Discurso no Senado Federal

ESCLARECIMENTOS ACERCA DE NOTA DO JORNALISTA JOÃO EMILIO FALCÃO: ITAMAR FRANCO E UM FORTE COM PINTA DE FRACO. FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E UM FRACO COM PINTA DE FORTE, PUBLICADA NA COLUNA DE LUIZ CLAUDIO CUNHA, DO JORNAL CORREIO BRAZILIENSE, EDIÇÃO DE HOJE. CONSIDERAÇÕES SOBRE A SONEGAÇÃO DE IMPOSTOS NO BRASIL.

Autor
João Calmon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: João de Medeiros Calmon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IMPRENSA. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EVASÃO FISCAL. EDUCAÇÃO. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • ESCLARECIMENTOS ACERCA DE NOTA DO JORNALISTA JOÃO EMILIO FALCÃO: ITAMAR FRANCO E UM FORTE COM PINTA DE FRACO. FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E UM FRACO COM PINTA DE FORTE, PUBLICADA NA COLUNA DE LUIZ CLAUDIO CUNHA, DO JORNAL CORREIO BRAZILIENSE, EDIÇÃO DE HOJE. CONSIDERAÇÕES SOBRE A SONEGAÇÃO DE IMPOSTOS NO BRASIL.
Aparteantes
Esperidião Amin, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DCN2 de 28/01/1995 - Página 1387
Assunto
Outros > IMPRENSA. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EVASÃO FISCAL. EDUCAÇÃO. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • COMENTARIO, PUBLICAÇÃO, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), DECLARAÇÃO, JOÃO EMILIO FALCÃO, JORNALISTA, RELAÇÃO, ITAMAR FRANCO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • ELOGIO, INICIATIVA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), EVASÃO FISCAL.
  • COMENTARIO, PUBLICAÇÃO, JORNAL, JORNAL DO COMMERCIO, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), GRAVIDADE, SITUAÇÃO, ANALFABETISMO, MUNICIPIO, ESTADO DO PIAUI (PI).
  • COMENTARIO, PESQUISA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO A CIENCIA E A CULTURA (UNESCO), RELAÇÃO, PERCENTAGEM, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, BRASIL.
  • COMENTARIO, PUBLICAÇÃO, JORNAL, JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DECLARAÇÃO, MURILIO HINGEL, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), PRECARIEDADE, EDUCAÇÃO, BRASIL.
  • COMENTARIO, DESNECESSIDADE, AUMENTO, IMPOSTOS, BRASIL, NECESSIDADE, COMBATE, SONEGAÇÃO FISCAL.
  • APOIO, MENSAGEM PRESIDENCIAL, REFORMULAÇÃO, MONOPOLIO ESTATAL, COMUNICAÇÕES, PETROLEO.
  • ELOGIO, JOÃO EMILIO FALCÃO, JORNALISTA.

O SR. JOÃO CALMON (PMDB-ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, pela manhã, fui surpreendido com a leitura de uma declaração atribuída a um dos magníficos jornalistas que atuam nesta Casa e que conheço há muitas décadas. João Emílio Falcão é a própria imagem da isenção, da imparcialidade, da objetividade, tendo, portanto, todas as credenciais para merecer o respeito e a admiração de todos nós. Como o mais importante jornal da Capital da República publicou hoje, na sua segunda página, em seção muito lida - "Brasília, DF" -, uma frase atribuída ao jornalista João Emílio Falcão, senti-me no dever de pedir a atenção dos meus nobres Pares, por alguns minutos, para salientar, em primeiro lugar, que não acredito que essa frase tivesse proferida. Se realmente o foi, ela representa uma injustiça tão clamorosa que eu me sentiria no dever, como amigo das pessoas nela citadas, de tecer alguns rápidos comentários.

A frase é a seguinte: "Itamar Franco é um forte com pinta de fraco. Fernando Henrique Cardoso é um fraco com pinta de forte". Não acredito que o jornalista João Emílio Falcão tenha feito essa afirmação. Ambos, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, são pessoas notoriamente corajosas, que, ao longo de toda a sua existência, demonstraram coragem inaudita. Posso dar o testemunho aqui mesmo neste plenário. Quando fui colega de Itamar Franco, S. Exª fazia pronunciamentos que poderiam garantir-lhe um adjetivo de coragem, de corajoso, ou corajoso até os limites realmente siderais. Portanto, João Emílio Falcão não foi certamente autor desta frase, até porque não há a citação do local em que apareceu essa afirmação publicada.

O Sr. Esperidião Amin - Deve ter sido no gabinete de trabalho.

O SR. JOÃO CALMON - Destaco que Itamar Franco, ao longo da sua carreira aqui no Senado Federal, foi um dos representantes do povo com a característica marcante de uma coragem realmente extraordinária.

Quanto a Fernando Henrique Cardoso, nosso ex-colega, hoje Presidente da República, que mereceu este comentário: "é um fraco com pinta de forte", Sua Excelência teve, como homem público, uma coragem, talvez sem precedentes, quando apresentou um requerimento para constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre Evasão Fiscal.

Ora, a causa número um, dois e três da crise brasileira são conhecidas, do drama que enfrentamos de uma desumana distribuição da renda, de aspectos sociais que realmente não nos honram; ao contrário, envergonham-nos. Ainda hoje, pela manhã, li a declaração de que o município recordista de analfabetismo no mundo está situado no Brasil, especificamente no Estado do Piauí. Essa revelação também foi publicada hoje.

O Sr. Esperidião Amin - Qual é o município?

O SR. JOÃO CALMON - Não gravei o nome, mas saiu hoje no Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro. A coragem de Fernando Henrique Cardoso é realmente incontestável. Sua decisão corajosa, quase chegando aos limites do heroísmo, de pedir uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a Evasão Fiscal, caracteriza o fato de ser realmente um homem intrépido, que mereceria medalhar mundiais de coragem.

Por isso mesmo, Sr. Presidente e nobres Senadores, senti, até para seguir a lição das academias políticas da República Federal da Alemanha, que o primeiro dever de homem público é ficar em paz com a sua consciência, o segundo é defender os interesses do seu país. Para ficar em paz com a minha consciência, não poderia calar, teria de falar, de protestar e mostrar que esta coragem inaudita, talvez a maior de toda a sua fecunda vida pública, consubstanciou-se nesse pedido de CPI. Porque, resolvido o problema de sonegação fiscal no Brasil - sob esse aspecto, o Brasil é recordista mundial -, deixaremos de ser apontados à execração mundial pelos anuários de uma entidade a qual pertencemos, a Organização das Nações Unidas, através do seu braço francês, a UNESCO.

O Sr. Pedro Simon - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOÃO CALMON - Com muita honra e com muito prazer, concedo o aparte ao nobre Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon - Tenho muito carinho pelo profissional João Emílio Falcão, do qual sou grande amigo, e o considero um dos grandes jornalistas deste País. Convivo com ele e nunca o ouvi fazer essa afirmação. Também discordo dela. Concordo no que se refere ao Itamar. O jornalista quis dizer que quando Itamar estava na Presidência da República, muitas pessoas vendiam a imagem de ser ele uma pessoa fraca na sua posição, era um Presidente que não tinha firmeza. Fui seu líder e posso dizer que ele tinha muita firmeza. Uma de suas posições foi marcada pelo desejo de não contar com um economista no Ministério da Fazenda, não o nomeou. Quando não se conseguiu um nome político, nomeou o Secretário da Fazenda de Pernambuco, Gustavo Krause, um grande homem, com grande conteúdo social, pelo qual tínhamos grande admiração, independente de ser do PFL. Identifico-me muito com Krause. Li sua declaração, muito simpática, em que diz: o Genoíno é o extremo liberal do socialista, e ele, Krause, o extremo socialista dos liberais. Creio que essa frase é correta, quando ele próprio se analisa. O único equívoco de Krause, publicado no jornal, foi o de que o Presidente Itamar recebeu o Sr. Décio Munhoz e pediu a ele um plano de ação de economia - o que não era verdade, tanto não era que a imprensa publicou como se o Professor Munhoz tivesse levado o documento para o Itamar, quando, na realidade, foi um documento que o Munhoz entregou ao Trancredo Neves, quando este era candidato à Presidência da República. Este documento era do CONFAZ ao qual pertenciam o Munhoz e o Serra, hoje Ministro do Planejamento. Depois da saída de Gustavo Krause entraram vários outros, inclusive, quando Itamar indicou o Senador Fernando Henrique, foi uma surpresa. Eu sabia dessa escolha, pois S. Exª conversou comigo. A indicação recaiu sobre o Senador Fernando Henrique porque S. Exª queria um sociólogo. O próprio Senador Fernando Henrique queria o Sr. Pedro Malan para ocupar aquela Pasta. Quando Fernando Henrique afastou-se, S. Exª nomeou o Embaixador Ricupero. Por ocasião daquele incidente, o Fernando Henrique Cardoso, mais uma vez, queria o Pedro Malan e o Itamar nomeou o Governador Ciro Gomes. A briga do ex-Presidente Itamar em relação à alta dos juros, a preocupação para que a privatização das estatais fosse realizada com um índice de seriedade, de rigidez, tudo isso demonstra que S. Exª foi um Presidente forte, embora a imprensa muitas vezes quisesse passar a imagem de que S. Exª era um Presidente fraco. Em relação a essa referência do Sr. Falcão, estou plenamente de acordo. Contudo, discordo da segunda. Não creio que o Fernando Henrique tenha pinta de forte e seja fraco. Ao contrário, Fernando Henrique está dando pinta, não de fraco, mas de um gentleman, que ouve, que analisa, mas toma decisões. Fui Líder do Governo e Sua Excelência Ministro da Fazenda. Naquela oportunidade, Sua Excelência teve a coragem de tomar decisões, de vir aqui dizer que não era para votar o salário mínimo, que era contra. Quando Ministro da Fazenda, já se falava em seu nome para a candidatura à Presidência da República. Houve gente que, como Fernando Henrique, teve coragem, o Covas. Este plenário estava lotado de membros da CUT e da FIESP, cobrando do Senado uma decisão; mas rejeitamos. Voltou para Câmara e aquela Casa manteve a rejeição. Portanto, o Senhor Fernando Henrique teve coragem de tomar posição. Sou obrigado a reconhecer que ele, Ministro da Fazenda arrojou, apresentou planos, lutou, defendeu, veio para este Congresso, teve coragem de debater, de discutir, de dizer o que pensava. Fernando Henrique é um fidalgo, um gentleman; ele ouve, analisa, debate. Conheci Fernando Henrique quando o MDB do Rio Grande do Sul criou o IEPS - Instituto de Estudos Políticos e Sociais do Rio Grande do Sul, onde Fernando Henrique Cardoso falou pela primeira vez ao voltar do exílio. Naquela época, o Decreto 477 proibia manifestações nas universidades, professor e aluno não podiam abrir a boca; o Decreto 288 proibia sindicalistas de abrirem a boca, ninguém podia abrir a boca, e as assembléias, sob a ameaça da cassação do AI-5 não se manifestavam. Nesse Instituto de Estudos Políticos, muitas pessoas, muitos jornalistas, reuniam-se para debater os problemas nacionais. Carlos Chagas, por exemplo, teve a coragem de levar essas matérias às páginas de o O Estado de S. Paulo que não eram publicadas por causa da censura - publicavam apenas Os Lusíadas e receitas de arte culinária nas páginas que eram censuradas. Naquela época, Fernando Henrique começou, foi a primeira vez que ele falou. Não era político, era apenas um professor. Desde daquela época, ele vem debatendo, lutando, se esforçando. Teve a coragem de se candidatar numa sublegenda quando todo mundo sabia que Montoro ia ganhar. Foi quando apareceu o Lula, nas portas das fábricas de São Paulo, apoiando a candidatura do Fernando Henrique a Senador. De lá para cá, aprendi a respeitá-lo, a ver em Fernando Henrique um homem comprometido, preocupado com os problemas sociais. Confio em que ele está realmente preocupado com o social, está preocupado com este País. Estamos vivendo uma hora muito complicada no mundo inteiro. Vejo com grande ansiedade e preocupação o problema das privatizações. É um assunto que vamos ter que debater exaustivamente. Não estou dizendo que devemos aplaudir tudo que está acontecendo. Devemos dar força ao Presidente Fernando Henrique porque o governo dele é um governo eclético, é constituído de pessoas das mais variadas tendências, para que ele possa executar o seu programa de governo. Eu simpatizo muito com o Presidente Fernando Henrique e sua esposa, que é uma mulher extraordinária, de grande cultura, de grande conhecimento. Vejo, com muita alegria, o PT tomar a decisão de participar dos debates, de discutir, de votar, uma posição contrária à que tomou quando da Revisão Constitucional. As pessoas que têm um pensamento mais avançado precisam se convencer de que têm que participar, de debater, de dar força ao Presidente Fernando Henrique para que ele possa tirar o País desta situação. Por isso, com todo o carinho, com todo o respeito que tenho ao meu amigo João Emílio Falcão, eu não concordo que o Presidente Fernando Henrique seja fraco. Concordo que o ex-Presidente Itamar parecia fraco mas era forte. Com o Presidente Fernando Henrique, parece que é o Serra que vai mandar etc, mas eu não tenho nenhuma dúvida de que a última palavra, a palavra final, a decisão será tomada pelo Presidente Fernando Henrique.

O SR. JOÃO CALMON - Concordo inteiramente, nobre Senador Pedro Simon, com a tese que V. Exª defende em relação à coragem e à força do atual Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Eu ousaria acrescentar mais algumas palavras sobre o problema da sonegação de impostos no Brasil. Por duas vezes, para surpresa minha, fui convidado pelo Sindicato Nacional de Auditores Fiscais do Tesouro para participar de debates; uma vez em São Paulo, quando tive o prazer da companhia do nobre Senador Eduardo Suplicy, também convidado, outra em Belo Horizonte, quando tive a companhia do Deputado Roberto Freire.

Já salientei aqui, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que, naquele momento, houve uma revelação tão traumatizante, que eu me senti no dever de falar aqui, desta tribuna, sobre o problema da evasão fiscal. Talvez seja este o mais grave problema do Brasil, porque, em conseqüência da falta de solução do problema da sonegação fiscal, temos índices de pobreza, de miséria, de ignorância e de analfabetismo que atingem quase o limite do recorde mundial. Ainda hoje, vi duas pesquisa - uma da UNESCO e outra da Enciclopédia Britânica -, que indicam o Brasil em 90º lugar em dispêndios com a educação em relação ao Produto Interno Bruto. Ora, para resolver este problema, precisamos, além de vontade, de uma decisão nacional, de dinheiro - e ele existe. Apenas o dinheiro devido pelos contribuintes ricos, super-ricos, magnatas, não é inteiramente, integralmente, recolhido ao Tesouro Nacional.

Fernando Henrique Cardoso ouviu esses dois pronunciamentos que fiz aqui sobre a astronômica sonegação fiscal existente no Brasil, e, dias depois, foi convidado a falar no auditório da Rede Gazeta de Televisão, que possui também jornal e rádio. O atual Presidente da República fez uma longa dissertação - como sempre brilhante e objetiva - e falou sobre a sonegação fiscal no Brasil. Apenas omitiu um detalhe - além de corajoso, Fernando Henrique Cardoso é também modesto. Em nenhum momento, Sua Excelência se referiu a sua própria iniciativa de pedir uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre Sonegação Fiscal. Como eu estava participando da Mesa que presidia os trabalhos, ao lado do dono da casa, o jornalista Carlos Lindemberg Filho, dos Senadores Elcio Alvares e Gerson Camata, das Deputadas Rita Camata e Rose de Freitas e do Deputado Roberto Valadão, Presidente do PMDB/Seção do Espírito Santo, eu me senti no dever de pedir um rápido aparte ao então Senador Fernando Henrique Cardoso, e afirmei: "V. Exª, nobre Senador, bate recordes de modéstia, pois se refere à evasão fiscal, à sonegação de impostos, refere-se até a uma Comissão Parlamentar de Inquérito em funcionamento no Senado, mas omite um detalhe que considero muito importante. V. Exª, Senador Fernando Henrique Cardoso, foi o autor da iniciativa de pedir a instalação de uma CPI sobre evasão fiscal." Resposta do Senador Fernando Henrique Cardoso, no auditório de rádio, televisão e jornal do meu Estado natal: "Nobre Senador João Calmon, V. Exª é que é excessivamente modesto, porque pedi uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre evasão fiscal, impressionado com as revelações que V. Exª fez no plenário do Senado sobre a sonegação fiscal no Brasil." Se o Brasil não é campeão mundial em sonegação, certamente é o vice-campeão.

Portanto, na hora em que li essa afirmação, atribuída, eu diria, ao jornalista João Emílio Falcão, eu me senti no dever de aproveitar esta sessão matutina que, como de costume, é pouco concorrida, para prestar este depoimento...

O Sr. Esperidião Amin - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOÃO CALMON - ... para prestar este depoimento e demonstrar, de maneira insofismável, que, ao contrário, o atual Presidente Fernando Henrique Cardoso é um homem dotado de uma coragem suicida, e lançou um desafio que, espero, no exercício da Presidência da República, Sua Excelência leve às últimas conseqüências.

O Sr. Pedro Simon - Suicídio, não!

O SR. JOÃO CALMON - Resolvido o problema da sonegação astronômica de impostos no Brasil, não se poderá repetir mais a frase do ex-Ministro da Educação Murílio Hingel, que afirmou, em entrevista publicada no Jornal do Brasil e no Estadão, em manchete: "a educação brasileira está falida, e esta situação tende a piorar ainda mais".

O Sr. Esperidião Amin - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOÃO CALMON - Com muito prazer, nobre Senador.

O Sr. Esperidião Amin - Nobre Senador João Calmon, sinto-me no dever, por todas as razões, de oferecer o meu aparte concordando com as palavras de V. Exª. E sinto-me no dever por várias razões: primeiro, porque tenho apreço pessoal pelo ex-Senador e hoje Presidente da República Fernando Henrique Cardoso. Concordo com o que aqui disse o Senador Pedro Simon: trata-se de um fidalgo, um homem muito educado, de trato lhano, cordial, respeitoso com os seus Pares e com as pessoas que a ele se dirigem. Eu não poderia, na condição de seu ex-colega de Senado, tendo disputado com Sua Excelência a eleição para Presidente da República, me omitir neste momento - seria até uma atitude suspeita. Eu o considero um homem de coragem, que reúne, do ponto de vista pessoal, todas as condições - eu disse isto durante a campanha e não posso deixar de dizer hoje - pessoais e morais para disputar e para exercer o cargo de Presidente da República. Vejo-me na contingência de oferecer este aparte pela autoridade moral e política de quem levanta o assunto, que é V. Exª, que traz para o plenário do Senado essa frase atribuída ao jornalista João Emílio Falcão. Finalmente, não posso deixar de me pronunciar ao tomar conhecimento dessa frase atribuída a um homem de bem. O Sr. João Emílio Falcão não é apenas um jornalista: é uma pessoa que, além de exercer essa atividade nobre, tem caráter - todos que o conhecem sabem disto. Não é apenas um profissional, e, em princípio, bastaria que fosse jornalista para merecer nosso respeito.

O SR. JOÃO CALMON - Apoiado.

O Sr. Esperidião Amin - Bastaria isso, mas se trata de uma pessoa de caráter. Não sei se ele disse isso ou se disse coisa parecida. Ele pode também ter dito essa frase em um contexto não-depreciativo para o Presidente Fernando Henrique Cardoso. Eu posso dizer o pensamento que está embutido nessa frase sem ofender ninguém: "O Itamar, por ser um sujeito mais retraído, tinha aparência de frágil, o que o Fernando Henrique não tem" - realmente, o Presidente Fernando Henrique não tem aparência de frágil. "Mas o Itamar, com toda aquela fragilidade, quando comprava uma briga, até exagerava - e é verdade também." Aquela briga com o Supremo por causa dos 10% que tinham sido incluídos no holerite, aquilo teve até cheiro de pólvora. No final, havia, assim, uma sensação no ar, um cheiro de pólvora no ar. Porque tinham sido incluídos 10,8% tanto no pagamento do pessoal do Congresso, que foi imediatamente retirado, quanto no Supremo, que demorou um pouco mais a ser retirado, então, ficou um cheiro de pólvora no ar. Quer dizer, toda aquela aparência de fragilidade resultou numa confrontação que não tinha mais limite. Está na hora de parar as brigas, senão não pára mais. O Presidente Fernando Henrique Cardoso, certamente, sem ter aparência de frágil, acho que, num caso daqueles, procuraria uma solução apaziguadora, antes de ocorrer aquele clima de confrontação que o episódio suscitou. Então, posso dizer essa frase sem ofender nenhum dos dois. Estou confirmando, de certa forma, com a frase: "Olha, um tinha aparência de frágil", e tinha mesmo! Acho que até com um pouco de malandragem, no bom sentido, quer dizer, no sentido de que aparentava fragilidade para receber apoios. Temos esses personagens na política. Não vou dizer o nome da pessoa, mas tínhamos, em Santa Catarina, uma autoridade que, quando precisava do apoio, se fazia tristinho, ficava triste, e aí as pessoas se sentiam na obrigação de oferecer apoio, solidariedade. Ele queria isto mesmo: queria o voto. Isso, digamos, faz parte da matreirice sã, não é matreirice desonesta. Então, acho que o Presidente Itamar Franco tinha esta coisa: fazia-se de frágil para conseguir apoios. E, quando comprava uma briga, ninguém sabia onde é que ia parar. A do Banco Central, S. Exª não tinha razão? Claro que tinha. Não é uma caixa-preta? Claro que é uma caixa-preta. Não vou aqui comentar outros aspectos, até porque o Senador Pedro Simon, quando se trata de falar do Presidente Itamar Franco, é insuperável, e S. Exª já falou. Aliás, o Senador Pedro Simon mostrou-se insuperável, também, na digressão que fez a respeito da personalidade do Presidente Fernando Henrique, de forma que sobre isso eu também não preciso falar. Mas quero aqui defender o João Emílio Falcão. Acho que ele pode ter dito algo parecido com isso - parecido! - sem o tom depreciativo com que a frase foi colocada emblematicamente no jornal; dá a impressão de que ele estava dando uma cacetada num e entronizando o outro dos personagens da frase. Em face disso, ratifico tudo o que foi dito aqui a respeito da personalidade do Presidente Itamar Franco e, digo isto sem nenhum constrangimento, só tive de S. Exª demonstrações de apreço e consideração pessoais. Digo o mesmo que V. Exªs aqui disseram a respeito do caráter, da personalidade, das condições morais e pessoais do Presidente Fernando Henrique Cardoso, que é um outro estilo de pessoa, sem dúvida alguma. Gostaria de lançar a bóia da minha amizade, para que não ficasse no ar que há um vilão nesta história: "O vilão é quem disse a frase." Não, acho que não é bem assim. Esse pensamento não ofende ninguém.

O Sr. Pedro Simon - Nobre Senador, V. Exª me concede um aparte?

O SR. JOÃO CALMON - Senador Pedro Simon, com muito prazer, concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Pedro Simon - O Senador Esperidião Amin foi muito feliz, quando fez questão de esclarecer alguns pontos; mas o Senador Esperidião Amin é muito malicioso. Não entendi em nenhum momento que V. Exª, Senador João Calmon, tivesse pensado em atribuir ao Falcão o papel de vilão. V. Exª pensou nisso?

O SR. JOÃO CALMON - Não.

O Sr. Pedro Simon - Nunca me passou pela cabeça que V. Exª tenha pensado nisso.

O Sr. Esperidião Amin - Mas, se falamos de todos os outros e não falamos nele, é porque não temos nada a dizer a seu favor.

O Sr. Pedro Simon - Nunca passou pela minha cabeça atribuir ao jornalista Falcão esse pensamento. O Senador Amin, com a malícia que o caracteriza, pois é da sua índole, da sua natureza - S. Exª tem todas as qualidades que V. Exª disse, mas tem mais esta - não perde uma oportunidade, nem Cristo vindo à Terra; S. Exª perde um amigo, perde até voto, mas não perde esse tom que é uma característica sua, até de um certo nível realmente excepcional. Mas não nos referimos ao jornalista Falcão dessa forma. A ser dele a frase, como jornalista, ele tem independência e autoridade para dizê-la. Não tem por que não poder dizê-la: ele não fez nenhuma ofensa a quem quer que seja. Se for dele a frase - não sei se é - mas, a ser dele a frase, é uma interpretação a que ele tem direito. Qual é o problema de dizer que ele acha que isso é isso e aquilo é aquilo? Nós apenas interpretamos a frase. Agradeço, como amigo, que todos somos, do jornalista Falcão; acho que ele foi muito feliz. Mas, em seu aparte, o Senador Amin foi muito malicioso, quando disse que V. Exª e eu teríamos deixado um jornalista como o Falcão. Mas isso eu entendo; faz parte, é intrínseco de sua natureza. Não digo que o Senador Amin tenha uma percentagem de escorpião. Não! Morder para matar ele jamais faz; mas dar uma mordidinha para coçar, isto faz parte da personalidade de S. Exª.

O SR. JOÃO CALMON - Nobres Senadores Esperidião Amin e Pedro Simon, agradeço a V. Exªs apartes tão enriquecedores.

Em última análise, todos nós - não me canso de repetir - somos membros do fã-clube de João Emílio Falcão. No meu caso, eu o conheço há muitas décadas e posso prestar um depoimento de sua alta categoria moral e dos seus extraordinários méritos como jornalista isento e objetivo.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu não encerraria este pronunciamento, enriquecido pelos apartes dos Senadores Esperidião Amin e Pedro Simon, sem enfatizar, mais uma vez, que, na Presidência da República, Fernando Henrique Cardoso tem todas as condições...

O Sr. Pedro Simon - Permite-me V. Exª mais um aparte?

O SR. JOÃO CALMON - Para mim, é um prazer inesgotável receber apartes de V. Exª.

O Sr. Pedro Simon - É que o Senador Amin foi de uma malícia muito grande. O jornalista João Emílio Falcão cansou de escrever artigos criticando atos do Governo Itamar Franco. O Presidente Itamar Franco comentava comigo, Líder do Governo: "Olha o que o nosso amigo Falcão disse; espero que ele tenha razão." Mas o que ele tinha que dizer ele dizia. Isso faz parte de sua personalidade.

O SR. JOÃO CALMON - Muito obrigado, nobre Senador Pedro Simon.

Desejo encerrar este pronunciamento, manifestando a minha certeza de que o nobre Presidente da República, ex-Senador que tanto honrou esta Casa, vai concretizar, porque agora Sua Excelência dispõe de todos os elementos, bem perto do seu Gabinete no Palácio do Planalto, o grande esforço de erradicação da desumana, criminosa e nefanda sonegação fiscal que existe neste País. Fernando Henrique Cardoso teve - e já exaltei - a bravura de tomar essa iniciativa, com a gentileza adicional de atribuir-me a inspiração para esse gesto. Na realidade, creio que foi mais uma manifestação de cavalheirismo do atual Presidente da República.

Neste momento, estamos discutindo, tanto no Congresso Nacional como em outras áreas a que não tenho acesso, pois não as freqüento por me faltarem credenciais para isto, assim como em áreas do Poder Executivo, no Palácio do Planalto e no Palácio da Alvorada, detalhes de criação e aumento de impostos, já que o Poder Executivo enfrenta problemas que são absolutamente inegáveis.

Na realidade, não seria necessário aumentar em um centavo a carga tributária deste País, se não houvesse essa nefanda e criminosa sonegação de impostos. Estamos, portanto, em condições ideais neste momento. Ao invés de aumentar a carga tributária, devemos tornar cada vez mais rígida a arrecadação de impostos de toda natureza.

Se o Presidente Fernando Henrique Cardoso, campeão de coragem quando Senador, repetir as suas marcas históricas no tempo em que era Senador, e agora, tendo todos os instrumentos de ação nas mãos para liquidar essa criminosa sonegação fiscal, estaremos, dentro da precariedade das certezas humanas - permitam-me sempre repetir isto - com todos os gravíssimos problemas do Brasil resolvidos nas áreas da educação, saúde, habitação e na do salário.

Para isso temos um fator extremamente favorável: o homem que tomou a iniciativa de fazer essa devassa na área fiscal do País, na área de sonegação de impostos do País, hoje é o Chefe do Poder Executivo da República Federativa do Brasil. Sua Excelência poderá fazer uma revolução de proporções realmente extraordinárias, se transformar em realidade a preocupação que tinha como Senador, ao pedir a instalação dessa CPI sobre sonegação fiscal, que, por sinal, não mereceu - e lamento muito - uma ampla divulgação.

O nobre Senador Esperidião Amin foi membro dessa Comissão Parlamentar de Inquérito. Trouxemos, para prestar depoimentos na CPI, figuras importantes da área tributária e também juristas, inclusive Ives Gandra. A CPI foi presidida pelo extraordinário e bravo Senador Ronan Tito, cuja ausência neste momento lamento. Com a divulgação ampla das conclusões e apurações feitas pela Comissão Parlamentar de Inquérito, Fernando Henrique Cardoso tem todas as condições de, continuando na sua tradição de coragem inaudita, realizar, no Brasil, uma verdadeira revolução, distribuindo, de maneira mais humana e mais eqüitativa, a renda do País.

Sua Excelência não fala apenas em sonegação de impostos, mas está para enviar ao Congresso uma série de mensagens - algumas já foram encaminhadas - falando em metas ambiciosas, que exigem grande coragem para defendê-las, como a chamada flexibilização dos monopólios estatais, não apenas do petróleo, mas também de comunicações. Duas potências mundiais, que eram cem por cento da tradição marxista e comunista: a antiga URSS e a República Popular da China, já abriram o mercado para a exploração de petróleo off shore no mar. Isso acontece nas duas grandes potências que eram dominadas pelo comunismo. Hoje já mudou significativamente essa orientação na antiga URSS. E a própria China já abriu também o seu litoral para a exploração de petróleo por companhias estrangeiras.

Com essa marca, portanto, de coragem inaudita que Fernando Henrique Cardoso sempre revelou, temos de prestar a homenagem, já prestada também pelos nobres Senadores Pedro Simon e Esperidião Amin, ao Presidente Itamar Franco, que foi um dos mais bravos e corajosos Senadores que já passaram por esta Casa. Fico em paz com a minha consciência ao abusar da indulgência dos meus colegas para tecer esses comentários, que não representam, conforme todos já proclamamos, uma restrição em relação ao jornalista João Emílio Falcão, que sempre foi considerado, por todos nós, como uma figura modelar do jornalismo em nosso País.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 28/01/1995 - Página 1387