Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A EDUCAÇÃO NO PAIS.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A EDUCAÇÃO NO PAIS.
Publicação
Publicação no DCN2 de 08/03/1995 - Página 2742
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • INFORMAÇÃO, DADOS, ESTATISTICA, DEMONSTRAÇÃO, REDUÇÃO, NUMERO, ANALFABETISMO, PAIS.
  • DEFESA, NECESSIDADE, PROGRAMA, EFICACIA, COMBATE, ANALFABETISMO, PAIS.
  • COMENTARIO, DADOS, RELATORIO, FUNDO INTERNACIONAL DE EMERGENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFANCIA (UNICEF), DIVULGAÇÃO, PRECARIEDADE, ENSINO FUNDAMENTAL, INSUFICIENCIA, INVESTIMENTO, RECURSOS, EDUCAÇÃO, BRASIL.
  • ADVERTENCIA, NECESSIDADE, PRIORIDADE, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO, CUMPRIMENTO, NORMAS, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, GARANTIA, DESTINAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, UNIÃO FEDERAL, ESTADOS, MUNICIPIOS, MELHORIA, SISTEMA DE ENSINO, PAIS.

O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as estatísticas mais recentes acabam de nos informar que caiu o número de analfabetos no País.

De fato, segundo os dados do último recenseamento s o agora divulgados pelo IBGE, o Brasil tinha vinte e seis por cento de analfabetos em 1980 e, em 1993, viu este índice cair para dezoito por cento. No Sudeste, são somente onze por cento os analfabetos, mas, no Nordeste, ainda são trinta e sete por cento da população.

São ainda índices muito elevados e muito preocupantes, mas são, não se pode negar, um indicador a nos sinalizar aquele mínimo de esperança que, sendo a última a morrer, nos mantém vivos. Indica também algum tipo de sucesso, pois parece demonstrar que fomos capazes de subtrair oito por cento dessa taxa humilhante.

Estes dados se tornam ainda mais promissores quando vemos que estes dezoito por cento de cidadaõs analfabetos no Brasil estão com idade acima de cinqüenta anos e que, entre os jovens de quinze a dezenove anos de idade da Região Sudeste, o percentual de analfabetos cai para cinco e meio por cento.

Esta análise nos enche, mais uma vez, de esperanças, pois deixa vislumbrar a hipótese de que o caminho a percorrer já foi traçado e que tudo o que nos cabe fazer agora é manter nossas metas, para garantir o sucesso da empreitada no médio prazo.

Apesar disto, não há o que festejar.

Não bastassem os milhões de concidadãos que têm um acesso muito precário aos bens de cultura, ou mesmo não têm nenhum acesso ao patrimônio cultural da nossa civilização, e teríamos ainda a lamentar a desorganização em meio á qual estes fatos são registrados. Uma desorganização que começa pelo contraste chocante que nos divide em dois brasis, como dizia outrora o estudioso francês Jacques Lambert, ou Belíndia como preferiu dizer mais recentemente o economista Edmar Bacha. Um País dividido que, às vezes, nos parece estar envolvido em uma estranha guerra civil, onde, de um lado, os enteados da Pátria tomam de assalto os bens que lhes foram negados e, de outra parte, os outros filhos, melhor aquinhoados, se acomodam, fecham os olhos e se trancam em seus fortins, a cada dia mais fortificados. E quando os bandos de rejeitados descem o morro e invadem as praias da nossa consciência bem formada, ficamos anos indagar e nos questionar quanto ao sentido moral de nossos discursos tão pouco comprometidos com a vida deles.

É um contraste chocante que nos permite ter, convivendo lado a lado, ainda que precária e instavelmente, uma sociedade que já consegue que mais de trezentas e cinqüenta de suas empresas recebam o Atestado de Qualidade que as equipara à melhores organizações empresariais do mundo e, ao mesmo tempo, uma sociedade capaz de permitir que mais de trinta milhões de compatriotas sobrevivam abaixo da chamada Linha da Pobreza.

Uma linha que se poderia perfeitamente chamar de Linha da Ignorância, ou da Desigualdade, ou da Fome. Mas que é sobretudo a linha que demarca os limites da incompetência de tantos homens de boa vontade.

E ainda há os puristas, os tecnólogos, os apologistas da precisão que nos chamariam de demagógicos pois, segundo eles, esse número está sendo superestimado.

E se não forem trinta milhões? Que diferença nos faria fossem somente a metade de trinta? Aí, já seriam quinze milhões de adultos e crianças vivendo abaixo do nível de miséria.

É, com certeza, um patamar mínimo, tão baixo e tão degradante que não deveríamos dormir sossegados se soubéssemos de um único concidadão nosso vivendo em tais circunstâncias. E, no entanto, dormimos todos, e muito bem, com os trinta, ou quinze ou dez milhões que ali estão.

Mas o Brasil conseguiu, diz-nos o IBGE, reduzir em oito por cento o número de pessoas analfabetos no País!

Infelizmente, não vemos motivo para celebrar hoje este feito, em outras circunstâncias, até glorioso. Oito por cento de analfabetos a menos!

Nem se nos permite festejar aquela débil esperança que nos acena com índices ainda menores no médio prazo, pois isto acontecerá porque os analfabetos de mais de cinqüenta anos deverão morrer, e com eles se permitirá que seja sepultada uma boa parcela de nossos percentuais de pessoas iletradas.

Mas essas pessoas deverão morrer analfabetos, sem entender muito bem o que fizeram neste mundo ou, menos ainda, sem poder sequer imaginar tudo o que poderiam ter feito e não fizeram! E, se afirmamos que esses cidadãos morrerão analfabetos, é porque não existe hoje nenhum programa de grande porte, em andamento no Brasil, para que isto seja evitado. Temos investido algum dinheiro na construção dos "palácios pedagógicos" de que nos fala o Professor Niskier, mas não sabemos de nenhum esforço sério no combate ao analfabetismo no Brasil. Como não sabemos de nenhum lançamento estrondoso de uma tabela salarial mais justa para os professores do Brasil! Parece que a nossa capacidade criativa se limitou à construção de prédios!

Parece que nos cansamos de sonhar!

Parece que estamos conformados em caminhar a passos firmes para conduzir o Brasil ao quarto mundo!

Parece que nos acomodamos e nos deixamos docilmente levar ao encontro de índices cada dia mais vergonhosos e mais desmoralizantes para a Educação nacional!

E não se diga, depois, que fizemos daqui um pronunciamento alarmista.

Alarmistas são os dados que o UNICEF divulgou recentemente, onde o Brasil está entre os últimos países do mundo em matéria de Educação Básica. Entre os últimos países dos últimos do mundo!

Nós não merecíamos uma vergonha destas!

Nosso povo não merecia uma derrota destas!

O nosso Ensino Básico é um dos piores do mundo! Essas estatísticas nos jogam na periferia do Quarto Mundo. O Brasil, definitamente, não merece isto!

Esses índices com que somos brindados pelas análises internacionais nos colocam, de fato, no que se refere à Educação, nas últimas fileiras do Quarto Mundo. E isto é inadmissível, pois estamos dividindo essas vergonhosas medalhas com Países que não possuem nem um décimo das riquezas que possuímos.

É quase fatal a comparação entre esses dados e os recentes feitos esportivos nacionais. Será que toda a nossa competência gerencial haverá de sempre se restringir ao Futebol, ao Samba e ao Jogo do Bicho?

Por que não podemos ser competentes e erradicar do Brasil o analfabetismo? Quem no impede de exercer nossa capacidade gerencial e proporcionar às nossas crianças uma educação regular, decente e efetiva?

Talvez devêssemos começar por nos indignarmos e clamarmos aos céus contra a vergonha de saber que temos a pior taxa do mundo no que diz respeito a crianças de menos de cinco anos de idade. que o nosso País está em último lugar no que se refere a investimentos em Educação e que temos a mais alta taxa de repetência do mundo.

É isto o que ressalta o relatório O Progresso das Nações,  do Fundo das Nações Unidas para a Infância, o UNICEF.

Talvez devêssemos expressar a nossa indignação contra este estado de coisas, e protestar daqui contra uma situação que, na expressão do ex-Ministro Murílio Hingel, "é vexaminosa"!

Precisamos, talvez, aguçar ainda mais a nossa consciência democrática, para que nela possamos apoiar-nos e, através dela, possamos assentar os caminhos de solução que nos arranquem deste posição inglória. Consciência Democrática, porque é preciso ter a certeza de que as oportunidades estão sendo dadas a todos igualmente e, para que isto se realize, somente a Democracia é competente.

Dói constatar que, quando negamos o acesso de enormes parcelas da nossa população aos bens de cultura, quando permitimos que a Educação no Brasil chegue a tão baixos níveis de desempenho, estamos negando a oportunidade de cidadania a um enorme contingente de pseudo-cidadãos brasileiros, estamos negando-lhes a igualdade de oportunidades que é apanágio do próprio regime democrático.

Este crime de lesa-democracia pesa sobre os ombros desta nossa geração de homens públicos, parlamentares, cidadãos.

Não nos podemos omitir, quando sabemos que, considerando o nosso Produto Interno Bruto, que estabelece uma renda per capita de dois mil, setecentos e setenta dólares, e, levando em consideração o nosso potencial econômico, oitenta e oito por cento das nossas crianças deveriam concluir pelo menos a 5ª série do Primeiro Grau. Mas somente trinta e nove por cento dessas crianças atingem esse patamar, apesar de o Brasil ter condições efetivas de levá-las todas, pelo menos até lá.

E isto nos coloca atrás de países como o Haiti, o Gabão, a Arábia Saudita e a Somália.

Em matéria de repetência na 1ª série, na América Latina, só perdemos para o Haiti, a República Dominicana e a Guatemala. Temos o mais alto índice de repetência do mundo, o que nos remete diretamente à necessidade de melhorar a capacitação dos nossos mestres. Talvez seja preciso enfrentar o desafio de formar professores, preparar mestres, gerar educadores, e não apenas meros repassadores de tecnologia, reles ensinadores.

O que podemos fazer?

Esta é a questão que se impõe à consciência de cada um de nós, e não temos tempo a perder, pois já não há prazo hábil. Não nos podemos perder em especulações estéreis, porque, se não atentarmos para a formação do contingente de crianças menores de cinco anos que aí está, o futuro deste País sequer existirá.

É preciso pagar melhor aos professores, para que possamos cobrar-lhes mais empenho, mais dedicação, mais resultados.

É urgente recuperar-se o alto padrão de qualidade que até há pouco tempo atrás nos permita escolas públicas de alto nível de competência, como era o caso do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, as Escolas de Artífices por todo o País, e um número respeitável de estabelecimentos públicos de ensino que, honravam a Educação brasileira.

É imprescindível que tomemos consciência de que o problema da Educação é sempre um problema inadiável, pois o tempo depõe contra ele. Quanto mais se deixa o tempo passar, mais difícil se torna resolver a questão, mais e mais pessoas morrem analfabetas.

É preciso que os Prefeitos Municipais tomem consciência de que a Educação é mais que um item de programa de governo, é o único caminho que pode levar-nos, a longo prazo, à solução definitiva dos problemas que decorrem do nosso subdesenvolvimento econômico e cultural.

O que podemos fazer?

E a resposta parece simples, se considerarmos a complexidade da questão, pois a resposta é INVESTIR EM EDUCAÇÃO. Se não houver investimento efetivo de recursos em Educação, todos os nossos discursos serão em vão.

Que se cumpra pois, o que estabelece o art. 212 da Constituição Federal, que nos impõe a destinação de, pelo menos, vinte e cinco por cento da receita dos municípios em Educação. Mas os municípios, em sua grande e esmagadora maioria, ignoram ou desobedecem ao preceito constitucional, e alguns chegam a ser flagrados pela imprensa e estarrecem a opinião pública pagando salários irrisórios aos seus professores.

Por outro lado, a instância federal, que deveria aplicar no mínimo dezoito por cento de sua receita em Educação, também não cumpre o que manda a Lei Maior. E, mais que isto, tanto Estados e Municípios quanto a própria União permanecem impunes, pois a Lei não cogitou de apenar o descumprimento da norma.

E punidos somos nós, que vemos a esperança de um Brasil melhor se desvanecer ante as hordas bárbaras que são formadas pelas escolas medíocres que oferecemos aos nossos jovens.

Punidos somos nós, que perdemos o "bonde da esperança", de que falou o poeta Drummond, e não temos o direito de sonhar com o futuro, pois não pode ser risonho nem franco o futuro de um povo que abandona a escola em massa e que, mesmo quando alfabetizado, permanece nas trevas da ignorância, pois não consegue chegar sequer à quinta série do Primeiro Grau.

Por tudo isto, está em jogo o futuro do País.

Se não formos capazes de, pelo menos, investir em Educação aquilo que a Constituição manda investir, estaremos pondo a pique todos os projetos nacionais, sejam de que Partido forem, sejam de que porte forem, porque não haverá Brasil para executá-los, consertá-los, ou rejeitá-los, pois não haverá um povo capaz de definir critérios, parâmetros e sabedoria para levar adiante um País do tamanho deste nosso.

Era o quer tínhamos a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 08/03/1995 - Página 2742