posição política comum. Nosso objetivo era de uma postura convergente, por isso mesmo forte, que unisse a preservação da nossa diversidade biológica à sua exploração racional.

Era indignante ver que grupos internacionais que monopolizam e continuam monopolizando a biotecnologia derivada de nossas plantas e nossa fauna, continuassem a desfrutar de patentes e divisas, enquanto nós, celeiro biológico e natural do planeta, afundávamos na pobreza e na miséria. Um povo imensamente pobre, marcado pelo abandono da infância, das crianças e em meio a tão formidável riqueza em biodiversidade e a tão exuberante natureza sendo drenada em seu melhor quinhão para fora do País!

Nunca desenvolvi uma luta ecologicamente ingênua. Nossa causa sempre levou em conta a sistemática cobiça internacional sobre a Amazônia. Não nos engajamos no verde pelo verde, mas na luta pela harmonia entre o homem e tudo que conosco habita essa casa comum, o planeta Terra. Desde que acompanhei meu pai, soldado da borracha, no sofrido trabalho da coleta do leite na floresta para a produção de borracha, entendi que o homem estava sendo deixado de lado, marginalizado; fui percebendo que havia a exploração pelo homem que produz a riqueza, mas havia também a possibilidade de harmonizar homem e natureza.

Estava claro que era possível, desejável necessário harmonizar tudo isso. Bastava que o lucro deixasse de ser o móvel absoluto da economia, e que também a economia e a produção de riquezas passassem a ser humanizadas em todos os sentidos.

Entendia que política em seu mais puro sentido era isso. É isso, na verdade. Quando me concentrei na luta contra a ditadura dos anos heróicos do MDB e nos demais setores e partidos democráticos do nosso País, no início dos anos 70, como também na campanha de 1978, que me levou à Câmara Federal, agi como parte de uma geração via a luta democrática como um caminho natural e imediato nesse rumo. Na direção da justiça social. Na pureza da minha juventude, a Nação brasileira sempre encontrou a base e a condição de instrumentos pela defesa dos interesses sociais nacionais. Com a força inabalável com que a juventude levantou-se, juntamente com demais setores da população, em defesa da PETROBRÁS dos anos 50, nós nos levantamos, desde a nossa juventude, contra a cobiça internacional sobre a Amazônia e pela democratização do nosso País, nos anos em que a ditadura pressionava a todos.

Fui reeleito em 1982, com a maior votação do meu Estado, pelo PMDB, mas tinha muito claro que não bastava o direito de votar, não bastava o direito de livre manifestação política, ambas conquistas fundamentais cunhadas com muita dor e ambas, indiscutivelmente, direitos invioláveis do cidadão.

Era necessário muito mais. Queríamos que fossem varridas as causas sociais, as causas econômicas que terminam instrumentalizando e ameaçando a própria democracia. Sempre me bati por essa bandeira, por essa preocupação de não ficar na superfície das coisas. Aliás, senti tudo isso muito de perto na recente campanha eleitoral, onde o abuso do poder econômico chegou às raias do absurdo, onde muitas vezes o poder do dinheiro valia muito mais do que a preocupação com o programa, com propostas para arrancar o País do atraso social.

Fui eleito em 1986 para esta Casa, com o lema que resumia toda a minha anterior trajetória de luta, com outros companheiros democratas, quando dizíamos que, "quando muitos calavam, era a voz que mais se ouvia". Fomos vitoriosos, todo o povo brasileiro era então vitorioso na luta contra a ditadura, que tanto mal fez ao País e à formação política de toda uma geração. Imediatamente engajei-me na luta por uma Constituinte democrática que apontasse na direção de avanços sociais.

Apresentei em torno de 60 emendas à Assembléia Nacional Constituinte. Ombro a ombro com parlamentares progressistas, democratas, nacionalistas, fomos vitoriosos em quase todas elas - eu, pelo menos, em metade delas. Lutamos por uma aposentadoria justa para o professor, pela aposentadoria integral para o soldado da borracha, por um teto mínimo contra os altos juros bancários, em favor dos direitos trabalhistas, pelo voto aos dezesseis anos, pelo funcionamento, enfim, plenamente democrático da Nação, por medidas contra a miséria.

Foram várias as conquistas. Pudemos concretizar não apenas os nossos sonhos da aposentadoria para um dos mais injustiçados trabalhadores da Amazônia, o seringueiro, através da aposentadoria do soldado da borracha e seus dependentes. Também conquistamos o aumento da aposentadoria para o homem da floresta e do campo em geral, através do FUNRURAL. Por outro lado, também fomos adiante, avançamos em conquistas importantes na luta pela regulamentação de avanços sociais da Carta Magna.

E, por outro lado, nosso engajamento pela causa da integração da Bacia Amazônica, pela causa da integração dos povos latino-americanos, aprofundou-se. Avançamos em várias direções desde as nossas lutas iniciais pela chamada Integração Macrorregional Fronteiriça dos países que fazem fronteira conosco. Lutas que levávamos como parte da batalha pela saída para o Pacífico. Tínhamos e temos a convicção de que, por essa via, nos integraremos com os demais países sul-americanos, bem como abriremos caminho para os países do Pacífico, como os grandes mercados asiáticos, e a costa oeste norte-americana.

Nossos esforços foram coroados com a primeira conquista no plano científico da pesquisa em direção da biodiversidade, com a fundação da Universidade Pan-amazônica, com sede provisória em Manaus, enfeixando esforços de todos os Parlamentares dos países vizinhos. Foi uma proposta de nossa autoria, como delegado Parlamentar do Brasil junto àquele organismo, para a criação de uma Universidade com sede em Manaus, integrando os 8 países Amazônicos na defesa da nossa biodiversidade, da nossa riqueza, da nossa inteligência.

Toda essa luta culminou com nossa eleição, por um colégio eleitoral dos países Amazônicos para a Presidência e Vice-Presidência daquela Casa Legislativa internacional, onde seguimos atuando nos grandes debates e seminários por eles organizados.

Nunca abrimos mão da luta, Sr. Presidente, pela soberania dos povos, pela sua autodeterminação, princípio consagrado na Organização das Nações Unidas e que fundamentou as lutas de libertação contra o colonialismo por parte dos países da América Latina, Ásia e África. Defendemos de maneira intransigente o princípio da autodeterminação dos povos, a começar pelos mais oprimidos.

E foi essa luta que nos levou à Nicarágua dos Sandinistas, a Cuba, à defesa dos povos árabes contra a agressão externa, que invariavelmente nos colocou solidários com toda causa internacional em favor dos povos que vivem sofrendo perdas internacionais. Povos que, na nossa convicção, nenhuma razão pode levá-los a viver na miséria, no bloqueio econômico, muito menos a serem bombardeados, para que outros desfrutem das riquezas planetárias de forma elitista e evidentemente cruel.

O Sr. Coutinho Jorge - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ALUÍZIO BEZERRA - Concedo a V. Exª o aparte, com todo prazer.

O Sr. Coutinho Jorge - Caro Senador Aluízio Bezerra, neste instante em que V. Exª faz um resumo da sua atuação no Parlamento brasileiro, desejo aqui enfatizar a sua participação neste Parlamento, naquilo que podemos dizer a participação do Parlamento brasileiro nos Parlamentos multinacionais, sobretudo, no chamado Parlamento Amazônico, que, ao lado do Parlamento Latino-Americano, representam dois Parlamentos multinacionais da mais alta relevância para nossa região; Parlamentos, inclusive, em que o Brasil tem uma participação expressiva e fundamental. Todavia, em relação ao Parlamento Amazônico, a participação pessoal de V. Exª é notável. Posso até dizer que o Parlamento Amazônico, a sua implantação, o seu funcionamento, a sua vivência no Parlamento brasileiro tem, na sua pessoa, o grande líder no Senado Federal brasileiro. Eu diria que Parlamento Amazônico é sinônimo de atuação do Senador Aluízio Bezerra - temos que reconhecer isso. Nos quatro anos em que aqui estive, nessa primeira parte do nosso mandato, assisti pessoalmente a sua atuação no fortalecimento do Parlamento Latino-Americano, na viabilização da Universidade Pan-Amazônica. V. Exª representou na maior reunião mundial, a Rio 92, os anseios, as preocupações do desenvolvimento sustentado, o único caminho para viabilizar o desenvolvimento racional e coerente da grande Amazônia brasileira e da grande Amazônia pan-americana. Naquela altura, representando o Senado, participei de todos os eventos daquele grande encontro, e testemunho a sua importante contribuição como representante do Parlamento Latino-Americano e, particularmente, do Parlamento Amazônico. Lembro que a atuação do Parlamento Amazônico é fundamental para fortalecer as políticas de desenvolvimento sustentado para a Amazônia. Acredito, meu caro Senador, que os parlamentares de toda a Amazônia multinacional ainda não compreenderam a importância daquele Parlamento. Ainda não compreenderam que a Amazônia multinacional, unida, pode realmente viabilizar as grandes teses do desenvolvimento sustentado, que têm, entre outras, o cumprimento das duas Convenções mais importantes da Rio 92, sobretudo a Convenção da Biodiversidade, que tem muito a ver com o presente e com o futuro daquela Região. V. Exª, nesse sentido, tem sido um batalhador dedicado para que todas essas teses, esses princípios de desenvolvimento sustentado se viabilizem na Amazônia, por intermédio de parlamentares e negociações entre as nações, para que possamos, a médio prazo, deslumbrar o real desenvolvimento sustentado da Amazônia, em que o homem seja o centro do desenvolvimento, mas que o respeito à natureza tenha alta prioridade. Acredito, meu caro Senador, que o fortalecimento e atuação do Parlamento Amazônico, em que seu papel foi relevante nesses últimos anos, pode nos dar ensejo a que possamos criar em breve, similarmente ao que temos no MERCOSUL, uma grande associação de países, que poderíamos chamar de MERCONORTE. O Parlamento Amazônico vai ter - e deve ter - um papel importante na concepção desse MERCONORTE. Não tenhamos dúvida nenhuma de que há desequilíbrios regionais graves do Brasil. Há, sim, dois Brasis: o Brasil rico e o Brasil pobre. Existe, como dizia o nosso Senador hoje pela manhã, a Bélgica e a Índia. O MERCOSUL vai aumentar o desequilíbrio regional entre as Regiões Norte e Centro-Sul brasileiras; é lógico, racional. Então, temos que estar preparados para fortalecer um possível MERCONORTE, vamos assim dizer, naquela Região, para que esses desequilíbrios regionais possam ser superados ou atenuados, e o Parlamento Amazônico é o fórum ideal para a discussão dessas teses importantes. Parabenizo V. Exª pelo seu trabalho no Senado Federal durante todo esse período, sobretudo pela sua importante contribuição à vivência, ao fortalecimento, ao dinamismo do Parlamento Amazônico que muito deve a V. Exª. Talvez muitos companheiros do Senado Federal não saibam do trabalho diuturno que V. Exª desenvolveu durante esse período, em favor do Parlamento Amazônico e, especialmente em favor das teses do desenvolvimento sustentado naquela Região. Por certo, o tempo fará justiça ao trabalho de V. Exª nesse setor. Tenho certeza de que V. Exª se afasta transitoriamente deste Senado, mas continuará lutando em favor do fortalecimento do Parlamento Latino-americano e dos seus ideais. Que V. Exª continue contribuindo em favor da Amazônia e fortificando, cada vez mais, esse grande Fórum Parlamentar, que é o nosso querido Parlamento Amazônico. Parabéns, Senador Aluízio Bezerra, pelo seu grande trabalho.

O SR. ALUÍZIO BEZERRA - Nobre Senador Coutinho Jorge, agradeço o seu brilhante aparte que muito enriquece o meu modesto pronunciamento, por ser um profundo conhecedor das causas amazônicas. Isso ficou demonstrado em toda a sua atuação durante a preparação da Conferência Internacional do Meio Ambiente, no Rio de Janeiro, da qual participou ativamente, representando o Senado pela Comissão criada e dirigida por V. Exª; posteriormente, como Ministro do Meio Ambiente e como Senador atuante na defesa das causas e dos interesses amazônicos.

Tem V. Exª toda razão. Para um país com a dimensão do Brasil, com uma Região Sul desenvolvida e as Regiões Norte e o Nordeste subdesenvolvidas ou em vias de desenvolvimento, com a Amazônia, um dos maiores celeiros de riquezas naturais do Planeta, é necessário a devida atenção. E mais ainda: os países que compõem a Bacia Amazônica - Brasil, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia e a Venezuela, contando ainda com a Guiana e com o Suriname - constituem o bloco econômico mais forte da América do Sul, mais forte que os países do MERCOSUL. O volume do PIB desses países é superior ao PIB dos países do MERCOSUL.

O Sr. Mauro Benevides - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Aluízio Bezerra?

O SR. ALUÍZIO BEZERRA - Com muita satisfação, quero ouvi-lo, meu grande Líder. Antes, porém, eu gostaria de dizer que o Parlamento Amazônico cumpre essa função, a mesma que deveria estar cumprindo o Tratado de Cooperação Amazônica, de maneira mais dinâmica, procurando tornar realidade o sonho da estrada que fará a ligação com o Pacífico. O Presidente peruano, Alberto Fujimori, na posse do Presidente Fernando Henrique Cardoso, pediu apoio para a construção dessa estrada. Portanto, daqui desta tribuna, fazemos um apelo a Sua Excelência, o Presidente da República, no sentido de que acolha a referida reivindicação, que será fundamental para a articulação do Brasil e do volume da nossa economia com os países vizinhos, com os países amazônicos; a estrada abrirá passagem aos países asiáticos e aos da costa oeste norte-americana, fortalecendo os caminhos de desenvolvimento e criando mecanismos de equilíbrio entre o Norte e o Sul.

Sem dúvida, nobre Senador Coutinho Jorge, que seu aparte engrandece, abrilhanta o meu modesto pronunciamento, pelo domínio, pela compreensão e pela tradição de luta que V. Exª tem, na defesa inteligente das causas e do desenvolvimento da Região Amazônica, como parte do desenvolvimento integrado do nosso País.

Ouço o meu Líder, Senador Mauro Benevides.

O Sr. Mauro Benevides - Nobre Senador Aluízio Bezerra, nosso companheiro de Bancada, o Senador Coutinho Jorge, no seu aparte, soube enaltecer, admiravelmente, as excepcionais qualidades de homem público de V. Exª e, sobretudo, a marcante atuação como representante do Acre no Senado Federal. Muito mais do que isso, V. Exª não circunscreveu sua atuação apenas na defesa dos legítimos interesses do povo acreano. V. Exª teve uma outra visão pela sua formação humanística. Doutorado que é pela Sorbonne, V. Exª teve uma visão globalizada dos problemas, não apenas da sua região, o Norte do País, mas sobretudo do contexto da América Latina. E eu me regozijo por haver prestigiado a ação parlamentar de V. Exª quando exerci a Presidência do Senado e do Congresso. Eventos da maior importância que V. Exª sugeriu, comandou ou presidiu, a todos eles emprestei a minha solidariedade e o meu apoio porque sempre vislumbrei, na ação, no trabalho e na performance que V. Exª cumpria, aquele homem identificado com os grandes problemas da atualidade. Eu me permitiria lembrar também que, nesta mesma tribuna que V. Exª agora ocupa, quando da realização daquele conclave de extraordinária ressonância, com este plenário lotado, que foi a reunião do Parlamento Amazônico, V. Exª aqui foi ouvido e aplaudido; ouvido nas considerações abalizadas que externou e aplaudido pelas colocações feitas em defesa de projetos, daquele projeto integracionista que V. Exª, talvez pioneiramente, tenha lançado no País: a concepção do MERCONORTE, a exemplo do que existia no MERCOSUL; V. Exª trouxe aqui como que as diretrizes do projeto que poderia constituir o MERCONORTE. V. Exª, neste instante, se despede do Senado Federal, do seu mandato de Senador, depois da clamorosa injustiça que ocorreu em relação à sua candidatura, por parte do eleitorado acreano, que soube realmente fazer justiça ao nosso grande companheiro Nabor Junior; mas não o fez em relação a Flaviano Melo, na disputa pelo Governo do Estado, nem a V. Exª, reconduzindo-o a esta Casa, para que pudessem ser seqüenciados todos aqueles projetos da maior envergadura, que tiveram o mérito de engrandecer, de enobrecer realmente a sua ação parlamentar como representante do Acre. Eu estou absolutamente convicto de que, mesmo sem mandato, V. Exª continuará a ter uma militância partidária ativa, uma ação política bem direcionada, a fim de que se lhe garanta, se não agora, mas num futuro muito próximo, aquela oportunidade de continuar servindo, não apenas ao Acre e à Região Norte, mas sobretudo servindo ao País, dentro daqueles parâmetros que até aqui nortearam a sua ação como representante do povo do Acre, no Senado Federal.

O SR. ALUÍZIO BEZERRA - Nobre Líder Mauro Benevides, agradeço-lhe o aparte que, com o brilhantismo de sempre, engrandece o meu modesto pronunciamento.

Como Senador pelo Nordeste, V. Exª presidiu esta Casa com magnificência, tanto que deu seqüência como Líder do nosso Partido. O PMDB tem a felicidade de tê-lo como Líder, ao lado de tantos e destacados Líderes de outras agremiações partidárias desta Casa.

V. Exª nos deu um apoio importante, dada a sua compreensão e a sua visão humanista e universal da necessidade da nossa integração e do nosso desenvolvimento. Como o maior País da América do Sul e como um dos maiores países do mundo, o Brasil, traçando o seu programa de desenvolvimento, há que pensar, a partir da sua condição geopolítica, nas condições de desenvolvimento integrado com os nossos vizinhos.

Efetivamente, V. Exª nos apoiou na Presidência desta Casa, para que aquele Congresso, que aqui se realizou e que tem se realizado em outros países vizinhos, congregando a participação de Parlamentares dos países que integram o Parlamento Amazônico, obtivesse todo o êxito e eficácia. Naquele Congresso, discutiu-se um ponto fundamental da organização do MERCONORTE, como disse muito bem V. Exª, proposta essa que traduz a realidade da racionalização e desenvolvimento da economia em direção à melhoria da qualidade de vida dos nossos povos, do nosso Brasil, especialmente da Região Norte, e para maior integração com os países vizinhos.

Quero aproveitar a oportunidade para dizer que a história nem sempre caminha em linha reta; às vezes, caminha também em linha tortuosa.

Tanto V. Exª quanto outros brilhantes Parlamentares desta Casa e eu, que não fomos reconduzidos nesta eleição, estamos convictos de termos cumprido fielmente o nosso dever e continuaremos a nossa luta, conforme nos chama a nossa realidade, em outras trincheiras.

V. Exª, Senador Mauro Benevides, que prestou enorme contribuição a este País, à frente desta Casa como Presidente, como um dos mais destacados membros do Congresso Nacional, representando o Estado do Ceará - que deve ter orgulho da atuação de V. Exª nesta Casa -, bem como no cargo de Presidente e Líder de um dos maiores Partidos políticos, muito me honra ao apartear o modesto pronunciamento que profiro na tarde de hoje, desta tribuna, por ocasião da minha despedida do Senado Federal.

O Sr. Nabor Junior - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ALUÍZIO BEZERRA - Ouço com prazer V. Exª.

O Sr. Nabor Junior - No instante em que V. Exª, ocupando a tribuna do Senado Federal, pronuncia importante discurso de despedida desta Casa do Congresso brasileiro, desejo associar-me às palavras de V. Exª. Quero, aproveitando o ensejo - como seu companheiro de Partido e seu coestaduano, o nosso querido Estado do Acre -, ressaltar a grande contribuição que V. Exª prestou no aprimoramento dos costumes e da vida política do nosso Estado. A participação de V. Exª na vida pública acreana desde a década de 70 teve uma importância fundamental, porque sempre o fez com a maior desenvoltura, o que trouxe resultados altamente positivos para o nosso Partido, quer seja o velho MDB e, mais recentemente, o PMDB. Não poderia deixar também de realçar a grande contribuição que V. Exª teve no processo de redemocratização do nosso País, pregando o restabelecimento das eleições diretas para Governador, para Prefeito de cidades consideradas áreas de segurança nacional e, sobretudo, naquela memorável campanha de 1982, quando, ao lado de V. Exª e de outros valorosos companheiros do PMDB, conseguimos eleger o primeiro Governador após a redemocratização do País. Também em 1986, elegemos todos os Prefeitos Municipais do nosso Partido, lá no Estado do Acre, com essa participação ativa e decisiva de V. Exª, um dos Líderes mais importantes do PMDB do Estado do Acre. De modo que V. Exª granjeou o respeito e a admiração dos seus coestaduanos e de todos os seus companheiros do PMDB. Quero, portanto, aqui deixar consignado no seu discurso o nosso reconhecimento, o reconhecimento de todos os peemedebistas do Acre e do Brasil, porque o Acre sempre foi uma das seções mais importantes do PMDB. Agora mesmo temos três Senadores aqui no Senado Federal. Lamento que V. Exª não tenha se reelegido neste último pleito, para que pudéssemos continuar com essa destacada representação no Senado e no Congresso Nacional. Todavia, fica consignado o nosso reconhecimento pela grande liderança que V. Exª sempre teve no Estado do Acre, militando nas fileiras do nosso glorioso Partido do Movimento Democrático Brasileiro. Muito obrigado.

O SR. ALUÍZIO BEZERRA - Senador Nabor Junior, agradeço-lhe o aparte. V. Exª é uma liderança destacada do nosso Estado, um dos Parlamentares que tem um dos maiores mandatos desde a Assembléia Legislativa, Câmara Federal, Senado da República, Governador e como Presidente Regional do nosso Partido no momento, pelo trabalho importante que V. Exª tem à frente do PMDB, no sentido de colaborar com o desenvolvimento do Estado, e nas lutas nacionais que juntos travamos pela democratização do País, unidos a outros tantos democratas de outras agremiações políticas, para que os espaços democráticos fossem abertos para dar lugar à luta pelas transformações sociais que hoje acontecem.

Como V. Exª lembrou muito bem, a luta travada em 1982, no Estado do Acre, uma das lutas fundamentais, que modificou, creio, a história do PMDB em nosso Estado, foi importante para caracterizar a atuação do nosso Partido em nosso Estado.

Dessa maneira, o aparte de V. Exª é, para nós, absolutamente fundamental, pelo testemunho que temos em comum na luta pela construção do Partido como instrumento das lutas democráticas e pelas transformações sociais em nosso Estado e a nível nacional. Por isso incorporo com muita satisfação o aparte de V. Exª, que engrandece e abrilhanta o meu pronunciamento.

Sr. Presidente, as riquezas naturais da Amazônia, de que falava há pouco, a capacidade de trabalho, a felicidade e a oportunidade estão aí para todos, seja em escala nacional, seja em escala mundial. Apartheids de qualquer natureza são imorais e inaceitáveis. Esse princípio nos norteou invariavelmente.

Entendemos que a integração latino-americana, pela qual lutamos e lutaremos, atende a esse objetivo. Sempre apoiamos toda entidade, mesmo que incipiente, mesmo que embrionária, que lutasse pela harmonia entre os povos. Lutamos pelo Parlamento Latino-Americano e pelo Parlamento Amazônico, assim como defendemos um Mercado Comum Amazônico e o MERCOSUL como parte da integração e do desenvolvimento econômico da nossa região, e sempre na mesma direção. São os próprios povos, sem pressão dos impérios, sem o interesse econômico estreito de grupos de poder, mas vendo o interesse social, sobretudo, que devem traçar seus próprios destinos.

O Brasil está vocacionado para contribuir, e muito, nesse sentido. Em defesa de uma articulação dos nossos interesses comuns pela Amazônia e por relações internacionais menos desiguais, mas voltadas para o potencial de cada povo e de cada nação.

Nesse campo, o nosso País pode fazer muito mais, pode corresponder imensamente mais às suas dimensões históricas, geográficas e sociais. Desde que apostemos, em grande escala, na idéia de que, sem unidade de interesse dos povos mais excluídos (povos tão ricos, mas visivelmente excluídos do mercado e da vida plena), não iremos muito longe em nenhum campo.

E desde que apostemos na capacidade de liderança do nosso País. Temos vocação e capacidade para encabeçarmos a luta pela plena integração latino-americana. A começar da unidade de ação da comunidade amazônica. A começar pela ligação com o Pacífico, pela agilização futura do Mercado Comum Sul-Americano, que unifique, em um só projeto, de um lado, o MERCOSUL, mas, de outro, todos os povos amazônicos para construírem seu próprio mercado comum. Da mesma forma, é urgente que seja atualizado e viabilizado o Tratado de Cooperação Amazônica, hoje praticamente estagnado.

Com a força de que dispõe o nosso novo Presidente, este é o grande momento para uma arrancada rumo a uma integração regional naqueles moldes. Sobretudo se considerarmos o grande papel de liderança que cabe ao nosso País nesse campo. Não se pode perder mais tempo. Fazemos um apelo ao Presidente Fernando Henrique no sentido de que dê toda a prioridade à formação do Mercado Comum Amazônico, como integrando o MERCOSUL. O Brasil não pode deixar de exercer a sua liderança natural, trazendo, com isso, grandes benefícios integratórios. Desde que não fiquemos esperando que as coisas aconteçam pura e simplesmente. O bonde da história está aí. Com o peso e a capacidade de articulação do nosso País, a ligação com o Pacífico pode sair logo, através da BR-364, por exemplo.

Quero aqui reiterar que se tivermos mais dinamismo na integração através do MERCOSUL, mais dinamismo na integração da comunidade amazônica, ao Norte, na construção do nosso próprio mercado, poderemos ir fundindo tudo num só projeto, a longo prazo, em direção a um grande mercado comum. Mas precisamos começar já.

O Presidente Fernando Henrique tem toda a possibilidade de impulsionar o Brasil a cumprir esse insubstituível papel catalisador, a começar pela atualização e dinamização do Tratado de Cooperação Amazônica, e da saída para o Pacífico.

Quero concluir com uma saudação a todos os companheiros de luta, de viagem nessa nossa jornada que precisa continuar, baseada como é na convicção daqueles nossos ideais.

Dos seringais da infância até hoje, nunca deixei de sonhar. Desde àquela época, passando por todas as lutas, cada vez mais alimentado pelo sonho inabalável do desenvolvimento com justiça social, tem sido essa a mola-mestra que me leva a viver a fundo a política. E política, para mim, significa a realização constante desses ideais.

Todas aquelas idéias que nos trouxeram à política parlamentar continuarão motivando e mobilizando nossas forças ao longo da vida, que continuará sendo, como sempre foi, a de um político voltado para as grandes causas nacionais e para a integração de todos os povos da Terra, unidos na grande aventura da vida e da felicidade.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente. (Muito bem!)


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 20/01/1995 - Página 1000