Discurso no Senado Federal

LEGISLAÇÃO BRASILEIRA SOBRE PATENTE.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PROPRIEDADE INDUSTRIAL.:
  • LEGISLAÇÃO BRASILEIRA SOBRE PATENTE.
Aparteantes
Carlos Bezerra, Carlos Patrocínio, Geraldo Melo, Lauro Campos, Marina Silva, Osmar Dias, Waldeck Ornelas.
Publicação
Publicação no DCN2 de 04/04/1995 - Página 4545
Assunto
Outros > PROPRIEDADE INDUSTRIAL.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, PROPOSTA, PROJETO DE LEI, ENCAMINHAMENTO, GOVERNO FEDERAL, CONGRESSO NACIONAL, TRAMITAÇÃO, SENADO, ASSUNTO, CONCESSÃO, PATENTE DE REGISTRO, PATENTE DE INVENÇÃO, PRODUTO, PROCEDENCIA, PAIS ESTRANGEIRO, AMEAÇA, SOBERANIA NACIONAL, FAVORECIMENTO, MONOPOLIO, MERCADORIA ESTRANGEIRA, CAPITAL ESTRANGEIRO, PREJUIZO, INDUSTRIA FARMACEUTICA, CAPITAL NACIONAL, RESULTADO, RESTRIÇÃO, MERCADO INTERNO, PRODUTO NACIONAL.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB-PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, o Congresso Nacional ocupa-se de mudanças substantivas na Constituição e de alterações importantes como a nova legislação de patentes.

O mundo contemporâneo, depois da recente crise no Leste Europeu, perdeu nortes ideológicos, e o consenso de Washington estabeleceu um caminho liberal para a retomada do desenvolvimento.

A América Latina mergulhou nessa proposta e o Brasil não foi, neste caso, uma exceção. No entanto, o fracasso do modelo mexicano e o desastre da economia argentina fazem com que nós nos preocupemos com questões como os objetivos nacionais permanentes e a própria soberania do País.

Se é evidente que, nos últimos séculos, o desenvolvimento econômico foi uma associação entre descobertas científicas e tecnológicas e exploração da natureza, notadamente a exploração das jazidas de carvão na Inglaterra, no momento em que os teares se acoplavam à máquina a vapor, e o surto de desenvolvimento norte-americano, em época mais recente, na ocasião em que, contemporaneamente ao motor de ciclo-oto e ciclo Wankel, ocorria com abundância, quase à superfície, o petróleo.

Se é evidente que essa associação de tecnologia com exploração de recursos naturais viabilizou o desenvolvimento de muitos países e deu início a ciclos econômicos importantes, também é evidente que, cada vez mais, a tecnologia e a ciência destacam-se em relação aos recursos naturais.

O Japão vence o desafio do desenvolvimento sem recursos naturais abundantes. O mesmo ocorre na Alemanha e na França. Os países desenvolvidos que, com os excedentes dessas economias poderosas, adquiriram e patentearam a tecnologia existente no Planeta, hoje pedem que preservemos o meio ambiente e consideram a biodiversidade patrimônio da humanidade inteira. Querem negar a países em desenvolvimento a passagem pelo ciclo que eles mesmos atravessaram, conseguindo o desenvolvimento econômico com dura destruição da natureza.

É evidente, Sr. Presidente, que qualquer homem consciente, no século em que vivemos, sabe que a preservação da vida humana no Planeta depende da preservação da biodiversidade e do equilíbrio ecológico. Mas precisamos acima de tudo, em contrapartida, considerar também o conhecimento científico e tecnológico apropriado pelos excedentes econômicos dos países que se desenvolveram em épocas pretéritas na mesma condição da biodiversidade e do equilíbrio do ecossistema. A troca é legítima e tem que ser garantida com inteligência.

Neste momento, o Brasil, através das autoridades da República, coloca para discussão do Congresso Nacional uma série de emendas constitucionais. Medidas econômicas tomadas nessa euforia do liberalismo podem ser corrigidas. Nós mergulhamos na abertura da importação baixando alíquotas a 20%, mas uma nova Portaria corrigiu o equívoco. Medidas tomadas definitivamente por emendas constitucionais firmam jurisprudência e garantem direitos para outros países, direitos que atingem a soberania nacional, os objetivos nacionais permanentes e o conceito de brasilidade.

Temos que avançar na modernização com cuidado. As reformas devem ser feitas sem que tenhamos medo de sermos brasileiros. A biodiversidade, a preservação ecológica pode dar espaço a conflitos internacionais como, por exemplo, o que podemos deslizar com facilidade analisando a reserva da Nação Ianomâmi, que encontra um espaço semelhante na Venezuela.

Na mesma medida em que o Brasil está abrindo mão ou que os liberais pretendem abrir mão de prerrogativas da soberania, estamos estabelecendo, insistentemente, um conceito de nação, que atravessa as fronteiras nacionais e avança nas fronteiras venezuelanas. Insisto que a preocupação ecológica tem que estar presente. Para mim, pessoalmente, a reserva Ianomâmi é uma garantia de intocabilidade de uma extensa região. Mas a preocupação da soberania nacional tem que estar presente, porque, hoje ou amanhã, num conflito de fronteira, a Nação Ianomâmi pode ser reconhecida e o Brasil ferido fundo na soberania nacional.

A minha preocupação, no momento, é sobre o projeto de lei de patentes, que tramita no Senado da República. A União Européia, há dez ou quinze dias, recusou a proposta americana de patentear organismos vivos e o Congresso argentino declara o Embaixador americano persona non grata.

Uma lei de patentes não pode ser revogada, depois de cometido o equívoco, por uma Portaria ministerial. Ela terá firmado direitos adquiridos e qualquer modificação poderia se transformar num conflito internacional.

O que é, Sr. Presidente, uma patente no nosso Direito? Por que essas alterações na legislação de patentes, colocando o Brasil segundo o modelo do consenso de Washington? Por que a insistência sobre a Lei de Patentes, depois de os alarmes terem soado no México e da crise argentina? O que é uma patente? A concessão de patente é uma prática medieval, que corresponde ao Estado dar o privilégio de um monopólio, de uma reserva de mercado ao detentor de uma invenção, desde que a sociedade seja altamente recompensada por essa prática odiosa e discriminatória.

A recompensa da sociedade é ter acesso a um bem novo que ela tenha necessidade, sem substituto, e que seja produzido necessariamente em território nacional. A lei de patentes que o Governo Federal manda para o Congresso Nacional e que tramita no Senado admite a patente internacional, mesmo que o bem não seja produzido em território brasileiro.

Em se tratando de uma prática altamente restritiva e antidemocrática, ferindo frontalmente os princípios da livre concorrência, o Estado necessita manter sobre os concessionários desse privilégio rigoroso controle, para que eles não venham a provocar danos resultantes da prática do monopólio privado.

Mas o projeto de lei de patentes que tramita no Congresso Nacional reconhece patentes internacionais de produtos produzidos fora do nosso território, colocando essa absurda e universal concessão fora do controle da soberania do Estado brasileiro.

O Brasil foi um dos primeiros dez países do mundo a aderir à Convenção de Paris, que estabeleceu o Sistema Internacional de Patentes em 1883. Durante cento e poucos anos, o País foi vítima dessa prática, pois nada tinha a patentear e abriu irresponsavelmente seu território para o domínio monopólico de patentes estrangeiras.

Em 1971, com a aprovação pelo Congresso do Código da Propriedade Industrial, o Congresso excluiu dessa prática nociva a nossos interesses setores que podem envolver ameaça de vida para a população, como o alimentar e o farmacêutico. Países como a Itália, a Suíça e o Japão somente aderiram ao Sistema Internacional de Patentes Farmacêuticas mais de cem anos após a sua existência, na década de 70. O Japão, quando já dominava com suas empresas 80% de seu mercado e a Suíça, quando já era a terceira força industrial mundial. A Espanha barganhou a sua adesão a esse sistema internacional com a sua entrada na Comunidade Européia.

Se o Congresso se vergar, se flectir, se flexionar, como desejam os interesses dos grandes capitais internacionais, o Brasil estará entregando o seu mercado farmacêutico à exclusividade de corporações estrangeiras, em regime de monopólio, quando essas já dominam 85% do nosso mercado. O imenso esforço de abrir um pequeno espaço para as indústrias farmacêuticas de capital nacional, realizado desde 1971, será irremediavelmente destruído com essa draconiana legislação antinacional. Se o Congresso Nacional aprovar a lei de patentes, não será um decreto do Presidente da República ou uma Portaria do Ministro da Economia que poderá corrigir o erro definitivo.

A soberania nacional, Sr. Presidente, estará não profundamente arranhada, mas ferida de morte porque, associando essa medida com outras emendas constitucionais aprovadas irrefletidamente, o Brasil abandonará o seu projeto de soberania e os objetivos nacionais permanentes estarão definitivamente postergados à vontade do consenso de Washington, ao desejo dos poderosos e ao alvitre e arbítrio do grande capital.

O Sr. Osmar Dias - V. Exª permite um aparte, nobre Senador Roberto Requião?

O SR. ROBERTO REQUIÃO - Pois não, nobre Senador Osmar Dias.

O Sr. Osmar Dias - Quero cumprimentá-lo pelo discurso e acrescentar que, além desse projeto de patentes que vem ao Congresso, também vem um projeto denominado Lei dos Cultivares, que estabelecerá o direito de patentes para cultivares de plantas. O Congresso da União Européia realmente rejeitou para todos os seres vivos. E há, aqui no Brasil, uma discussão e um parecer da própria EMBRAPA, que é a empresa de pesquisa agropecuária, que não concorda com a patente para seres vivos animais, mas concorda com a patente para seres vivos vegetais. Quero apenas citar um exemplo, para ilustrar seu discurso, caso passe esse projeto no Congresso Nacional. Tome-se o exemplo da transferência de embriões, que é uma tecnologia hoje aplicada na pecuária nacional e, sem dúvida nenhuma, um grande trunfo, um grande instrumento de desenvolvimento da pecuária nacional e que significará, para daqui a aproximadamente dez anos, que é um período curto em se tratando da pecuária, um avanço extraordinário da nossa genética e, portanto, na nossa produtividade. Significa dizer que, se essa lei de patentes for aprovada pelo Congresso e entrar em vigor, todos os pecuaristas e os produtores rurais que aplicam em suas propriedades a tecnologia de transferência de embriões serão obrigados a pagar royalties a uma empresa americana detentora, ou pelo menos criadora, dessa tecnologia a nível mundial. Significa dizer que estaríamos praticamente inviabilizando essa tecnologia avançada de ponta para a pecuária nacional, se esse projeto de lei passasse aqui. É só um exemplo para ilustrar o discurso de V. Exª.

O SR. ROBERTO REQUIÃO - Muito obrigado, Senador Osmar Dias. O fundamental é que, no caso da tecnologia de transplante de embrião, nós não estamos diante de invenção alguma, estamos diante de uma mera descoberta que não poderia ser patenteada. Uma descoberta que pode ser feita por um laboratório num dia e pode ser alcançada por outros no dia seguinte, em qualquer lugar do mundo. Transforma-se, então, esse processo numa corrida de quem chega primeiro ao registro da patente desejada, bloqueando a possibilidade de o mundo inteiro chegar ao mesmo local, talvez por caminhos diferentes.

O Sr. Lauro Campos - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ROBERTO REQUIÃO - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Lauro Campos - Nobre Senador, parabenizo-o pelo seu discurso e pela a oportunidade em que ele se faz. Realmente trata-se de uma série de medidas que vem sendo tomadas, desde o consenso de Washington, no sentido de abolir a soberania nacional, acabar com a moeda nacional, com o exército nacional, em nome de uma civilização planetária. Mas, na realidade, esse processo é bárbaro, porque visa criar novas formas de dominação. Este campo da dominação internacional, através do monopólio do conhecimento humano, já execrado violentamente por Thomas Jefferson, visa transformar em mercadoria monopolizada as conquistas do cérebro humano, da ciência e da inteligência. Acrescento apenas o fato de que também as sementes, acompanhando a possibilidade de patenteamento da própria vida, constituirão, se forem patenteadas, um verdadeiro arraso sobre atividades agrícolas nacionais. A ciência que será colocada na transformação das sementes repete, agora no campo da biogenética, aquilo que foi feito no Japão no final do século passado: os japoneses foram aprender a química na Alemanha, utilizando-a na agricultura e na fertilização do solo. Agora, nesta nova fase, o que vemos é justamente a monopolização da produção de sementes altamente qualificadas, para que nos transformemos em compradores dessas sementes, tornando a nossa agricultura totalmente arcaica e incapaz de competir nessa nova era que se abrirá, se não impusermos a nossa vontade, se não soubermos quais os nossos interesses e se não soubermos defender esses interesses, como V. Exª acaba de fazer de forma magistral. Muito obrigado.

A Srª Marina Silva - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ROBERTO REQUIÃO - Senadora Marina Silva, concedo-lhe o aparte solicitado.

A Srª Marina Silva - Senador Roberto Requião, parabenizo V. Exª pelo debate que traz a este Plenário sobre a Lei de Patentes. A comunidade científica tem-se mobilizado de forma muito competente no que se refere às críticas a esse projeto de lei. Aqueles que, pelo lado da ética e da preocupação social e até mesmo moral, como é o caso da CNBB, estão se articulando com relação a essa lei. E esta Casa, com certeza, não deve se omitir de fazer as mudanças necessárias no projeto. Devo dizer, inclusive, que o Brasil tem que ter o cuidado de não ser um mau exemplo, porque pode ser uma referência para os países do Terceiro Mundo e da América Latina, no que se refere às pressões que os Estados Unidos da América estão fazendo, particularmente sobre nós, na questão da Lei de Patentes. Nós não podemos negligenciar uma postura altiva de não aceitarmos qualquer tipo de pressão que vai além, inclusive, das convenções que já estão pactuadas e acertadas pelo G-7. Então, nesse sentido, o Brasil não pode declinar de uma postura altiva. V. Exª dizia que não podemos abrir mão do conhecimento científico que temos, pois, talvez, seja a nossa única arma na competição com os países altamente desenvolvidos. Relembro um artigo que li, há cinco anos, de um filósofo chamado Adam Shaff, onde ele dizia que estavam enganados os partidos de esquerda que faziam discurso de que a dominação estava entre operários e capitalistas; mas que a dominação dar-se-ia pelos que detêm o conhecimento e os que não detêm o conhecimento. Essa lei é um retrato fiel dessa nova forma de dominação, e o Brasil tem que ser, necessariamente, um bom exemplo. Isso dependerá muito dos Srs. Senadores, de cada um de nós que estamos aqui. O conhecimento que pode ser utilizado - e aí não se leva em conta, inclusive, o conhecimento milenar de comunidades indígenas, de seringueiros, de pessoas que conhecem as nossas florestas e as nossas ervas - será apropriado sem que haja nenhum reconhecimento. Aquilo que pesquisadores levariam anos pesquisando já existe de graça, na prática empírica, no conhecimento intuitivo de populações tradicionais, e estaríamos oferecendo "de bandeja", sem nenhum pudor, o patrimônio e a reserva desta Nação. Muito obrigada.

O SR. ROBERTO REQUIÃO - Senadora Marina Silva, tenho para mim que o Congresso Nacional não será menos brasileiro do que o Congresso Argentino foi nacional. Vamos estudar a Lei de Patentes sob as perspectivas do Brasil, sob os interesses dos brasileiros. No Senado da República, nada que for contrário aos interesses de desenvolvimento do País, aos objetivos nacionais permanentes passará.

O Sr. Waldeck Ornellas - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ROBERTO REQUIÃO - Com todo prazer, Senador Waldeck Ornellas.

O Sr. Waldeck Ornellas - Senador Roberto Requião, permita que faça um aparte ao seu pronunciamento, para que não fique a impressão de que é unanimidade nesta Casa a linha em que V. Exª está defendendo esse assunto. Não há dúvida de que o Brasil precisa de uma lei de patente. É claro que devemos discuti-la, aprimorá-la, mas não podemos querer nos dar ao luxo de evitar o reconhecimento de patentes e querer reinventar a roda. É preciso incorporar o conhecimento que já está disponível para ser usado pela nossa população. Ainda cala muito fundo no Brasil o atraso a que fomos submetidos com uma lei retrógrada de informática que ainda há pouco prejudicava o desenvolvimento nacional. Hoje, vemos todos comemorando as possibilidades de interligação com a INTERNET e outras nessa área de comunicação. Ora, é evidente que o Brasil investe pouco em pesquisa científica e tecnológica, e nós que temos uma riqueza, uma biodiversidade tão grande, particularmente na Amazônia, devemos, sim, ter interesse em uma lei de patente. O que precisamos no Brasil é estimular o investimento privado na área da ciência e da tecnologia, na área da pesquisa, porque infelizmente no nosso País prevalecem nesse setor os gastos públicos. Vamos trabalhar juntos para que o Brasil tenha uma boa lei de patente. Esse é o caminho.

O SR. ROBERTO REQUIÃO - Senador, no que diz respeito a informática, sou obrigado a concordar com V. Exª.

Quanto à patente da roda, não poderia aceitar contra os interesses nacionais. É uma coisa antiga, foi a primeira invenção importante na história do mundo. É exatamente nessa figura que quase simbolicamente V. Exª colocou que está a questão. Não podemos admitir que se patenteiem rodas, não podemos reconhecer patentes conhecidas, não podemos confundir descoberta com invenção, não podemos, sob o manto da modernidade, entregar todas as possibilidades de desenvolvimento nacional.

Senador Waldeck Ornellas, tenho certeza de que, como eu, V. Exª não aceitará patente de rodas, de vida, de produtos híbridos. Hoje, um pacu e um tambacu geram um peixe criado com insistência em todo o território nacional, que é o tambacu. Esse peixe patenteado faria com que o pequeno agricultor do seu Estado, numa pequena propriedade, pagasse royalties a alguém que não descobriu nada, mas simplesmente registrou uma ocorrência que antes necessariamente ocorreu milhões de vezes na natureza.

O Sr. Carlos Bezerra - Senador Roberto Requião, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ROBERTO REQUIÃO - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Carlos Bezerra - Senador Roberto Requião, penso que o seu discurso e essa lei sobre as patentes devem ensejar, por parte do Congresso Nacional e do Senado da República, o começo de uma discussão fundamental para o País sobre a questão da indústria farmacêutica. Há décadas, a Nação vem tentando corrigir esse assunto e não consegue, porque tais indústrias são fortes e poderosas e, aliadas a outras forças, chegaram a derrubar governo no Brasil. Fala-se como se o déficit público fosse o responsável pela crise brasileira. Isso é uma mera camuflagem da nossa realidade. Hoje, o Brasil tem uma das indústrias farmacêuticas mais exploradoras do mundo. Por diversas formas, aumentam e triplicam os seus lucros em cima de uma população pobre e miserável como a nossa, que não pode sequer comer, comprar alimentos, e tem que comprar remédios por preços absurdos, que possibilitam um lucro praticamente livre, com superfaturamento de matérias-primas e outros itens mais. Acredito que o seu discurso é muito importante. Trata-se, inclusive, de um assunto que pretendo tratar também futuramente aqui no Senado da República: a questão da indústria farmacêutica no Brasil. Temos que corrigir no País diversos setores fundamentais e esse é um deles. O Governo tem que tomar alguma providência com relação à questão da indústria farmacêutica no Brasil. Este é um dos países com maior número de marcas de remédios nas prateleiras das farmácias, com preços os mais absurdos do mundo e um comércio cada vez mais dominado pelas indústrias multinacionais. Os laboratórios nacionais têm desaparecido em decorrência da concorrência desleal que é feita contra eles e pela falta de políticas internas que apóiem a indústria farmacêutica nacional. Quero parabenizá-lo pelo seu discurso e acredito que V. Exª, ao levantar essa questão, pode secundariamente também levantar a questão da indústria farmacêutica, que merece uma apreciação à parte por parte do Senado da República e de todos nós. Parabéns, Senador. Muito obrigado.

O Sr. Carlos Patrocínio - Senador Roberto Requião, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ROBERTO REQUIÃO - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Carlos Patrocínio - Nobre Senador Roberto Requião, V. Exª traz esta tarde um assunto de extrema importância para esta Casa. Gostaria de dizer a V. Exª, como membro do Congresso passado, que historicamente esta Casa tem resistido a aprovar essa lei. Basta dizer que, por duas vezes, esteve aqui, com a finalidade de pressionar o Governo brasileiro, o ex-Vice Presidente da República Dan Quayle, e sofremos pressões por parte do Governo para que se agilizasse a tramitação desse projeto no âmbito do Congresso Nacional e do Senado Federal, principalmente. Não sei se esse projeto de lei já tem o parecer da comissão competente - que me parece ser a Comissão de Economia -, mas devido à importância do pronunciamento de V. Exª e dos apartes oferecidos, deveríamos até constituir uma comissão especial ou determinar que esse projeto fosse analisado em várias comissões. Concordo com o nobre Senador Waldeck Ornellas, quando diz que é necessário que se institua, de uma vez por todas, essa lei de patentes. Sei que o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, irá aos Estados Unidos da América no decorrer deste mês, onde será cobrada uma agilização na votação desse projeto de lei de patentes, mas trata-se de um assunto sobre o qual se devem debruçar as maiores autoridades do País, principalmente aqueles que amam verdadeiramente a nossa Pátria. Na realidade, nós, detentores da maior biodiversidade do planeta, não devemos permitir que se patenteiem seres vivos, por exemplo, essas transferências de embrião, e assim por diante. Portanto, temos de dar um desfecho a esse projeto, mas tem que ser muito bem estudado, com o apoio de toda a sociedade brasileira, principalmente dos mais entendidos nesse assunto. Tive a oportunidade de, como Presidente da CPI que analisou o setor farmacêutico em nosso País, ver a pressão feita pelas multinacionais do setor, para que possa, quanto mais cedo possível, votar-se a Lei de Patentes. Temos de estudar e de resolver a questão, e V. Exª, em boa hora, alerta esta Casa para a grave responsabilidade que pesa sobre nossos ombros. Cumprimento, portanto, V. Exª.

O SR. ROBERTO REQUIÃO - Senador Carlos Patrocínio, quem tem pressa quer o mal feito. Precisamos de uma Lei de Patentes, sim. O Brasil precisa de uma inserção definitiva na economia global. Não podemos viver separados do mundo, mas os interesses nacionais legítimos, não os corporativos, devem ser preservados.

As embaixadas dos países importantes já desfilam nos gabinetes das relatorias, e a pressão é muito grande. Pressionado, o Governo Federal pretenda pedir urgência urgentíssima. E talvez a mais sábia e conscienciosa medida do Senado da República fosse negar essa urgência, para fazer com esse projeto o objeto de uma discussão extremamente séria e responsável.

O Sr. Geraldo Mello - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ROBERTO REQUIÃO - Ouço o nobre Senador Geraldo Mello.

O Sr. Geraldo Mello - Nobre Senador Roberto Requião, desejo congratular-me com V. Exª pela iniciativa de abrir a discussão de assunto de grande importância para o País e também assinalar que concordo com a posição do Senador Waldeck Ornellas, que afinal acaba de ser confirmada por V. Exª. O Brasil precisa de uma Lei de Patentes. Não podemos olhar para esse assunto com complexo de inferioridade, porque é como se achássemos que inventores, cujos interesses uma lei como essa protege, só existirão em outros países; que não vai haver propriedade intelectual a ser protegida dentro do Brasil; que não seremos capazes de criar nada que queiramos defender no futuro. V. Exª oferece a esta Casa a oportunidade de iniciar uma discussão séria sobre um assunto dessa gravidade e tenho muita esperança de que o Congresso Nacional seja capaz de dotar o País de um instrumento compatível com as exigências da nova realidade do mundo, mas que tenhamos a serenidade, a competência e a sabedoria necessárias para distinguir, dentro daquilo que é necessário fazer pelo futuro do País, aquilo que é apenas lobby, que é apenas pressão, que é apenas exigência de interesses subalternos, que - tenho certeza - não há ninguém nesta Casa disposto a defender. Congratulo-me, portanto, com V. Exª, por abrir a discussão de um assunto dessa importância.

O SR. ROBERTO REQUIÃO - Obrigado, Senador. Destaco especialmente o fato de que o mundo desenvolvido através de uma profunda predação da natureza, conjugada com ocorrências de combustíveis e invenções técnicas e científicas, conseguiu o excedente econômico necessário para nacionalizar - eu não diria sequer privatizar - os conhecimentos existentes no planeta. E hoje, quando um simples financiamento para um empreendimento público ou privado brasileiro é condicionado à preservação da natureza, quando nos negam, e negam acertadamente a possibilidade de conseguirmos excedentes por uma exploração predatória de recursos naturais, uma lei de patente abusiva deixar-nos-ia numa condição de absoluta dependência.

O Sr. Geraldo Mello - V. Exª permite-me mais um minuto?

O SR. ROBERTO REQUIÃO - Pois não, Senador.

O Sr. Geraldo Mello - Com relação à questão de preservação da natureza, gostaria de contribuir para o argumento de V. Exª registrando que a natureza a preservar não é apenas aquilo que está intacto ainda; a natureza tem capacidade de regenerar florestas que foram destruídas para permitir esse desenvolvimento de países do Primeiro Mundo, a que V. Exª refere-se tão bem. No momento em que se desejar discutir a questão ambiental com elegância e com lhaneza entre os países envolvidos, nós do Terceiro Mundo teremos o direito, por exemplo, de pedir que os países desenvolvidos dêem um repouso a áreas onde um dia existiram florestas que não existem mais; se eles fizessem isso, também estariam respeitando a natureza na sua capacidade de reconstituir aquilo que o homem destruiu sem ter o senso de responsabilidade que agora nos cobram! Creio, portanto, ser essa uma discussão que a Humanidade apenas começou e que terá novos contornos quando as vozes do Terceiro Mundo emergirem um pouco mais e quando perdemos aqueles complexos de inferioridade a que me referi no aparte anterior. Muito obrigado e desculpe-me por interromper o importante pronunciamento de V. Exª.

O SR. ROBERTO REQUIÃO - Para mim, é sempre um prazer, Senador.

O problema que coloco é o da necessidade imperiosa de discutirmos a questão das patentes juntamente com o acesso à tecnologia e ao conhecimento científico produzidos não pelos países que os detêm hoje, mas pela Humanidade, da qual somos tão herdeiros quanto eles.

É evidente que podemos atingir um estágio de desenvolvimento mais interessante para o Brasil sem percorrer o caminho da destruição, da exploração predatória da natureza. Mas, para isso, devemos ter acesso à tecnologia de ponta produzida pelos homens e nacionalizada por alguns países, cujos embaixadores querem, Senador Ornelas, tirar patente da roda e pressionam o Congresso Nacional, circulando pelos seus corredores, através dos seus representantes.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 04/04/1995 - Página 4545