Discurso no Senado Federal

ANALISE DOS OITO MESES DO PLANO REAL.

Autor
João França (PP - Partido Progressista/RR)
Nome completo: João França Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. REFORMA CONSTITUCIONAL. :
  • ANALISE DOS OITO MESES DO PLANO REAL.
Publicação
Publicação no DCN2 de 24/03/1995 - Página 3941
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. REFORMA CONSTITUCIONAL.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, INICIO, IMPLANTAÇÃO, MOEDA, REAL, RESULTADO, PLANO DE GOVERNO, ECONOMIA.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, IMPLANTAÇÃO, PLANO DE GOVERNO, ESTABILIDADE, MOEDA, BENEFICIO, ECONOMIA NACIONAL.
  • COMENTARIO, RESPONSABILIDADE, CONGRESSISTA, ANALISE, PROPOSTA, REVISÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, OBJETIVO, CONSOLIDAÇÃO, ESTABILIDADE, ECONOMIA, PAIS.
  • NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, MOTIVO, DEFICIT, EFEITO, AUMENTO, INFLAÇÃO, PAIS.
  • DEFESA, MANUTENÇÃO, ESTABILIDADE, FUNCIONARIO PUBLICO, PAIS.

O SR. JOÃO FRANÇA (PP-RR. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, agora em março, a nossa nova moeda, o real, completa oito meses de existência.

Concebida com a finalidade de interromper a nefasta cadeia de indexação, que tinha por efeito impulsionar o nível geral de preços crescentemente para cima, a nova moeda não somente tem conseguido cumprir esse papel, mas também tem se constituído no símbolo do otimismo da população brasileira com a economia de seu País. Tanta confiança no futuro do Brasil como resultado dos acertos colecionados pelo Plano Real fosse, talvez, dificilmente previsível pelos próprios formuladores do Plano na ocasião da implantação da URV, primeira etapa de todo o processo.

Depois de várias tentativas malogradas de estabilização econômica, que incluíam medidas aparentemente mais duras e mais abrangentes, quem poderia imaginar que o Plano Real conseguiria, em curto intervalo de tempo, ter tanto êxito na derrubada da taxa de inflação de níveis absurdos de quarenta por cento ao mês para apenas cerca de um por cento ao mês? E o mais surpreendente é que tudo foi feito sem lançar mão do elemento-surpresa, e os pontos principais do receituário de medidas econômicas foram discutidos previamente pela sociedade, sendo colocados na mesa com toda a transparência. Consideramos esse fato da maior importância, pois derruba o mito de que o conteúdo dos pacotes econômicos deve ser conhecido apenas pelos técnicos do Governo, reunidos em segredo no recesso dos gabinetes ministeriais. Além do mais, o plano econômico atingiu seus resultados sem o recurso demagógico do congelamento geral de preços, o que sempre é uma tentação para os políticos mais ingênuos ou menos preparados.

Duas acusações que se fizeram ao plano de estabilização também caíram por terra quando contrastadas com a realidade.

Primeiro, propagou-se a idéia de que o Real provocaria recessão na economia brasileira. Nada mais distante da verdade. Ao contrário, o plano produziu efeitos expansionistas tão fortes, que tem sido uma preocupação constante da equipe econômica refrear um pouco o nível de consumo para que não voltem as pressões inflacionárias dos preços. Como ilustração do crescimento desencadeado pelo Plano, no ano passado, de acordo com o IBGE, a indústria expandiu-se a uma taxa superior a seis por cento e, segundo previsões do IPEA, o produto agropecuário também teria aumentado seis por cento. Quanto ao emprego, o mês de novembro registrou o nível mais alto de ocupação desde fevereiro de 1990.1

Segundo, impingiu-se ao Plano Real a pecha de eleitoreiro. De acordo com alguns, o plano de estabilização havia sido engendrado tão-somente com o intuito de engabelar o eleitor brasileiro, induzindo-o a sufragar a candidatura de Fernando Henrique Cardoso. Novamente, os fatos contraditaram a invectiva. A população brasileira votou na perspectiva da estabilização econômica - o que provou que moeda estável e austeridade nos gastos públicos dão voto -, e, passadas as eleições, o Real continua firme e forte, aprofundando, cada vez mais, o processo de retomada do desenvolvimento sustentável da economia brasileira.

Senhor Presidente:

Vários debates têm sido suscitados pela implantação e pelo acompanhamento do Plano Real. Discute-se a respeito de política cambial, de privatização, de reformulação dos encargos e das receitas dos três níveis político-administrativos da Federação, de taxas de juros, de importações e de tarifas, de reforma constitucional e assim por diante.

Dentre todas essas questões relevantes, porém, gostaríamos de destacar um tema. Ou melhor, gostaríamos de realçar uma mudança de mentalidade que se tem operado como conseqüência do processo de estabilização. Referimo-nos à percepção, cada vez mais assídua na opinião pública e nos dirigentes deste País, de que contar com uma moeda estável, que tenha seu valor preservado das oscilações bruscas e freqüentes, constitui um bem da mais alta prioridade. Após tantas quimeras infundadas e tanto palavrório sobre o ingresso do Brasil no Primeiro Mundo - em especial no discurso oficial do Governo Collor -, parecemos ter chegado à conclusão de que, na esfera da economia, o primeiro passo para sonhar com o mundo desenvolvido é garantir uma moeda nacional minimamente estável.

Mas por que a estabilidade da moeda é tão importante? Por vários motivos. Antes de tudo, acontece que os chamados preços relativos dos bens e serviços de uma economia compõem a informação básica que preside a decisão dos agentes econômicos no sentido de comprar, vender, emprestar, planejar investimentos e onde e quando proceder a todas essas operações.

Uma economia com alto índice de inflação representa um lugar onde simplesmente o sistema de informação formado pelos preços relativos não funciona. Essa situação, por sua vez, dá margem à ineficiência no gasto de recursos - pois nunca se sabe o que está caro e o que está barato - e à incerteza que produz o medo de investir. Se o empresário não tem qualquer noção de quanto vai custar instalar uma nova fábrica e qual será, no futuro, a receita que poderá obter pela venda de sua produção, como pensar que ele vai arriscar seu rico dinheirinho? Assim, a inflação alta e, o que é dizer a mesma coisa, a falta de estabilidade da moeda, tem o efeito de, a médio e a longo prazo, paralisar os investimentos produtivos na economia. Por sua vez, todos sabemos que, sem investimento na produção, não há riqueza, não há desenvolvimento, não há emprego.

Daí o caráter expansionista do Plano Real. Com moeda estável, o empresário pode realizar o cálculo econômico que lhe indicará se, quando e onde investir. Deixará de operar totalmente no escuro. Também o consumidor se sentirá mais confiante para planejar seus gastos, tendo maior noção de qual será sua renda futura em face de seu poder de compra, que deixará de oscilar de forma desordenada.

No front externo, igualmente a relevância de uma moeda estável se faz sentir. O mesmo raciocínio que seguimos em relação ao empresário em geral presta-se ao caso específico do exportador, que, com moeda estável, pode calcular o lucro que obterá com as vendas externas em comparação com seus custos. O investidor estrangeiro também se sente mais seguro, pois quando for repatriar parte de seus lucros pode ter a certeza de que o valor da moeda brasileira não se terá deteriorado substancialmente, o que preserva o valor do resultado que obteve denominado na moeda de seu país de origem.

E o que dizer, por exemplo, do MERCOSUL? Como pode um país negociar com outras nações a constituição de uma zona de livre comércio ou de uma união aduaneira se as mudanças freqüentes nos preços de suas mercadorias - o que se reflete na oscilação do câmbio real - solapar toda tentativa de segurança e previsibilidade em seu comércio exterior? Experiências de livre comércio entre países de moedas instáveis são, por isso, fadadas ao fracasso.

Resumindo, moeda estável é pré-requisito para qualquer país que queira manter relações econômicas duradouras e confiáveis com seus parceiros, representando, ao mesmo tempo, o primeiro carimbo no passaporte de quem almeja ser admitido na sociedade das nações desenvolvidas.

Sr. Presidente e Srs. Senadores:

Tem sido dito e repetido pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso e pelos formuladores da política econômica que o Plano Real não nos levará, por si só, à tão desejada estabilização permanente de nossa economia. O Plano Real, de certa forma, representa apenas o pontapé inicial do processo da estabilização. Caso não seja secundado por reformas mais profundas no relacionamento entre os órgãos e as instâncias do Estado brasileiro, bem como nas finanças públicas, corremos o risco de morrer na praia, após esse magnífico e bem-sucedido esforço de pôr ordem na economia brasileira.

Dessa consciência nasce o sentido da grande responsabilidade que nos aguarda, na qualidade de representantes do Poder Legislativo. Depende de nossa capacidade de análise e de discussão das propostas de revisão constitucional o futuro do Plano Real. Devemos saber separar aquelas propostas que, de fato, figuram-se imprescindíveis à arrumação das contas públicas daquelas que não cumprem essa função e que nada contribuem com um desenho institucional moderno da economia. Quanto às proposições que tivermos julgado conseqüentes, devemos ter a coragem de aprová-las, mesmo que esse gesto se traduza em algum grau de impopularidade momentânea.

Não podemos, por exemplo, perder a oportunidade de reformar a Previdência Social, cujo persistente déficit ao longo do tempo tem-se constituído num buraco sem fundo a sugar os recursos da Nação, não raramente sendo coberto com emissões inflacionárias de moeda. Temos de ter a serenidade de reconhecer que os benefícios da Previdência cresceram muito em relação a suas receitas e que a estrutura etária da população brasileira mudou, o que exige a implantação da aposentadoria por idade no País. Igualmente a faixa máxima de dez salários mínimos, que vigora para os benefícios pagos aos trabalhadores do setor privado, deve ser estendida aos servidores públicos. Não podemos dividir os trabalhadores brasileiros em castas distintas, pois a contribuição que pagam é a mesma. Dessa forma se garantem os rendimentos dos aposentados mais pobres, que deve ser a prioridade da ação do Estado. Quanto aos mais abastados, eles podem complementar sua renda associando-se à planos de previdência privada, o que, de quebra, resultará no fortalecimento do mercado de capitais no Brasil, uma vez que sabemos o papel relevante que os fundos de pensões cumprem no mercado acionário das economias dos países desenvolvidos.

Já quanto à proposta de fim da estabilidade do servidor público, não vemos nenhuma razão para aprovar tal medida, que inevitavelmente provocará um retrocesso no grau de profissionalismo do serviço público. A estabilidade deve permanecer, obedecendo ao critério do ingresso do servidor na carreira por meio de concurso público. Caso contrário abriremos as carreiras públicas a um verdadeiro festival de nomeações políticas e deterioraremos ainda mais os serviços prestados à população.

Não vamos, no momento, discorrer sobre cada uma das mudanças em pauta. Temos somente que estar conscientes de nossa responsabilidade para que a estabilização da moeda seja um fato duradouro no Brasil. Sem algumas reformas - repetimos - mais uma oportunidade para o desenvolvimento do País terá sido jogada fora. Se isso acontecer, a próxima tentativa será ainda mais difícil, dada a falta de credibilidade que a população votará a seus dirigentes.

O Plano Real é o plano do Brasil, nosso futuro depende de seu êxito, e, de acordo com o comportamento dos congressistas, esse futuro se cumprirá ou não.

Era o que tínhamos a dizer.


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Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 24/03/1995 - Página 3941