Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DE UMA URGENTE REFORMA URBANA E AGRARIA COMO FORMA DE DIMINUIR A VIOLENCIA DO PAIS.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA. POLITICA SOCIAL. :
  • NECESSIDADE DE UMA URGENTE REFORMA URBANA E AGRARIA COMO FORMA DE DIMINUIR A VIOLENCIA DO PAIS.
Publicação
Publicação no DCN2 de 23/03/1995 - Página 3569
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • DEFESA, NECESSIDADE, REFORMA AGRARIA, URBANISMO, BRASIL.
  • PROTESTO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, NATUREZA SOCIAL, HOMICIDIO, CRIANÇA, BRASIL.
  • COMENTARIO, VIOLENCIA, ESTADO, NEGAÇÃO, CIDADANIA, POVO, BRASIL.
  • SAUDAÇÃO, MOVIMENTAÇÃO, POVO, EFICACIA, SOLUÇÃO, PROBLEMAS BRASILEIROS.

A SRª BENEDITA DA SILVA (PT- RJ. Pronuncia o seguinte discurso. ) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não deve ser novidade para ninguém a defesa permanente que o Partido dos Trabalhadores faz da reforma agrária. É nosso entendimento que a situação do homem do campo, oprimido por um estrutura fundiária arcaica que exclui a maior parte dos brasileiros do acesso à terra, está na origem de toda a desigualdade social que flagela nosso País. A eterna disponibilidade dessa vasta mão-de-obra deslocada do campo, verdadeiro exército de reserva, é que possibilita, também nas cidades, a manutenção dos salários nos níveis absurdamente baixos que envergonham qualquer brasileiro minimamente sensível às questões de justiça social.

Isso, como já o disse, não é novo: está bem gravado lá, no programa de nosso Partido, e continuará a ser uma de nossas frentes de luta mais importantes, nas ruas e nos campos como aqui, nas tribunas do Congresso Nacional. Que ninguém se iluda quanto a isso. O fato de chegarmos à Câmara Alta não nos fará abandonar nossas idéias de base, pois foram elas que nos trouxeram até aqui.

Talvez nem todos se tenham dado conta, no entanto, do movimento de nosso povo em direção ao combate em outra trincheira, numa frente em favor de uma reforma urbana. Uma reforma que dê à maioria da população das cidades o direito à moradia decente, à segurança em seus lares, ao transporte confiável entre residência e lugar de trabalho, ao saneamento, à educação e à saúde, a tudo isso que hoje não lhe é acessível.

A violência em que mergulharam nossas cidades é freqüentemente imputada à responsabilidade dos pobres. Alguns órgãos de comunicação de massa chegam mesmo a se comprazer em exibir o mundo cão dos assaltos cometidos por menores, ou dos arrastões nas praias. Demonizam o pobre, quase sempre negro, como se ele fosse o grande culpado da violência.

Quase não se vê alguém dizendo a verdade: que a violência urbana não é senão o resultado de décadas de marginalização do povo e da sua exclusão de seus menores direitos, décadas de concentração indecente da renda nacional, décadas de esquecimento dos bairros populares no planejamento e na execução de melhorias nos serviços urbanos.

Não pode haver maior violência que a de se permitir que famílias brasileiras, por falta absoluta de alternativa, vivam dependuradas em encostas que desbarrancam ou afundadas em baixadas de rios que transbordam à chegada da primeira chuva mais intensa -- chuva que é sempre previsível. Violência como a de se obrigar aquele trabalhador que reside a grande distância de seu lugar de trabalho a sair de casa na madrugada, marmita embaixo do braço, para pegar um velho trem ou ônibus, caindo aos pedaços mas lotado, para conseguir chegar ao emprego na hora certa. Violência como a de privar os filhos desse trabalhador de creches que os atendam quando muito pequenos e, mais tarde, de escolas que efetivamente cumpram seu papel de ensinar. Violência como a de fazê-lo enfrentar uma fila interminável para, em seguida, ser mal atendido no sistema público de saúde, quando tem o azar de ficar doente.

Não, Srªs e Srs. Senadores, não se trata aqui da justificação nem da defesa daqueles que optam pelo crime, mesmo porque a grande maioria dos que moram em nossas favelas e subúrbios é composta por gente honesta e trabalhadora. Também porque são os pobres, quase sempre, as maiores vítimas desses criminosos. Não podemos nos esquecer das chacinas que têm sofrido os menores de rua, perseguidos por pretensos justiceiros que se crêem no direito de decidir sobre a vida e a morte de nossas crianças.

Violência mesmo é negar-se a cidadania a milhões de brasileiros. É deixarem-se tantos compatriotas de fora dos direitos que nossa Constituição assegura a todos, simplesmente porque são negros, mulheres, portadores de deficiência física, mental, visual ou auditiva ou porque são homossexuais, mas, principalmente, porque são pobres.

Negra e favelada, falo do que conheço bem. Por isso é que me sinto completamente à vontade para saudar a Caravana Nacional da Mobilização Popular pela Reforma Urbana e pela Cidadania, que chegará amanhã, dia vinte e um de março, a esta capital. Representantes de seis movimentos populares -- Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, Movimento Nacional de Direitos Humanos, Movimento Nacional de Luta pela Moradia, Movimento Popular de Saúde, União de Luta pela Moradia e Fraternidade Cristã de Deficientes -- estarão aqui, durante dois dias, para se confraternizarem e para serem ouvidos em audiência pelo Presidente da República e pelo Congresso Nacional.

Trata-se de uma iniciativa elogiável, que demonstra a crescente conscientização dos brasileiros da necessidade de uma ação concertada entre Governo e sociedade civil, visando à solução dos problemas nacionais. Não adianta esperar que as classes sociais dirigentes, responsáveis por esse estado de coisas, se sensibilizem com a situação da maioria da população. As organizações comunitárias constituem um dos meios mais efetivos para a canalização das reivindicações populares.

Volto a enfatizar o vínculo entre a reforma urbana e a reforma agrária. Pouco mais de cem anos atrás, meus bisavós foram libertados da escravidão sem que lhes fosse oferecida uma opção para que pudessem viver do que sabiam fazer, ou seja, cultivar a terra. Por isso eles foram para a cidade, à busca do mercado para os pequenos serviços que podiam fazer para obterem seu sustento. Tiveram também que inventar, nos morros cariocas, o espaço em que morariam. Foi a falta de uma reforma agrária após o colapso da agricultura escravocrata o que levou os negros para as cidades, embora lhes faltasse a formação em qualquer profissão citadina. É a falta de uma reforma agrária o que hoje continua a inchar as metrópoles brasileiras de gente proveniente do campo, quase sempre analfabeta e sem treinamento profissional, que não tem outra escolha senão levantar um barraco num morro ou dormir sob uma ponte ou viaduto.

São homens, mulheres e crianças, brasileiros excluídos dos mínimos direitos da cidadania, daqueles mesmos direitos que valem no papel de nossa Carta Magna, mas que só se aplicam, de fato, a uma minoria. É gente que vem às cidades para tornar ainda mais urgente a necessidade da reforma urbana que defendemos.

As reformas agrária e urbana são uma exigência da cidadania. Constituem também o tipo de luta a que continuarei a dedicar os mandatos legislativos dos quais o povo do meu Estado do Rio de Janeiro me julgar digna.

Era o que eu tinha a dizer, Senhor Presidente. Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 23/03/1995 - Página 3569