Discurso no Senado Federal

REPUDIANDO O DIAGNOSTICO EQUIVOCADO E A ADOÇÃO DE MEDIDAS DUBIAS PELA EQUIPE ECONOMICA DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. PRIVATIZAÇÃO.:
  • REPUDIANDO O DIAGNOSTICO EQUIVOCADO E A ADOÇÃO DE MEDIDAS DUBIAS PELA EQUIPE ECONOMICA DO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO.
Aparteantes
Epitácio Cafeteira, Geraldo Melo.
Publicação
Publicação no DCN2 de 04/04/1995 - Página 4534
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, FALTA, DIREÇÃO, PLANO DE GOVERNO, ECONOMIA, GOVERNO FEDERAL, MOTIVO, ALTERAÇÃO, POLITICA ADUANEIRA, AUMENTO, ALIQUOTA, IMPORTAÇÃO, EXECUÇÃO, POLITICA, SUBSIDIOS, SETOR, EXPORTAÇÃO, DESEQUILIBRIO, ORÇAMENTO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, DESEMPREGO, PAIS.
  • CRITICA, FORMA, POLITICA, EXECUÇÃO, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO, BRASIL, PREJUIZO, TRABALHADOR, FAVORECIMENTO, CLASSE EMPRESARIAL, NECESSIDADE, ENCAMINHAMENTO, ACOMPANHAMENTO, MODELO, PAIS ESTRANGEIRO, JAPÃO.
  • COMENTARIO, APRESENTAÇÃO, PROPOSTA, PRIVATIZAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, RETORNO, CUSTO, EMPRESARIO, SETOR PRIVADO, PAIS.

O SR. LAURO CAMPOS (PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente e Srªs e Srs. Senadores, não poderia silenciar diante dos últimos acontecimentos que mudam radicalmente o itinerário que há muito tempo vêm seguindo aqueles que se dizem preocupados com o futuro da economia e da sociedade brasileira e que, para isso, lançaram mão de um plano, cujas origens sabemos não se situam em território nacional, nem tampouco nas cabeças de técnicos e economistas preocupados com o destino da Nação.

Esse plano é um plano-processo, como foi dito pelo sociólogo e Presidente, Fernando Henrique Cardoso. É um processo longo e que, há muito tempo, vem sendo implantado não apenas por meio de três pauladas ou das quatro porretadas, como se referiram os dois ex-Ministros da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso e Ciro Gomes.

Há sintomas evidentes de que aquilo que ontem era bom e profícuo para o Brasil, que iria resolver os problemas do País, que o faria retornar ao caminho da prosperidade, que abriria oportunidades de investimento e as portas para a modernização, tudo aquilo mudou de sinal. Agora, o Brasil se fecha. Antes se escancaravam às importações todos os gêneros, subsidiava-se o dólar, colocando sua cotação a R$0,94, a R$0,89, aboliam-se todas as barreiras alfandegárias. Agora vemos ressurgir os instrumentos protecionistas, vemos que mais de cem produtos passam a ser apenados com um aumento de alíquota de 70% em suas importações.

Ou o Governo antes estava errado ou está errado agora, pois o que hoje se faz é antípoda, é o contrário daquilo que se fazia antes. Prossegue-se, no entanto, com o mesmo processo de destruição daquilo que a Constituição Federal considera como um dos valores que compõem a própria soberania do País, que é mercado nacional, que deve ser protegido e que, porém, foi aberto dessa maneira, mediante subsídios às importações, como uma forma de destruição desse valor social.

Ou o Governo e seu plano estavam certos antes ou estão certos agora. O que não é possível é que, em duas situações complemente díspares, dado o sinal de que o Governo brasileiro mudou radicalmente o nosso caminho, a nossa trajetória, a nossa forma de inserção na economia mundial, o Governo tenha razão sempre. Ele adotava uma posição que criticávamos, porque sabíamos que iria levar à completa e rápida destruição das reservas de 43 bilhões de dólares, acumuladas não se sabe como, por um País cuja dívida externa atinge mais de 120 bilhões de dólares.

O Sr. Epitacio Cafeteira - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LAURO CAMPOS - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Epitacio Cafeteira - Senador Lauro Campos, V. Exª, em seu pronunciamento, esposa ponto de vista que é comum a vários de seus colegas. Na realidade, a tentativa de abrir a economia num país da dependência do Brasil é talvez uma maneira de levantar o moral do povo. Por que não podemos gastar como ricos se este País é pobre? Reclamei várias vezes, contestei as teorias de que poderíamos continuar com a âncora cambial para conter a inflação. Poderíamos fazer isso sim, mas por pouco tempo, porque nossas exportações perderam estímulo na medida em que não tinham competitividade no mercado externo. Economia, para tristeza nossa, temos que constatar, é modismo. Hoje, é modismo internacional o que eles lá fora chamam de band, que quer dizer faixa, ou seja, faixa de flutuação, band de flutuação. No Brasil, nem ao menos traduzimos por faixa e resolvemos que seria banda. E ninguém sabia se era a Banda, de Chico Buarque de Holanda; que banda era essa, se tudo não terminaria em bandalheira com muitos enriquecendo à custa do dinheiro do povo. Tenho me pautado nesta Casa por dizer o que penso e, neste momento, congratulo-me com V. Exª e, pela primeira vez, bato palmas para um ato do Governo, que resolveu se esquecer das excelências do México e da Argentina e reconhecer que foram políticas erradas, e que o Brasil não pode caminhar para ser o México de amanhã ou a Argentina de depois de amanhã. Isto é muito importante: o Governo deve ter a humildade de reconhecer quando erra, como reconheceu agora ao modificar o nosso tipo de comércio exterior. Parabéns a V. Exª.

O SR. LAURO CAMPOS - Agradeço o aparte de V. Exª, que vem enriquecer a minha fala.

Essa indecisão e essa mudança de sinais por parte do Governo mostram que ele teve uma visão muito limitada; não teve uma visão de estadista; não teve uma visão de futuro, porque o custo social, econômico e financeiro desta experiência - principalmente o custo social, que vem pesar, cada vez mais, sobre os trabalhadores brasileiros - foram imensos. Basta lembrar que as mesmas regras que presidiram a sobrevalorização do Real para facilitar as importações, que prejudicaram as exportações, são parte de um modelo que leva o Sr. Bresser Pereira a anunciar a demissão de 60 mil funcionários; que leva o Ministro da Fazenda a dizer que não sabe se vai fechar 400 ou 600 agências do Banco do Brasil; que leva, portanto, o Brasil a se abrir através de importações subsidiadas, destruindo parte de seu parque industrial, levando ao desemprego 9 mil e 900 trabalhadores, criando uma situação social em que os movimentos de rua não poderiam deixar de ser senão a resposta branda àquilo que o Governo prega.

Infelizmente, o Senador Pedro Simon não se encontra aqui agora. Na semana passada, em um de seus discursos, ele disse que o Governo estava usando o processo de colocar os bodes dentro de casa, para criar uma situação insuportável. Depois, a situação seria abrandada com as reformas anunciadas pelo Governo, tirando os bodes de dentro de casa, mas deixando a fedentina que os bodes lá colocaram, deixando o povo obviamente assustado diante de tantos bodes dentro de casa, deixando o povo amedrontado diante das ameaças de perda de emprego, destruição do parque industrial nacional e competição desastrosa aberta a todos os países que subsidiam suas exportações.

Portanto, diante desse quadro, não seria possível que o povo permanecesse inerme, que o povo permanecesse paciente para que se lhe aplicasse mais uma vez uma dose dessas medicinas perversas que ele tem sofrido ao longo de décadas.

Assim, não é a primeira vez que essa modernidade brasileira abre as portas para as importações. Gostaria de lembrar a V. Exª que não é um modismo apenas. Em 1808, abriram-se as portas para as nações amigas, reduzindo-se o imposto de importação dos produtos provenientes da Inglaterra a 14%, enquanto os produtos de Portugal pagavam 15% para serem importados pelo Brasil. Dava-se, assim, uma situação privilegiada aos produtos ingleses que precisavam ocupar o nosso pequeno mercado.

Isso se repetiu no Governo de Campos Sales, no pacote de janeiro, quando ele também escancarou a economia brasileira para que os produtos que estavam sendo retomados na crise que terminou em 1906, na Europa e nos Estados Unidos, pudessem também penetrar na economia brasileira e assim resolvessem os problemas das economias cêntricas novamente.

De novo estamos vendo que a economia brasileira está-se abrindo porque o Japão, os Estados Unidos e os países cêntricos não têm onde colocar suas mercadorias, estão com uma crise de sobreacumulação de capital e de excesso de produção. Por esse motivo, estão tentando criar os "NAFTAs", do Alasca à Patagônia, como queria o Sr. George Bush, a fim de que nós nos transformemos no mercado que eles já não têm para a sua produção sobredimensionada.

Não tendo, portanto, onde colocar suas mercadorias, fazem esses planos perversos, para que nós concentremos mais a renda, dispensemos funcionários e equilibremos o orçamento, esquecidos de que as exportações, sendo subsidiadas, pesam no Orçamento. Constituem, portanto, elementos desequilibradores do Orçamento que o Governo promete equilibrar.

Além disso, sabemos que as exportações reduzem a oferta interna de mercadorias e aumentam a renda dos exportadores, criando duas ou três pressões inflacionárias sobre a economia brasileira. E o Governo afirma que continua combatendo a inflação, mas não onde deveria ser combatida. A luta limita-se a reduzir os recursos da Previdência Social, querendo dele se apropriar inconstitucionalmente, querendo arrochar salários e manter os níveis em 100 dólares por mês.

Portanto, é lamentável que esse diagnóstico equivocado continue a ser imposto à economia e à sociedade brasileira. Gostaria de dizer que aderi à privatização. Quero privatizar a Previdência Social, mas voltando às suas origens. O que houve na economia brasileira é que os custos privados de alimentação, de habitação, de aposentadoria, da velhice dos trabalhadores, digamos assim, aquele custo foi eliminado no século passado pela famigerada Lei dos Sexagenários, libertados para morrerem à míngua na rua. Agora, essa Lei dos Sexagenários parece estar de volta para que os trabalhadores, esgotados, sejam colocados na rua, dispondo apenas de uma mísera previdência social que não pode sequer acompanhar o reajuste do salário mínimo.

Portanto, quero privatizar, sim. Mas sigamos o exemplo do Japão, pois são as empresas, os empregadores que sustentam a aposentadoria dos seus trabalhadores; são as empresas que pagam as despesas de saúde dos seus trabalhadores. Vamos, então, privatizar, mas voltando às origens, transformando o custo social, o custo público da aposentadoria, da saúde, da preparação da mão-de-obra, dos silos e armazéns; voltar com esses custos para o empresário privado, de onde esses custos foram externalizados e passaram a incorporar as agências do poder.

Portanto, sou a favor da privatização, mas não da privatização sobre o trabalhador brasileiro levado à fome, não sobre o trabalhador brasileiro descarnado nesse processo de espoliação, mas a favor da privatização retornando esses custos ao empresariado, à empresa privada, que deve arcar com eles. E se isso acontecer, haverá, sim, uma nova relação entre empregados e empregadores, como acontece no Japão.

Não é à toa que sabemos que no Japão a rotatividade da mão-de-obra é muitas vezes menor que a dos Estados Unidos. Existe uma propensão dos trabalhadores a não mudarem de emprego, a ficarem até a aposentadoria numa mesma atividade, subordinados ao mesmo vínculo empregatício. Mas isso acontece porque a aposentadoria, a saúde, a habitação, os transportes são custos privados, arcados pelo empresariado japonês.

Gostaria de dizer que estou apresentando um projeto de privatização da Previdência Social, no qual os empresários venham a arcar com os custos da privatização, os custos sociais da força de trabalho, não deixando acontecer uma espécie de Lei dos Sexagenários, que fez rir a aristocracia brasileira do século passado, quando os escravos com 60 anos foram liberados à morte e ao desamparo.

Parece que nos encontramos numa crise que não está inscrita nas 3 ou 4 crises que Marx descreveu ao longo de O Capital, principalmente no seu terceiro tomo. É uma outra crise, crise de anomia, talvez seja o positivista Emile Durkheim, no seu livro O Suicídio, que se tenha aproximado mais da situação em que nos encontramos. A anomia social, a falta de normas e, portanto, esta anomia leva fatalmente a esgarçar o tecido social em todas as suas dimensões, leva necessariamente a que também o Legislativo se envolva nessa crise de descrédito, de falta de legitimidade.

Assim, não é através de gritos, de gestos agressivos, de atitudes pouco democráticas que o governo brasileiro voltará a adquirir a sua legitimidade, a legitimidade que ganhou nas eleições, mas que se esvai tão rapidamente, como demonstram as pesquisas de opinião.

Portanto, Srªs e Srs. Senadores, essa crise, que é uma crise de anomia, faz com que o Brasil pareça uma nau sem rumo: uma hora apontando para o Norte, outra hora apontando para o Sul; num momento, abrindo a porta para a modernidade e para as importações, noutro assumindo essas bandas, que sabemos serão saltadas brevemente, essas bandas que serão ultrapassadas através de desvalorizações necessárias e futuras da moeda brasileira.

O Sr. Geraldo Melo - V. Exª me permite um aparte, Senador Lauro Campos?

O SR. LAURO CAMPOS  - Pois não, com prazer, Senador Geraldo Melo.

O Sr. Geraldo Melo - Eu queria apenas registrar que, no meu entender, a administração da política econômica - ao longo de um processo de mudanças tão profundas como foi o que se iniciou com a implantação da URV e depois do real - é algo que precisa fazer-se todos os dias. O norte do processo de implantação dessas reformas deve ser mantido, mas isso não pode inibir a autoridade de ir acertando rumos, porque a parte econômica é algo diferente das Ciências Exatas. Alguém já disse que a diferença principal é que na economia "os átomos aprendem", e algo que dê um resultado num determinado momento já não o faz num momento seguinte. V. Exª está dizendo que procurou ver, no conjunto de contradições que temos vivido, uma das contradições que Marx apontou na sua análise do capitalismo e, seguramente, não vai encontrar, Senador Lauro Campos, porque o capitalismo que Marx criticou já não existe. O capitalismo que Marx criticou morreu há muito tempo. Que eu saiba, não há ninguém que esteja querendo recriá-lo. De maneira que, do mesmo modo que precisávamos ter tido um Marx para analisar em tempo as contradições internas do socialismo, já não temos aquele capitalismo que Marx criticou, analisou e cujas contradições tão bem apresentou; já não o temos disponível por aqui. Por isso é que, se estamos navegando em meio a toda essa tormenta, imaginando encontrar os fantasmas de cenários antigos, por isso é que algumas vezes não olhamos direito para o que se passa perto de nós. V. Exª, um dos nosso Colegas por quem tenho um imenso respeito e quero reafirmar isso publicamente em voz alta, falou sobre o declínio de algumas lideranças políticas nas pesquisas de opinião, e, como conheço o seu senso de justiça, peço-lhe que inclua entre as lideranças políticas que declinam nas pesquisas de opinião algumas de seu Partido. Agradeço a oportunidade que V. Exª me deu, Senador Lauro Campos.

O SR. LAURO CAMPOS - Agradeço .

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - O tempo de V. Exª está encerrado.

O SR. LAURO CAMPOS - Agradeço o aparte e as referências e gostaria de terminar apenas com mais um minuto, chamando a atenção para o seguinte: dizem que a Constituição de 88, a mise-en-scène, é que está atrapalhando a implementação do Plano. Ora, se o Plano estava dando certo sob a Constituição de 88, por que a referida Constituição está atrapalhando o Plano? Esta é uma outra das assertivas que realmente não pode encontrar apoio em nenhuma razão.

Se a Constituição de 88 estava vigente, está vigente e o Plano estava dando certo e deu certo como pode ser essa Constituição culpada pelo naufrágio desse Plano?

Apenas para terminar, gostaria de lembrar que, num congresso nesta Casa, o então Ministro Rubens Ricupero falou que é preciso voltarmos à leitura de Marx, que o capitalismo não conseguiu resolver o problema dos 920 milhões de trabalhadores desempregados e que, portanto, é preciso voltarmos à leitura de O Capital para podermos compreender essa situação.

O processo e a história mudam continuamente; o que não muda é apenas a lei do movimento, segundo a qual tudo muda. É através do método dialético que cavalgamos nas mudanças do processo, nas suas contradições, e somos eternamente jovens e atuais.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 04/04/1995 - Página 4534