Discurso no Senado Federal

CONCLAMANDO ESFORÇOS PARA UMA MOBILIZAÇÃO MUNDIAL, ATRAVES DOS FORUNS INTERNACIONAIS DOS QUAIS O BRASIL FAZ PARTE, PARA QUE SE TORNE REALIDADE O 'CODIGO DE CRIMES CONTRA A PAZ E A SEGURANÇA DA HUMANIDADE' E O 'TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL', QUE PUNIRÃO OS RESPONSAVEIS POR HORRENDOS CRIMES CONTRA SERES HUMANOS, COMO POR EXEMPLO, A GUERRA NA BOSNIA E CHECHENIA.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. JUDICIARIO.:
  • CONCLAMANDO ESFORÇOS PARA UMA MOBILIZAÇÃO MUNDIAL, ATRAVES DOS FORUNS INTERNACIONAIS DOS QUAIS O BRASIL FAZ PARTE, PARA QUE SE TORNE REALIDADE O 'CODIGO DE CRIMES CONTRA A PAZ E A SEGURANÇA DA HUMANIDADE' E O 'TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL', QUE PUNIRÃO OS RESPONSAVEIS POR HORRENDOS CRIMES CONTRA SERES HUMANOS, COMO POR EXEMPLO, A GUERRA NA BOSNIA E CHECHENIA.
Publicação
Publicação no DCN2 de 28/01/1995 - Página 1395
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. JUDICIARIO.
Indexação
  • COMENTARIO, HISTORIA, CRIME, INTERESSE, AMBITO INTERNACIONAL.
  • COMENTARIO, REPRESSÃO, CRIME, INTERESSE, AMBITO INTERNACIONAL, NECESSIDADE, ARTICULAÇÃO, DIREITO INTERNACIONAL.
  • COMENTARIO, NECESSIDADE, PROTEÇÃO, AMBITO INTERNACIONAL, PAZ, SEGURANÇA, DIREITOS HUMANOS, MEIO AMBIENTE.
  • DEFESA, URGENCIA, CRIAÇÃO, JURISDIÇÃO, MATERIA PENAL, LEGISLAÇÃO PENAL, AMBITO INTERNACIONAL.
  • COMENTARIO, EXISTENCIA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), PROCESSO, APROVAÇÃO, LEGISLAÇÃO PENAL, CRIAÇÃO, JURISDIÇÃO, MATERIA PENAL, AMBITO INTERNACIONAL.
  • CONCLAMAÇÃO, ESFORÇO, MOBILIZAÇÃO, DEFESA, APROVAÇÃO, CODIGO PENAL, CRIAÇÃO, TRIBUNAIS, JULGAMENTO, PUNIÇÃO, RESPONSAVEL, CRIME, AMEAÇA, PAZ, SEGURANÇA, DIREITOS HUMANOS.

           O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, faz já quase duzentos anos que a comunidade mundial percebeu que existem certas condutas delituosas cuja prevenção, controle e repressão são matérias de interesse supranacional. Seja por afetarem a paz e a segurança da humanidade, seja por atentarem de maneira significativa contra os valores internacionais mais básicos, seja por vulnerarem valores humanos fundamentais, seja por afetarem e comprometerem a mais de um Estado ou aos habitantes de mais de um Estado, seja porque para seu cometimento o agente empregou meios que envolvem mais de um Estado, tais práticas delitivas exigem e merecem uma articulação internacional para seu combate. A previsão de seu sancionamento não pode ficar restrita às legislações internas de cada País - embora também aí deva constar -, assim como sua persecução não pode ser responsabilidade apenas do aparato judicial de cada Nação.

           A história do Direito Penal Internacional moderno começa em 1815, com o Congresso de Viena e seus esforços para abolir esta chaga, atentatória ao sagrado direito humano à liberdade, que é a escravidão. Desde então foram elaborados mais de trezentos instrumentos internacionais sobre Direito Penal Internacional substantivo, compreendendo os seguintes crimes internacionais: agressão, crimes de guerra, uso ilícito de armas, crimes contra a humanidade, genocídio, apartheid, escravidão e práticas a ela relacionadas, experimentação ilícita em seres humanos, tortura, pirataria e crimes contra a marinha mercante, Pirataria aérea e sabotagem de aeronaves, seqüestro de pessoal diplomático e de outras pessoas internacionalmente protegidas, captura de reféns civis, envio postal de explosivos e de objetos perigosos, cultivo e tráfico ilícito de drogas, destruição e roubo de tesouros nacionais e arqueológicos, danos contra o meio-ambiente, corrupção de funcionários públicos internacionais e estrangeiros, tráfico internacional de materiais obscenos, interferência em cabos submarinos, falsidades e falsificação e roubo de materiais e armas nucleares.

           A variedade de temas abordados nos tratados e demais instrumentos firmados no campo do Direito Penal Internacional, bem como seu elevado número, por um lado evidenciam a já antiga consciência por parte dos governos quanto à necessidade da articulação internacional no combate a essas modalidades de delito. Por outro lado, dão uma idéia da relevância dos interesses e valores internacionalmente reconhecidos pela comunidade mundial como merecedores de proteção jurídica. Entre esses destacam-se a proteção da paz, a proteção humanitária durante conflitos armados, o controle de armamentos de destruição massiva e de armas suscetíveis de provocar sofrimento humano inútil, a proteção dos Direitos Humanos mais básicos e fundamentais, a prevenção da violência terrorista, a proteção dos interesses sociais, do patrimônio cultural, do meio-ambiente, dos meios de comunicação e dos interesses econômicos internacionais.

           Dentre todos esses valores internacionalmente reconhecidos como merecedores de proteção jurídica, todavia, aqueles que mais de perto interessam à comunidade mundial são, sem dúvida alguma, a paz, a segurança da humanidade e os Direitos Humanos fundamentais.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, conquanto sejam antigos os esforços internacionais no sentido de coibir as condutas atentatórias à paz, à segurança da humanidade e aos Direitos Humanos fundamentais, é evidente que não nos podemos ufanar dos resultados alcançados. Na verdade, é de se questionar se algum progresso nesse sentido foi obtido. Basta abrir um jornal ou assistir a um noticiário de televisão para que coloquemos em dúvida se os milhares de anos de história da civilização representam de fato alguma evolução. Ao tomarmos conhecimento do que ocorre mundo afora podemos facilmente concluir que a cegueira, a ignorância, a crueldade, a intolerância, o ódio irracional continuam a ser os móveis fundamentais da conduta humana.

           Do Iraque à Somália, da ex-Iugoslávia ao Iêmen, do Haiti a Ruanda, a comunidade internacional tem sido testemunha -- e, na maior parte das vezes, testemunha absolutamente impotente -- de uma multiplicação de matanças, destruições e - last but not least - violações repetidas e em grande escala do direito e da legalidade internacionais.

           De Ruanda chegam-nos as imagens dos campos de refugiados, onde seres humanos morrem como moscas, vítimas da fome e das inomináveis condições de vida, causadoras de epidemias devastadoras. Da ex-Iugoslávia vêm as assombrosas imagens dos campos de concentração, com seus prisioneiros esquálidos, incômoda recordação de um passado que supúnhamos definitivamente enterrado.

           Parece, de fato, que a insensatez humana não conhece limites, da mesma forma que é ilimitada a criatividade da espécie quando se trata de infligir sofrimento ao semelhante. Da ex-Iugoslávia vem-nos um exemplo horripilante dessa insana inventidade do bicho homem: Ao longo da história dos conflitos armados, um dos ingredientes acessórios da violência desencadeada tem sido sempre a hedionda prática do estupro. Naquela parte do mundo, porém, o estupro deixou de ser violência acessória para ser consagrado como arma de guerra metodicamente empregada. Em sua política de genocídio da minoria muçulmana, os sérvios adotaram a "tática" da violação repetida de mulheres internadas em campos de concentração, até resultar em gravidez.

           A atuação desses novos senhores da guerra, responsáveis por tragédias humanas dessa magnitude, cobra da comunidade mundial o revigoramento e a ampliação dos instrumentos do Direito Penal Internacional. Para superar a impotência, urge que sejam elaborados diplomas legais e estabelecidas instâncias judiciais eficazes para castigar os culpados e dissuadir todos aqueles que, em qualquer lugar do mundo, se vejam tentados a seguir seu infame exemplo. Cabe, aqui, recordar o precedente do julgamento de Nuremberg, quando, com o respaldo de acordos internacionais como a Convenção de Haia, de 1907, e a Convenção de Genebra, de 1929, os criminosos de guerra nazistas foram levados ao banco dos réus para responder por seus atos bárbaros. Não devemos esquecer, ainda, que a Assembléia Geral da ONU ratificou unanimemente o princípio da lei internacional reconhecido pela Carta do Tribunal de Nuremberg.

           Hoje, todavia, é mister criar, com a máxima urgência, uma jurisdição penal internacional de caráter permanente e um instrumento com capacidade para fazer respeitar o direito e a legalidade internacionais. E aqui cabe ressaltar as iniciativas nesse sentido que vêm ocorrendo no seio da Organização das Nações Unidas.

           Desde 1947 a Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas vem desenvolvendo esforços no sentido da elaboração de um "Código de Crimes contra a Paz e a Segurança da Humanidade". O projeto de código resultante desses esforços foi adotado em primeira leitura pela ONU em 1991. Sua aprovação final, contudo, ainda encontra empecilhos na falta de consenso entre os governos do mundo acerca de quais condutas afetam efetivamente a "Paz e a Segurança da Humanidade" devendo, portanto, ser incluídas no Código.

           Por outro lado, ainda no bojo da discussão acerca do "Código de Crimes contra a Paz e a Segurança da Humanidade", a quadragésima oitava Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (1993) determinou à Comissão de Direito Internacional que desse prioridade ao trabalho de elaboração de um projeto de "Estatuto para um Tribunal Penal Internacional", tarefa essa da qual a Comissão logrou desincumbir-se por ocasião de sua quadragésima sexta sessão, realizada de maio a julho de 1994.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nossa Carta Magna consagra, no art. 7º. do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o compromisso brasileiro de propugnar "pela formação de um tribunal internacional dos direitos humanos". A posição de nosso governo tem sido, até por obediência ao preceito constitucional, de apoio às iniciativas supra-referidas. Contudo, em respeito ao princípio da reserva legal, formulado no velho brocado latino nulla poena sine lege, nullum crimen sine poena legale, também consagrado no inciso XXXIX do art. 5º. de nossa Constituição, que reza "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal", nossa diplomacia tem defendido que a aprovação do "Código de Crimes contra a Paz e a Segurança da Humanidade" deve preceder a instalação do Tribunal Penal Internacional.

           Seja como for, o certo é que devemos avançar decididamente no sentido da aprovação do Código e da criação do Tribunal. O que não podemos é consentir na perpetuação de dramáticos conflitos -- motivados por antiquados nacionalismos e particularismos étnicos ou absurdas e inaceitáveis incompreensões religiosas -- no curso dos quais, pisoteando valores e direitos humanos, cometem-se atrocidades que parecem fazer renascer a violência e os horrores dos regimes totalitários.

           É, de fato, necessária e urgente, nesta conjuntura, a criação de um núcleo válido de direito e de jurisdição internacional que, ao expressar e concretizar a sede de justiça dos homens de boa vontade, resulte eficaz e dotado de credibilidade para identificar e castigar todos aqueles que planejem e executem crimes condenados pela consciência comum.

           É responsabilidade da comunidade internacional -- e, em seu nome, das Nações Unidas, expressão da vontade das pessoas e dos governos livres -- criar e pôr em funcionamento o mais breve possível esse novo direito e essa jurisdição, com a criação de um tribunal permanente sobre crimes contra a humanidade, através do qual possa ser eficazmente repetido, em escala global, o que já se realizou parcialmente com o Tribunal ad hoc sobre delitos cometidos na ex-Iugoslávia.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, deixo a este colendo Plenário uma conclamação: vamos todos engajar-nos no esforço de criar uma grande mobilização internacional. Façamos uso de todos os fóruns internacionais a que temos acesso, particularmente a União Interparlamentar. Dessa forma lograremos tornar realidade o "Código de Crimes contra a Paz e a Segurança da Humanidade" e o "Tribunal Penal Internacional". Os carrascos não podem ficar impunes. A Humanidade tem sede de Justiça!

           Muito obrigado, Sr. Presidente.!


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 28/01/1995 - Página 1395