Discurso no Senado Federal

DESIGUALDADES REGIONAIS NO PAIS, PRINCIPALMENTE NOS SETORES ECONOMICO E SOCIAL.

Autor
Beni Veras (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Benedito Clayton Veras Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • DESIGUALDADES REGIONAIS NO PAIS, PRINCIPALMENTE NOS SETORES ECONOMICO E SOCIAL.
Aparteantes
Esperidião Amin, Jader Barbalho, Ney Suassuna, Sebastião Bala Rocha.
Publicação
Publicação no DCN2 de 29/03/1995 - Página 4147
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • APRESENTAÇÃO, RESULTADO, RELATORIO, COMISSÃO MISTA, DESIGUALDADE REGIONAL, BRASIL, MOTIVO, HISTORIA, GEOGRAFIA, REFORÇO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
  • DEFESA, NECESSIDADE, COMBATE, DESIGUALDADE REGIONAL, OBJETIVO, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, REFORÇO, BRASIL.
  • APRESENTAÇÃO, DADOS, ESTUDO, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), ASSUNTO, DESIGUALDADE REGIONAL, BRASIL.
  • SUGESTÃO, ESTABELECIMENTO, POLITICA NACIONAL, BUSCA, INTEGRAÇÃO, REGIÃO NORDESTE, REGIÃO NORTE, ESTADO DE MATO GROSSO (MT), INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL.
  • COMENTARIO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), PROVOCAÇÃO, AUMENTO, DESIGUALDADE REGIONAL.
  • DEFESA, NECESSIDADE, CRIAÇÃO, INFRAESTRUTURA, SERVIÇO, URBANISMO, ZONA RURAL, ATRAÇÃO, INVESTIMENTO, SETOR PRIVADO, REGIÃO NORDESTE, REGIÃO NORTE, ESTADO DE MATO GROSSO (MT), MOTIVO, REFORÇO, INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, PLANEJAMENTO.
  • COMENTARIO, LIVRO, ASSUNTO, BRASIL, AUTORIA, JACQUES LAMBERT, ESCRITOR, NACIONALIDADE ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA, RECONHECIMENTO, AUSENCIA, INFLUENCIA, DESIGUALDADE REGIONAL, UNIÃO, PAIS, LINGUA PORTUGUESA, HISTORIA, NACIONALIDADE.

O SR. BENI VERAS (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho comparecido várias vezes a este plenário para tratar da questão das desigualdades no nosso País. Este é um tema ao qual tenho dedicado muito esforço e tempo de estudo. Mais do que isso. Passei boa parte da minha vida viajando pelo interior do nosso País, por vários Estados, especialmente no Nordeste. Aprendi a conhecer de perto os dramas da nossa população mais pobre. Vi como se comete tanta injustiça no Brasil. Vi também as potencialidades, a esperança na alma do povo. Vi gente empreendedora e cheia de fé, lutando para construir um lugar melhor para viver.

Vi a pobreza e vi a riqueza. Vi e revi depois, nas andanças de político, nos contatos com as diversas realidades nacionais. Aprendi a ver o que está por trás dos números frios das estatísticas. Para mim, os dados das desigualdades regionais e sociais não são apenas números abstratos. Fecho os olhos e consigo reconhecer pessoas que representam diversos grupos sociais do nosso povo.

Ainda assim me assustam os dados sobre as desigualdades econômicas e sociais. No Relatório da Comissão Mista sobre o Desequilíbrio Interregional fizemos um diagnóstico completo. Vamos, a partir de agora, atualizar esse diagnóstico e remontar o relatório.

As desigualdades no Brasil são fruto da nossa história e da nossa geografia. O desenvolvimento econômico favoreceu algumas regiões e não outras. As relações sociais favoreceram certos grupos sociais e não outros. As condições de vida se distribuíram de forma desigual no nosso território.

Ano após ano, a política econômica tem reforçado estas desigualdades. A concessão de incentivos e a promoção de investimentos têm concentrado nas regiões dinâmicas o núcleo mais moderno de nossa economia. Até certo ponto, as desigualdades regionais se explicam na evolução da história nacional e na diversidade de nossa geografia. No entanto, a concentração dos parques automobilístico, siderúrgicos, de bens duráveis e outros segmentos modernos reflete o viés da política econômica nacional.

A coexistência de uma sociedade nordestina atrasada com a economia moderna no sul-sudeste corresponde, em grande proporção, ao produto de uma política nacional de desenvolvimento equivocada, que desconheceu as nossas diferenças.

O Brasil é uma grande nação. A nossa união é maior do que os nossos problemas. Mas não somos um Brasil homogêneo. Somos vários Brasis: o Brasil do Norte, o Brasil do Sul, o Brasil do Interior, o Brasil dos Pampas, o Brasil da Amazônia, o Brasil do Cerrado, o Brasil da Caatinga. O Brasil dos pobres, o Brasil dos ricos.

Precisamos rapidamente aproximar esses vários Brasis, para que a Nação se fortaleça. E a prosperidade se distribua de forma mais eqüitativa, mais duradoura.

De forma um pouco mais agregada, podemos dizer que temos dois grandes Brasis. O primeiro Brasil compreende o Sul e o Sudeste e uma parte do Centro-Oeste. O segundo Brasil compreende as regiões Norte, Nordeste e Estado do Mato Grosso.

O Brasil 1 abrange 18% do território nacional e 62% da população. Em conjunto, representa o Brasil mais desenvolvido. Embora comporte diversas paisagens e situações sociais e econômicas, tem em comum o fato de que está inserido no processo econômico moderno. Os seus quase 100 milhões de habitantes geram um PIB estimado em cerca de 330 bilhões de dólares, o que corresponde a um PIB per capta de 3.400 dólares por habitante.

O Brasil 2 abrange 82% da área geográfica do País e abriga 38% da nossa população. É um grande Brasil com 7 milhões de quilômetros quadrados e paisagens tão diversas quanto à floresta tropical verde, à caatinga ressequida e o cerrado retorcido. Os seus quase 60 milhões de habitantes geram um PIB de cerca de 65 bilhões de dólares, o que corresponde a um PIB per capta de apenas 1.100 dólares. Ou seja, um PIB per capta que equivale a um terço do PIB per capta do Brasil mais desenvolvido.

Uma olhada nos indicadores econômicos sociais mostra as características dos dois Brasis.

O Brasil 2, a maior parte da população vive abaixo da linha de pobreza, não dispondo de condições para atender às necessidades básicas. No Nordeste, 51,2% da população situa-se abaixo da linha de pobreza. Para as demais regiões, os números são os seguintes: Centro-Oeste 25%; Sul, 21% e Sudeste 15%. Ou seja, a pobreza existe em todo o Brasil. Chega a ser dramática nas grandes metrópoles do País, mas predomina de forma vergonhosa nas regiões mais atrasadas do Brasil 2.

Essa situação, Sr. Presidente, se repete quando analisamos outros indicadores sociais e econômicos. Vejamos alguns dados de um estudo do IPEA, coordenado por Roberto Cavalcanti de Albuquerque (O Brasil Social - Realidades, Desafios, Opções, 1993).

A esperança de vida ao nascer é de 58 anos no Nordeste, e 70 anos no Sul. A taxa de alfabetização é de 63% no Nordeste e 88% no Sudeste. Os indicadores de acesso à habitação, saúde, saneamento, eletricidade, bens de consumo durável mostram o grande padrão de desigualdade. Devemos reconhecer, entretanto, que esses indicadores têm melhorado nas últimas décadas, mas as desigualdades continuam muito grandes.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o que fazer para estabelecer um equilíbrio mínimo? Acredito que o caminho mais promissor é estabelecer uma política nacional que busque a integração da Região Nordeste com a Região Norte e o Estado de Mato Grosso, procurando somar as potencialidades dessas regiões no que elas oferecem como oportunidades de complementação. Há nesta imensa área um grande potencial a ser aproveitado em benefício do desenvolvimento do País. Neste sentido, a integração deve ser buscada com uma visão holística, pois abre perspectiva para o desenvolvimento nacional.

O Centro-Oeste, na verdade, é a grande região de transição entre o Brasil 1 e o Brasil 2. O Mato Grosso do Sul e Goiás beneficiam-se do desenvolvimento do Brasil 1, mas o Mato Grosso ainda é carente de infra-estrutura. Sua integração ao Norte e ao Nordeste pode contribuir muito para tornar mais equilibrado o desenvolvimento brasileiro.

O Sr. Esperidião Amin - Nobre Senador Beni Veras, V. Exª me concede um aparte quando julgar oportuno?

O SR. BENI VERAS - Ouço, com prazer, V. Exª.

O Sr. Esperidião Amin - Nobre Senador, ouço com a atenção possível o pronunciamento que V. Exª faz nesta tarde abordando, em síntese, uma questão que é objetivo nacional permanente, escrito na nossa Constituição, e que foi objeto de uma Comissão Parlamentar, presidida por V. Exª. Tal Comissão procurou analisar a consistência das desigualdades regionais, ou seja, do desequilíbrio e suas causas, o que talvez se constitua na grande mancha do Brasil. Por essa razão desejo me congratular com a iniciativa de V. Exª, tendo o privilégio de, na última sexta-feira - não o percebi na televisão, mas certamente V. Exª estava presente quando o nosso Presidente da República iniciou seu estilo hard de governar e de se pronunciar, exatamente na Terra de V. Exª. Mas entendo que a ida do Presidente da República ao Ceará, para deflagrar o programa de Reforma Agrária e para tomar providências relacionadas ao desenvolvimento econômico daquela região, é uma providência administrativa que interessa a todos nós brasileiros que queremos, como V. Exª tem lutado e proclamado, um Brasil menos desigual. Seria absolutamente igual, posto que impossível, pelo menos com menos desigualdade, tanto entre as regiões, quanto - o que é mais grave - entre as pessoas. Daí a minha manifestação de aplauso pela pertinácia com que V. Exª aborda esse tema.

O SR. BENI VERAS - Agradeço o aparte de V. Exª, que confirma que há uma certa preocupação com o desenvolvimento das Regiões Norte e Nordeste. Essa preocupação não tem se revelado ainda numa política concreta, numa política objetiva e montada de forma tão ampla quanto necessária para enfrentar a gravidade do problema, que é a desigualdade entre as regiões do País.

A vocação do Brasil 1 para o desenvolvimento pode realizar-se mediante uma sinalização correta para as forças do mercado. Está pronto para enfrentar os problemas e recolher os benefícios da integração econômica internacional, particularmente do Mercosul. Todas as condições estão disponíveis para o estabelecimento de um novo grande eixo de desenvolvimento: o eixo Buenos Aires - Belo Horizonte.

Com a tendência natural do Mercosul de desenvolver um novo eixo de desenvolvimento no País, haverá sem dúvida um realce nas diferenças regionais.

As pré-condições criadas durante as últimas décadas possibilitarão ao Brasil 1 tirar grande vantagem do processo de globalização da economia mundial. A economia das regiões mais industrializadas está em melhores condições de ganho de eficiência e capacidade de competição no mercado internacional. Além da melhor dotação de infra-estrutura, recursos humanos mais capacitados e treinados, e outras pré-condições, o Brasil 1 concentra mais de 80% de nossas exportações.

Certamente, a economia destas regiões mais desenvolvidas passará por grandes transformações, e mudarão os paradigmas que sinalizam suas tendências e suas características. Isso tudo é muito bom para todos nós brasileiros. Mas, Sr. Presidente, é necessário uma ação vigorosa na promoção do desenvolvimento do Brasil 2, sob pena de se alargarem demasiado as distâncias que já separam os muitos Brasis.

A nação necessita que tanto o Brasil 1 como o Brasil 2 continuem se desenvolvendo. Criando melhores condições de vida para os seus habitantes. Melhorando os índices econômicos e sociais e cuidando do seu meio ambiente.

Contudo, por se encontrarem em estágios diferentes, as estratégias de desenvolvimento são diferentes. O Brasil 1, a integração competitiva, o aumento geral da produtividade, o incremento dos investimentos, tudo isso são tarefas que o setor privado pode desempenhar adequadamente.

O setor privado neste Brasil 1 é forte e reage aos estímulos. Vai buscar as oportunidades. Aproveita as vantagens comparativas. Será capaz de realizar o ajuste da economia, criar empregos. O desenvolvimento do Brasil 1, o desenvolvimento da sua infra-estrutura e dos seus serviços são orientados pelo estímulos de mercado.

No Brasil 2, há ainda etapas anteriores que precisam ser cumpridas. Etapas essas que, para o Brasil 1, foram implementadas nas décadas anteriores. Necessita ainda de crescimento autônomo da oferta de infra-estrutura e de serviços sociais. Aqui vale a teoria de Hirschman, do crescimento desequilibrado. É preciso criar infra-estrutura e oferta de serviços urbanos e sociais, gerando atrativos para o investimento privado.

A capacidade das regiões pobres para atrair iniciativas do setor privado está refém destes investimentos estruturadores, de responsabilidade do setor público. Tomemos a presente situação: a imprensa tem-se referido ao debate acerca das alternativas de localização das novas unidades de montadoras de automóvel. (Há várias firmas montadoras de automóveis que desejam se instalar no Brasil). Não há um único caso em que uma montadora esteja pensando em se localizar nas regiões pobres do País. Tudo se passa como se já estivesse consolidada a situação de subdesenvolvimento relativo. Tudo se passa como se a situação de pobreza do Brasil 2 já estivesse institucionalizada, restando apenas a resignação a esta realidade injusta e indigna.

Cabe a todos nós mudar radicalmente o papel do Estado. No passado, o Estado teve um papel primordial na criação das condições para o desenvolvimento do Brasil 1. (O Brasil do Sudeste foi um país desenvolvido a partir da iniciativa governamental, fortemente). O BNDES foi o grande financiador da infra-estrutura e dos investimentos privados, oferecendo créditos subsidiados. O Governo investiu pesadamente nos transportes, nas comunicações, na energia. As empresas estatais concentraram no Brasil 1 quase a totalidade dos seus investimentos, com poucas exceções.

Hoje, esse esforço foi correspondido. O Brasil 1 foi dotado de um dinamismo próprio. Muda o papel do Governo. De investidor direto, deve ser o estimulador, o motivador, o regulamentador. Deve concentrar-se nas questões sociais e nas funções básicas do Estado.

O receituário moderno sobre o papel do Estado, ou se quiserem, o que estão chamando, inadequadamente, de receita neoliberal, se aplica bem no Brasil 1. É claro que persistem as desigualdades internas no Brasil 1 que devem ser enfrentadas e superadas. Sobretudo pela ação dos Estados e Municípios, em parceria com as organizações da comunidade e da iniciativa privada.

No Brasil 2 ainda há necessidade de um Estado forte, condutor do processo de desenvolvimento. Não necessariamente um Estado que faz diretamente as coisas, mas que as promove. Que envolve o setor privado. Identifica oportunidades. Viabiliza meios. E, por que não, investe diretamente nos casos em que o setor privado não o faça. Levando em conta, no entanto, os princípios da viabilidade econômica e da sustentabilidade social, ambiental e política.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Norte, o Nordeste e o Centro-Oeste ainda necessitam de um Estado promotor do seu desenvolvimento. Para isso, é preciso que se fortaleça a função do planejamento, que se redefinam as instituições de planejamento e de financiamento, para que elas se tornem mais eficazes na promoção do desenvolvimento equilibrado do País.

Causa espanto a forma como nosso orçamento é elaborado hoje. Ele não atende às grandes linhas geopolíticas, necessárias ao equilíbrio do País. É feito de maneira tal a uma colcha de retalhos, não revela uma linha política ideológica, firme, capaz de desfazer essas enormes desigualdades que o País experimenta ainda hoje.

Não podemos continuar olhando para o Brasil de forma desagregada. A integração do Norte, do Centro Oeste e do Nordeste pode beneficiar essas três regiões. Criar empregos. Gerar novas oportunidades de investimentos para o setor privado. E pode ser útil e conveniente aos interesses do Brasil 1. Do Brasil mais desenvolvido. Acredito que a busca de pontos de convergências entre os interesse do Nordeste, Norte e Centro Oeste devem ser constantes, porque aí reside a forma como se pode dar maior equilíbrio ao País.

Ao Brasil 1, mais desenvolvido, se oferece a oportunidade única de expandir suas fronteiras econômicas, mediante a integração de seu setor produtivo, com as potencialidades e os mercado do Brasil 2. Não há barreiras de idioma, cultura, preconceitos. Não há necessidade de complexos acordos internacionais. Basta a mudança de atitude, a vontade política da integração nacional. Neste momento de internacionalização da economia e dos mercados mundiais, temos de integrar este País-Continente. Todos ganharão. Principalmente os setores mais dinâmicos do Brasil 1.

Esta é uma questão relevante. Longe de mim a idéia de tornar opostos o Brasil 1 e o Brasil 2. Ao contrário. Interessa ao País e à Nação que as regiões mais desenvolvidas continuem em seu processo de crescimento.

O que não interessa é que se aprofundem as desigualdades regionais e sociais. O que estamos dizendo é que, porque são diferentes os dois Brasis, requerem estratégias diferentes. E, particularmente, que o papel do Estado deve ser diferente em cada um deles.

Também queremos dizer que o crescimento mais acelerado do Brasil 2 vai significar um aumento maior do mercado interno, que beneficia diretamente o setor privado da região mais desenvolvida. E, por outro lado, o crescimento do Brasil 1, além de criar mais mercado também para o Brasil 2, vai gerar capacidade de mais investimentos em todo o País.

A questão é esta, Sr. Presidente: como evitar que o Brasil desenvolvido desconheça o grande potencial que, para todos os brasileiros, representa a incorporação das regiões mais atrasadas no desenvolvimento nacional. Uma visão míope pode significar uma restrição ao próprio conhecimento.

Mais uma vez, o papel mais relevante é reservado ao Estado. Em primeiro lugar, creio que se torna necessária uma reforma nas instituições de planejamento. Em vez de uma superintendência para cada região, poderia haver uma grande instituição para o desenvolvimento do Brasil 2. Capaz de ver, de forma integrada, as necessidades de infra-estrutura e as potencialidades de desenvolvimento. Atenta para promover a participação privada e pública nos investimentos que forem necessários.

Em segundo lugar, a coordenação do esforço de financiamento do desenvolvimento. Hoje, temos o Banco do Nordeste, atuando no Nordeste. O BASA, atuando na Amazônia. O BNDES, atuando no País como um todo. A coordenação das diversas fontes de financiamento seria importante para viabilizar os investimentos públicos e privados no Brasil 2. Em lugar de várias instituições fracas, uma instituição financeira forte poderia ser mais eficaz.

O SR. JADER BARBALHO - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BENI VERAS - Ouço V. Exª.

O SR. JADER BARBALHO - Senador Beni Veras, quero cumprimentar V. Exª pelo pronunciamento que faz nesta tarde no Senado, com a autoridade dos conhecimentos que tem a respeito da realidade nacional. Pelo fato de V. Exª, inclusive, ter tido a oportunidade de exercer o cargo de Ministro do Planejamento do País. Meus cumprimentos ao seu pronunciamento se deve ao fato de que V. Exª não pretende em absoluto contrapor as regiões mais pobres do País às regiões consideradas mais favorecidas. V. Exª, na verdade, no seu pronunciamento, e assim o entendo, procura estimular as autoridades do nosso País a ter uma visão distinta do que chama Brasil 1 e Brasil 2. Portanto, não deseja que se estanque o desenvolvimento que o Brasil 1 merece. V. Exª, com muito bom-senso, apenas indica que o tratamento deva ser distinto para as duas regiões; o tratamento para as regiões Sul e Sudeste deve ser distinto daquele para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil. Como representante do Norte nesta Casa, solidarizo-me com V. Exª e subscrevo o seu discurso. A visão que se tem das regiões Sul e Sudeste deve ser distinta daquela que se tem das regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte do Brasil. A nossa visão é de maior intervenção do Estado, de maior alocação de recursos para a infra-estrutura. Reconhecemos, como V. Exª, que os bolsões de miséria existem em todas as regiões do País; que a questão da distribuição de renda, profundamente injusta entre nós, ainda é um dado forte; mas que o tratamento a ser dado para o Brasil 1 e para o Brasil 2 deve ser distinto. Desejo me juntar às preocupações de V. Exª por uma política de desenvolvimento regional no Brasil, de eliminação das desigualdades e, acima de tudo, por políticas distintas em relação ao que V. Exª chama, com muita oportunidade, de Brasil 1 e Brasil 2. Meus parabéns pelo pronunciamento de V. Exª.

O SR. BENI VERAS - Obrigado, Senador Jader Barbalho. Gostaria de ressaltar que temos uma herança de planejamento em nível regional nas regiões Nordeste, Norte, Centro-0este, Sul e Sudeste. Essa política está superada. Com a situação atual do Sudeste, com o seu desenvolvimento e a internacionalização da economia brasileira, surge uma oportunidade de as regiões trabalharem juntas, coordenadas. As regiões Nordeste, Norte e parte do Centro-Oeste ganharão muito mais se fizerem juntas um planejamento global, ao invés de separadas. O Nordeste tem uma complementariedade em relação ao Norte muito importante. Juntos, poderiam potencializar as suas possibilidades. É um caminho que deve ser percorrido cada vez com mais força: diminuirmos essa diferença e procurarmos os pontos em comum entre o Norte, o Nordeste e o Centro-Oeste, para que possam potencializar-se, com maior oportunidade de desenvolvimento para essas regiões.

O Sr. Sebastião Rocha - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BENI VERAS - Tem o aparte V. Exª.

O Sr. Sebastião Rocha - Senador Beni Veras, como representante do Amapá, um dos Estados mais longíquos e também mais esquecidos com relação às ações do Governo Federal, não poderia deixar de participar do discurso de V. Exª, para me colocar como aliado nessa busca de uma maior eqüidade de tratamento para as nossas regiões. Daqui a pouco estarei proferindo um discurso que segue a mesma linha do de V. Exª e, em breve, também discorrerei sobre essa questão do MERCOSUL, da necessidade de suas autoridades, incluindo as brasileiras, preocuparem-se com uma integração também dos Estados do Norte, ou seja, como os Estados do Norte e do Nordeste poderão se relacionar e usufruir dos benefícios do MERCOSUL. Recentemente, num encontro que tive com o Ministro das Relações Exteriores, Luiz Felipe Lampreia, recebi de S. Exª a boa notícia de que serão constituídos acordos em nível de áreas de livre comércio entre países fronteiriços: Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Acredito que isso reforce a sua idéia, a sua tese de que é possível e necessária essa maior integração. Muito obrigado.

O SR. BENI VERAS - Agradeço o aparte de V. Exª. Ainda não despertamos para as oportunidades de desenvolvimento que teríamos se os nossos Estados trabalhassem juntos; ainda estamos desagregados, cada qual para um lado, sem aproveitar as potencialidades que oferecem as ligações que podem ser estabelecidas entre nossos Estados. Há todo um planejamento do BNDES parado, engavetado, que tem em vista essa união do Brasil que chamo de Brasil 2, que hoje se distingue pela sua situação de baixa renda, de subdesenvolvimento. Isso pode ser vencido se associarmos os nossos Estados e procurarmos desenvolver todas as potencialidades que eles oferecem.

O Sr. Ney Suassuna - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BENI VERAS - Tem o aparte V. Exª.

O Sr. Ney Suassuna - Nobre Senador Beni Veras, antes de mais nada, desejo me solidarizar com V. Exª pela oportunidade e realidade do seu discurso, ao mesmo tempo informando que estamos em andamento com um projeto de se fazer uma espécie de mercado comum entre a Paraíba, o Rio Grande do Norte e o Piauí - três governos experimentais do PMDB.

O SR. BENI VERAS - Não é possível incluir o Ceará nesse esquema?

O Sr. Ney Suassuna - Inicialmente, pensamos no PMDB, mas é claro que se pode expandir a idéia. A exemplo do BENELUX, na Europa, em que, apesar do Mercado Comum Europeu, Holanda, Luxemburgo e Bélgica fizeram um miniacordo que traz muitos benefícios regionais. Estamos ultimando as possibilidades de intercâmbios técnico, econômico e fiscal, e até priorizando as compras de um Estado no outro - esses três mais pobres. Esta é uma razão de não incluirmos o Ceará, por ser um Estado rico, um Estado de Governo, diferente de uma pobre Paraíba, de um pobre Piauí ou de um pobre Rio Grande do Norte - este, nem tão pobre, uma vez que tem petróleo. Essa é uma experiência que, provavelmente, deverá ser estendida a outros estados, se tiver sucesso - e cremos no seu sucesso. Creio que são formas que podemos criar, em brain storm, para sairmos desse marasmo e dessa diferenciação, que cria Estados de primeira e de terceira categorias nesta Nação.

O SR. BENI VERAS - O que me chama a atenção, Senador Ney Suassuna, em cima da idéia que V. Exª expende, é que seria uma grande vantagem podermos fazer isso para toda a área que chamo de Brasil 2. Na relação per capita do País, os doze Estados inferiores em renda são os que chamo de Brasil 2, com uma renda média de, aproximadamente, 1.100 dólares, baixíssima, enquanto o restante do País chega a 4 mil dólares de renda. 

É preciso fazer alguma coisa, pois, do contrário, teremos dois países completamente diferentes, talvez, até, antagônicos.

Há uma tendência natural ao crescimento do Sudeste. O MERCOSUL e a internacionalização da economia brasileira tendem a levar essa região a um novo surto de desenvolvimento. Se não experimentarmos algum tipo de desenvolvimento, essa desigualdade crescerá ainda mais; já é gigantesca - ficará ainda maior.

Continuando, Sr. Presidente, todo o setor público, principalmente o Governo Federal, deveria estar mais atento para as necessidades das regiões menos desenvolvidas. Além disso, o impacto das políticas macroeconômicas deveria sempre ser analisado do ponto de vista de suas implicações para o Brasil 2. Às vezes, as políticas que são boas para as regiões desenvolvidas do País são prejudiciais às regiões subdesenvolvidas. Essas políticas são sempre definidas em função das necessidades do equilíbrio macroeconômico, que refletem o Brasil mais desenvolvido.

O SR PRESIDENTE (Teotonio Vilela Filho) - Senador Beni Veras, lamento comunicar a V. Exª que o seu tempo está esgotado.

O SR. BENI VERAS - Pois não, Sr. Presidente.

O pesquisador francês Jacques Lambert, em seu livro Os dois Brasis, considera absurda a comparação do Brasil desenvolvido e do Brasil subdesenvolvido como uma metrópole e seu império. Lambert vê a sociedade arcaica e a sociedade progressista unidas pelos "elos da mesma língua, da mesma história, e pela comunhão do mesmo nacionalismo". Ele conclui que a economia dualista não atinge a nacionalidade, embora advirta dos riscos que apresenta a diferença dos níveis e condições de vida de duas categorias de brasileiros, distribuídos no que ele chama de "império desigualmente desenvolvido."

É preciso ousar, Sr. Presidente. O futuro do Brasil como Nação democrática e justa exige que comecemos a enfrentar seriamente as causas dos nossos desequilíbrios. Reconhecer que somos diferentes é o primeiro passo para enfrentar de forma adequada os problemas do nosso desenvolvimento. E para fortalecer a Federação Brasileira devemos reconhecer as diferentes características e as demandas de cada região.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 29/03/1995 - Página 4147