Discurso no Senado Federal

ESCLARECIMENTOS ACERCA DA DENUNCIA FEITA POR S.EXA SOBRE O VAZAMENTO DE INFORMAÇÕES PRIVILEGIADAS, DURANTE A IMPLANTAÇÃO DA NOVA POLITICA CAMBIAL, HA DUAS SEMANAS, E A RESPEITO DAS AFIRMAÇÕES DO SR. PERSIO ARIDA RELATIVAS AO ASSUNTO, FEITAS HOJE NA CAMARA DOS DEPUTADOS.

Autor
José Eduardo Dutra (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: José Eduardo de Barros Dutra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
BANCOS.:
  • ESCLARECIMENTOS ACERCA DA DENUNCIA FEITA POR S.EXA SOBRE O VAZAMENTO DE INFORMAÇÕES PRIVILEGIADAS, DURANTE A IMPLANTAÇÃO DA NOVA POLITICA CAMBIAL, HA DUAS SEMANAS, E A RESPEITO DAS AFIRMAÇÕES DO SR. PERSIO ARIDA RELATIVAS AO ASSUNTO, FEITAS HOJE NA CAMARA DOS DEPUTADOS.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Lauro Campos, Roberto Requião.
Publicação
Publicação no DCN2 de 24/03/1995 - Página 3951
Assunto
Outros > BANCOS.
Indexação
  • CRITICA, DEPOIMENTO, PERSIO ARIDA, PRESIDENTE, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONOMICOS, TENTATIVA, DESVIO, ATENÇÃO, FATO, DENUNCIA, IMPRENSA, OCORRENCIA, PRIVILEGIO, INFORMAÇÃO, FAVORECIMENTO, INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, IMPUTAÇÃO, ORADOR, RESPONSABILIDADE, DIVULGAÇÃO, ASSUNTO, PREJUIZO, ESTABILIDADE, MERCADO FINANCEIRO, ROMPIMENTO, SIGILO BANCARIO.
  • ESCLARECIMENTOS, ATUAÇÃO, ORADOR, DEMONSTRAÇÃO, ATENÇÃO, DIVULGAÇÃO, DADOS, VIABILIDADE, SOCIEDADE, CONGRESSO NACIONAL, OBTENÇÃO, TOTAL, INFORMAÇÃO, NECESSIDADE, APURAÇÃO, INDICIO, PRIVILEGIO, BANCO PARTICULAR.
  • DEFESA, MELHORIA, LEGISLAÇÃO, EFICACIA, PUNIÇÃO, RESPONSAVEL, FAVORECIMENTO, INFORMAÇÃO.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (PT-SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho à tribuna para falar, naturalmente, sobre o assunto que foi notícia no dia de hoje, particularmente no que se refere aos dados que divulgamos à imprensa no dia de ontem. Esses dados mereceram hoje, por parte do Presidente do Banco Central, em seu pronunciamento na Câmara dos Deputados, um processo de tentativa de desqualificação, talvez, para adotar aquele velho ensinamento do futebol que diz que a melhor defesa é o ataque. Essa tentativa de desqualificação seria para desviar a atenção do verdadeiro ponto e da verdadeira forma como foram colocados os fatos na imprensa ontem.

Para que as pessoas ficassem muito bem esclarecidas sobre o assunto, eu gostaria de voltar um pouco no tempo e relatar a evolução dos acontecimentos que, no meu entendimento, ainda não culminaram no dia de hoje.

Surgiu, na imprensa, a primeira informação de que, mais uma vez, teria havido informações privilegiadas, vazamento para alguns setores e para algumas instituições sobre a mudança cambial do dia 6 de março. 

Seria bom registrar que toda vez que há mudança na política econômica do Governo, seja de natureza financeira, monetária ou cambial, com maior ou menor divulgação, surgem notícias de que teria havido vazamento. Isso ocorre por vários motivos: primeiro, pelo sentimento de impunidade que se perpetuou neste País, com relação a esse tema; segundo, pela verdadeira promiscuidade existente entre diretores de instituições financeiras públicas e privadas, já, muitas vezes, levantadas pela própria imprensa.

Por isso, eu queria aqui mostrar que a ação de ontem não significou um ato leviano, um ato de desinformação ou de despreparo. Se houve despreparo, eu gostaria de socializar esse despreparo com toda a imprensa, com o próprio Governo Federal, com o próprio Presidente da República que, de posse daqueles dados, considerou-os como indícios importantes e por isso convocou a Diretoria do Banco Central para uma reunião ontem.

Voltando à história, eu dizia, logo após a primeira manifestação, que o Deputado Jaques Wagner, Líder do PT na Câmara dos Deputados, e eu fomos ao Presidente do Banco Central, no dia 8 de março, com uma representação. Fizemos isso, porque entendíamos que, do ponto de vista constitucional, caberia ao Banco Central fazer as apurações necessárias a respeito daquelas denúncias de vazamento de informações.

Fizemos uma representação, sugerindo a abertura de um inquérito administrativo no interior do Banco, que se fizesse uma auditoria nas operações cambiais, naquele período que antecedeu e no período posterior à divulgação da nova política cambial; solicitamos também uma informação considerada fundamental, ou seja, que nos fosse fornecida a relação das instituições financeiras que, no período compreendido entre o dia 1º e o dia 6 de março, tivessem efetuado operações cambiais em volume de 20% superior à sua média nos dois meses anteriores.

Depois disso - é bom frisar que nesse dia o Dr. Pérsio Arida disse-nos que responderia de forma "expedita" -, mantivemos diversos contatos telefônicos - o Deputado Jaques Wagner e eu -, para saber se já teríamos uma resposta para aquela representação. Não acontecendo, no dia 13 de março, fomos ao Ministério Público e fizemos uma representação, solicitando que o mesmo assumisse a tarefa constitucional de apurar aquelas notícias de vazamento. Propusemos que se fizesse uma auditoria nas operações cambiais do mercado à vista e na Bolsa Mercantil e de Futuros e que se tomassem as medidas policiais e jurídicas cabíveis.

Quando da presença do Dr. Pérsio Arida na Comissão de Assuntos Econômicos, S. Exª disse que havia sido feita uma auditoria no período de 1º a 10 de março e que aquilo não fornecia indícios de que houve vazamento de informações, já que a média do desempenho das instituições financeiras apontava prejuízo e que apenas duas instituições financeiras estavam além do intervalo de confiança. Segundo Pérsio Arida, o utilizado foi média, mais o desvio padrão. Com relação a essas duas instituições financeiras, ao se analisar o volume de operações efetuadas, não se justifica que houve vazamento de informações.

Quando fui indagar ao Presidente do Banco Central, eu disse que considerava o critério de fazer um tratamento estatístico entre o período do dia 1º a 10 de março, envolvendo duas situações profundamente diferentes. Por essa razão, a meu ver, esse critério não serviria para detectar possíveis indícios de informação privilegiada. Esse período de 1º a 10 de março abrange o período de 1º a 6, em que significa os três dias anteriores à mudança da política cambial. No caso, sim, em que naturalmente deveriam operar instituições financeiras que, porventura, estivessem de posse de informações privilegiadas e que poderiam auferir lucro nesse período até o dia 6, com o período de 7 a 10, em que foi a verdadeira especulação financeira. Todo mundo comprou dólar, todo mundo tentou ganhar: os banqueiros fizeram carga contra a moeda e contra o Plano Real, porque são sempre eles que tentam desestabilizar as moedas e os planos do Brasil.

Assim, quando se misturam dois períodos diferentes, alguém ou alguma instituição que, de posse de informações privilegiadas, que permitisse auferir lucro no dia 6, essa mesma instituição poderia, em função da especulação que se seguiu a partir de 7 a 10, ter perdido esses lucros. Portanto, consideramos ser um tratamento equivocado. Naquela sessão, eu disse que tinha dados apontando que três instituições financeiras haviam tido um comportamento atípico na operação de câmbio.

Ontem, inclusive sem tentativa de convocar a imprensa, criar estardalhaço, sem tentativa de desestabilizar o Brasil, como estamos sendo acusados agora, por uma entrevista concedida à CBN, disse que os três bancos que tinham tido um comportamento atípico eram: o BBA, o ING e o Pactual. Em função disso, eu já anunciara que seria mais um indício que se somava a outros acontecidos na semana anterior. Portanto, iria hoje fazer um aditamento junto ao Ministério Público naquela representação, apresentada no dia 13 de março, com esses novos dados.

Disse-o claramente, em todas as entrevistas que concedi, que aqueles dados referiam-se ao mercado à vista. Isto está no Jornal do Brasil.

      A pesquisa do Senador Dutra inclui apenas o mercado de dólar comercial e os negócios à vista.

Dizia, ontem, que era uma informação parcial, que seria necessário que se fizesse uma auditoria incluindo a Bolsa Mercantil e de Futuros como, aliás, é objeto da nossa representação. Dizia, também, que seria mais um indício que se somava àqueles já existentes.

Vou ler parte do que saiu nos jornais:

      Os dados constituem mais um indício de vazamento, entre outros que já foram revelados. Isso mostra que ao contrário do que diz o Governo, esse caso não está encerrado, diz o Senador. Dutra disse que não faz qualquer juízo de valor sobre de quem teria sido a responsabilidade pelo vazamento, mas vai enviar os dados à Procuradoria-Geral da República para reforçar o pedido de investigação já apresentado pelo Líder do PT na Câmara, Deputado Jaques Wagner.

      Ele quer também que Arida conclua rapidamente uma nova investigação sobre a movimentação do mercado de câmbio e apresente o resultado aos Senadores, mesmo que seja numa sessão secreta para preservar o sigilo bancário.

      Não cabe a mim dizer quem vazou as informações, mas à Procuradoria da República.

Isso saiu no jornal e foi a entrevista que dei, in totum.

O nosso interesse, desde o início - e, por isso, primeiro procuramos o Banco Central - é de que o Banco Central verifique se realmente houve vazamento de informações, porque sabíamos que aquelas declarações, aqueles indícios e aqueles fatos que aconteceram na semana passada contribuíram para criar um clima de instabilidade no mercado. Segundo alguns - já que eu não sou especialista na matéria -, por incompetência e por falta de preparo do Governo, houve a evasão de quatro, cinco ou seis bilhões de dólares das reservas cambiais brasileiras - o número varia de acordo com cada fonte.

O que tem que ser registrado é que esses indícios, que desde o início foram apresentados como indícios, tiveram essa repercussão por um motivo muito simples: porque existe um caldo de cultura na sociedade brasileira decorrente dessa relação incestuosa entre diretores de instituições financeiras públicas e privadas, dessa simbiose nefasta que continua existindo.

Acredito que esse episódio, que envolve mais uma vez denúncias de vazamento de informações, poderá servir como marco para esta Casa, para que o Congresso Nacional assuma o compromisso de dotar a legislação brasileira de instrumentos que permitam detectar, com mais eficácia, esses casos de vazamento e que os puna de forma exemplar. É necessário, por exemplo - e eu gostaria que isto ocorresse -, que o Governo Federal, que o Governo Fernando Henrique Cardoso, coerente com o compromisso ético que tem afirmado, utilize de sua Bancada na Câmara dos Deputados para desengavetar o projeto, aprovado nesta Casa, do então Senador e ex-Presidente da República, Sr. Itamar Franco, que institui o princípio da quarentena para dirigentes de instituições.

Disseram que vim colocar rastilho de pólvora nesta questão. Ora, no meu entendimento, quem veio colocar rastilho de pólvora foi o próprio Banco Central. Digo isso por causa da nota oficial do Banco Central. Gostaria que o Sr. Presidente, as Srªs Senadoras e os Srs. Senadores lessem com atenção esta nota. Qualquer pessoa que, com desconhecimento dos fatos, começasse a lê-la, "Diante das insinuações de que o Banco BBA teria obtido vantagens financeiras a partir de informações privilegiadas..." etc, pensaria que era uma nota do BBA se defendendo dos indícios que estavam sendo apresentados.

É bom registrar que os indícios apontam para três instituições citadas e mais algumas outras que necessitariam de uma análise mais concreta. No entanto, o Banco Central publica uma nota oficial onde assume claramente o papel de defesa do BBA.

Sinceramente, creio que este não é o papel de um Banco Central.

E o mais grave é que, hoje, numa entrevista publicada em O Globo, o Presidente Fernão Bracher, quando perguntado se, durante esses dias de confusão no mercado, teria falado com Pérsio Arida, respondeu que tinha falado com ele todos os dias. Se todos os presidentes de banco conversaram com o Dr. Pérsio Arida todos os dias nesse período, o Dr. Pérsio Arida não teve tempo de fazer outra coisa a não ser conversar com presidentes de banco. Se isso acontecesse nos Estados Unidos, provavelmente teria repercussões muito diferentes das que teve aqui.

O Sr. Roberto Requião - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Roberto Requião - Senador, para louvar sua atitude fiscalizadora no cumprimento correto de seu mandato, mais do que preocupação com possíveis desvios dos Diretores do Banco Central, devemos ter preocupação com sua postura ideológica. Parece-me que eles se preocupam muito pouco com o povo do salário mínimo, mas têm nos banqueiros seus filhos privilegiados. Recentemente, o Banco Central editou a Resolução nº 2099, que contraria todo o espírito da Constituição de 88. A nova Constituição brasileira eliminou a existência de cartas patentes para bancos e viabilizou um processo gratuito para abertura de instituições bancárias de pequeno porte, estaduais, municipais e regionais. Antes da Constituição de 88, tínhamos 90 bancos - já chegamos a ter mais de 500 no Brasil. A idéia dos Constituintes era que tivéssemos cerca de 1.000 pequenos e médios bancos municipais, regionais e estaduais, estabelecendo uma concorrência que jogaria os juros para baixo. O Banco Central, desde então, tem colocado limites e dificuldades para a implementação dessa idéia. Crescemos, durante este período de vigência da nova Constituição, de 90 para 240 bancos. Mas essa Resolução nº 2099, que dá conseqüência ao Acordo de Basiléia, faz uma exigência de capital mínimo para os bancos integralizarem até o dia 30 de abril, de cerca de 12.500.000 dólares. Eu recebi um fax do Parlatino, enviado pelo ex-Deputado Federal Fernando Gasparian, observando que esta medida fará com que 75 instituições bancárias de pequeno porte do Brasil fechem. Estamos vendo no Banco Central uma política francamente neoliberal, a política de acordo com os grandes conglomerados financeiros, a política da concentração da renda. A minha preocupação, para animar este fim de tarde no Senado Federal, é com a postura dos economistas do Banco Central. Eu os vejo no bloco do "nhémnhémnhém", fantasiados de Adam Smith e cantando o samba enredo do laissez-faire, laissez-passer. A preocupação maior do Brasil não é com a seriedade, que deve ser questionada a cada momento que uma dúvida existir, não para difamar ou caluniar, mas para que cheguemos à verdade sobre essa instituição tão fechada, tão hermética, tão difícil de ser observada pelo conjunto da sociedade. A preocupação maior é com a postura liberal do Banco Central, desses economistas que, não se preocupando com o salário mínimo, têm - insisto - um carinho especial pelos grandes bancos. Obrigado pelo aparte, Senador.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Agradeço o seu aparte, nobre Senador Roberto Requião.

O Sr. Lauro Campos - V. Exª me concede um aparte, Senador José Eduardo Dutra?

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Concedo o aparte ao Senador Lauro Campos.

O Sr. Lauro Campos - Gostaria de louvar a coragem do nobre Senador José Eduardo e de enaltecer a sua capacidade de trabalho, a sua preocupação com os problemas sérios deste País e com a agilidade com que tentou - e talvez consiga - talhar, cortar a caminhada nefasta que partiu do Banco Central para beneficiar alguns agiotas institucionalizados. Mostrei, há poucos dias desta tribuna, uma folha inteira de propaganda, no Jornal O Globo, do Banco Pactual, um dos três bancos privilegiados por informações partidas do Banco Central - essa pelo menos é a acusação de que este Banco Pactual é objeto. Naquela propaganda, paga pelo Banco Pactual, está a confissão de que não existem apenas vazamentos ocasionais, mas que há uma caixa d'água furada, permanentemente irrigando o sistema bancário e, principalmente, alguns bancos relacionados, incestuosamente, com funcionários, Diretores ou ex-Diretores e ex-Presidentes do Banco Central. É curioso que rapazes jovens e destituídos de fortuna pessoal passem pelo Banco Central e saiam banqueiros de lá. O próprio Fernão Bracher, ao sair do Banco Central, já providenciou a compra, por US$6 milhões, da patente do Banco Auxiliar; também se tornaram banqueiros Lara Rezende, pai do Plano Cruzado I, e Pérsio Arida, que se declarou, aqui no Senado, como sócio inicial do BBA, do Banco do Sr. Bracher - B, Banco; B, Bracher e A, Arida. Esta é a versão que corre e que é conhecida. S. Sª afirmou aqui, para estarrecimento nosso, que ele havia desistido de ser sócio do Sr. Bracher, como se não houvesse inúmeras formas de permanecer nas sombras como sócios ocultos dessas entidades. E esse banco que foi comprado por US$6 milhões centuplicou, em pouco tempo, o seu capital, sendo que, neste ano passado, de crise, teve 148% de lucro. Esse jornal ressalta que os bancos brasileiros tiveram, na década perdida, 24.000% de retorno. Aparece a fotografia de diversos tecnocratas e ex-Ministros, e a propaganda do Banco Pactual afirma o seguinte: Imaginem agora qual será o nosso lucro, qual será agora a nossa taxa de retorno, quando o sistema bancário se encontra integralmente representado - de acordo com o Banco Pactual - no Governo do Sr. Fernando Henrique Cardoso? E coloca, praticamente, todo o Ministério e toda a Diretoria atual do Banco Central. Essa propaganda é uma confissão de que existe um vazamento contínuo, uma conivência espúria entre aquele que devia fiscalizar os bancos - o Banco Central - e as próprias instituições particulares. Quero apenas relatar um episódio de que me recordo, que está no livro "A Estratégia do Desperdício", de Vance Packard, em que dois empresários americanos saíram em determinado momento, cada um de um ponto dos Estados Unidos, e percorreram 10 ou 12 localidades para, um dia, dormirem no mesmo hotel. A partir daí, o Serviço de Investigação dos Estados Unidos fez com que penalidades graves fossem aplicadas a esses senhores, que praticaram um crime contra a concorrência, de acordo com a legislação norte-americana. No Brasil, é de se estarrecer. O Sr. Pérsio Arida afirma que foi dormir na fazenda do Sr. Fernão Bracher, que lá dormirá outras vezes e que não romperá suas relações de amizade, outrora relações mais íntimas de sociedade comercial. Portanto, o que existe neste País, diante dessa rentabilidade e dessa criminalidade continuada e contumaz, é realmente digno de ser examinado mais profundamente, talvez por uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que tenha os poderes que não nos foram conferidos. Aqueles poderes especiais de atuar como juiz, fazendo inquirições de testemunhas, diligências, apurando com o verdadeiro poder de polícia as irregularidades que chegarem a seu conhecimento. Portanto, encerro este aparte, louvando a coragem, a dignidade, a integridade com que V. Exª se portou nesse episódio. Agradeço, inclusive, e me orgulho de ser um Senador do seu Partido. Reconheço que, por incapacidade minha, não pude ser capaz de fazer aquilo que V. Exª fez. Muito obrigado.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Muito obrigado, Senador Lauro Campos.

Eu queria fazer outra consideração sobre uma postura que temos percebido nos membros do Governo Fernando Henrique Cardoso, que é o fato de, no caminho das lutas democráticas, utilizarem-se de possuir um currículo de integridade, de honestidade, que é real, mas para se arvorarem em ser detentores do poder de infalibilidade. E todas as vezes que são levantados os pontos que não significam juízo de valor sobre a honorabilidade de "A" ou de "B", mas que dizem respeito ao trabalho conseqüente de um Parlamentar preocupado com a transparência, no sentido de que a sociedade e o Congresso Nacional tenham todas as informações, isso é visto pelos membros do Governo como uma tentativa de desqualificação para se tentar evitar que se discuta a fundo a verdadeira questão.

Nesse fato, por exemplo, desses dados que apresentamos, para desviar o assunto, estão alegando que o Senador José Eduardo está acobertando um criminoso, porque está-se utilizando de dados que romperam com o sigilo bancário.

Em primeiro lugar, temos de registrar que o próprio Governo já está preparando portarias ou projetos de lei que apontam para a flexibilização do sigilo bancário.

Em segundo lugar, entendemos que o sigilo bancário não pode continuar sendo um instrumento para acobertar atividades ilícitas.

Em terceiro lugar, queremos lembrar que o impeachment do ex-Presidente Collor só se transformou em realidade a partir de ações de diversos cidadãos deste País, que, de posse de informações fundamentais, entendiam estar no seu direito de cidadania passar essas informações aos Parlamentares, para que pudessem fortalecer o processo de derrubada daquele Presidente que tanto mal causou à Nação.

Concluindo, queria assumir o compromisso, mais uma vez, coerente com esta análise que faço - como diversas outras pessoas - de que o Brasil precisa ser dotado de instrumentos legislativos que permitam, de forma eficaz, detectar esses vazamentos de informações e punir, de maneira exemplar, os responsáveis.

O compromisso que assumo é de pesquisar, trabalhar, formular projetos e propostas que nos permitam dotar o Brasil de uma legislação eficiente, que, se não acabar com todas as possibilidades de atividades ilícitas, pelo menos contribua para que esses aspectos sejam profundamente diminuídos.

O Sr. Eduardo Suplicy - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Ouço, com prazer, o Líder do meu Partido, Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy - Prezado Senador José Eduardo Dutra, este episódio está requerendo uma reflexão de extraordinária profundidade. Na verdade, V. Exª, como de fato aqui assinala, está propiciando uma oportunidade de transformação das instituições brasileiras. Adam Smith, na "Riqueza das Nações", em certo momento, fala de como os homens de negócios, seja nos casamentos, nos banquetes, nas festas, reúnem-se para, muitas vezes, dialogar sobre coisas de seus interesses próprios, combinando ações que nem sempre são no sentido de defender o interesse maior da sociedade. Hoje, fiquei pensando muito, ao longo de mais de 4 horas, ao ouvir o depoimento do Presidente Pérsio Arida sobre tudo o que havia ocorrido. Reitero aquilo que V. Exª, como meu companheiro, afirma ter ouvido do Presidente Pérsio Arida, primeiro, quando de sua vinda aqui e depois, na última terça-feira. Aprovei o seu nome para a Presidência do Banco Central na Comissão de Assuntos Econômicos, pois tenho elementos de profundidade para acreditar na sua integridade pessoal. Muitas vezes com ele dialoguei sobre problemas econômicos deste País. Ainda no ano passado, estive conversando, na sede do BNDES, com o Sr. Pérsio Arida sobre temas como o Programa de Garantia de Renda Mínima, questões relativas à destinação dos fundos geridos pelo BNDES, como o Fundo de Amparo ao Trabalhador, taxas de juros cobradas sobre esses fundos, política cambial, âncora cambial, etc. Inúmeras vezes tive oportunidade de conversar com ele, e sempre tive a impressão da seriedade de seus propósitos e de sua honestidade. É possível até que V. Exª, sabendo desta minha postura de conhecimento e amizade pessoal com o mesmo, tenha tido a iniciativa de, junto ao Líder do PT na Câmara dos Deputados, levar esses documentos à Procuradoria. Desde a terça-feira última, venho pensando na responsabilidade e prudência que todos devemos ter quando da formulação de uma denúncia, apresentando os dados os mais completos possíveis. Mas também quero dizer que compreendo inteiramente a sua postura; acredito mesmo que o Presidente Pérsio Arida deveria ter expresso a sua compreensão de quanto V. Exª teve no sentido maior de defesa do interesse público quando, tendo conhecimento dos indícios por V. Exª mencionados, resolveu revelá-los, porque no seu entendimento há a indicação de que pode ter havido o vazamento; e constitui o seu dever constitucional, como Senador, encaminhar isto ao órgão competente. V. Exª primeiro dialogou com o Presidente do Banco Central; não ficando inteiramente satisfeito com as informações ou com o conceito que ele tinha de ser expedito em providenciar a auditoria devida, então avaliou que deveria encaminhar à Procuradoria, e hoje o fez pela segunda vez. Conforme assinalei a V. Exª, gostaria de ver o resultado completo dessa auditoria, e bem disse V. Exª que ainda não está fazendo juízo de valor, porque quer conhecer até o fundo a verdade dos fatos. Penso que o Presidente Pérsio Arida utilizou hoje dois pesos e duas medidas com respeito a dois Parlamentares de grande peso, que manifestaram as suas opiniões sobre esse assunto no noticiário da imprensa. Refiro-me ao Deputado Antônio Delfim Netto e a V. Exª. O Deputado Antônio Delfim Netto foi tratado de maneira deferente da concedida a V. Exª, já que o Presidente Pérsio Arida tentou não desqualificar o que havia sido falado pelo Deputado Antônio Delfim Netto, mas procurou dizer que a sua informação ou a denúncia era de pessoa que não conhecia inteiramente todos os trâmites ou todos os dados relativos ao que havia se passado no mercado financeiro. Quanto a esse ponto, a Deputada Maria da Conceição Tavares salientou algo muito importante, porque se dificuldade houve ontem no mercado financeiro para a moeda, para o valor dos títulos, houve um fator de fundamentação econômica, qual seja, a divulgação ontem do déficit comercial da ordem de U$ 1 bilhão e 95 milhões em fevereiro, o maior déficit comercial já registrado no País, o que vem ocorrendo por 4 meses seguidos, a saber: novembro, dezembro, janeiro e fevereiro. Então, faz-se necessário, com maior intensidade, que o Governo esteja atento como irá resolver o problema do desequilíbrio da balança comercial e, conseqüentemente, da balança de transações correntes. Ele precisa pensar não apenas em ter instrumentos para conter esse déficit, porque é esse o caminho que levou o México a uma deterioração muito séria de sua economia e hoje vive dificuldades dramáticas, com recessão, com desemprego. O Presidente Pérsio Arida, hoje, assinalou que ele gostaria que a economia estivesse crescendo a uma taxa menor, para que não houvesse tanta pressão sobre a balança comercial e a balança de pagamentos. Procurou mostrar que as taxas de juros precisam se manter elevadas para conter esse crescimento que ele está considerando exagerado. Mas as taxas de juros tão elevadas, se de um lado servem como instrumento de breque do crescimento, por outro, levam a um custo muito significativo do serviço da dívida pública. O Governo, ao emitir títulos, promete taxas de retorno a investidores domésticos e a investidores que trazem para cá seus capitais - sobretudo os de natureza volátil, mais especulativa -, rendimentos bem maiores do que podem ser obtidos em outros países. Precisamos ver se essa é a maneira mais saudável de equilibrar a economia. O Presidente Pérsio Arida mencionou que a estabilização da moeda trouxe uma melhoria nas condições de vida e até mesmo a transferência de recursos, uma distribuição de recursos para a população, para os trabalhadores. Mas ainda não fez uma demonstração em profundidade de que efetivamente estejamos vivendo a superação da miséria e da pobreza na extensão que rapidamente se requer. Conforme disse o Senador Lauro Campos, o que de fato está assinalado com números, durante o Plano Real, são resultados muito significativos, positivos para instituições financeiras, sobretudo no segundo semestre do ano passado. Ressaltamos também que o Congresso vai precisar examinar com atenção o Projeto de Lei do Senador Itamar Franco e propostas para limitar os abusos com relação a isso que V. Exª denominou de simbiose entre pessoas no Governo - sejam em instituições financeiras públicas ou em postos chaves nos Ministérios - e aquelas que estão em organismos privados. O Sr. Pérsio Arida é amigo pessoal de muitas pessoas nas instituições financeiras. Mas é preciso - até que ele pense conosco - definir quais os limites éticos dos diálogos que podem existir. Ele disse hoje: "É natural que o presidente do Banco Central tenha que dialogar com presidentes das instituições financeiras para saber como anda o mercado financeiro." E essa interação, de fato, é comum. Mas é importante que isso seja feito da forma mais transparente possível, de forma aberta e que os limites éticos estejam com clareza definidos. Creio que é uma responsabilidade do Congresso Nacional, conforme V. Exª assinala, pensar em normas de defesa do interesse público com respeito a essa questão.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Muito obrigado pelo aparte, Senador Eduardo Suplicy.

Gostaria apenas de registrar que essa tentativa de desqualificação não me preocupa em absoluto. Até porque talvez seja originária na minha própria eleição para Senador da República, quando enfrentamos uma coligação liderada pelo ex-Senador Albano Franco, ex-Presidente da Confederação Nacional da Indústria, figura muito ligada a todos os esquemas do empresariado e do sistema financeiro brasileiro.

Essa tentativa de desqualificação já aconteceu no meu Estado. E acontece com relação a mim e não com o Deputado Delfim Netto, também pelo fato de eu ser membro do Partido dos Trabalhadores, um partido que vai continuar cobrando do Governo Federal a sua agenda social; um partido que vai continuar cobrando do Governo Federal que não mantenha essa política econômica, já muito bem analisada aqui pelo Senador Roberto Requião e que levou o México ao desastre, que levou a Argentina ao desastre e, se continuar assim - esperemos que não aconteça, se Deus quiser - também levará o Brasil ao desastre.

Lembramos ainda que aqueles que levaram o México ao desastre eram os doutores de Harvard, aqueles economistas citados pelo Senador Roberto Requião.

Conforme anunciamos, estivemos hoje na Procuradoria-Geral da República e entregamos o aditamento à representação do dia 13 de março, assinado por mim e pelo Líder do PT na Câmara, Deputado Jaques Wagner. Imediatamente o Procurador Aristides Junqueira despachou-o ao Banco Central para que se manifeste a respeito dos dados.

Esperamos que seja feita a auditoria das operações de câmbio, do mercado à vista e da Bolsa Mercantil de Futuro, sugerida ao Dr. Pérsio Arida e que os membros desta Casa possam ter acesso aos resultados da auditoria, pois, assim, estaremos contribuindo para a transparência do processo. Espero ainda que nós, Senadores e Deputados, consigamos sair desse episódio com uma legislação diferente para o nosso País, encerrando ou pelo menos diminuindo a promiscuidade já relatada aqui exaustivamente.

O Sr. Eduardo Suplicy - Permite-me V. Exª mais um breve aparte?

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Eduardo Suplicy - Senador José Eduardo Dutra, ao final da reunião da Comissão de Assuntos Econômicos, ficou acertado que teríamos acesso a esses dados o quanto antes. É importante mantermos uma comunicação com o Presidente do Banco Central, para que, tão logo estejam prontos os resultados da auditoria, possamos realizar uma reunião da Comissão de Assuntos Econômicos a fim de que os Senadores conheçam os dados da auditoria.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA - Assim esperamos, Senador Eduardo Suplicy.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 24/03/1995 - Página 3951