Pronunciamento de Roberto Requião em 17/03/1995
Discurso no Senado Federal
COMENTARIOS ACERCA DO PROJETO DE LEI QUE DISPÕE SOBRE A PROPRIEDADE INDUSTRIAL.
- Autor
- Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
- Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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PROPRIEDADE INDUSTRIAL.:
- COMENTARIOS ACERCA DO PROJETO DE LEI QUE DISPÕE SOBRE A PROPRIEDADE INDUSTRIAL.
- Publicação
- Publicação no DCN2 de 18/03/1995 - Página 3276
- Assunto
- Outros > PROPRIEDADE INDUSTRIAL.
- Indexação
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- CRITICA, GOVERNO FEDERAL, ACELERAÇÃO, VOTAÇÃO, PROJETO DE LEI, CONGRESSO NACIONAL, ESTABELECIMENTO, PROPRIEDADE INDUSTRIAL, OBEDIENCIA, LOBBY, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), AMEAÇA, COMPROMETIMENTO, DESENVOLVIMENTO, ECONOMIA, AGRICULTURA, PAIS.
- DEFESA, AMPLIAÇÃO, DISCUSSÃO, PROJETO DE LEI, ESTABELECIMENTO, PROPRIEDADE INDUSTRIAL, BUSCA, ALTERNATIVA, COMPATIBILIDADE, PROJETO, DESENVOLVIMENTO, PAIS.
- COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DIVULGAÇÃO, DECISÃO, PAIS ESTRANGEIRO, EUROPA, VETO (VET), LEGISLATIVO, GARANTIA, PATENTE DE REGISTRO, FORMA, VIDA HUMANA.
O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB-PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - S. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, só deveríamos aceitar um pedido de registro de patente sobre organismos vivos com a assinatura de Deus e com firma reconhecida.
Quando o Governo encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 824/91, que estabelece as bases para a propriedade industrial, escrevi um artigo com o título de "Propriedade Industrial: Alienação da Nacionalidade". Nesse texto, eu destacava a recusa de alguns países a assinar a Convenção da ECO 92 sobre a biodiversidade, subordinando-se à proteção dos direitos de propriedade intelectual. Dada a importância do projeto governamental para o desenvolvimento do País, ainda neste momento, é preciso analisá-lo com cuidado, pois ele tramita no Senado.
Os países desenvolvidos, em particular os Estados Unidos, buscam ampliar seu controle sobre os mercados internacionais, em especial o mercado farmacêutico e o dos processos tecnológicos avançados. Já em 1987, a Associação Farmacêutica dos Estados Unidos ameaçou adotar sanções comerciais contra o Brasil, caso nosso País não criasse uma lei pra proteger os produtos farmacêuticos norte-americanos. A Lei nº 5.772/71 - Código de Propriedade Industrial - não reconhece patentes para processos de produtos, entendendo que produtos alimentícios e farmacêuticos não estão sujeitos a patente. No entanto, o Governo nos pressiona para acelerar a votação da propriedade industrial. Quem tem pressa quer mal feito, e o Brasil não merece isso.
Ao enviar o atual projeto ao Congresso, o Governo brasileiro, está cedendo às pressões que se valem da renegociação da dívida externa para fazer com que o Brasil entregue, de mão beijada, a concessão de monopólios de patentes para multinacionais das áreas químico-farmacêutica, alimentícia e biotecnológica.
Para percebermos o alcance dessa medida que o atual Governo Federal, debaixo do argumento da modernização, quer que o Congresso aprove atropeladamente, basta uma rápida análise do impacto que ele teria sobre a nossa agricultura.
Da forma como está posto, o projeto vem impor à agricultura brasileira determinantes legais de patenteamento que permitirão, aos seus detentores, uma verdadeira "reserva de mercado" às avessas, via monopólios e oligopólios. Justificando-se pelos estímulos à concorrência, que redundaria no crescimento tecnológico, o projeto "esquece" que essa concorrência, colocando em confronto a pesquisa nacional com a multinacional, especialmente num momento em que passa a viger a "política do vintém" para a pesquisa nacional, deixa-nos à completa mercê dos interesses das empresas que deterão as patentes tecnológicas.
O projeto procura retirar as espécies vegetais e animais da lei, remetendo a questão da propriedade intelectual de ambas para uma lei especial. No entanto, diversos pontos do projeto submetem-nas ao patenteamento. As conseqüência de tais medidas para o setor rural acarretariam, sem dúvida: desmantelamento da pesquisa nacional pela concorrência e concorrência (?) desigual com as multinacionais detentoras de tecnologia e capital superiores; desmantelamento do parque sementeiro nacional, especialmente das pequenas e médias empresas; oligopolização da pesquisa agrícola e da produção de material de multiplicação, com o conseqüente aumento do custo final da semente ao agricultor.
Na verdade, como assinalou o Fórum Internacional de Organizações Não-Governamentais, paralelo à ECO-92, esse projeto de lei, da forma como está, ameaça o nosso futuro como Nação. Da mesma forma, a comunidade científica tem se manifestado contrária, alertando para o fato de que o sistema de patentes não pode se tornar um instrumento de poder voltado à limitação do acesso ao conhecimento e aos frutos da experiência científica. A própria CNBB, em documento conhecido, expressa objeções do ponto de vista ético.
Um fato interessante é que, no mês passado - e essa data se refere à data da publicação do meu artigo -, a Alemanha, que engrossa o coro dos que condenam a incorporação da licença compulsória da lei de patentes, viu sua Corte de Patentes determinar que a multinacional norte-americana norte-americana, Genentech conceda licença compulsória à concorrente alemã Bioferon para fabricar produto destinado ao mercado alemão. Ou seja, o que é bom para os países ricos não é bom para os países pobres.
Tudo isso vem demonstrar que é inadequada a proposta do Governo e que não pode, em hipótese alguma, ser votada a toque de caixa pelo Congresso Nacional. Ao contrário, deve ser aberta à discussão mais ampla possível, para que se busque uma alternativa compatível com o novo projeto de desenvolvimento para o País, que permita a inserção internacional da Economia brasileira com condições de competitividade e maturidade.
Essa era, Srª Presidenta, a minha opinião no momento em que o Congresso Nacional recebeu a mensagem da Lei de Patentes. Destaco uma notícia do Jornal do Brasil de 02 de março de 1995, com o seguinte título: "Europeus proíbem patente de formas de vida - Parlamento veta legislação polêmica e desafia indústrias".
O texto é o seguinte:
"Bruxelas - Na maior derrota para a indústria biotecnológica dos países que compõem a União Européia (UE), o Parlamento Europeu vetou a polêmica legislação que visava garantir o registro de patentes de formas de vida. O texto foi rejeitado por 240 votos contra 188, com 23 abstenções. Muitos dos membros que participaram da votação disseram estar em posição pouco confortável ante a possibilidade de criação de patentes para plantas e animais criados por engenharia genética e para inventos baseados em genes ou em outros componentes do corpo humano.
O veto é o ponto final de 7 anos de acalorados debates entre várias instituições da União Européia acerca das implicações éticas da proposta. A Comissão Européia, formada por representantes de vários países, forçou a aprovação das regras que haviam sido elaboradas para viabilizar as regras de patentes, afirmando serem necessárias para proteger os enormes investimentos em pesquisas das empresas européias de biotecnologia. Mas a pressão não surtiu efeito.
Polêmica - A proposta visava estabelecer princípios comuns para garantir patentes de produtos, como novas plantas e animais modificados geneticamente, para realização de pesquisas científicas ou para produção de medicamentos a partir de organismos vivos. A polêmica gira em torno do argumento de que esse procedimento poderia provocar o sofrimento de animais e tornar possível a exploração comercial do corpo humano. Além disso, alega-se que a aprovação da nova legislação daria às grandes companhias controle excessivo sobre materiais agrícolas".
Srª Presidente, se este Congresso tiver um mínimo de dignidade, só aceitará uma lei que permita o registro de patentes sobre organismos vivos com a assinatura de Deus. E com firma reconhecida.