Discurso no Senado Federal

ASSASSINATO DO ECONOMISTA JAIME TEIXEIRA. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE AJUIZADA JUNTO AO SUPREMO FEDERAL PELO PROCURADOR-GERAL DA REPUBLICA, DR. ARISTIDES JUNQUEIRA, VISANDO A REDUÇÃO SALARIAL DOS PARLAMENTARES. RESPOSTA DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO SOBRE SALARIO MINIMO, EM ENTREVISTA COLETIVA NA DATA DE ONTEM.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA SALARIAL.:
  • ASSASSINATO DO ECONOMISTA JAIME TEIXEIRA. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE AJUIZADA JUNTO AO SUPREMO FEDERAL PELO PROCURADOR-GERAL DA REPUBLICA, DR. ARISTIDES JUNQUEIRA, VISANDO A REDUÇÃO SALARIAL DOS PARLAMENTARES. RESPOSTA DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO SOBRE SALARIO MINIMO, EM ENTREVISTA COLETIVA NA DATA DE ONTEM.
Aparteantes
Geraldo Melo, Gerson Camata, Ronaldo Cunha Lima.
Publicação
Publicação no DCN2 de 18/02/1995 - Página 2119
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA SALARIAL.
Indexação
  • INFORMAÇÃO, HOMICIDIO, JAIME TEIXEIRA, ECONOMISTA, FUNDADOR, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), ESTADO DO PARA (PA), SOLICITAÇÃO, ALMIR GABRIEL, GOVERNADOR, NELSON JOBIM, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), APURAÇÃO, PUNIÇÃO, RESPONSAVEL, CRIME, RELACIONAMENTO, PROBLEMA, SONEGAÇÃO, IMPOSTOS, PAIS.
  • COMENTARIO, AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE, AJUIZAMENTO, ARISTIDES JUNQUEIRA, PROCURADOR GERAL DA REPUBLICA, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), DECLARAÇÃO, INCONSTITUCIONALIDADE, DISPOSITIVOS, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, RELAÇÃO, REMUNERAÇÃO, MEMBROS, CONGRESSO NACIONAL.
  • AVALIAÇÃO, RESPOSTA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, INTERPELAÇÃO, JORNALISTA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), PARTICIPAÇÃO, ENTREVISTA, RELAÇÃO, SALARIO MINIMO.

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em primeiro lugar, eu gostaria de registrar um triste acontecimento: o assassinato do economista Jaime Teixeira, um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores e seu Presidente numa das fases principais da história do PT.

O Diretório Regional, as Bancadas Municipais, Estaduais e Federal do Partido dos Trabalhadores divulgaram nota sobre o seu assassinato, ocorrido no dia 12 de fevereiro.

Jaime Teixeira, que trabalhava como professor da Universidade da Amazônia e era fiscal de tributo, foi o segundo Presidente Regional do PT, com liderança destacada nas lutas pelos direitos à cidadania, pela democracia. Devido a essa postura, esteve entre os primeiros a organizar a Sociedade Paraense dos Direitos Humanos - SPDDH, chegando a exercer a sua Presidência.

Comovidos com a sua morte, os membros do PT alertam a opinião pública para o fato de que as informações disponíveis levam a crer que esse crime não se constituiu apenas em um assalto violento. O requinte e a precisão da execução, aliados ao fato de Jaime Teixeira estar exercendo a função de fiscal da SEFA - Secretaria da Fazenda, permite supor um crime perpetrado pelos que seriam atingidos por investigações por ele realizadas.

Há o dado alarmante de que três fiscais da SEFA foram mortos em período recente, sem que se tenha presenciado um resultado efetivo na punição dos culpados.

Queremos, juntamente com o PT do Pará, solicitar ao Governador Almir Gabriel que procure realizar, com a colaboração da Polícia Federal e do Ministério da Justiça, um trabalho de investigação sobre esse fato, que se relaciona com o problema da sonegação de impostos no Brasil.

O relatório sobre problemas e falcatruas na Secretaria da Fazenda, que seria entregue ao Deputado Estadual José Carlos Lima no dia seguinte ao assassinato, estava dentro do carro da vítima, roubado pelos assassinos. Jaime Teixeira, portanto, estava realizando um trabalho de averiguação de fiscais que não estavam cumprindo adequadamente a sua função.

Fica aqui o nosso apelo para que o Governador do Pará, Almir Gabriel, e o Ministro da Justiça, Nelson Jobim, realizem o trabalho de desvendar a natureza desse assassinato, a fim de que não haja impunidade nesse caso e para que possa a população brasileira saber que há hoje um processo sério para se terminar com a sonegação de impostos, seja a nível de Município, de Estado ou da Federação. 

Em segundo lugar, Sr. Presidente, o Procurador Geral da República, Aristides Junqueira Alvarenga, com fundamento no art. 103, inciso VI, da Constituição Federal, ajuizou, ontem, perante o Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade, objetivando a declaração de inconstitucionalidade do art. 3º e seus parágrafos, bem como da expressão "observado o disposto no art. 3º", constante do art. 5º, ambos do Decreto Legislativo nº 7, de 19 de janeiro de 1995, que dispõe sobre a remuneração dos membros do Congresso Nacional durante a 50º Legislatura.

O teor dos dispositivos impugnados é o seguinte:

      Art. 3º. É devida ao parlamentar, no início e no final previsto para a sessão legislativa, ajuda de custo equivalente ao valor da remuneração.

      § 1º. A ajuda de custo destina-se à compensação de despesas com transporte e outras imprescindíveis para o comparecimento à sessão legislativa ordinária ou à sessão legislativa extraordinária, convocadas na forma da Constituição Federal.

      § 2º. Perderá o direito à percepção da parcela final da ajuda de custo o parlamentar que não comparecer a pelo menos 2/3 da sessão legislativa.

      § 3º. O valor correspondente à ajuda de custo não será devido ao suplente reconvocado na mesma Sessão Legislativa.

      (......................)

      Art. 5º: O Suplente convocado receberá, a partir da posse, a remuneração a que tiver direito o parlamentar em exercício, observado o disposto no § 3º do art. 3º.

O Procurador Geral tomou a iniciativa atendendo, em parte, à promoção deste Senador, Líder do PT no Senado, e do Deputado Federal José Fortunati, Líder do PT na Câmara dos Deputados, e a uma outra representação, onde se aponta a incompatibilidade das normas transcritas com os art. 37, caput, e seus incisos XI e XII, e 55, inciso III, da Constituição Federal.

      Compete exclusivamente ao Congresso Nacional fixar a remuneração dos Deputados Federais e dos Senadores em cada Legislatura para a subseqüente, bem como a dos Ministros de Estado para cada exercício financeiro.

      Na fixação dessa remuneração, contudo, o Congresso Nacional deve observância aos princípios estabelecidos na Constituição Federal, entre os quais o da equivalência dos valores percebidos pelos Ministros de Estado e pelos membros do Poder Legislativo, que constituem os limites máximos de remuneração no âmbito dos respectivos Poderes. Essa equivalência é fundamental para a concreção da regra de isonomia de vencimentos para cargos de atribuições iguais ou assemelhados dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

      No exame da constitucionalidade de dispositivos legais que fixavam remuneração de cargos de cúpula do Poder Judiciário, impugnados sob o argumento de que estabeleciam valores excedentes aos atribuídos no âmbito do Poder Executivo, o Supremo Tribunal Federal assentou a tese de que "devem os vencimentos dos agentes de cúpula dos Três Poderes guardar relação de equivalência, não porque se trate de cargos idênticos ou semelhantes, mas sim como condição necessária da operatividade da regra da isonomia de vencimentos dos respectivos servidores", conforme documento assinado pelo Relator, Ministro Sepúlveda Pertence, decisão esta que tem como precedente uma outra, de autoria do Ministro Célio Borja.

      Esse entendimento já constava da justificativa do projeto encaminhado ao Congresso Nacional, que se converteu na Lei nº 7.721, de 6 de janeiro de 1989, esclarecendo o Supremo Tribunal Federal que o princípio da isonomia "entre os servidores dos Três Poderes pressupõe que os limites máximos, a que se refere o citado art. 37, inciso XI, guardem, entre si, relação de equivalência. Elevado o limite máximo de um Poder, cumpre ajustar os limites máximos dos outros Poderes, em ordem a que o princípio da isonomia, entre servidores dos três Poderes da República, opere na conformidade do espírito e sistema da nova ordem constitucional".

      É verdade que, no exercício da atribuição prevista no art. 49, VII, da Constituição Federal, isto é, na fixação da remuneração dos Deputados Federais e Senadores, não está o Congresso Nacional adstrito aos limites de remuneração, até então vigentes, dos Ministros de Estado e dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Ocorre, porém, que, cabendo também ao Congresso Nacional fixar a remuneração dos Ministros de Estado para cada exercício financeiro, não pode deixar de observar essa relação de equivalência.

      Não foi o que ocorreu na espécie. O Decreto Legislativo nº 6, de 23 de janeiro de 1995, fixou a remuneração mensal dos Ministros de Estado em R$ 8.000,00 (oito mil reais) mensais, para o exercício financeiro de 1995, e ainda lhes concedeu o adicional correspondente à remuneração mensal do mês de dezembro desse ano.

      Já o Decreto Legislativo nº 7, na mesma data, estabeleceu a remuneração mensal dos Deputados Federais e Senadores em R$ 8.000,00 (oito mil reais), formada pelo subsídio fixo de R$ 3.000,00 (três mil reais), pelo subsídio variável de R$ 3.000,00 (três mil reais) e pelo subsídio adicional de atividade parlamentar de R$ 2.000,00 (dois mil reais), conferindo-lhes ainda, no mês de dezembro, mais uma remuneração, formada por essas três parcelas, em valor proporcional ao efetivo comparecimento às sessões deliberativas realizadas a 30 de novembro (arts. 1º e 2º).

      11. Essas normas atendem ao requisito de equivalência, emergente da Constituição Federal. O art. 3º do Decreto Legislativo nº 7 de 95, entretanto - e esse é o ponto que acaba quebrando a isonomia - criou ajuda de custo, uma no início e outra no final de cada legislativa, equivalente ao valor da remuneração (art. 3º, caput) e ainda ajuda de custo em caso de convocação extraordinária. Sobre essas novas parcelas, assinalo expediente que acompanha a inicial.

      Não bastasse a elevação da remuneração em aproximadamente cem por cento, trataram os congressistas de instituir um 13º salário, mais duas remunerações integrais devidas na convocação e na desconvocação da sessão ordinária e mais duas, nos mesmos termos, pela convocação de eventual sessão extraordinária. Isto significa que havendo duas convocações extraordinárias - uma no recesso de julho e outra no de dezembro e janeiro, o que tem sido a regra nas últimas sessões legislativas - cada parlamentar poderá receber até 19 remunerações por um ano de trabalho, ou, no mínimo, 15 remunerações integrais.

      12. O art. 33 da Constituição anterior (EC nº 1/69) previa o subsídio, dividido em parte fixa e em parte variável, e ajuda de custo, esta destinada à compensação de despesas com transporte e outras imprescindíveis, para o comparecimento à sessão legislativa ordinária ou à sessão legislativa extraordinária, cujo pagamento deveria ser feito em duas parcelas. A Constituição vigente utiliza genericamente a expressão "remuneração", quando se refere aos Deputados Federais e aos Senadores. Essas remunerações excedentes, a título de ajuda de custo, previstas no art. 3º do Decreto Legislativo nº 7 de 1995, em realidade, rompem a relação de equivalência exigida pela Constituição Federal. Para o deslocamento aos Estados pelos quais foram eleitos, aliás, já dispõem, os Parlamentares, de cota mensal de passagens aéreas.

      13. Se essas parcelas pudessem ser desconsideradas para efeito de determinação do limite máximo a que se refere o art. 37, XI, da Constituição, então a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, no exercício de suas atribuições constitucionais, poderiam fixar os vencimentos dos servidores do Poder Legislativo, com igual previsão de novas remunerações, a título de ajuda de custo das mesmas hipóteses, o que, em realidade, subverteria a regra do art. 39, § 1º e a do art. 37, XII, da Lei Fundamental, importando em atribuir aos cargos do Poder Legislativo vencimentos superiores aos pagos pelo Poder Executivo.

      14. Ademais, essas remunerações, conferidas indistintamente a todos Parlamentares, em valores equivalentes à própria remuneração mensal e sem correlação com despesas necessárias ao comparecimento à sessão legislativa, não têm o caráter de ajuda de custo. A determinação da natureza jurídica dessas parcelas era despicienda no regime constitucional anterior, não só porque contempladas explicitamente no texto fundamental, como também porque não se estabelecia o princípio da equivalência, mas é imprescindível no atual, em face das regras inscritas nos arts. 37, XI e XII, e 39, § 1º, da Lei Maior. Acrescente-se que esta fórmula de remuneração não gera transtornos apenas no âmbito Federal, sabido que o sistema federal serve de modelo ou, às vezes, é determinante do próprio critério de remuneração no âmbito das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores.

      15. Deixa o Autor de requerer medida cautelar de suspensão da vigência do art. 3º e seus parágrafos e das expressões finais do art. 5º do Decreto Legislativo nº 7, de 1995, tendo em vista que a ajuda de custo prevista para o início da sessão legislativa, em 15 de fevereiro de 1995, já foi paga. Protesta, entretanto por futuro requerimento nesse sentido, se, até julho do corrente ano, esta ação não tiver ainda julgamento definitivo.

      16. Isto posto, pede o Autor que, após as informações necessárias e ainda o parecer do Advogado-Geral da União, lhe seja dada vista dos autos para pronunciar-se a respeito da controvérsia constitucional e, afinal, seja julgada procedente a ação.

      Brasília, 7 de fevereiro de 1995.

      Aristides Junqueira Alvarenga

      Procurador-Geral da República

Tendo em vista a relevância dessa matéria e o fato de o Presidente Fernando Henrique Cardoso recentemente ter apelado ao Congresso Nacional no sentido de que corrija a deliberação anteriormente adotada - o Partido dos Trabalhadores assinalou na ocasião que se tratava de um excesso - e como o Procurador-Geral da União, Aristides Junqueira Alvarenga, propôs fosse ouvido o Advogado-Geral da União, solicitarei ao Presidente, quando da sua visita, hoje às 12h, que peça ao Advogado-Geral da União celeridade no parecer relativo a esse caso.

O Presidente Fernando Henrique Cardoso, ontem, em entrevista coletiva, quando perguntado sobre como viveria se recebesse o salário mínimo de 70 reais, respondeu ao repórter que a pergunta não tinha cabimento. Ou seja, Sua Excelência tratou a indagação como se não fosse séria, como se fosse uma brincadeira; qualificou a questão colocada pelo repórter da Folha de S. Paulo de demagógica.

Esse episódio fez-nos relembrar uma resposta - também pouco adequada - do Presidente João Figueiredo, quando um menino de 10 anos lhe havia perguntado: "Presidente, como o senhor se sentiria, se fosse criança e seu pai ganhasse salário mínimo?" O então Presidente João Figueiredo respondeu: "Eu dava um tiro no coco". Na época o salário mínimo, em São Paulo, era de 2.268,00 cruzeiros, que correspondiam a 76 dólares.

Ontem, segundo o repórter da Folha de S. Paulo, quando perguntado o que o cidadão Fernando Henrique Cardoso faria se recebesse mensalmente um salário mínimo de 70 reais, o Presidente, contrariado, respondeu: "Não sobreviveria". Antes, no entanto, tentou devolver a indagação: "O que você faria?" O jornalista insistiu: eu pergunto ao senhor. Ao arrematar sua resposta, o Presidente disse: "Não tem o que fazer, o sujeito fica no desespero, e não podemos deixar milhões no desespero. Por isso, temos de fazer a reforma na Previdência, por isso temos que ser sérios e não engraçadinhos".

Ora, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, então levar a uma reflexão sobre o salário mínimo vigente é querer ser engraçadinho?

O Sr. Gerson Camata - Permite-me V.Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Com muita honra, Senador Gerson Camata.

O Sr. Gerson Camata - Senador Eduardo Suplicy, o repórter da Folha de S. Paulo acordou ontem num dia ruim: fez uma pergunta ao Presidente, mas não esperava que a resposta fosse tão inteligente e tão rápida. Como V.Exª sabe, o Poder Executivo não faz o que quer; faz o que pode. Evidentemente, se o Presidente pudesse conceder, por lei, um salário mínimo que efetivamente vigorasse e não fosse desvalorizado pela inflação, nem provocasse aumento de consumo e o conseqüente desabamento do Plano, um salário mínimo que não provocasse a falência da Previdência Social, seria injusto - e nós, Parlamentares, também - com os trabalhadores brasileiros se fixasse o valor de 100 reais. Deveria logo dar 1000 reais. A esquerda brasileira - não sei se V. Exª pensa assim - defende, há muitos anos, a tese segundo a qual se pode determinar salário por lei. O salário nominal pode ser estabelecido por lei, mas o salário real não se faz por lei porque ele vai atender ao jogo do mercado. Se fizéssemos, por exemplo, uma lei estabelecendo que com 1,00 real se pudesse comprar 100 dólares, ela não funcionaria porque estaria contrariando as regras de mercado. Se fizéssemos outra lei concedendo a cada brasileiro, a partir de amanhã, 1K de ouro, no dia seguinte os brasileiros acordariam sem esse ouro porque teríamos, primeiro, que arranjar esse ouro. Então há uma diferença fundamental entre aquilo que podemos e aquilo que não podemos fazer por lei. E a pergunta do repórter, no meu entender, foi demagógica e teve o objetivo de encantoar o Presidente e passar para a população a idéia de que Sua Excelência é um homem cruel, ruim e que quer massacrar o trabalhador brasileiro. V. Exª sabe que qualquer governante, se pudesse oferecer à população de seu país um salário mínimo real de 1.000 reais sem desencadear as conseqüências que tal ato provocaria, ele o faria. Ou V. Exª e o repórter pensam que o Presidente é um homem cruel, ruim, de coração mau e que quer fazer com que os trabalhadores brasileiros morram de fome? Eu não tenho essa idéia a respeito do Presidente. Penso que Sua Excelência quer promover efetivamente o desenvolvimento sustentado, quer melhorar a economia e aumentar a oferta de empregos do Brasil. Se isso ocorrer, automaticamente não haverá necessidade de aumento nominal do salário mínimo, porque teremos um aumento real de todos os salários. V. Exª se lembra de que, na época do Plano Cruzado, quando ocorreu aquela violenta movimentação econômica do Brasil que reativou a economia, a massa salarial brasileira teve um aumento salarial de 30% num ano, fato quase inédito na economia mundial, sem que houvesse a elevação, por lei, do salário mínimo. A elevação do nível de emprego provocou um aumento real não só do salário mínimo mas também de todos os salários. De modo que a contribuição que podemos dar ao Presidente - e entendo que V. Exª, lúcido como é, entende assim - é fazermos as reformas para que o Brasil modernizado melhore a sua economia, comece um processo de desenvolvimento, e os aumentos salariais sejam reais, e não nominais concedidos apenas por lei.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Agradeço o aparte de V. Exª, nobre Senador Gerson Camata, mas neste episódio avalio de forma diferente, porque o Presidente Fernando Henrique Cardoso deveria estar mais bem preparado para responder com racionalidade a pergunta feita pelo repórter de a Folha de S. Paulo. A cada dia, onde ele estiver, poderá receber perguntas como a referente ao salário mínimo...

O Sr. Gerson Camata - Como V. Exª responderia?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Pois bem, em primeiro lugar, faria uma reflexão semelhante a que o Presidente Bill Clinton fez há três semanas quando encaminhou mensagem aos congressistas norte-americanos. Ele propôs que fosse analisado um moderado aumento do salário mínimo nos Estados Unidos de 4,25 dólares por hora para cerca de 5,00 dólares, não especificando exatamente o montante, mas afirmando que seria apenas um aumento moderado do salário mínimo, hoje equivalente a 680 dólares por mês, quase dez vezes o nosso salário mínimo. Ele afirmou aos congressistas: "Para terem uma idéia de como isso deveria ser adequado, basta lembrar que, em janeiro deste ano, os senhores vão receber o equivalente ao que os trabalhadores que ganham salário mínimo receberão em um ano de trabalho."

Se o Presidente Fernando Henrique Cardoso, na sua mensagem ao Congresso Nacional, quisesse fazer comparação semelhante, poderia dizer que nós, Deputados e Senadores, iremos receber - aliás, já recebemos o pagamento - o equivalente ao que um trabalhador, ganhando salário mínimo com o abono, ganharia em quinze anos e meio. Se for o salário de março, serão mais de sete anos para um trabalhador receber.

Veja que nos Estados Unidos um trabalhador, se ganhar apenas o salário mínimo e conseguir ficar empregado o ano inteiro, vai obter 680 dólares por mês e, no ano, um pouco mais de 8 mil dólares. No entanto, se ele tiver uma família, digamos, mulher e dois filhos, na verdade, vai receber mais 40% com o crédito fiscal por remuneração recebida, ali existente.

Quando o Presidente Bill Clinton disse, durante a sua campanha, que, se a remuneração de toda pessoa que estivesse trabalhando e tivesse uma família não fosse suficiente para estar acima da linha oficial da pobreza, ele receberia o equivalente para superar aquela linha oficial da pobreza, através de um instrumento, uma forma de imposto de renda negativo que lá existe e que foi mais do que dobrada, mas ampliada pelo Presidente Bill Clinton e, assim, se um trabalhador estiver na linha do salário mínimo, ele acaba recebendo 40% a mais, e a sua remuneração passa para 11 mil e 200 dólares.

O Sr. Geraldo Melo - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PRESIDENTE (Nabor Júnior) - A Presidência lembra ao nobre orador que o seu tempo está esgotado.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Sr. Presidente, já concluirei, mas eu pediria a gentileza de, muito brevemente, ouvir o aparte do nobre Senador Geraldo Melo, antes de, inclusive, concluir a resposta ao nobre Senador.

O SR. PRESIDENTE (Nabor Júnior) - Pois não.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Ouço, com muita honra, o aparte do nobre Senador Geraldo Melo.

O Sr. Geraldo Melo - Agradeço ao nobre Senador Eduardo Suplicy a oportunidade de participar do seu discurso. Agradeço também a gentileza de nos dispensar de ler os jornais da manhã porque, na verdade, V. Exª se dispôs a fazer isso para nós. Eu apenas queria dizer, como estreante nesta Casa, que me preocupa um pouco, nobre Senador, que tenhamos uma pauta tão cheia de desafios pela frente e que sejamos obrigados a perder tanto tempo para discutir se uma resposta dada pelo Presidente da República, numa entrevista, foi inteligente ou não. Creio que seria bastante que cada um de nós, tomando conhecimento da resposta, dissesse a si mesmo se o Presidente, naquele momento, foi inteligente ou não, se foi feliz ou infeliz. Os que julgarem que ele foi infeliz certamente desejarão que seja feliz da próxima vez, porque isso não muda o fato essencial, Senador Suplicy, de que a realidade da economia não será modificada com uma resposta brilhante ou não do Presidente da República. Sua Excelência poderia, por exemplo, dizer que, se ganhasse um salário mínimo, viveria como todo trabalhador que o recebe. Não tivemos a oportunidade de saber o que V. Exª diria, como solicitou o Senador Gerson Camata. Mas eu, da minha parte, entendo que todos sonhamos, Senador, com um mundo em que seja possível dar a todas as pessoas o que desejam ter, o que precisam possuir, que cada uma que nascesse tivesse o direito a receber de acordo com as suas necessidades e que cada um pudesse oferecer de acordo com as suas possibilidades. A humanidade sonhou com uma sociedade assim. Passamos setenta assistindo a essa tentativa. Estivemos à beira de holocaustos para que a confrontação entre essa possibilidade ou não fosse feita e, no fim, prevaleceu a força da realidade. A economia, por exemplo, tem caprichos e poderes misteriosos. Ela não suporta, para um PIB de um determinado tamanho, que naquele PIB caiba uma massa salarial maior do que x. Podemos, por solidariedade, por emoção, por carinho com o povo, com os necessitados, determinar que a massa salarial aumente. A economia, em silêncio, desenvolverá, como se fosse uma pequena febre, um pequeno surto inflacionário na medida necessária para anular aquela diferença que foi imposta artificialmente. Essa é a realidade. Ela não é boa, Senador. Ela é uma terrível ditadura da realidade econômica, mas a humanidade, infelizmente, não descobriu remédios ainda para ela. De maneira que, de minha parte, me abstenho de considerar que o Presidente tenha sido feliz ou infeliz na sua declaração e devo encerrar minha intervenção, agradecendo a paciência de V. Exª e a honra que me deu de poder me manifestar, pela primeira vez, nesta Casa participando do discurso de um Senador tão eminente, por quem tenho tanta admiração e tanto respeito. Muito obrigado.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Prezado Senador Geraldo Melo, completo também para V. Exª a resposta ao Senador Gerson Camata.

Perguntado sobre o que faria com respeito ao salário mínimo, eu diria que em quase todos os países do mundo, hoje, na hora de se definir, de se pensar na questão do salário mínimo, leva-se em conta dois instrumentos: a definição do salário mínimo e uma forma de garantia de renda mínima ou de imposto de renda negativo que assegure ao cidadão um mínimo de rendimento.

Não é necessário que se tenha a economia inteiramente sob o controle do Estado, Senador Geraldo Melo. Hoje isso ocorre nos Estados Unidos, na França, na Grã-Bretanha, no Canadá, no próprio México se instituiu em outubro de 1993, na Guiana vizinha ao Brasil. Eu poderia estender-me falando de dezenas de países onde se institui, ao lado do salário mínimo, um mecanismo que garanta, pelo menos moderadamente, aquilo que V. Exª imagina que não seja tão possível, que a história teria demonstrado não ser possível. Ao contrário, a história demonstrou e tem demonstrado que é possível, sim, enfrentar-se esse problema. E o próprio Brasil, Senador Geraldo Melo, teve uma participação dos salários na economia superior a 50%, e hoje é pouco acima de 30%. Então nós precisamos reverter este quadro.

Ainda ontem, o Senador Lauro Campos aqui falava que o problema do Brasil é sobretudo de acumulação de capital decorrente de concentração extraordinária de renda e de riqueza. Se quisermos modificar essa tendência podemos fazê-lo. Aliás, o Senado Federal já aprovou, com o voto inclusive do Presidente Fernando Henrique Cardoso, em dezembro de 1991, o Projeto de Lei que institui o Programa de Garantia de Renda Mínima, que está na Câmara dos Deputados com o parecer favorável do Senador Germano Rigotto e sobre a mesa do Ministro da Fazenda, mais especificamente do Secretário de Política Econômica, José Roberto Mendonça de Barros, para concluir os estudos.

É perfeitamente possível resolver-se isso!

O Senador Antônio Carlos Magalhães, outro dia, desafiou o Presidente da República dizendo que Sua Excelência tem que colocar uma alternativa para a Nação, caso contrário o Congresso Nacional derrubará o veto ao projeto de lei que aumentou o salário mínimo de 70 para 100 reais.

É possível, perfeitamente, combinarmos um aumento razoável do salário mínimo, que não leve ao impulso inflacionário, com um mecanismo que garanta um complemento de renda àqueles que não tenham o suficiente para sobreviver. E eu considero, Senador Geraldo Melo, que não há nada mais prioritário hoje que esta questão. Ao lado de se combater a inflação, que é extremamente importante, inclusive para os miseráveis, é imprescindível dar-se a mesma energia para a questão do combate à miséria no País.

O Sr. Geraldo Melo - Senador Eduardo Suplicy, eu pediria apenas a oportunidade de esclarecer. Longe de mim a idéia de me posicionar contra qualquer mecanismo possível de correção de injustiças, de desconcentração e melhor distribuição de renda ou de elevação do nível de renda de compatriotas nossos que, tanto quanto qualquer um de nós, têm o direito de aspirar a uma vida melhor. V. Exª conta comigo no momento em que for necessário para realizar qualquer iniciativa viável. Apenas eu quis dizer a V. Exª e a esta Casa que não acredito na linha do caritativismo como forma de resolver a realidade econômica. Ela tem caprichos e desafios que os nossos discursos não conseguem modificar. O que eu quis dizer, Senador, foi apenas que nenhuma comunidade poderá ter aquilo que não possa pagar, infelizmente.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Acontece, Senador Geraldo Melo, que há 50 anos, ou muito mais, na história do Brasil, a caridade tem sido feita para os que já detêm grande patrimônio. Desde o tempo em que se distribuíram as capitânias hereditárias...

O Sr. Geraldo Melo - Estou de pleno acordo com V. Exª. Longe de mim discutir esse aspecto.

O SR. EDUARDO SUPLICY - ... desde há algumas décadas que distribuímos renúncias fiscais, subsídios creditícios, as formas mais variadas de incentivos fiscais aos poderosos, aos que têm grande patrimônio neste País, para que possam, em tese, criar empregos e oportunidades aos miseráveis. Acontece que, mais e mais, o que temos visto é a concentração da renda e da riqueza, levando o Brasil ao ápice dos indicadores de má distribuição de renda e de riqueza.

O Sr. Ronaldo Cunha Lima - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Ouço o aparte do nobre Senador Ronaldo Cunha Lima.

O Sr. Ronaldo Cunha Lima - Senador, no instante em que V. Exª aborda o salário-mínimo, tecendo considerações de ordem econômica e social, eu me permitiria até antecipar, de certa forma, o debate que pretendo trazer para esta Casa, através de proposta que estou redigindo, reproduzindo mais ou menos o que foi implantado no meu Estado quando Governador, em relação ao salário mínimo e estabelecendo a relação entre a maior e menor remuneração, em respeito aos termos constitucionais. Ali conseguimos, Sr. Senador, através de lei complementar encaminhada à Assembléia, com a participação do Tribunal de Justiça, da própria Assembléia, do poder Executivo, do Ministério Público e do Tribunal de Contas. Lei complementar que estabelecia o fortalecimento da pirâmide, de modo a que nenhuma remuneração, a nível de qualquer poder, pudesse ultrapassar 40 vezes o salário mínimo vigente. Com isso, se fortaleceria a base dessa pirâmide e impediria, como impediu, que aumentasse a distância enorme que se está estabelecendo entre o salário mínimo e a remuneração de alguns poderes, de alguns servidores entre os Três Poderes. Não sei se o valor estabelecido na Paraíba, de 40 vezes o maior salário, em relação ao salário mínimo, foi o ideal, mas foi o possível, após os estudos que estabelecemos, de modo a que hoje nem o Poder Judiciário nem o Poder Legislativo nem o Poder Executivo podem estabelecer seus salários de forma superior a 40 vezes o salário mínimo. E na hora em que pretendemos ou pretendêssemos elevar os nossos salários ou fixar salário de quaisquer dos poderes, teríamos que aumentar a base para essa fixação. E eu dizia, na justificativa, que para que chegássemos hoje a essa remuneração vigente dos poderes, o salário mínimo não seria de 100 reais, teria que ser de 200 reais. Isso força, inibe, de certa forma, a projeção de outros salários e alimenta bem essa dicotomia que está existindo entre os poderes da República. Com essa sugestão, Sr. Senador, através de projeto que estou redigindo e que pretendo trazer à apreciação de V. Exªs, espero receber a colaboração da sua inteligência, do seu espírito público e da sua experiência.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Considero, Senador Cunha Lima, que esta proposição faz sentido. Hoje, o salário mínimo de 70 reais mais o abono de 15 reais, totalizando 85 reais, fica 100 vezes menor que o salário do Presidente da República, que é de 8.500 reais. Portanto, um projeto de lei que estabelecesse um limite máximo de 40 faria com que, quando da análise do Executivo com o Congresso Nacional sobre os decretos legislativos, agora objetos de atenção do Supremo Tribunal Federal, o Presidente e o próprio Legislativo pensassem melhor antes de estabelecer a diferença que agora se torna tão acentuada. Eu acredito que a proposição de V. Exª deva ser seriamente considerada e me empenharei neste sentido.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado. (Palmas!)


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 18/02/1995 - Página 2119