Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE AS RECENTES DECLARAÇÕES DO EMBAIXADOR SERGIO AMARAL, NA QUALIDADE DE PORTA-VOZ DA PRESIDENCIA DA REPUBLICA, NO SENTIDO DE NÃO CONSIDERAR NECESSARIO SUBMETER A PREVIA APROVAÇÃO DO SENADO FEDERAL A PARTICIPAÇÃO DO BRASIL NO QUE SE DENOMINOU AJUDA FINANCEIRA AO MEXICO, FERINDO, ASSIM, O DISPOSTO NO ARTIGO 52, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. SENADO.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE AS RECENTES DECLARAÇÕES DO EMBAIXADOR SERGIO AMARAL, NA QUALIDADE DE PORTA-VOZ DA PRESIDENCIA DA REPUBLICA, NO SENTIDO DE NÃO CONSIDERAR NECESSARIO SUBMETER A PREVIA APROVAÇÃO DO SENADO FEDERAL A PARTICIPAÇÃO DO BRASIL NO QUE SE DENOMINOU AJUDA FINANCEIRA AO MEXICO, FERINDO, ASSIM, O DISPOSTO NO ARTIGO 52, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Aparteantes
Esperidião Amin.
Publicação
Publicação no DCN2 de 01/02/1995 - Página 1827
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. SENADO.
Indexação
  • CRITICA, DECLARAÇÃO, SERGIO AMARAL, EMBAIXADOR, PORTA VOZ, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, PUBLICAÇÃO, IMPRENSA, AUSENCIA, CONVICÇÃO, NECESSIDADE, SENADO, APROVAÇÃO, AUXILIO FINANCEIRO, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, MEXICO, DESRESPEITO, ARTIGO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
  • SOLICITAÇÃO, PRESIDENCIA, ESCLARECIMENTOS, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, EVENTUALIDADE, GOVERNO BRASILEIRO, DEFINIÇÃO, LIBERAÇÃO, EMPRESTIMO, PAIS ESTRANGEIRO, MEXICO, AUSENCIA, APRECIAÇÃO, SENADO, OCORRENCIA, DESRESPEITO, CONGRESSO NACIONAL.
  • QUESTIONAMENTO, POSIÇÃO, GOVERNO BRASILEIRO, MOTIVO, AUXILIO FINANCEIRO, PAIS ESTRANGEIRO, MEXICO.
  • ENCAMINHAMENTO, REQUERIMENTO, DESTINAÇÃO, JOÃO ROCHA, PRESIDENTE, COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, CONVOCAÇÃO, PEDRO MALAN, JOSE SERRA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), MINISTERIO DO PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO (MPO), PERSIO ARIDA, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), ESCLARECIMENTOS, SENADO, MOTIVO, CONTEUDO, EMPRESTIMO EXTERNO, PAIS ESTRANGEIRO, MEXICO.

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, o porta-voz do Governo, Embaixador Sérgio Amaral, segundo publicou a imprensa hoje, disse que não tem a convicção de que deva o Senado Federal apreciar eventual ajuda do Brasil ao México. Disse que:

      ...é interesse da equipe econômica fazer com que essa ajuda não configure, juridicamente, auxílio financeiro, o que obrigaria o Governo a submeter a operação financeira a votação no Senado.

Ora, Sr. Presidente, o Embaixador Sérgio Amaral tem a responsabilidade de conhecer, de ler, com atenção, a Constituição brasileira. É inadmissível que, como porta-voz da Presidência da República, ele desconheça o art. 49, que diz:

      Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

      I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;

E principalmente o art. 52, que diz:

      Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

      ..................................................

      V - autorizar operações externas de natureza financeira, de interesse da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios;

Sr. Presidente, é necessário inclusive que a Presidência do Senado Federal e do Congresso Nacional, com o suporte de todos os Srs. Senadores, esclareça à Presidência da República que, eventualmente, se o Governo brasileiro definir e liberar este empréstimo ao México, sem passar pela apreciação desta Casa, isto se constituirá numa afronta ao Congresso Nacional e ao Senado Federal.

Sr. Presidente, há muitas razões a serem consideradas a favor e contra essa ajuda. Ainda hoje os jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo fazem editoriais admitindo que a ajuda pode ter algum proveito para o Brasil. Mas precisamos nos indagar, em profundidade, se o Governo brasileiro estiver por ajudar uma nação como o México, quais são os critérios da ajuda do Governo brasileiro às diversas nações das Américas e a países do Terceiro Mundo, que estão em situação muitas vezes até pior do que a do México, do que a do Brasil. Se o México precisa de ajuda, e a Bolívia? E o Paraguai? E Cuba? E a Nicarágua? E Angola? E Moçambique? E assim por diante. Que critérios deveria ter o Governo brasileiro? Não deveríamos sugerir aos Estados Unidos, ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional a criação de uma sistemática de ajuda internacional pela qual os países de maior renda per capita no mundo e com melhores condições venham a ajudar sistematicamente os países em piores condições? Uma espécie de imposto de renda negativo entre nações? Um programa de garantia de renda mínima entre as nações? Afinal de contas, seria importante que o Brasil, ao eventualmente prover uma ajuda ao México, estivesse consciente inclusive das razões que estão levando o governo norte-americano a mobilizar U$ 40 bilhões, segundo diz a imprensa, para ajudar o México. Três ex-Presidentes da República, Jimmy Carter, Ronald Reagan e George Bush, ontem, declararam-se oficialmente favoráveis a isso, como forma de sensibilizar o Congresso norte-americano.

Ontem, as ações nas Bolsas do México, da Argentina, do Brasil e de diversos países, inclusive as de Wall Street, registraram queda nos seus preços, em função do debate que se prolonga no Congresso norte-americano sobre o assunto.

Na sexta-feira passada, o Senador Esperidião Amin, aqui da tribuna, após assistir ao debate havido na Comissão do Congresso norte-americano, já alertou para este assunto, Sr. Presidente. Estou, inclusive, encaminhando ao Presidente da Comissão de Assuntos Econômicos, Senador João Rocha, requerimento de convocação do Ministro Pedro Malan, do Ministro José Serra, do Presidente do Banco Central, Pérsio Arida, para que possam, o quanto antes, esclarecer o Senado Federal das razões e do conteúdo dessa operação. Por que razão vai-se ajudar o México? Será simplesmente porque os Estados Unidos estão precisando convencer o Congresso norte-americano? Para criar um clima de boa vontade? Estaríamos nós aceitando os condicionantes que o Governo dos Estados Unidos está colocando para o Governo mexicano, como, por exemplo, ter como garantia a receita do petróleo, a privatização da PEMEX e outras tantas coisas que podem afetar a soberania do México?

O Sr. Esperidião Amin - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Com muita honra, Senador Esperidião Amin. 

O Sr. Esperidião Amin - Eu estava inscrito para falar e pretendia abordar este assunto, mas fico muito feliz de poder aparteá-lo e agradeço, inclusive, a referência que V. Exª fez ao meu despretensioso mas profético pronunciamento de sexta-feira passada, que só não foi absolutamente medíocre pelos apartes que teve, como os do Senador Pedro Simon, do Senador Epitacio Cafeteira, do Senador João Calmon e de outros companheiros que aqui estavam. Mas eu realmente estava impressionado, já na sexta-feira pela manhã, antes do anúncio da participação, da ajuda que o Brasil anunciou na sexta-feira à tarde, com três circunstâncias: primeiro, com uma palestra a que eu tive a honra de assistir, do ex-Governador Brizola, na Comissão de Economia da Câmara - até numa homenagem a um líder político que teve aqui a sua biografia realçada pelas palavras do Senador Pedro Simon e que eu não precisaria repetir, posto que constam dos Anais da Casa da última sexta-feira -; mas impressionado também, e principalmente, pelo que eu ouvi das intervenções dos Senadores norte-americanos no âmbito da Comissão de Relações Exteriores, inquirindo o Secretário de Estado, o Secretário do Tesouro e o Presidente do Banco Central, do Federal Reserve americano; e, finalmente, impressionado com o que eu tinha ouvido do Ministro Pedro Malan, na quinta-feira da semana retrasada, quando, na Comissão de Assuntos Econômicos, por iniciativa de V. Exª e dos Senadores Epitacio Cafeteira e Mansueto de Lavor, lá esteve S. Exª, exorcizando o fantasma da possível vinculação da situação brasileira com a crise mexicana. Hoje, tomo conhecimento de mais dois fatos, Senador Eduardo Suplicy, que eu gostaria que V. Exª aduzisse à sua reflexão. Eu ia fazer isso e também V. Exª pode fazê-lo. Primeiro, recebi informação de jornalistas de que o Presidente dos Estados Unidos, motivado pela pressão financeira que existe no país - ofereci há poucos instantes a V. Exª um resumo do que diz o jornal The Washington Post de hoje: o editorial ameaçando como uma calamidade para os Estados Unidos se não for concedida a ajuda financeira para o México. "A Calamidade está à Porta" é o título do artigo do jornal The Washington Post; uma calamidade para eles, não para o México. E é isso que diziam os Senadores americanos: "O México somos nós. Temos de ajudá-los porque o México somos nós. Se não os ajudarmos, haverá mais migração para os Estados Unidos, e se a política que formos impor for recessiva demais, haverá mais migração ainda, o salário vai baixar, vai haver desemprego. É uma catástrofe para nós.". Inclusive enunciei aqui, na última sexta-feira, perguntas da Senadora, se não me falha a memória, do Estado do Delaware que diziam assim: "Quer dizer que o México aceitará essas condições?" Como quem diz: "Não são pesadas demais?". "O México já tomou conhecimento dessas condições?" Confesso que senti, como diz o vulgo, um frio na barriga ao imaginar se, daqui a pouco, estivermos vivendo uma situação desta. Quero aduzir esses elementos, porque tomei conhecimento, através de jornalistas, que - e neste ponto introduzo um fato novo em seu pronunciamento - o Presidente da República dos Estados Unidos decretou uma ajuda de 47 bilhões de dólares. Conheço pouco da Constituição americana, mas trocava, há pouco, informações com o nosso companheiro Pedro Simon e com o nosso guru, se assim me permite dizer, o Senador Josaphat Marinho, que já estabeleceu uma comparação com a Constituição da França. A Constituição americana faculta ao Presidente, através de uma expressão que, mal traduzida, quer dizer "seus poderes inerentes", alguns atos discricionários. E estes atos discricionários já permitiram que o Governo americano tomasse decisões sobre gastos, por exemplo, na guerra do Vietnã, sem ouvir o Congresso e sem ter dinheiro no Orçamento. Essa frase do Washington Post é quase que a senha "calamidade". Então, em função da calamidade, os poderes inerentes poderiam ser acionados. Mas é calamidade para eles, se é que as informações que recebemos do Ministro Pedro Malan são verdadeiras. E eu acredito nele. Se não há uma vinculação direta, a calamidade não é nossa. E se for calamidade, 300 milhões de dólares é muito pouco. Ou é calamidade ou é perspectiva de calamidade. E, nesse caso, a situação é grave; a sociedade tem que ser informada; o Senado tem a obrigação de ser informado e de se informar. Ou, se não é calamidade para nós, é calamidade para outros, nós não temos nada com isso. É a postura que o Ministro Pedro Malan aqui deixou e eu o tenho como um homem que merece integral fé de minha parte. Acredito nas suas palavras, mas tenho dúvida sobre a situação. A respeito da declaração a que V. Exª se referiu há pouco, com relação ao porta-voz Sérgio Amaral, prefiro debitar à conta dos equívocos. O art. 52, inciso V, da Constituição Federal, é, nessa questão, tão amplo, que o considero o zagueiro que falta ao Corinthians. É uma tragédia torcer pelo Corinthians porque sua defesa é uma peneira e a zaga falha muito. O art. 52, inciso V, é o "zagueiraço", é aquele "beque de espera" que só poderia ser fintado, driblado através de um passe do Garrincha. Se o porta-voz Sérgio Amaral tiver dito que acredita não ser necessário ou considera dispensável ouvir o Senado, quero dizer o seguinte: o art. 52, inciso V, é um "zagueiraço". Ao Senado incumbe autorizar operações externas de natureza financeira. O que é que fica de fora disso? Que é uma operação externa, não há dúvida. E não é uma operação financeira colocar à disposição, deixar dinheiro disponível, abrir um cheque especial? Não acredito que o ex-Senador Fernando Henrique Cardoso, que ajudou a escrever isso, que inspirou toda a regulamentação do art. 52, inciso V, e que hoje é o Presidente da República viesse a ser o técnico do clube - usando a comparação - que ia contratar esse Garrincha para driblar esse "zagueiraço" que ele ajudou a colocar no nosso time, no time do Brasil, no time das instituições brasileiras. Perdoe-me se me alonguei um pouco em meu aparte, mas assim já quitei também a obrigação de falar. Compartilho da sua preocupação e entendo ser muito oportuno, no último dia do nosso trabalho nesta Legislatura, que esse assunto seja remetido como um daqueles diante dos quais, pelo menos, não nos omitimos. Porque isso vai dar muito o que falar. Muito obrigado.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Prezado Senador Esperidião Amin, em primeiro lugar, deixe-me explicar que tinha consciência de que V. Exª estava inscrito para falar e que iria, inclusive, tratar do assunto, como havíamos dialogado antes. Mas quando percebi que o Presidente Lucídio Portella iria passar à Ordem do Dia e como V. Exª estava, naquele instante, ao telefone, tomei a iniciativa de falar, porque preocupou-me que ambos perdêssemos a oportunidade.

Assim, Sr. Presidente, na verdade, esta minha questão de ordem tem caráter um pouco especial, porque entendo que convém à Presidência do Senado pronunciar-se a respeito de sua interpretação do art. 52 da Constituição Federal; conforme reiterou o Senador Esperidião Amin, este artigo diz que operação financeira externa tem que ser aprovada pelo Senado, o que significará colocar à disposição do México 300 milhões de dólares, seja através de qualquer mecanismo, como, por exemplo, colocar 300 milhões de dólares da reserva brasileira no banco na Suíça ou deixar o México usá-lo para comprar mercadorias aqui no Brasil. Ressalta o Senador Esperidião Amin que a regulamentação sobre o PROEX não permitiria que isso fosse assim regularizado.

Daí a importância de virem aqui os Ministros da Fazenda, do Planejamento e o Presidente do Banco Central. E explico por que não apenas o Ministro da Fazenda e o Presidente do Banco Central, que estão diretamente relacionados ao assunto, mas também o Ministro do Planejamento: o Ministro José Serra está sendo responsável pelo conteúdo das despesas. Como Ministro do Planejamento, S. Exª acaba de fazer cortes no Orçamento. Por conseguinte, há relação com a questão de prioridades do que vai ser feito com os recursos da Nação. Se não há recursos do Orçamento diretamente vinculados a esse empréstimo, de alguma forma poderão afetar o Orçamento da União e as suas prioridades, seja através de seus efeitos na política monetária, no controle da oferta de dinheiro, seja através do que eventualmente depois possa ocorrer com as despesas com juros ou com as receitas dos juros, mesmo que seja também com respeito às prioridades de ajuda externa do Brasil junto às demais nações das Américas e do resto do mundo.

Aliás, o Deputado Antônio Delfim Netto, do PPR, foi um dos primeiros a dizer que essa ajuda seria mais aos investidores na Bolsa de Valores, seja na Bolsa do México ou em Wall Street, de papéis mexicanos, do que propriamente ajuda à economia interna do México ou ao povo mexicano.

Se o Governo dos Estados Unidos está até impondo limitações na hora de conceder essa ajuda, que, segundo disse o Senador Esperidião Amin, já foi hoje decretada, o Governo brasileiro não vai pelo menos demandar ao Governo mexicano o que vai ser feito em termos de política interna, de política econômica doméstica, como resultado dessa ajuda?

Assim, Sr. Presidente, avalio que será prudente, da parte do Senado Federal, esclarecer a interpretação que tem do art. 52 da Constituição Federal, para que não caibam mais dúvidas junto ao Palácio do Planalto, ao seu Porta-Voz, Senador Sérgio Amaral...

O SR PRESIDENTE (Lucídio Portella) - Senador Eduardo Suplicy, peço a V.Exª que termine seu pronunciamento para passarmos à Ordem do Dia, após a qual V. Exª poderá falar.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Quero concluir indagando à Presidência se não considera oportuno fazer o esclarecimento solicitado por mim, pois, conforme disse o Senador Esperidião Amin ao Senador e hoje Presidente Fernando Henrique Cardoso, temos certeza de que Sua Excelência conhece a Constituição que ajudou a escrever, inclusive este capítulo, mas para que o Porta-Voz não tenha dúvida alguma a respeito.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 01/02/1995 - Página 1827