Discurso no Senado Federal

AGRADECIMENTO A SOLIDARIEDADE DE SEUS PARES RECEBIDA DURANTE INTERNAÇÃO DE S.EXA.

Autor
Darcy Ribeiro (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RJ)
Nome completo: Darcy Ribeiro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO.:
  • AGRADECIMENTO A SOLIDARIEDADE DE SEUS PARES RECEBIDA DURANTE INTERNAÇÃO DE S.EXA.
Publicação
Publicação no DCN2 de 17/02/1995 - Página 2052
Assunto
Outros > SENADO.
Indexação
  • AGRADECIMENTO, SOLIDARIEDADE, SENADOR, PESSOAS, OPORTUNIDADE, INTERNAMENTO, ORADOR.

O SR. DARCY RIBEIRO (PDT-RJ. Como Líder.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tomo a palavra para declarar minha gratidão profunda a quantos manifestaram solidariedade comigo no transe de dor e de medo que eu atravessei.

É um consolo para um homem que se encontrou na situação em que eu estive por tantos dias - vinte e um dias de UTI -, sentido-se com o pé na morte, sentir a solidariedade que chega até ele. Solidariedade de Senadores, expressa aqui por João Calmon - o Senador da Educação -, com o apoio de Ney Suassuna, Magno Bacelar, Pedro Simon, Ronan Tito e de outros Senadores.

Lembro, também, os muitos Senadores que me foram visitar. Não puderam naturalmente entrar na UTI, mas lá encontrei os seus nomes, de pessoas que quiseram levar a mim o seu carinho.

Foi inumerável a quantidade de pessoas que manifestaram sentimento de solidariedade a mim, e de amor. Índios que tocavam os seus tambores para que eu me salvasse. Como vivi muitos anos com eles, posso imaginar muito bem a situação, em tribos diferentes, de gente que tocava o tambor, dizendo aos seus maiores:"se ele tem que morrer, que o mundo não se acabe!" É um exagero indígena, mas representa a idéia de que quando se perde um grande chefe o mundo se desequilibra. Então, ele pede a Deus que, se quer levá-lo, deixe as coisas funcionando bem.

Quando recebi a lista desses toques de tambor, eu me emocionei muito. Recebi, também, notícias sobre novenas, novenas como as que eu rezava quando menino, ao lado de minha mãe, de gente que fazia novenas para que eu me salvasse. Lembro-me de em quantas igrejas isso terá ocorrido, de gente pronunciando, em voz baixa, pedidos a Deus, para que eu fosse salvo. Cultos evangélicos inumeráveis, também. Gente de Bíblia à mão, falando a Deus, tuteando, de pessoa a pessoa, inquirindo e exigindo de Deus que tivesse comigo paciência e que abrisse uma exceção.

Outros cultos espiritualistas chegaram até mim. Alguns deles me fizeram chegar pessoas que pediram e conseguiram licença de estar junto de mim, me tocando, enquanto a sessão espiritualista era feita. Cultos de candomblé e de macumba, do povo negro, que apelava a deuses africanos para que eu me salvasse. Tudo isso é muito para o coração de um homem. É muito para um coração sofrido, mas é muito consolador.

Algumas pessoas sensitivas, paranormais, como Thomas Green Morton e alguns outros foram me dar suas luzes e suas bênçãos.

Minha gente, as comunidades religiosas são diversas. Estão opostas por suas liturgias, também por suas crenças. Mas há uma coisa comum que não há nas facções políticas, que é o fato de todas estarem voltadas para a morte e para o post-mortem. Não para pedir a morte, mas para salvar os homens da morte. E essa unanimidade de fés que se juntam para pedir que uma vida seja preservada me lembra coisas profundas, como uma das mais belas orações do mundo, que aprendi há dezenas de anos, e ainda falo na língua original, que é - perdoem-me as palavras - :

      Rex Tremendus Majestatis

      Qui salvando, salvas, gratis

      Salva-me fom pietatis.

Rei Supremo, Majestade, que, salvando, salvas grátis, salva-me, por piedade!

Isso de salvar grátis não é uma forma de subornar Deus, nem é forma de subornar a fé; tem que ser um pedido do coração dos homens, para conseguir essa dádiva do Rex Tremendus Majestatis.

Eu estou seguro, senhores, de que essas vontades todas, de que essas orações todas me ajudaram a levantar-me e estar aqui hoje, para dizer aos Senadores da emoção que eu tive.

Essa emoção se desdobrou, também, por uma exceção feita à mídia, que em geral não é muita generosa com os Senadores, e que agora foi tão exuberantemente generosa comigo, com artigos, com primeiras páginas, com páginas e páginas. Creio que é o prestígio da morte, é o prestígio do câncer, é o prestígio da fuga e, agora, é o prestígio da careca. Não importa o que seja, o certo é que, a meu coração de homem que estava meio à beira da morte, me fez muito bem e me deu forças para levantar.

O que agora me vem à mente é um verso de Vallejo, que digo de memória:

Aquele homem, só,

estava morrendo.

Muitos homens se acercaram

pedindo: "não morra!"

Mas o homem, ai,

seguiu morrendo.

Milhares de homens vieram

pedindo, todos, "homem, não morra!"

Mas o homem, ai,

seguiu morrendo.

Milhões de homens vieram

pedir, "não morra!"

Aquele homem se levantou e saiu andando.

Sr. Presidente, muito obrigado. Muito obrigado, meus nobres Senadores. (Palmas!)


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 17/02/1995 - Página 2052