Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES ACERCA DO MONOPOLIO DO PETROLEO, DEFENDENDO O APERFEIÇOAMENTO DE SUA POLITICA E NÃO SUA EXTINÇÃO.

Autor
Odacir Soares (PFL - Partido da Frente Liberal/RO)
Nome completo: Odacir Soares Rodrigues
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • CONSIDERAÇÕES ACERCA DO MONOPOLIO DO PETROLEO, DEFENDENDO O APERFEIÇOAMENTO DE SUA POLITICA E NÃO SUA EXTINÇÃO.
Publicação
Publicação no DCN2 de 23/03/1995 - Página 3564
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • DEFESA, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA ESTATAL, EXCEÇÃO, SETOR, ENERGIA, EFICACIA, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), CENTRAIS ELETRICAS BRASILEIRAS S/A (ELETROBRAS), EXTINÇÃO, PREJUIZO, BRASIL.
  • ADVERTENCIA, RESULTADO, EXCESSO, PRIVATIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, MEXICO, ARGENTINA, VENEZUELA.
  • ELOGIO, ARTIGO DE IMPRENSA, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), AUTORIA, JOSAPHAT MARINHO, SENADOR, DEFESA, MANUTENÇÃO, MONOPOLIO ESTATAL, ENERGIA, PETROLEO, BRASIL.

O SR. ODACIR SOARES (PFL-RO. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os grandes interesses infiltrados nos negócios do setor energético e das telecomunicações têm favorecido o desencadeamento de um lobby poderoso, cujo objetivo é promover a privatização ou, pelo menos, a flexibilização de nossas mais bem sucedidas estatais - a Petrobrás e a Eletrobrás.

Mascarando seus verdadeiros intentos, esse lobby aparenta sustentar-se em pressupostos de natureza político-ideológica (neo-liberalismo) e econômica (abertura do mercado aos ventos da globalização da economia mundial).

Com efeito, a queda do muro de Berlim, o esfacelamento do império soviético, seguidos pelo afrouxamento das tensões geradas na guerra-fria desencadearam, de imediato, a eufórica sensação de triunfo do sistema capitalista sobre a utopia socialista, da economia de mercado sobre o planejamento estatal.

E, logo, os teóricos e estrategistas da política mundial puseram-se a detectar tendências e a formular propostas de uma nova ordem mundial, até agora, pouco explicitada, embora suficiente para provocar a desenvoltura das nações ricas e a perplexidade dos povos do Terceiro Mundo.

Tomando carona nessa onda, projetou-se e ganhou prestígio, no Brasil, uma corrente de neoliberalismo extremado que passou a ver na excessiva dimensão do Estado e de suas empresas o principal obstáculo à retomada do crescimento sustentado em nosso País.

Era o mote de que carecia, e do qual logo se apropriou, o poderoso lobby das privatizações.

Este não se contenta em exaltar e recomendar a privatização das empresas estatais, mas vai muito além, ao tentar demolir junto à opinião pública o alto conceito que algumas delas, notadamente a Petrobrás e a Eletrobrás lograram conquistar, por suas inegáveis contribuições ao desenvolvimento de nosso País.

Desfiguradas em seu perfil de grandes empresas, como tal sempre consideradas, no Brasil e no exterior, elas foram transformadas em alvos de escárnio público, como se nada mais fossem do que pesadas e inúteis relíquias pré-históricas.

No caso da Petrobrás, o mínimo que dela se tem dito, exagerando alguns dados e falseando quase todos, é que se trata de uma empresa ineficiente pelo alto custo de suas atividades de exploração, pela utilização desenfreada de recursos do Tesouro Nacional para bancar seus investimentos, por privilegiar, com excesso de regalias, o seu corpo de funcionários; por não pagar impostos e por pagar baixos dividendos a seu donos.

E quando seus briosos engenheiros e executivos retrucam, buscando desfazer os danos e equívocos gerados por essa desinformação, são eles inquinados perante a opinião pública, de advogarem em causa própria, movidos por egoístico ânimo corporativo.

O fato, Sr. Presidente, é que o vigor dessa campanha ganhou o apoio de certa imprensa e começa a criar na mente do brasileiro - sempre vulnerável ao charme dos modismos - uma espécie de crença compulsiva no poder miraculoso das privatizações.

Ora, senhores, é excusado dizer que tal clima perpassado pelo entrechoque de interesses e pela radicalização das posições não favorece a lúcida compreensão do problema, muito menos, a tomadas de decisões rigorosamente adstritas aos reais interesses da Nação.

É, pois, de todo conveniente que o embate radical ceda lugar ao debate objetivo e civilizado, para que dessa pendência saiam triunfantes, única e exclusivamente, os altos interesses do povo brasileiro.

Sobre o assunto, já me pronunciei mais de uma vez, nesta tribuna, em 25 de abril e em 09 de maio do ano passado.

Hoje, volto ao Plenário desta Casa para, de novo e especificamente, abordar o tema da Petrobrás, adotando como ponto de partida, uma breve referência ao primeiro pronunciamento que fiz sobre a matéria.

Nele, sustentei posições, e teci comentários que, a seguir, reitero, conquanto sumariamente.

Acreditava, então, e continuo acreditando, que a produção de bens e a prestação de serviços, em geral, é mais eficaz, quando entregue à iniciativa privada. Não obstante e, paralelamente, estava, também, convicto de que certos setores da economia - o energético, por exemplo - por envolverem interesses estratégicos supra sensíveis, melhor se salvaguardam sob a gestão zelosa e exclusiva do Estado.

Tal posição, aduzia, resultava das perplexidades suscitadas por certos enunciados da chamada "nova ordem mundial" propostos pelo grupo restrito das grandes potências, que tentavam estabelecer:

À a distinção entre bens e riquezas do solo e do sub-solo, aqueles de propriedade nacional, estes patrimônio da humanidade;

À a relativização do conceito de soberania nacional, dantes nunca questionado.

A esses postulados eu associava duas outras perturbadoras manifestações de eminentes autoridades americanas, cujo teor parecia-me subjacente no contexto da "nova ordem" que se pretende impigir ao mundo.

Referia-me, em primeiro lugar a esta assertiva de Henry Kissinger, ex-Secretário de estado dos EUA:

"Os países industrializados não poderão viver se não tiverem à sua disposição os recursos naturais não-renováveis do Planeta...Terão que montar um sistema de pressões e constrangimentos garantidores da consecução de seus intentos".

Referia-me, em segundo lugar, à afirmativa de James Shlessinger, ex-diretor da CIA e secretário de Defesa dos Estados Unidos, que no curso de uma Conferência na Universidade de Georgetown, em 1990, assim se expressou:

À "Acentuava-se a tendência de crescente dependência dos Estados Unidos em relação ao petróleo da OPEP, mais particularmente do Golfo Pérsico;

À O poder do Ocidente deverá declinar principalmente por fatores demográficos. Nesse quadro, o poder militar continuará sendo decisivo para impor os interesses do referido bloco de poder.

À Dominará o mundo quem dominar o petróleo do Golfo Pérsico".

Ambos os enunciados deitaram-me luz bastante esclarecedora sobre: o caráter estratégico do petróleo; as reais motivações da fulminante guerra do Golfo; o estilo e o "modus operandi" da "nova ordem mundial".

Até certo ponto, eles concorreram, também, para que eu melhor compreendesse as pressões privatizantes sofridas pelas empresas petrolíferas da América Latina, assim como o lobby gigantesco urdido para derrubar o monopólio estatal do petróleo, executado pela Petrobrás.

Ainda no pronunciamento a que me venho aludindo, dei-me ao trabalho de enumerar as grandes performances do Petrobrás ao longo de seus 40 anos de atividade, contrapondo-as à insidiosa tentativa do lobby privatizante de desfigurá-la, pela desinformação tecida de meias verdades e de dados falseados.

Por tudo isso, embora admitisse a existência, naquela notável empresa estatal, de alguns pontos críticos, julgava-os susceptíveis de correção, sem que se evidenciasse desejável o recurso ao remédio extremo da privatização, descabido e contraproducente no caso.

Firmava, assim, nítida posição favorável à preservação do monopólio estatal do petróleo, por julgá-lo de vital importância para o resguardo de nossa soberania e segurança, assim como para o êxito de nosso projeto nacional.

Não deixei, todavia, no fecho de minha fala, de manifestar minha abertura a uma possível revisão dessas posições, o que, evidentemente, só vivia a ocorrer pela superveniência de fatos novos que me convencessem em contrário.

Esses fatos sobrevieram, Senhor Presidente, tão convincentes, quanto pejados de ensinamentos.

Só que, tal como se vão desdobrando, eles propendem claramente para a ratificação e não para a retificação das posições por mim, anteriormente adotadas.

Estou-me referindo à crise do México e às suas seqüelas, ironicamente denominadas de "efeito tequilla".

A crise mexicana cujos desdobramentos ainda não se esgotaram, é emblemática e vem exigindo maduras reflexões de todos os que têm sabido captar os sinais de alarme que ela disparou.

Não faz muito, o Brasil e outros países às voltas com problemas semelhantes aos nossos - inflação incontida, paralisia do crescimento, insuficiência de recursos para atender a demanda social básica e outros - éramos instados a mirar-nos no espelho do México, assim como no da Argentina e da Venezuela, países que pareciam decolar, alentados pelos êxitos iniciais da dócil e aplicada submissão ao receituário dos ultraliberais, sobretudo dos maníacos das privatizações, da castração dos poderes do Estado e dos fulminantes programas de estabilização impostos, à distância, pelos "curandeiros" do FMI e do Banco Mundial.

Deu no que deu: endividamento de curto prazo, tangenciando os US$ 211 bilhões; déficit em transações correntes beirando os US$ 25 bilhões em 94; reservas cambiais, formadas predominantemente por capitais especulativos de curto prazo, por assim dizer, volatilizadas, já que, em poucas semanas, despencaram dos US$ 28 bilhões para apenas US$ 7 bilhões.

Quem, entre nós, melhor soube extrair as lições da espantosa crise mexicana, foi nosso admirado e lúcido colega, Senador Josaphat Marinho, em notável artigo publicado no Correio Braziliense de 19 do corrente.

Pela percuciência de sua análise e pela refinada sabedoria dos comentários nele tecidos, não posso furtar-me à satisfação de inseri-lo nesta passagem de meu pronunciamento, se não na íntegra, pelo menos, parcialmente, se assim o consente Sua Excelência. Cito Josaphat Marinho:

" De repente, a nação mexicana vê ruir toda sua estrutura econômica, financeira e política. Embora signatária, com os Estados Unidos e o Canadá, de tratado de larga repercussão, a aliança não lhe assegurou amparo correspondente à natureza dos vínculos estabelecidos. A Argentina, sacudida pelos ventos do temporal, sente estremecer os alicerces, já abalados, de sua ordem financeira e produtiva. Ambos os governos, despidos de sustentação própria imediata, apelam à aquisição de recursos externos, com ônus que lhes enfraquece a vida soberana, por período incerto. O México houve que sacrificar a renda de seu petróleo, bem ainda sob sua guarda e exploração. A Argentina, que alienou seu petróleo, já não tem esse suporte de independência. A política de livre mercado e a chamada globalização da economia não lhes serviram de suporte na tempestade...

Ainda bem que o reflexo da borrasca encontrou o Brasil em condições de reação energética. Ao complicar-se a questão cambial, ameaçando a estabilidade do real, se houve titubeio ou falha, de princípio, não faltou o corretivo eficiente. A especulação, de que participaram bancos qualificados, foi contida, não sem prejuízo. Não poderia agir fortemente o Banco Central, ou o governo em conjunto, se o Estado brasileiro estivesse desfigurado pela política de desmedido livre mercado...

De modo geral, a crise mexicana e suas conseqüências, ainda em desdobramento, põem a nu, com fatos atuais, a falsidade da idéia dos que advogam o estrangulamento da posição do Estado. Pretender revesti-lo com regras frouxas, diminuí-lo diante de poderosas forças competitivas e todas objetivando lucros, não é garantir o desenvolvimento justo, mas a ampliação das desigualdades e da pobreza".

E conclui Sua Excelência com esta notável observação, digna de destaque especial nos anais desta Casa:

" Na sociedade de fracos e fortes, a liberdade pura, sem contrapeso, equivale à servidão, do indivíduo como dos povos".

("O Fracasso do Neoliberalismo", Josaphat Marinho, Correio Brasiliense, 19.03.94).

Sendo liberal, mas não me sujeitando ao dogma do livre mercado "à outrance", sem os limites e as contenções estabelecidas pelo poder moderador do Estado, colho do episódio, também eu, as minhas conclusões:

À A participação do capital estrangeiro na economia nacional é sempre saudável, mas não deve estender-se a setores que concentram os interesses estratégicos e soberanos da nação.

À Em matéria de saneamento econômico, melhor é recorrer ao receituário próprio, fruto do conhecimento que temos de nós mesmos. Quando o receituário parte de governos e organismos distantes de nossos interesses e realidades, toda cautela é pouca. Mesmo que o enfermo sucumba, eles cobrarão pesadas custas pela assistência prestada.

À Vendo os lucros do petróleo mexicano canalizados para o Banco Central dos EUA, só tenho porque permanecer apoiando a Petrobrás e a intocabilidade de seu monopólio.

À Sobre o assunto, depois de todas essas considerações, acabo por chegar às mesmas conclusões a que chegou a Escola Superior de Guerra, após discutido o Monopólio do Petróleo, no I Ciclo Nacional de Temas Estratégicos, realizado naquela instituição em março de 1994:

"Nas atuais condições do mercado internacional de petróleo e seus derivados, parece remota a possibilidade de que a quebra do monopólio possa trazer benefícios ao Brasil";

À A análise dos dados faz supor que o momento não é indicado para promover a mudança da política com relação ao monopólio do setor de petróleo, mas há indícios de que a execução do mesmo deve ser aperfeiçoada".

É o que também penso, Senhor Presidente, até prova em contrário.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 23/03/1995 - Página 3564