Discurso no Senado Federal

PREMENCIA DA INSTALAÇÃO DA DEFENSORIA PUBLICA DA UNIÃO.

Autor
Valmir Campelo (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/DF)
Nome completo: Antônio Valmir Campelo Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA CONSTITUCIONAL. JUDICIARIO. :
  • PREMENCIA DA INSTALAÇÃO DA DEFENSORIA PUBLICA DA UNIÃO.
Aparteantes
Edison Lobão, Humberto Lucena, Lúcio Alcântara.
Publicação
Publicação no DCN2 de 04/04/1995 - Página 4528
Assunto
Outros > REFORMA CONSTITUCIONAL. JUDICIARIO.
Indexação
  • COMENTARIO, COLABORAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, CONGRESSISTA, CONGRESSO NACIONAL, PROPOSTA, REFORMULAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, GOVERNO FEDERAL.
  • NECESSIDADE, URGENCIA, MELHORIA, ATENDIMENTO, DEFENSORIA PUBLICA, POPULAÇÃO, CUMPRIMENTO, NORMAS, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ACESSO, GARANTIA, CIDADÃO, JUSTIÇA, BRASIL.

O SR. VALMIR CAMPELO (PTB-DF. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, estamos há quase sete anos sob a égide da Constituição de 88, trilhando de modo seguro o caminho rumo à consolidação da democracia e do estado de direito.

É preciso ver o futuro com esperança e descobrir no presente os sinais vivos de que o Brasil marcha ao encontro de um grande destino no cenário internacional e já projeta na América Latina seu perfil de líder do continente. Uma liderança que nasce não apenas de suas potencialidades econômicas, mas sobretudo de seu culto à democracia, à paz, às soluções negociadas dos conflitos e da sua incansável luta pela melhoria das condições sociais de seu povo.

Os caminhos da liberdade e da democracia não são os das retas pavimentadas; passam por curvas, por altos e baixos. Este é o destino dos povos: percorrê-lo sempre com esperança incansável, sem nunca parar. O estado de direito e a democracia, de que o primeiro é instrumento, são uma construção constante dos dias, dos meses, dos anos e dos séculos. Vivemos uma fase histórica dessa maravilhosa construção democrática. Temos o Governo eleito democraticamente pela maioria esmagadora da população e que busca caminhos, num mundo cada vez mais globalizado e complexo, que conduzam a Nação à estabilidade econômica, ao desenvolvimento e, assim, a um melhor nível de vida digna para o seu povo.

As grandes metas econômicas do Governo Fernando Henrique Cardoso têm o aval da Nação. E ninguém duvida de sua necessidade, embora não prescinda da experiência e da colaboração do Congresso Nacional, mesmo para o aperfeiçoamento de suas propostas.

No tocante à reforma do Estado, será preciso também partir para uma efetiva modernização que nos livre de esquemas arcaicos de atuação. Mas é imperioso que, no afã de melhorar o aparelho do Estado, não se desfigure a Constituição de 1988 no que ela tem de bom, ou seja, sua espinha dorsal de garantia de liberdade, da cidadania e dos direitos sociais.

Parceiros melhores nesta tarefa, o Governo não pode olvidar. Estão entre eles, bem próximos, a poucos passos, o povo brasileiro e o Congresso Nacional. A colaboração do Legislativo não será aquela originada da adesão de Partidos apenas, mas, principalmente, a que resulta espontânea e do sentimento patriótico e da consciência de todos os Deputados e Senadores, independentemente de filiação partidária. Reformar o Estado é preciso; mas é necessário definir em que escala.

Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, meu pronunciamento de hoje não tem em vista exclusivamente a questão das reformas constitucionais e as propostas do Governo. Quero dizer que mais ou tão importante quanto essas reformas é a organização da sociedade. Sim, organizar a sociedade talvez seja mais premente, mais importante do que o reforço da modernização do aparelho estatal. A sociedade organizada avalia o Estado, corrige suas falhas, o recoloca nos trilhos.

Prendo-me a um ponto específico, mas de grande significado para que o cidadão caminhe com suas próprias pernas sem necessidade de apadrinhamentos, baseado apenas nos direitos que as leis asseguram às pessoas, a partir das mais humildes. Humildes e carentes são mais de 120 milhões de brasileiros. Refiro-me ao acesso à Justiça, ao direito à defesa dos próprios direitos individuais e sociais. Só tem segurança jurídica aquele que dispõe de meios eficientes de acesso ao Poder Judiciário quando seus justos interesses de direitos legais estão sob ameaça de serem desrespeitados ou mesmo já lesados.

O direito do povo à assistência jurídica integral e gratuita está assegurado na Constituição de 1988, no inciso LXXIV do art. 5º. Portanto, trata-se de cláusula pétrea não suscetível de alteração. Não é novidade no Direito Constitucional pátrio essa garantia de acesso do pobre à justiça, pois vem tal franquia desde a Constituição de 1934, repetindo-se no texto de todas as Cartas Políticas do País, mesmo durante o regime autoritário com as emendas de 1967 e 1969. Dar advogado aos pobres, na história da humanidade, também não deve causar surpresa. Dizem os juristas que no famoso Código de Hamurabi, mais de 1.700 anos antes de Cristo, na Mesopotâmia, já constavam disposições em tal sentido.

A Constituição de 88, no entanto, não se limitou a repetir essa prerrogativa do cidadão. Criou o órgão, institucionalizando tal serviço, por intermédio do qual o Estado cumpriria esse dever indelegável - as Defensorias Públicas -, classificadas como instituições essenciais à função de prestar justiça, que os juristas chamam de função jurisdicional do Estado.

Têm os Estados membros - e principalmente a União - emprestado a tais serviços a devida atenção e os cuidados que a vontade dos Constituintes de 88, expressa na Carta Política, recomendou aos governantes?

Há uma demanda incomensurável por justiça na maioria da população deste País. Verdadeiro clamor das famílias de baixa renda, que não têm a quem recorrer. Vale lembrar que carente, para efeitos de gratuidade de assistência jurídica, é todo aquele que não pode pagar honorários de advogado sem prejuízo do sustento próprio ou da família, nos termos da Lei 1.060, de 1950. Assim, para esse efeito, toda a classe média assalariada é também considerada carente.

Onde andam as Defensorias Públicas?

Melhor seria perguntar: O que se tem feito em favor da segurança jurídica, a segurança dos direitos dos carentes?

Estou certo de que esta parte dos serviços do Estado não tem merecido bom empenho dos governantes, talvez por falta de alerta.

Têm dito os cientistas políticos e os constitucionalistas que se mede o grau de desenvolvimento democrático de um povo pela facilidade que têm os cidadãos de acesso à Justiça. E se o instrumento desse acesso reside nas Defensorias Públicas, não se fará boa democracia, e o estado de direito será usufruto tão-só das elites econômicas e sociais, se as Defensorias não forem instaladas com o grau de eficiência que a Constituição Federal recomenda.

Preciso lembrar que o art. 134, parágrafo único, da Constituição Federal já foi regulamentado pela Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994, traduzindo magnífica obra legislativa do Congresso, mutilada, entretanto, por alguns vetos do Governo anterior conseguidos por tenaz ação corporativa, lamentavelmente de interesses injustificadamente contrários.

A União Federal nunca, na história da República, havia instalado Defensoria Pública para defesa dos direitos dos carentes perante as instâncias judiciárias federais - Justiça Federal e Justiça do Trabalho, principalmente. Só na Justiça Militar Federal é que havia um pequeno quadro dos chamados defensores de ofício, desde 1921.

Exatamente no âmbito da competência da Justiça Federal é que o cidadão pode defender seus direitos contra as omissões e os abusos do Poder Público Federal, seja da administração federal, seja da administração direta, indireta, autárquica ou fundacional. Pois não há Defensores Públicos da União que dêem assistência jurídica aos necessitados na Justiça Federal, que promovam proteção para os seus direitos resgatáveis naquela instância.

O Sr. Lúcio Alcântara - V. Exª permite um aparte, Senador Valmir Campelo?

O SR. VALMIR CAMPELO - Ouço com prazer V. Exª.

O Sr. Lúcio Alcântara - Solidarizo-me com o pronunciamento de V. Exª, porque, com efeito, a Constituição promulgada em outubro de 1988 instituiu essa figura do Defensor Público da União, mas apenas recentemente o dispositivo veio a ser regulado e, assim mesmo, com muitas lacunas, por força de vetos que foram apostos ao projeto. O Defensor Público vem enfrentando muitas dificuldades para exercer o seu mandato na plenitude. Como V. Exª tem acentuado muito bem, ele tem a incumbência de defender não só os que, por acaso, venham a precisar de representação em juízo para a defesa dos seus direitos, mas também a sociedade como um todo, quando houver, de alguma maneira, lesão aos interesses da mesma. Essa defensoria está-se ressentindo, inclusive, de instalações materiais para o seu pleno funcionamento, e não está havendo um entendimento exato das suas prerrogativas e dos seus deveres, pois muitas vezes tem sido questionado porque a Defensoria Pública tem-se insurgido contra iniciativas do Poder Executivo. Ora, na verdade, o Defensor Público não está hierarquicamente subordinado a nenhuma instituição, a nenhum órgão do Poder Executivo. Ele tem o seu nome aprovado para um mandato de 2 anos - salvo engano -, a fim de que possa exercer, com independência, as atribuições que são própria desse cargo. Como afirmou V. Exª, ele foi constituído inicialmente com aquele quadro de defensores dos antigos Ministérios Militares, das auditorias militares, que já dispunham desse instrumento para assegurar a defesa a todos aqueles que dela necessitassem, mesmo desprovidos de recursos para contratarem os seus advogados, os seus defensores. Por conseguinte, quero fazer coro com o pronunciamento de V. Exª, que é muito oportuno, porque, na medida em que nós todos desejamos tanto a prática da democracia quanto o aperfeiçoamento das nossas instituições, assegurando aos cidadãos o pleno acesso a todos os instrumentos, a todos os mecanismos da Justiça, essa Defensoria Pública tem que ser prestigiada, tem que ser instalada condignamente, tem que ter os seus instrumentos reguladores definitivamente estabelecidos para que a sociedade possa contar com esse canal, por meio do qual possa se fazer ouvir e se defender quando o Poder Executivo tomar iniciativas que possam parecer, a essa mesma sociedade ou a parte dela, injustas e descabidas. De forma que quero apenas trazer o meu apoio ao pronunciamento de V. Exª, que vem com muita oportunidade, porque, às vezes, ouço até pessoas esclarecidas indagarem o que é a Defensoria Pública, quem é o Defensor Público, o que ele faz, quais são suas atribuições, talvez por ser um instituto novo na organização do Estado brasileiro, mas, inegavelmente, de grande utilidade e mesmo imprescindível ao bom funcionamento das nossas instituições. Muito obrigado.

O SR. VALMIR CAMPELO - Agradeço a V. Exª, nobre Senador Lúcio Alcântara, e incorporo ao meu discurso desta tarde, com muita satisfação, as palavras de V. Exª. Vou, inclusive, confirmar essas palavras.

A Defensoria Pública Federal se encontra totalmente sem condições para que o Defensor Público possa desempenhar satisfatoriamente suas funções. Com isso, quem fica prejudicado é a classe média, é aquele que não pode pagar a Justiça na área federal, na instância superior.

Agradeço muito o aparte de V. Exª, porque ele, realmente, só vem somar às minhas preocupações.

O único passo dado pela União consistiu na nomeação do Defensor Público Geral, o advogado ANTÔNIO JURANDY PORTO ROSA. Mais não fez, deixando-o abandonado, sem apoio, sem meios, sem nada. Não houve nenhuma providência concreta, firme, em direção à instalação efetiva daquele importante órgão de defesa da cidadania, como tão bem disse o nobre Senador Lúcio Alcântara.

Não constou sequer do Orçamento do atual exercício financeiro. Não foi enviado ao Congresso até o momento nenhum projeto de lei cuidando da criação dos cargos de Defensores Públicos da União, nem do pessoal de apoio do órgão.

Portanto, no momento, não existe acesso da maioria do povo brasileiro às instâncias judiciais da União. Como o acesso à Justiça constitui o mais importante de todos os direitos do cidadão, pois dele depende a viabilização dos demais direitos, posso afirmar que o Poder Federal, até o momento, deixa, por omissão e descaso, o cidadão sem segurança jurídica, à mercê de toda forma de violação de direitos reparável nas instâncias judiciárias federais.

As Defensorias Públicas são uma carreira jurídica nova, mas tão importantes quanto a Magistratura e o Ministério Público. Trata-se do tripé da Justiça. Nenhuma cadeira se sustenta em dois pés. Critica-se o Poder Judiciário por alguns excessos ou omissões. Critica-se o Ministério Público por alguns excessos também. Se há hipertrofia de seus poderes, e se essa hipertrofia é malsã, tenha-se em consideração de que ela rechaça os ímpetos do promotor.

Defendo aqui a necessidade inadiável de a União cumprir o mandamento constitucional dos art. 5º, inciso LXXIV, e 134 da Carta Magna. O Poder Legislativo cumpriu sua parte, elaborando a regulamentação daqueles dispositivos na Lei Complementar nº 80, de 1994. Cabe ao Poder Executivo, o quanto antes, cumprir sua tarefa de instalar efetivamente a Defensoria Pública da União, que não pode ficar apenas no papel.

Faço um apelo desta tribuna, pedindo o apoio dos meus pares, independentemente de partido político, posto tratar-se de uma causa do povo, de uma bandeira simpática, de consenso: a da assistência jurídica integral e gratuita ao cidadão carente.

O Sr. Humberto Lucena - V. Exª permite um aparte?

O SR. VALMIR CAMPELO - Ouço com muito prazer V. Exª, nobre Senador Humberto Lucena.

O Sr. Humberto Lucena - V. Exª tem todo meu apoio e solidariedade ao seu pronunciamento. Chamo a sua atenção inclusive para um veto, que se encontra dependendo de apreciação pelo Congresso Nacional, a um projeto relacionado com a Defensoria Pública, que sofreu restrições por parte do então Presidente Itamar Franco. Acredito que muitos daqueles vetos foram equivocados e V. Exª apresenta muito bem a questão quando diz que a Defensoria Pública é um instrumento dos mais adequados de defesa dos direitos dos mais carentes, que são justamente aqueles que não dispõem de recursos para poder financiar a defesa dos seus direitos.

O SR. VALMIR CAMPELO - Muito obrigado, Senador Humberto Lucena. Fico grato pelo aparte de V. Exª e gostaria de concluir, Sr. Presidente, apelando ao Presidente da República no sentido da instalação efetiva da Defensoria Pública da União.

Tenho certeza de que, fazendo isso, vamos regulamentar um instituto que os mais carentes procuram na Justiça Federal, na instância superior.

O Sr. Edison Lobão - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. VALMIR CAMPELO - Ouço V. Exª com muito prazer.

O Sr. Edison Lobão - Nobre Líder do PTB, fui Governador do Estado do Maranhão e percebi a nítida necessidade da criação da Defensoria Pública. Eram muitas as questões, notadamente ligadas à terra, que dependiam de uma assistência judicial, sem que as pessoas mais carentes pudessem financiar a defesa de seus legítimos interesses. Criei, então, a Defensoria Pública, que está funcionando plenamente, com extraordinários resultados para a sociedade maranhense. No plano federal, creio que os resultados seriam semelhantes. Louvo, portanto, a iniciativa de V. Exª de chamar a atenção do Governo Federal para a necessidade da instalação imediata da Defensoria Pública. Junto a minha palavra pessoal e da Liderança do PFL a esse apelo que V. Exª faz ao Governo Federal. Meus cumprimentos a V. Exª.

O SR. VALMIR CAMPELO - Agradeço a V. Exª suas palavras e as incorporo, com muito prazer, ao meu pronunciamento.

Agradeço a V. Exª, Sr. Presidente.

Era o que tinha a dizer. (Muito bem!)


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 04/04/1995 - Página 4528