Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM O CLIMA DE INSTABILIDADE POLITICA, DECORRENTE DAS RECENTES MANIFESTAÇÕES POPULARES CONTRARIAS AO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO.

Autor
Jader Barbalho (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PA)
Nome completo: Jader Fontenelle Barbalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA CONSTITUCIONAL.:
  • PREOCUPAÇÃO COM O CLIMA DE INSTABILIDADE POLITICA, DECORRENTE DAS RECENTES MANIFESTAÇÕES POPULARES CONTRARIAS AO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO.
Aparteantes
Elcio Alvares.
Publicação
Publicação no DCN2 de 25/03/1995 - Página 4036
Assunto
Outros > REFORMA CONSTITUCIONAL.
Indexação
  • APREENSÃO, OCORRENCIA, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DO CEARA (CE), DISTRITO FEDERAL (DF), PRESIDENTE, CLUBE, MILITAR, HOSTILIDADE, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PROTESTO, PROPOSTA, REVISÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, PROVOCAÇÃO, AUSENCIA, ESTABILIDADE, POLITICA, PAIS.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, DIVERGENCIA, FORMA, EXERCICIO, DEMOCRACIA, PAIS, NECESSIDADE, AUSENCIA, PROVOCAÇÃO, TUMULTO, INFLUENCIA, ESTABILIDADE, INICIO, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. JADER BARBALHO (PMDB-PA. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, todos sabemos que a sociedade democrática é fundada no pluralismo e na divergência. Sem pluralismo e sem divergência, inexiste a sociedade democrática.

Quero, Sr. Presidente, em nome da liderança do PMDB, registrar a nossa preocupação com fatos, com acontecimentos e com o noticiário da imprensa em relação a esses fatos, que começam a criar um clima de instabilidade que não interessa à democracia brasileira, que não interessa à sociedade brasileira.

Há poucos instantes, o Líder do PFL, Senador Edison Lobão, registrava a sua inquietação. Poucos meses atrás saímos de uma eleição presidencial. O Presidente da República, que foi eleito no primeiro turno, está há menos de noventa dias no exercício da Presidência da República. Sua Excelência se comprometeu, na campanha eleitoral, a promover reformas, inclusive da Constituição. Disse isso em campanha, disse no seu discurso de posse, tem sido enfático na necessidade de reformas constitucionais.

O PMDB perdeu a eleição, o nosso candidato à Presidência da República não venceu. Meu Partido, posteriormente à eleição, resolveu, através de seu conselho consultivo, apoiar o Governo. Mas a minha preocupação, Sr. Presidente, não é só com o o dever, que o Líder do PMDB nesta Casa tem, de dar, juntamente com a sua Bancada, apoio político ao Governo. O que me aflige é a falta de compreensão em relação ao momento político que estamos começando a vivenciar.

Já foi dito aqui - e faço questão de repetir - que a reforma da Constituição é um ato normal e não de excepcionalidade. Excepcional foi o fato de não ter o Congresso, na última Sessão Legislativa, o Congresso que encerrou a legislatura passada, conseguido realizar a revisão estabelecida pela Constituição de 1988.

Quero dar o meu testemunho, como integrante do Conselho Político do Governo, de ter ouvido reiteradamente por parte do Presidente da República, depois de ter apresentado e colocado em discussão propostas a serem enviadas ao Congresso Nacional, começando pela Câmara dos Deputados, que as reformas poderiam e deveriam ter a contribuição do Congresso Nacional em ajustes que poderiam ser feitos no seu texto. O Presidente, em momento algum, disse que as reformas a serem enviadas para o Congresso tinham o condão da verdade, isto é, que seriam de tal ordem que não poderiam receber a contribuição valiosa que o Congresso Nacional seguramente dará.

O que nos preocupa, Sr. Presidente, é que o Senhor Fernando Henrique Cardoso, com menos de 90 dias no Governo, havendo prometido reforma da Constituição na sua campanha, havendo assumido com essa plataforma, possa, em 90 dias, estar a receber manifestações públicas de hostilidade em relação a essas reformas, como ocorreu no Rio de Janeiro, em Fortaleza e aqui em Brasília.

No regime democrático, que é o regime do pluralismo, o regime da divergência, quem discorda das reformas que apresente, que dê a sua contribuição, que divirja! O que não é possível é criar-se um clima artificial de instabilidade política para o País e para a sociedade brasileira, depois de um período de estabilidade interrompido, de certa forma, com o resultado do Governo do ex-Presidente Fernando Collor de Mello.

Todos nós esperávamos que, naquele momento, tivesse sido estancado e encerrado o período de arbítrio e que, efetivamente, passássemos a vivenciar a democracia tão desejada e tão esperada por todos nós.

Estamos a estranhar essas manifestações, que poderiam ocorrer de forma urbana, como contribuição à vida democrática, que poderiam ocorrer através dos partidos na Câmara, como está ocorrendo aqui no Senado, e através dos meios de comunicação, através da imprensa. 

Sr. Presidente, Srs. Senadores, não se pode admitir aqueles que, em nome da democracia, querem agredir, desejam, no caso, tumultuar, quando há vias normais para expressar a divergência, para expressar o descontentamento.

Sr. Presidente, antes de conceder o aparte ao nobre Senador Elcio Alvares, que o solicitou, desejo registrar também, com preocupação, não só as manifestações que ocorreram no Rio, aqui em Brasília e em Fortaleza, mas também as dos presidentes dos clubes militares.

Vejo, no noticiário de hoje, que o Alto Comando - diz a imprensa - discute a Previdência em Brasília. "Os generais do Alto Comando do Exército, reunidos ontem, discutiram os efeitos nocivos da pretendida reforma da Previdência Social pelo Governo sobre oficiais militares".

Sr. Presidente, quero dar mais um testemunho: vários Parlamentares que estão aqui participaram da reunião do Conselho Político, quando a proposta da Previdência foi exposta pelo Ministro da Justiça, Nelson Jobim. Tive eu a oportunidade de mostrar ao Presidente da República que se era para extinguir privilégios, que fossem extintos os privilégios de todos.

Quero dizer, Sr. Presidente, não em defesa do Presidente, mas em defesa da verdade, que o Senhor Fernando Henrique Cardoso manifestou, naquela oportunidade, preocupação em relação ao tratamento acertado aos militares, levando em consideração a situação especialíssima do exercício da profissão militar. Quero registrar, por dever à verdade, que o Presidente da República fez esse registro.

Os jornais, no dia seguinte, publicaram que eu, como Líder do PMDB, naquela reunião, teria dito que não se poderia suprimir o direito dos professores e permanecer o dos militares.

Não podemos estar, a toda hora, nesta Casa, respondendo às notícias da imprensa - às vezes, é verdade; às vezes, é mentira; às vezes, é leviandade. Não tratei da questão dos militares. Quem tratou dessa matéria foi o Presidente da República, que fez uma ressalva no sentido de que essas questões deveriam ser examinadas.

Estamos agora com a reforma da Previdência na Câmara dos Deputados. É o momento de se discutir esta questão com serenidade. Não vamos passionalizar. Há uma reforma constitucional que não é para um Governo, mas para a sociedade como um todo.

Concedo, com grande alegria, um aparte ao nobre Senador Elcio Alvares.

O Sr. Elcio Alvares - Nobre Senador, o discurso de V. Exª é muito importante, é inteiramente consensual com o grande sentimento nacional. Não precisamos procurar o tempo porque o fato foi recente. O Presidente Fernando Henrique Cardoso teve 34 milhões de votos. Elegeu-se no primeiro turno, e a sua campanha foi inteiramente límpida, transparente. Sua Excelência falou, em todos os momentos, sobre os seus objetivos de reforma, o que pretendia fazer, qual era a sua expectativa para o nosso País. Obviamente, Senador Jader Barbalho, o que está acontecendo no Brasil - e o Congresso precisa tomar esta postura, porque, no caso, também deve ser denunciado o sentido político das manifestações - é que as manifestações não representam a opinião nacional traduzida no último pleito, mas sim setores privilegiados que sempre tiveram tratamentos especiais. E pior: uma entidade sindical, ligada a um partido político, toma acintosamente o comando dessas manifestações. Isso representa, na verdade, o alongamento de um prélio político que se encerrou com a eleição do ano passado. Mas não temos dúvida nenhuma de que, dentro de uma tática de aparição, onde vai o Presidente da República, acompanha-o o cinegrafista, os fotógrafos e os jornalistas. Faz parte da técnica de agitar, de fazer com que essas manifestações aconteçam juntamente com o Presidente da República. A Nação tem que ser advertida em relação a esses episódios, porque, na verdade, estamos voltando a um velho sistema de protestar, inteiramente descabido dentro da democracia plena que estamos vivendo. E V. Exª está abordando o fato com muita propriedade na fase inicial, e quero reiterar, neste instante, que o Presidente Fernando Henrique também está inteiramente imbuído da responsabilidade que lhe foi confiada pelo povo brasileiro. Sua Excelência já afirmou, doa a quem doer, que as reformas serão realizadas. Em relação à segunda parte do pronunciamento de V. Exª, quero ser testemunha das suas palavras, quando V. Exª abordou, com muita propriedade, na reunião dos Líderes, no Conselho Político, a questão das aposentadorias. V. Exª o fez com notável espírito público, falou de uma maneira genérica: não podemos admitir aposentadorias especiais. E, no momento em que V. Exª fez essa referência, evidentemente fomos todos envolvidos, principalmente nós, Parlamentares, que fazemos parte de um instituto tão questionado. E ficou certo, Senador Jader Barbalho, inclusive pela sua voz, que nenhum Parlamentar teria qualquer tipo de constrangimento para adotar uma medida que representasse o fim das aposentadorias especiais. Portanto, acredito que há um conceito, há uma vontade política, há uma disposição do País e do próprio Congresso no sentido de que manifestações isoladas não vão modificar o rumo de um País que sabe o seu destino. Cumprimento V. Exª, porque tenho a certeza, já por essa fase preliminar do discurso, que V. Exª vai realizar uma peça, que deve ser escrita nesta Casa, de advertência; sobretudo porque o autor é um homem que deseja contribuir para que o País tenha a sua democracia cada vez mais estável, cada vez mais tranqüila. Muito obrigado.

O SR. JADER BARBALHO - Senador Elcio Alvares, agradeço e acolho o aparte de V. Exª ao meu pronunciamento, em que dá o testemunho da minha intervenção naquela reunião e da postura do Presidente da República em relação ao fato.

Eu disse ao Senhor Presidente da República que, como ex-Ministro da Previdência Social, considerava, de fato, que era nefasta aos interesses do País a permanência das aposentadorias especiais, das aposentadorias por tempo de serviço, motivo pelo qual poucos países no mundo ainda brigam na sua legislação.

Eu disse ao Senhor Presidente que haveria dificuldade imensa em fazer tramitar a matéria no Congresso se apenas determinados setores fossem atingidos, excluídos, e outros fossem mantidos com o tratamento. A proposta teria que ser clara, seria necessário demonstrar à sociedade que não seria para o Governo Fernando Henrique Cardoso que estaríamos fazendo a reforma da Previdência Social, mas para uma geração, para a próxima geração. E o Presidente, façamos justiça, acolheu e determinou ao Ministro Nelson Jobim que a proposta fosse refeita.

Recordo-me bem que vários Parlamentares disseram a Sua Excelência, naquela oportunidade, que já o texto deveria ser claro, de tal ordem que a legislação complementar já tivesse notícia do que ela seria no texto da proposta de reforma constitucional. Vários Parlamentares que estão aqui, inclusive o Senador Bernardo Cabral, interferiram, na oportunidade.

Sr. Presidente, assusta-me esse fato, porque reforma constitucional não deve ser tratada como matéria para um governo; pode ser a obrigação ou o projeto político de um governo. Uma reforma constitucional é para a sociedade, com vistas ao futuro. Não imaginamos fazer uma reforma constitucional para quatro anos, e sim para os próximos quarenta anos.

Tenho dificuldade, portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de entender como, no regime democrático, a discordância possa ser feita através de insultos, através de apupos, através de violências.

Não, não se constrói sociedade democrática dessa forma; constrói-se sociedade democrática mediante divergência. A divergência é fundamental. Sociedade que não tem divergência, onde não há o pluralismo de idéias, não é sociedade democrática.

Poderemos divergir da proposta do Senhor Presidente da República, que, por sua vez, deixou claro que aceitava, que requeria, que esperava a contribuição do Congresso. Sua Excelência usou até o termo "ajuste"; disse que o Congresso poderia ajustar o texto das propostas das emendas constitucionais.

Estamos assistindo, Sr. Presidente, a um clima que se cria por determinados setores que começam a radicalizar. Temo que, radicalizando, esses setores estimulem a radicalização de outros, favorecendo a criação de um clima que não é favorável não diria ao Governo, mas à sociedade brasileira.

Ontem o Ministro da Aeronáutica compareceu a um almoço em sua homenagem, no Rio de Janeiro. Publica o jornal Folha de S. Paulo de hoje:

      "O Ministro da Aeronáutica, Brigadeiro Mauro José Miranda Gandra, disse ontem, no Rio, que os presidentes dos clubes militares "têm liberdade de expressar coisas que, às vezes, o ministro militar não pode dizer, não deve dizer e tem dificuldade de justificar junto a tropa por que não disse."

      A frase foi dita em resposta ao pedido de um jornalista para que comentasse um manifesto divulgado na última segunda-feira pelos presidentes dos clubes Militar, Naval e da Aeronáutica.

      No texto, que os militares dizem ter a finalidade de transmitir ao Governo, o estado de espírito dos oficiais das Forças Armadas, os presidentes dos clubes, afirmam que da Medida Provisória nº 936, que modifica a data do pagamento do funcionalismo, derivam "a deslealdade, a insensibilidade social, a manipulação contábil e a reafirmação da injustiça."

O Sr. Ministro da Aeronáutica teria, segundo a imprensa, usado adjetivos suaves para definir os sentimentos dos quartéis. Segundo ele, "não há insatisfação, mas há incerteza e insegurança".

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, preocupa-me, como Senador da República, o fato de o Ministro da Aeronáutica sentir-se com insegurança; preocupa-me que um Governo que ainda não completou 90 dias da sua posse esteja vivendo problemas dessa natureza no momento em que tenta implementar o que prometeu em campanha eleitoral, o que prometeu no seu discurso de posse e nas suas manifestações iniciais.

Não há clima, Sr. Presidente, não há clima para essa insegurança, seja a insegurança das ruas, seja a insegurança que possa ser dita por qualquer outra autoridade. Temos a obrigação de dar segurança ao País e às instituições.

Não há clima, Sr. Presidente: há um Presidente eleito, eleito em primeiro turno, mediante manifestação inequívoca da maioria do povo brasileiro. Há instituições funcionando normalmente neste País.

Há quem queira divergir das propostas de reformas, quem queira divergir das medidas governamentais. Sinto-me à vontade, porque, na tribuna, já manifestei minha divergência em relação a uma delas. Sinto-me satisfeito, porque a minha divergência foi acolhida pelo Presidente da República, que, num gesto de compreensão, mandou para o Congresso Nacional a reforma da Medida Provisória nº 935.

Vamos divergir, vamos vivenciar a democracia, vamos contribuir com os nossos pontos de vistas, mas não vamos criar, Sr. Presidente, seja no Governo, seja no Congresso Nacional, seja nas ruas, seja aonde for neste País, um clima de instabilidade, o qual não merece o Governo que começa e muito menos merece a sociedade brasileira.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 25/03/1995 - Página 4036