Discurso no Senado Federal

ENTREGA DE OFICIO DIRIGIDO AO MINISTRO DA FAZENDA, EM QUE QUESTIONA A POSSIVEL AJUDA FINANCEIRA DO BRASIL AO MEXICO.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. SENADO.:
  • ENTREGA DE OFICIO DIRIGIDO AO MINISTRO DA FAZENDA, EM QUE QUESTIONA A POSSIVEL AJUDA FINANCEIRA DO BRASIL AO MEXICO.
Aparteantes
Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DCN2 de 23/02/1995 - Página 2236
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. SENADO.
Indexação
  • COMENTARIO, ENTREGA, OFICIO, AUTORIA, ORADOR, DESTINAÇÃO, PEDRO MALAN, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), SOLICITAÇÃO, ESCLARECIMENTOS, NEGOCIAÇÃO, AUXILIO FINANCEIRO, GOVERNO BRASILEIRO, PAIS ESTRANGEIRO, MEXICO.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, OFICIO, GUILHERME ORTIS, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), PAIS ESTRANGEIRO, MEXICO, DESTINAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, EXPLICITAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, BRASIL, AUXILIO FINANCEIRO, GOVERNO ESTRANGEIRO.
  • COMENTARIO, DECLARAÇÃO, PEDRO MALAN, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), REUNIÃO, PRESENÇA, ORADOR, AUSENCIA, DECISÃO, PARTICIPAÇÃO, BRASIL, AUXILIO FINANCEIRO, PAIS ESTRANGEIRO, MEXICO, INFORMAÇÃO, PENSAMENTO, GOVERNO BRASILEIRO, CRIAÇÃO, PROCESSO, ENTENDIMENTO, GOVERNO ESTRANGEIRO, VIABILIDADE, AUXILIO, DEFESA, MOEDA, EVENTUALIDADE, ESPECULAÇÃO, MERCADO FINANCEIRO.
  • DEFESA, RELEVANCIA, AUXILIO FINANCEIRO, PAIS ESTRANGEIRO, NECESSIDADE, APRECIAÇÃO, DEBATE, ASSUNTO, CONGRESSO NACIONAL, PRIORIDADE, SENADO, RESPONSAVEL, AUTORIZAÇÃO, EMPRESTIMO EXTERNO.

O SR. EDUARDO SUPLICY (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, entreguei hoje pessoalmente ao Exº Sr. Pedro Malan, Digníssimo Ministro da Fazenda, o seguinte ofício:

      "A transparência de suas ações e a franqueza de suas palavras constituem um de seus mais caros compromissos. No último dia 9 de fevereiro, quando lhe perguntei sobre a possibilidade de o Brasil estar realizando alguma ajuda financeira ao México, V. Exª afirmou que não havia sido tomada decisão a respeito e que informaria ao Senado Federal sobre todos os passos que o Governo brasileiro viesse a dar. Ressaltei, então, da importância de o Senado apreciar e votar a matéria, em cumprimento ao previsto no art. 52, incisos V, VII e VIII, da Constituição Federal.

      Tenho em mãos a carta anexa que o Ministro Guillermo Ortiz, da Fazenda do México, enviou, em 7 de fevereiro de 1995, aos Presidentes das Comissões da Fazenda e Crédito Público, da Câmara dos Deputados e do Senado daquele país, respectivamente, Deputado Francisco Suárez Dávilla e Senador Carlos Sales Gutiérrez. Neste documento, o governo do Presidente Ernesto Zedillo informa que o México receberá um aporte de recursos da ordem de US$52,759 bilhões, dos quais US$20 bilhões dos Estados Unidos; US$1 bilhão do Canadá; US$1 bilhão da Argentina, Brasil, Chile e Colômbia; US$17,759 bilhões do FMI; US$10 bilhões dos bancos centrais da Europa e Japão e US$3 bilhões dos bancos comerciais internacionais. O documento afirma que as negociações serão concluídas em três semanas e que o governo dará conhecimento preciso e amplo desta matéria ao Congresso do México até o final de fevereiro. Ontem, o governo do México anunciou a conclusão do acordo pelo qual receberá o referido aporte de recursos dos EUA, atendendo, entretanto, as exigências de depositar as receitas de petróleo do México no Federal Reserve dos EUA e de seguir rígida política de contenção de gastos e de expansão da moeda. Em vista destas informações, solicito a V. Exª que esclareça o real desenvolvimento das negociações que o governo brasileiro está tendo com os governos participantes deste apoio financeiro ao México. Não é possível que o Ministro da Fazenda e o Presidente da República digam que não há nada a informar ainda ao Congresso brasileiro quando o próprio governo mexicano já comunicou ao seu Parlamento sobre os termos da referida operação financeira, com a explícita participação do Brasil.

      Encaminho também cópia de requerimento de informações a que dei entrada no Senado em 16 de fevereiro de 1995 sobre o assunto.

      Respeitosamente,

      Senador Eduardo Matarazzo Suplicy

      Líder do PT no Senado"

Sr. Presidente, no último dia 7 de fevereiro de 1995, o Ministro da Fazenda do México, Guilherme Ortis, enviou ofício de três laudas ao Congresso mexicano no qual explicitamente menciona que o Brasil estará fazendo parte dessa ajuda, em conjunto com a Argentina, o Chile e a Colômbia. É bem verdade que, no ofício, o Ministro mexicano diz que a negociação está sendo encaminhada, mas que até o final de fevereiro deverá estar concluída.

Ainda hoje, logo cedo, a rede de televisão CNN informou que países da América do Sul, incluindo o Brasil, participarão da ajuda ao Governo mexicano.

O Ministro Pedro Malan, que teve a atenção de receber-me, explicou-me que ainda não há uma decisão a respeito do assunto e que esta poderá ser no sentido de não participar da ajuda ao México, assim como poderá ser a de participar. Entretanto, esclareceu que estão sendo extremamente complexas as negociações, sobretudo as definições de garantias para a cogitada ajuda ao México, uma vez que diferentes bancos centrais de diversos países estão envolvidos na matéria.

Há poucos dias, em entrevista coletiva, o Presidente Carlos Menem, quando do encontro com o Presidente Fernando Henrique Cardoso, na fronteira do Brasil com a Argentina, ao ser solicitado a dizer algo sobre a ajuda ao México, disse que o Governo do Chile ainda estava com muita dúvida se ia ou não participar dessa ajuda. Acrescentou, porém, que se o Governo do Chile resolvesse participar, de pronto a Argentina estaria propensa a participar também.

Disse-me ainda o Ministro Pedro Malan que essa ajuda ao México surgiu preliminarmente quando o Governo dos Estados Unidos cogitava de solicitar a autorização do próprio Congresso dos Estados Unidos para encaminhar esse pacote de medidas. E, na ocasião, como surgiram resistências no âmbito do Congresso norte-americano, o Governo dos Estados Unidos avaliou como importante a solidariedade de governos como os do Brasil, da Argentina e de outros países já citados.

Por outro lado, o Ministro Pedro Malan explicou-me que é pensamento do Brasil, há algum tempo - e mais ainda por ocasião desta necessidade de se socorrer a economia mexicana -, criar um mecanismo de entendimento entre os diversos países, como os da América Latina, para solucionar eventuais situações de movimentos de corrida especulativa contra uma moeda. No caso do México, a sua moeda, o peso, está passando por dificuldades em função do movimento de desvalorização devido a um forte movimento especulativo, e seria importante haver a solidariedade de outros países.

Se, porventura, viesse, algum dia, a ocorrer isso com o real, interessaria ao Governo brasileiro que houvesse um mecanismo segundo o qual países diversos pudessem colaborar para a defesa do poder aquisitivo de nossa moeda.

O Sr. Lauro Campos - Senador Eduardo Suplicy, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY - Com muita honra, Senador Lauro Campos.

O Sr. Lauro Campos - Quero congratular-me com V. Exª, Senador Eduardo Suplicy e solidarizar-me com suas preocupações a respeito desse grave problema que se abateu sobre a América Latina. Nós havíamos advertido, há muitos anos, que isso ocorreria se continuássemos a seguir o caminho perfilhado por nós, através dos mandos, dos comandos e dos desmandos do FMI e do Banco Mundial. O efeito dominó que se inicia agora no México é o resultado do monetarismo com o qual a escola Neo-Clássica pretende tratar os problemas da sociedade latino-americana - problemas graves, problemas sociais profundos, tais como desnível de renda, marginalidade social, sobreacumulação de capital -, como se fossem meros problemas monetários que pudessem ser resolvidos através do monitoramento - como diz o professor Fernando Henrique Cardoso, no seu livro Modelo Político Brasileiro - que ocorre há muito tempo na América Latina. Em seu livro, o professor Fernando Henrique Cardoso lembra que agora isso é feito através de botões que atuam sobre pessoas monitorizadas na América Latina e não mais sob o big stick, antiga política de comando sobre nós, levada a efeito pelos Estados Unidos. Portanto, sabemos muito bem que esses planos urdidos pelo FMI criaram na América Latina inteira reservas artificiais em dólares. O Brasil, que se orgulha dos seus 40 bilhões de dólares e se espelha na Argentina e no México, deve 120 bilhões de dólares e paga juros sobre esse valor. Amealha, portanto, reservas postiças e artificiais de 40 bilhões de dólares. Uma verdadeira barriga d`água, uma verdadeira hidropisia, e não uma riqueza real. Agora, estamos observando esse tremor de terra que se inicia no México. A Argentina está necessitando de uma desvalorização cambial de 60% pelo menos, e um país dolarizado que desvaloriza sua moeda em 60% vê a inflação igualar-se a esses 60% no dia seguinte; a partir daí, todo o processo artificial de combate à inflação irá por água abaixo com todas as suas conseqüências. Sabemos que 17 bilhões de dólares dessas reservas brasileiras, assim como aconteceu na Argentina, são constituídas de dinheiro quente ou hot money especulativo, que já abandonaram rapidamente o País. Na Argentina e no México, países onde foram especular, com medo de não haver dólares suficientes para fazerem o câmbio e fugir, esses banqueiros estão correndo para retirar os seus investimentos especulativos das bolsas, provocando uma queda vertiginosa no valor das ações em todos os países atingidos pelas medidas do FMI. Portanto, companheiro Senador Eduardo Suplicy, é louvável a sua preocupação no sentido de que nós, brasileiros, não coloquemos dinheiro bom, dinheiro sadio e sofrido para ajudar a reparar os descalabros causados ao México e que, sem dúvida alguma, irão espalhar-se como peste sobre toda a América Latina. Isso deve ser repudiado por aqueles que, como V. Exª, têm consciência dos problemas da economia e das finanças brasileiras. Para terminar o meu aparte, gostaria não apenas de parabenizá-lo por suas preocupações, mas também de lembrar que oito anos de auxílio norte-americano e de ajuda e monitoramento do FMI sobre o México tiveram efeito muito mais pernicioso do que trinta e três anos de bloqueio sobre Cuba. Assim, se um dia tivéssemos de escolher entre a continuidade da ajuda dos Estados Unidos e do FMI e o bloqueio norte-americano, penso que deveríamos optar pelo segundo, que tanto ajudou alguns países, principalmente durante a II Guerra Mundial. Esse bloqueio foi altamente benéfico para o desenvolvimento brasileiro, para que o Brasil suportasse as agruras da crise dos anos trinta, pagasse a sua dívida externa, a partir de 1937, e fizesse uma substancial reserva em dólares. Portanto, Companheiro Suplicy, as suas observações, as suas angústias são baseadas naquilo que há de mais sério, naquilo que há de mais firme dentro da perspectiva e do horizonte que se vislumbra atualmente.

O SR. EDUARDO SUPLICY - Nobre Senador Lauro Campos, agradeço-lhe o aparte, que traz elementos muito significativos para a análise do que está ocorrendo com o México e, sobretudo também, da ajuda que os países liderados pelos Estados Unidos cogitam de dar ao México.

Antes de comentar mais detalhadamente o que V. Exª disse, gostaria de terminar de expor o conteúdo da reunião realizada hoje com o Ministro Pedro Malan. Dizia eu que S. Exª tinha a preocupação de ver o Brasil contribuir para a criação de um mecanismo de ajuda mútua entre países para que as moedas sejam defendidas diante de um movimento de ataque especulativo.

Ponderei a S. Exª que isso é válido. Podemos observar a experiência de países europeus, tais como a França, a Alemanha, a Espanha, a Itália e a Inglaterra, que, ao longo das últimas décadas, desenvolveram mecanismos de entendimento mútuo, de tal maneira que, quando há algum movimento especulativo de enfraquecimento de uma das moedas, os bancos centrais dos demais países promovem um ajuste quase automático em defesa ou em solidariedade à referida moeda.

Parece-me relevante que o Brasil pense em um mecanismo desse tipo, que, inclusive, pode ser criado mediante entendimento. Porém, quero ressaltar que, caso venhamos a instituir esse mecanismo, ele deve ser explicado, apreciado e debatido pelo Congresso brasileiro e, sobretudo, pelo Senado Federal, que, segundo o art. 52, incisos V, VII e VIII, da Constituição, tem a responsabilidade de autorizar operações financeiras de interesse da União e de fixar limites de crédito externo.

Se for o caso de se criar esse mecanismo, seja perante o Bank for International Settlements - BIS -, na Suíça, que é o banco central dos diversos bancos centrais, seja perante outra instituição da América Latina, esse assunto deve ser debatido aqui.

Portanto, a minha preocupação, caso o Brasil vá ajudar o México - e é importante ser solidário -, é no sentido de estabelecer critérios para ajudar os povos que se encontram em dificuldades.

Poderíamos perguntar, neste momento, que país, no contexto da América Latina, precisaria, em primeiro lugar, de eventual ajuda financeira do Brasil. Será o México o primeiro na lista das prioridades, ou haverá outro, com menor renda per capita, nas Américas, como o Haiti, a Nicarágua, Cuba e a Bolívia, ou na África, a começar por aqueles que têm muita afinidade conosco, como Angola, Moçambique ou Cabo Verde, em razão de serem membros da comunidade que fala a língua portuguesa, ou em razão de estarem, como os povos de países como a Etiópia, enfrentando grande sofrimento?

Na Conferência do Desenvolvimento Social das Nações Unidas, que logo mais se realizará em Copenhague, o tema de ajuda entre as nações, obviamente, estará sendo debatido. Então, os critérios de ajuda aos países em pior condição social devem ser objeto da nossa consideração. Se decidirmos ajudar o México, de início, devemos considerar a perspectiva de auxílio aos demais países.

Para o Brasil propor ajuda e solidariedade a outros países seria importante que tivéssemos uma política econômica condizente com justiça social e melhor distribuição da renda. A nossa força de sugestão, no contexto das nações, seria muito mais forte se dêssemos o exemplo.

Aproveitei a presença do Sr. Pérsio Arida, Presidente do Banco Central, que dava à Bancada federal de São Paulo, formada pelos Deputados e Senadores, explicações sobre a intervenção no BANESPA, para entregar cópia desta carta ao Ministro Pedro Malan. S. Exª disse-me que ainda não foi tomada nenhuma decisão a respeito da ajuda do Brasil ao México, uma vez que são muito complexas as questões relativas às garantias que se estão examinando.

Concordo com o que ressalta V. Exª. Aqui cabe uma advertência. Aliás, comentei com o Ministro Pedro Malan que espero que o Brasil não venha a depositar a receita de nossas exportações no Federal Reserve dos Estados Unidos, como fez o México, a partir de ontem, porque isso constitui uma indicação severa de perda de soberania. S. Exª disse que de maneira alguma espera que isso possa ocorrer com o Brasil. Mas creio que, conforme assinala V. Exª, o que acontece com o México constitui uma advertência muito séria.

Precisamos pensar em como evitar que o Brasil, de repente, perca a sua soberania em termos de realização de política econômica, monetária, cambial e de política de distribuição da renda e da riqueza.

O Ministro da Fazenda garantiu-me que, no momento em que o Governo brasileiro tomar uma decisão, ele virá ao Senado Federal explicar qual a natureza eventual da ajuda, até porque - ressaltei-lhe - cabe ao Senado Federal aprovar essa matéria antes de a decisão final ser tomada. O Governo brasileiro pode até decidir, mas deverá submeter a decisão ao Senado Federal, que irá discuti-la seriamente, à luz de critérios de solidariedade internacional que deve haver entre os povos.

Então, se simplesmente ajudarmos o México, qual a natureza da ajuda? Quem, dentro do México, será ajudado? Serão os que investiram na bolsa ou será uma ajuda que realmente vai proporcionar condições de desenvolvimento social efetivo para a população, inclusive aquela que se viu na necessidade de se rebelar, como em Chiapas, para chamar a atenção de um governo que a havia deixado no esquecimento?

Eram essas as considerações que eu desejava fazer, Sr. Presidente. Requeiro seja transcrita, como parte do meu pronunciamento, a carta do Ministro do México ao Congresso mexicano.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 23/02/1995 - Página 2236