Discurso no Senado Federal

PARABENIZANDO O CENTRO DE ESTUDOS DA CULTURA NEGRA, DO ESPIRITO SANTO, PELAS COMEMORAÇÕES DOS TREZENTOS ANOS DE PALMARES.

Autor
Joaquim Beato (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/ES)
Nome completo: Joaquim Beato
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • PARABENIZANDO O CENTRO DE ESTUDOS DA CULTURA NEGRA, DO ESPIRITO SANTO, PELAS COMEMORAÇÕES DOS TREZENTOS ANOS DE PALMARES.
Publicação
Publicação no DCN2 de 25/01/1995 - Página 1100
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • CONGRATULAÇÕES, CENTRO DE ESTUDO, CULTURA AFRO-BRASILEIRA, ESTADO DO ESPIRITO SANTO (ES), LANÇAMENTO, CAMPANHA, COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, QUILOMBOS, ESTADO DE ALAGOAS (AL).
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, ENTREVISTA, TEOTONIO VILELA (AL), EX SENADOR, PUBLICAÇÃO, JORNAL, PASQUIM, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), RELAÇÃO, HISTORIA, QUILOMBOS, ESTADO DE ALAGOAS (AL).

O SR. JOAQUIM BEATO (PSDB-ES. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em 1995, comemoramos os 300 anos da queda do maior dos quilombos brasileiros - Palmares. Depois de resistir por quase 100 anos a ataques do poder, Palmares tombou. Dezenas e milhares de quilombolas, feitos prisioneiros, foram vendidos para senhores de terras distantes. Alguns foram para a região do Rio da Prata, outros para o Caribe, onde se estava implantando a cultura da cana-de-açúcar.

Era necessário mandá-los para longe, porque contaminados estavam pelo vírus da liberdade, doença perigosa, capaz de contagiar todo o sistema colonial escravagista, em que o homem produzia o que não tinha direito de consumir.

A simples existência de Palmares preocupou por quase um século o governo português e os senhores de engenho. A cada 3 anos, pelo menos, forças militares atacavam o quilombo. Sempre eram rechaçadas pelos negros, já que o simples vislumbre da possibilidade de perda da liberdade multiplicava-lhes as forças.

Para os negros, o lendário Quilombo era o paraíso terrestre possível de ser alcançado. E muitos, milhares de homens e mulheres, arriscaram a vida para respirar o ar de liberdade que soprava em Palmares.

O preço foi alto. Um sistema de segurança cruel foi montado na maioria das fazendas e dos engenhos para coibir fugas. Os castigos tornaram-se mais cruéis, na vã suposição de que poderiam prevenir fugas e no ingênuo pressuposto de que a força bruta tem poder para interditar sonhos.

Hoje, passados três séculos sem Palmares, podemos dizer que os homens armados, a chibata e a tortura preveniram fugas, sim. Mas não evitaram que milhares de quilombos se formassem e se tornassem símbolo da resistência negra à escravidão.

Hoje, 3 séculos depois de Palmares, a luta dos negros tingiu de sangue a história deste País, um País que ainda se debate em busca da sua verdadeira identidade, um País que parece não ter descoberto ainda a sua verdadeira face, nem mesmo a verdadeira cor de sua pele, apesar de se propor como um modelo de democracia racial.

Meu aplauso, por isso, ao Centro de Estudos da Cultura Negra no Estado do Espírito Santo (CECUN), que está lançando a campanha Trezentos Anos de Zumbi dos Palmares. Tendo por eixo a idéia de cidadania, igualdade de direitos, oportunidades e tratamento, a campanha visa, nos dizeres da Coordenação do evento, "a dar seqüência ao resgate da identidade do povo negro".

Com o envolvimento direto ou indireto de órgãos públicos, sindicatos, comércio, indústria, universidades, escolas e igrejas, serão desenvolvidos projetos nas diferentes áreas de interesse e do saber. Concursos de redação, de cartazes e de dramaturgia, coletânea de poesia e contos, desfiles de indumentárias afro, mostra de teatro, música e dança, seminários, simpósios, encontros e congressos são alguns dos eventos previstos para este ano especial.

Todos eles, se bem encaminhados pela Coordenação do evento, vão revelar, sem preconceitos, a variedade da nossa herança cultural africana e sua enorme contribuição à identidade do brasileiros.

Passados os três séculos da repressão contra Palmares, a identidade cultural do Brasil ainda está em processo. O que temos hoje é um Brasil que parece perseguir tenazmente um ideal de branqueamento e que se quer europeu, mas que incorpora, cada vez mais, visivelmente, características corporais, psicológicas e comportamentais originárias do componente afro e também do ameríndio.

Esse é um fenômeno que não escapa a nenhum observador isento e que nos permite exigir que se estabeleça entre nós, enfim, o reconhecimento de que a pluralidade de raças é uma das maiores riquezas nacionais.

Muito nos enriqueceria também se, além disso, tomássemos consciência de que nenhum grupo racial tem o direito de impor os seus padrões a outro.

A contribuição negra é indiscutível. Ela manifestou-se historicamente em um processo de tropicalização da herança européia trazida pelo colonizador português e que se manifesta em inúmeras vertentes, que vão desde as manifestações religiosas e sua riquíssima interpretação do mundo, até a evidente contribuição para a música, a dança e a culinária nacionais.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, comemorar Palmares, hoje, é valorizar o inegável legado da raça negra. A verdadeira contribuição do exemplo que nos veio de Palmares alcançará o seu mais alto grau de realização no momento em que o Brasil se reconhecer, como ele é de fato, uma nação rica na pluralidade de suas vertentes culturais, européias, indígenas e africanas.

Minha expectativa, Sr. Presidente, meu sonho talvez, é que dentro de pouco, muito pouco tempo, não precisemos mais de manter quilombos no Brasil. Que a campanha Trezentos Anos de Zumbi dos Palmares seja um passo importante nessa direção.

O Centro de Estudos da Cultura Negra no Estado do Espírito Santo, Estado que tão orgulhosamente represento neste Senado, pode contar comigo como aliado no empenho e na ação para que esse objetivo seja alcançado. Pode contar também, tenho certeza, com a firme disposição e vigilância desta democrática Casa Legislativa de promover e garantir a democracia racial que tanto engrandecerá nosso País.

E para mostrar que não estamos sós, quero apresentar aqui um diálogo de dois gigantes da História brasileira: um gigante das artes e um gigante da política. Trata-se de um trecho de uma entrevista, feita em março de 1983, publicada no semanário carioca Pasquim, em sua edição nº 717, que era parte do depoimento de Teotônio Vilela, político e empresário alagoano que, no fim da vida, se notabilizou como uma espécie de cruzado em prol da justiça social e da redemocratização do País.

Solicitamos que as palavras deste trecho de entrevista sejam registradas nos Anais do Congresso:

      Teotônio e Zumbi", entrevista dada a Henfil.

      Henfil - Sua Alagoas é a terra dos Marechais, aqui nasceram Floriano, Deodoro e você contesta que você...

      Teotônio - Não, eu não contesto. Aqui eles nasceram e deram relevo à província das Alagoas. Mas quem eu considero como figura maior é Zumbi, e isto é uma outra história. Zumbi, sim, pela forma como marca o roteiro da raça negra entre nós. Que começou tão bem com ele e que terminou com uma abolição que foi uma espécie de jantar dos pobres. O Zumbi, não só no Brasil mas no mundo negro, é uma figura notável. Que guerra de extensão da Guerra dos Palmares teria havido em outra parte do mundo? Pra durar 90 anos? Em defesa da liberdade da própria raça? Não há! O Zumbi é uma figura pouco estudada, homenageado como chefe de uma guerra que houve na Serra da Barriga e mais nada.

      Henfil - Você fez um estudo, né? Mas minha grande surpresa é que esta guerra tenha durando 90 anos. Ela foi de quando a quando?

      Teotônio - Ela foi de 1606 a 1695. Em 1910 já há registro de quilombo na serra da Barriga. Então você há de concluir que a última geração que lutou contra Domingos Jorge Velho era uma geração que nasceu na liberdade, que se criou na liberdade. Todos morreram porque sabiam que era ou a liberdade ou a morte. Ou então a volta às histórias que lhes contavam da escravidão. 99,09% morreram, morreram lutando.

      Henfil - Que tipo de documentação você conseguiu reunir?

      Teotônio - Há uma série de documentos, alguns redigidos pelo Décio Freitas, professor até há pouco aqui da Universidade de Alagoas. Mas há outros documentos que foram recolhidos na torre do Tombo, que foram recolhidos na Alemanha, na Inglaterra. Por aqui é que ficaram poucos documentos.

      Henfil - Em Alagoas?

      Teotônio - Em Alagoas, no Brasil. Eles tinham evidentemente alguma escrita e essa documentação desapareceu, essa ninguém nunca encontrou. Destruíram as pessoas, as documentações e tudo o que foi encontrado nos Palmares. Um aldeamento que dura um século devia ter alguma coisa lá, não dormiam no chão, não é verdade? Não comiam na mão, deviam ter alguma cerâmica, alguma coisa com que se proteger do frio, nada, absolutamente nada foi encontrado. Sabe-se que a comunidade dos Palmares, da serra da Barriga, passa pela serra dos Dois Irmãos, serra do Bananal e até a serra Mata Verde, Anadir e serra Branca pegava uma extensão de uns 60, 70 km, no mínimo. Toda essa região, que forma uma pequena cordilheira, foi ocupada por eles. Trabalhavam os pés de serra, que sempre são férteis, cultivando o milho e o feijão, que eram as culturas mais rápidas de produção. Então, quem cultivava dessa maneira para sustentar uma população que chegou vinte mil almas, como dizem os velhos cronistas coloniais, não podia ser uma coisa improvisada, tinha que ter uma organização. Uma organização política, uma organização social e econômica; não viviam, como contam os primeiros livros de história oficial: de roubos de engenhos e fazendas. Isto é de uma falsidade sem nome. Se eles fossem viver de assaltos, esses engenhos não existiriam. Houve momento em que eles tiveram um potencial humano muito maior e mais forte que os senhores de engenho da região. Existiu, portanto, uma organização social, tinha que haver algumas normas. É bem provável que isso fosse sendo passado de boca em boca, mas suspeita-se de que eles tinham escrita. A Barriga, como toda essa região, principalmente onde eles ficaram concentrados nos últimos combates, tudo isso foi devastado de uma maneira impiedosa, não ficou nada, pedra sobre pedra.

      Henfil - Como é que se explica ter durado tanto tempo, até decidirem pela destruição? Foram noventa anos impunes?

      Teotônio - Impunes, não. Eles eram perseguidos seguidamente. Agora, as forças oficiais eram sempre rechaçadas. Eles ficaram, no máximo, três anos sem um ataque. Havia organizações só para combater os quilombolas, como eles chamavam.

      Lúcia - Tem uma história de que soltavam negros leprosos para irem se juntar aos quilombos e enfraquecerem pela doença ou pelo terror.

      Teotônio - Nisso há um pouco de lenda. Pode ter havido, porque a lepra era uma doença muito comum. Mas com essa finalidade não, porque eles não se assombravam muito com a lepra. Quem tinha um pavor enorme da lepra eram as elites. O povo estava habituado. Fulano de Tal está leproso, sempre havia quem levasse comida, ele não podendo trabalhar, etc.

      Henfil - Você tinha me falado lá em São Paulo dessa sua preocupação em restaurar a história de Palmares. Então, quando chego aqui observo que não tem nenhum negro nas ruas, em Maceió pelo menos.

      Teotônio - É verdade. Aqui em Alagoas há um número muito reduzido de negros. Em primeiro lugar, porque a indústria do açúcar aqui só veio a se desenvolver depois da abolição dos escravos, aqui na região. Com a dizimação dos negros, aí é que não ficou ninguém por aqui.

      Henfil - Você chegou a visitar a região onde a coisa se deu?

      Teotônio - Toda ela, eu a conheci palmo a palmo.

      Henfil - Com essa preocupação?

      Teotônio - De automóvel, montado a cavalo, a pé, pesquisando, andando, buscando para ver se achava alguma coisa.

      Henfil - Nada?

      Teotônio - Nada.

      Henfil - Nenhum sobrevivente? Aquele negócio que é comum, pegar uma pessoa de cento e tantos anos...

      Teotônio - De nenhum ano. Dizimaram não somente os negros como também aqueles que moravam ali perto. Foi uma devastação. Registra-se Palmares com que nome?

      Henfil - Guerra de Palmares...

      Teotônio - Então houve uma guerra. Nós tivemos a Guerra dos Guararapes, a Guerra dos Canudos, a Guerra de Palmares, a Guerra do Paraguai, a 1ª Grande Guerra e a 2ª Grande Guerra, foram as guerras em que o Brasil entrou.

      Lúcia - O Zumbi nasceu dentro dos quilombos?

      Teotônio - Dentro. Há uma versão de que ele teria sido criado por um padre de Porto Calvo e que inclusive aprendera latim. Ora, pra que iria aprender latim? Um padre ia ter trabalho de ensinar latim a um negro? Pelo menos ensinasse português, mas latim? Chegou a se divulgar isso, e o Cacá Diegues está fazendo um filme sobre o Quilombo dos Palmares, incentivado muito por mim. Então eu não poderia concordar jamais que um coroinha fosse o comandante de uma guerra como a dos Palmares, não podia nunca. A Guerra dos Palmares tinha que ser comandada por algum tipo de família negra que veio da África com tradição de guerra, tradição de guerrilha. A África possui uma cultura cuja profundidade nós não sabemos medir, nós não sabemos o que tem pra trás da grandeza da África que se perdeu, não se tem memória dela. Mas há memória no subconsciente da raça, que pode explodir num canto bastante tempo depois, fica nos gens, não é verdade? Então, quantas famílias negras vieram, de quantas regiões, quem sabe? Uma quantidade fantástica. E os negros eram facilmente apanhados mediante o quê? Mediante guerras entre as tribos. Uma aprisionava a outra e vendia. A cultura negra que existe ainda hoje no Brasil conseguiu sobreviver no interior da raça, na alma do negro. Porque foram séculos sem o sujeito ter o direito de abrir a boca para cantar nada em dialeto africano, não podia nem conversar e nem cantar. E depois de três séculos essa cultura explode aqui, ali e acolá.

      Aquilo era uma estirpe de guerreiros. Acredito que o Zumbi venha de uma linhagem de guerreiros que soube manter uma população avantajada para um Brasil colonial, uma população em estado de beligerância durante nove décadas. Tinha que ser alguém com vocação para a guerra, vocação para a liderança, vocação para a organização. Enfim, um líder. E um líder convencido da sua missão, a missão de restaurar a dignidade da raça negra. Eu soube que o Cacá está mais preocupado com o caso do coroinha. Não é nada disso, Cacá.

      Henfil - Como foi que começou mesmo o fim de Palmares?

      Teotônio - Você não vai acreditar. Houve em 1690 e poucos a primeira grande seca de que se tem notícia no Nordeste. O governo da época foi muito mais diligente que o de hoje e formou a primeira eficaz frente de trabalho.

      Henfil - Que governo?

      Teotônio - O Governo colonial de Pernambuco. Que antes suspendeu a contribuição obrigatória à Coroa, suspendeu a côngrua dos padres...

      Henfil - Suspendeu o quê?

      Teotônio - Era o salário dos padres, já que a Igreja estava presa ao Estado. Então era o governo que pagava aos padres a tal côngrua. Daí o incongruente...(risos)

      Então suspenderam o salário dos soldados, suspenderam o dote da rainha. Ora, nós pagávamos o dote da rainha que casou com o rei inglês. Porque a Coroa não tinha dinheiro para pagar o dote, tomou emprestado e deu o Brasil como saldador da dívida. Assim, nós aqui no Nordeste tirávamos do nosso miserável trabalho para sustentar casórios reais.

      Então foram tomadas todas essas medidas de emergências e ficou aquele contingente humano imenso sem ter o que fazer, e a idéia que surgiu foi a de transformar aqueles flagelados em combatentes e dirigi-los todos contra os quilombos. Coincidiu que estava chegando Domingos Jorge Velho com uma tropa de indígenas vindo do Sul, enviado especialmente para exterminar os quilombolas. Juntava-se uma vantagem com outra: a presença de um comandante sanguinário e desumano, como era o Domingos Jorge Velho, mais uma tropa de miseráveis que eram obrigados a fazer o que lhes mandavam para sustentar a si mesmos e às suas famílias. Esse contingente humano ficou sob o comando de Domingos Jorge Velho e o confronto foi brutal. Era uma verdadeira população que tinha se deslocado das regiões de Pernambuco, Alagoas, Paraíba e até do Ceará para formar um exército de extermínio. Se diz que o Jorge Velho foi o comandante, foi o chefe etc., mas ele jamais teria vencido os negros não fôra a seca. A história da seca começa daí. A sua tristeza começa daí. Ainda hoje se faz mais ou menos a mesma coisa, se utiliza a seca para os fins mais desencontrados, menos para resolver os problemas do homem desta região.

      Henfil - O combate final dos negros com esse exército brancaleone durou quanto tempo?

      Teotônio - Deve ter durado uns dois anos. Eles saíram destruindo todos os redutos negros e, destruída a serra da Barriga, eles ainda prosseguiram por cima daquela cordilheira, e hoje há notícia de combates na serra dos Dois Irmãos, onde provavelmente teria sido apanhado, teria morrido Zumbi. O Zumbi teria escapado nos últimos combates e se refugiado nas rochas da serra dos Dois Irmãos. Jorge Velho o cercou, ele estava com poucos homens e gravemente ferido. Não teve condições mais de reagir e então talvez tenha-se dado a história de que ele se atirou serra abaixo. A única serra que dá condições de se precipitar dela e morrer, sem nenhuma dúvida, é a serra dos Dois Irmãos. É um penhasco de pedra e de lá ele teria se jogado no rio Paraíba. Da serra da Barriga, onde o declive é suave, não dá para alguém cair e morrer no ato. (...) Esta foi a pecha atirada contra o negro.

      Henfil - Justificação moral para persegui-los.

      Teotônio - Se dizia por toda parte: o negro era sempre o ladrão.

      Henfil - E era possível um quilombo viver do roubo, né?

      Teotônio - Palmares tinha sua própria organização de produção e não tinham que roubar de ninguém. Se eles tivessem que roubar os engenhos de Porto Calvo era uma brincadeira, eles invadiam aquilo numa festa. Ora, durante as tréguas, que havia de até três anos, o governo estava fraco de gente, fraco de dinheiro, fraco de comando. Os negros poderiam aí ter feito verdadeiras devastações e não fizeram. Depois, não seria o roubo que iria acabar com um engenho de açúcar, acabar, levar tudo para eles.

      Henfil - Até a chaminé.

      Teotônio - Galochas e ceroulas, tudo.

      Henfil - Agora, o Zumbi existiu mesmo?

      Teotônio - Existiu sim, era o nome dado ao chefe militar e político da organização ou da república, que também foi chamada de República dos Palmares. Ele existiu. Provavelmente um título que foi dado e que passou, quem sabe, de geração a geração. Não foi uma pessoa só que teve o nome de Zumbi, foram várias.

      Henfil - Deve ter tido no mínimo uns 30, em 90 anos. Igual o Fantasma.

      Teotônio - É uma história muito bonita esta, sabe? Uma história que espera grandes escritores, grandes cineastas e principalmente grandes atitudes por parte dos negros herdeiros de Zumbi.

      Teotônio Vilela

      Publicação da revista Carta, de número 13, cujo título é "1695 a 1995, 300 anos de Zumbi. Falas e Escrituras.

Esta iniciativa é do Gabinete do não menos gigante Senador Darcy Ribeiro.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 25/01/1995 - Página 1100