Discurso no Senado Federal

DEFESA DO PLANO REAL. REFERENCIAS AO QUADRO ECONOMICO INTERNACIONAL E SUA REPERCUSSÃO NA ESTABILIZAÇÃO ECONOMICA DO PAIS. OS OBSTACULOS E A NECESSIDADE DA URGENTE REFORMA A CONSTITUIÇÃO.

Autor
Humberto Lucena (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Humberto Coutinho de Lucena
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. REFORMA CONSTITUCIONAL. :
  • DEFESA DO PLANO REAL. REFERENCIAS AO QUADRO ECONOMICO INTERNACIONAL E SUA REPERCUSSÃO NA ESTABILIZAÇÃO ECONOMICA DO PAIS. OS OBSTACULOS E A NECESSIDADE DA URGENTE REFORMA A CONSTITUIÇÃO.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Coutinho Jorge, Esperidião Amin, Geraldo Melo, Gerson Camata, Jader Barbalho, Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DCN2 de 30/03/1995 - Página 4236
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. REFORMA CONSTITUCIONAL.
Indexação
  • DEFESA, IMPORTANCIA, MANUTENÇÃO, PLANO, REAL, EFICACIA, CONTROLE, INFLAÇÃO, GARANTIA, ESTABILIDADE, ECONOMIA NACIONAL.
  • COMENTARIO, INSUFICIENCIA, ALTERAÇÃO, POLITICA CAMBIAL, FORMALIZAÇÃO, FAIXA, VARIAÇÃO, COTAÇÃO, DOLAR, CONTENÇÃO, DEFINIÇÃO, DEFICIT, BALANÇA COMERCIAL, PAIS.
  • APREENSÃO, TEMPO, PERMANENCIA, AUMENTO, TAXAS, JUROS, IMPEDIMENTO, FUGA, DOLAR, PAIS, MANUTENÇÃO, ATRAÇÃO, CAPITAL ESTRANGEIRO.
  • ADVERTENCIA, INFLUENCIA, TUMULTO, FINANÇAS, ECONOMIA INTERNACIONAL, PROVOCAÇÃO, CRISE, MERCADO FINANCEIRO, PAIS, AUSENCIA, RESPONSABILIDADE, ALTERAÇÃO, POLITICA CAMBIAL.
  • DEFESA, NECESSIDADE, DEBATE, SOCIEDADE CIVIL, OBTENÇÃO, ACORDO, PROPOSTA, REFORMA CONSTITUCIONAL.
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, URGENCIA, IMPLEMENTAÇÃO, REFORMA CONSTITUCIONAL.

O SR. HUMBERTO LUCENA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs Senadores e Srs. Senadores, após completados pouco mais de 100 dias do Governo Fernando Henrique Cardoso, pode-se dizer que o País, mesmo enfrentando algumas turbulências, de ordem externa e interna, segue caminhando, com prudência e firmeza, em direção à sua estabilização econômica. É um processo, conforme definição do próprio Presidente da República, para o qual tem tido enorme importância, sem dúvida, a manutenção do Plano Real, o que me leva a defendê-lo enfaticamente no sentido de contribuir para que não venha a sofrer maiores percalços, permitindo que se alcance, em tempo hábil, o nosso objetivo de crescimento e de desenvolvimento sócio-econômico.

Certamente, deve preocupar-nos a todos o fato de que o quadro econômico mundial, particularmente a sua complexa e difícil situação financeira atual, possa vir a desencadear um conjunto de dificuldades para a nossa economia, levando ao agravamento das nossas condições sociais. E, sobretudo, preocupa-me um possível aumento da já acentuada concentração da renda no País, fato que poderia conduzir-nos ao enfrentamento de sérios problemas, problemas similares aos que hoje arrostam a Venezuela, a Argentina e principalmente o México. Esses serão tema de pronunciamento meu noutra oportunidade.

Entretanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a minha atenção está voltada justamente para o que, na minha opinião, é o nosso trunfo maior até agora, que é o de termos conseguido manter a inflação devidamente controlada em níveis ínfimos, se comparados com os 50% das vésperas do lançamento do Plano. E o que é mais significativo: sem o concurso dos experimentos heterodoxos do congelamento e outros, de caráter ortodoxo, que tanto nos causaram problemas, após terem oferecido ao povo brasileiro a ilusão de uma rápida solução para a crise da inflação e a conseqüente possibilidade de crescimento econômico, sem maiores problemas. Um feito que, sem lugar a dúvidas, devemos procurar manter com todo nosso empenho.

No entanto, ao posicionar-me desta maneira, não quero evidentemente eximir-me de algumas reservas e preocupações quanto ao processo de estabilização. Por exemplo: seria, sem dúvida, um sério equívoco desconhecer que esse desempenho claramente positivo em termos de combate inflacionário baseou-se, em grande medida, na aplicação de uma condição externa que hoje já não mais acontece. Ou seja, a maior parte do declínio vertiginoso das taxas de inflação, hoje situadas em média no patamar mensal de 2%, foi conseguida, efetivamente, com base em uma âncora cambial, que mais cedo ou mais tarde, por conta de uma forte valorização do Real perante o Dólar, teria que ser revista, com todos os perigos daí decorrentes.

Âncora cambial esta que, durante certo tempo, pôde segurar-se em uma entrada maciça de capitais externos no País, para financiar os déficits na balança comercial e no balanço de transações correntes do País, o que, depois da crise mexicana, passou definitivamente a não ser mais possível. Tanto assim que não há como não compreender a inevitabilidade da correção de rumos do Plano Real com relação a esse aspecto. Ou seja, as mudanças que a equipe econômica empreendeu na política cambial, que, entre outros aspectos, vieram para garantir a desobstrução do caminho da estabilização econômica do País, à medida que a manutenção daquela política traria indubitavelmente seriíssimos transtornos para o Brasil, como ficou plenamente evidenciado pelos sucessivos déficits comerciais, desde novembro do ano passado, culminando, em fevereiro, com um saldo negativo recorde, de US$1,095 bilhão, o maior dos últimos vinte anos.

Contudo, Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, por mais que compreenda a referida inevitabilidade, não me parece que sejam suficientes apenas esses ajustes no câmbio, através da mera formalização de uma faixa de variação diária da cotação do dólar, como fez o Banco Central na segunda semana de março, com vistas a conter os repetidos déficits na balança comercial do País.

Serão, a meu ver, necessárias medidas muito mais acentuadas, tendentes a desonerar cada vez mais nossas exportações, ao mesmo tempo em que se deve tomar medidas seletivas, e não generalizadas, de contenção das importações. Para que o objetivo de termos até o fim do ano o saldo positivo na balança comercial de US$5 bilhões possa ser alcançado, sem que se cause grandes expressões inflacionárias.

Além disso, causa-me certa intranqüilidade o forte aumento simultâneo das taxas de juros, visando evitar uma grande fuga de dólares do País e manter a forte atração aos capitais externos. E essa preocupação, evidentemente, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não se dá sem razão, pois, se essas taxas de juros, em nível altíssimo, demorarem mais tempo do que o tecnicamente necessário em vigência, teremos a forte possibilidade de que o controle inflacionário venha a ser enfraquecido.

O Sr. Ney Suassuna - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Ney Suassuna - Senador Humberto Lucena, gostaria exatamente de fazer a colocação de que é impossível o progresso de um país com as taxas de juros nos níveis em que estão. Se não houver controle, teremos problemas muito sérios. A indicação do PMDB, quando votou os 12% ao saber que juros não são tabelados dessa forma, foi pura e simplesmente para fazer um indicativo de que o nosso Partido está insatisfeito com a atual administração das taxas de juros pelo Governo.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Tem V. Exª toda razão. E colocou muito bem o nobre Líder da nossa Bancada, na ocasião em que se apreciava aquela matéria em plenário, quando ressaltou que não tínhamos como deixar de apreciar o projeto de lei complementar que regulava a taxa de juros de 12%, sobretudo em face de constantes decisões do Supremo Tribunal Federal.

Se tivéssemos que mudar essa situação, seguiríamos o caminho de uma proposta de emenda constitucional que fizesse retirar da Carta Magna aquele dispositivo que foi colocado ali, no meu ponto de vista, mesmo sem ser economista, como uma excrescência. Porque, na verdade, quem faz a taxa de juros é o mercado financeiro.

Voltando ao curso de minhas considerações.

Se bem que as recentes declarações do Sr. Pérsio Arida, tanto nesta Casa, na Comissão de Assuntos Econômicos, quanto na Câmara dos Deputados, sobre esses aspectos foi justamente no sentido de demonstrar a plena consciência por parte da equipe econômica de não se poder prolongar essas altas taxas de juros por muito tempo.

Entretanto, quanto a isso, incontestavelmente, fala mais alto toda uma tradição da história econômica brasileira. Tradição esta que, à larga, tem demonstrado o equívoco de se praticarem altas taxas de juros por algum tempo em nosso País. Que apenas contribuíram para o aumento do endividamento mobiliário interno do setor público, elevando, em conseqüência, o seu déficit, determinando que o País enveredasse em uma ciranda financeira perversa, cujos reflexos se deram pelo enorme desestímulo à economia produtiva. Sem mencionar os efeitos sobre os preços dos altos encargos financeiros a ele repassados por conta dessa política. Tudo isso contribuindo, logicamente, para que não se conseguisse, em momento algum, que a inflação fosse realmente debelada.

Ao contrário, às altas taxas de juros corresponderam quase sempre conjunturas recessivas, que, ao invés de purgar o mercado, contendo a inflação, como muitos economistas pretendem, apenas nos levaram à estagflação. Isto é, a um quadro de estagnação acompanhado de inflação crônica, sempre pronta a alçar-se para patamares de uma hiperinflação. Confirmando-se, assim, plenamente as análises do economista Inácio Rangel, cujas conclusões sobre a estrutura fortemente oligopolizada da nossa economia mostram que a inflação e a recessão estão, no nosso caso, fortemente vinculadas uma a outra.

No entanto, explicitadas essas ressalvas e preocupações, de resto, como disse, já aliviadas em grande parte pela postura prudente a respeito assumida em termos corretos pela equipe econômica do Governo, devo, neste ponto, voltar a ressaltar a necessidade de que se produza uma forte resultante de forças que permita assegurar ao Plano Real a sua continuidade.

Por exemplo, Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, no tocante aos problemas referentes às mudanças no câmbio, não me parece que sejam corretas as intervenções com que muitos têm procurado assacar às Diretorias do Banco Central, em particular à sua Presidência, a responsabilidade pela crise que o mercado financeiro desenvolveu em face das modificações na política cambial.

Na verdade, a minha sincera impressão é a de que esses tenham decorrido não simplesmente de prováveis erros técnicos ou supostos deslizes ou vazamentos de informações privilegiadas para o mercado financeiro. Fatos esses que, como todos têm visto e ouvido, estão a merecer um tratamento de perfeita transparência por parte do Governo, tendo-se evidenciado, após as explicações convincentes do Presidente do Banco Central, no Senado e, sobretudo, na Câmara, que não são esses os verdadeiros questionamentos que devemos fazer neste momento.

O maior problema, a meu juízo, e imagino que isso não escape ao domínio de todos nós, está muito mais nas constantes arremetidas especulativas contra o real, que têm suas raízes na já citada situação sui generis, na qual mergulharam as finanças internacionais. O que tem sido demonstrado cabalmente pelas movimentações plenas de uma histeria injustificável, nos últimos tempos, em nosso mercado cambial e acionário, por força dos reflexos negativos do comportamento irrequieto e desconfiado do mercado financeiro mundial, que, como diz o jornalista Rolf Kuntz, tornou-se hoje um verdadeiro megacassino. Um terreno em que os capitais especulativos, hoje estimados em US$13 trilhões, segundo o BIS, o Banco Central internacional, com sede na Suíça, fluem errática e rapidamente, pondo em risco as moedas nacionais.

Evidentemente, Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, essa situação objetiva leva a que, sem sombra de dúvidas, tenhamos de imprimir agora uma ênfase muito maior na chamada âncora fiscal. O que significa a necessidade de se avançar de modo mais rápido, mas, nem por isso, com menos debates e menor aprofundamento, no processo das reformas estruturais do País, que o Governo de Fernando Henrique Cardoso, justiça seja feita, vem, com denodo, buscando implementar, não se vislumbrando, no momento, outra saída capaz de garantir ao País a tão desejada estabilização econômica.

Força é convir, porém, que essa discussão em torno das reformas estruturais do País, alcançando profundamente a economia, tem que passar por um debate amplo com toda a sociedade civil organizada, para que possamos chegar aos objetivos colimados e evitar, assim, maiores turbulências na área social.

Agora mesmo temos conhecimento, através da imprensa televisada, falada e escrita, de que o Senhor Presidente da República, através da sua área econômica, já estaria assentindo no adiamento da chamada reforma da Previdência Social, a fim de que o Governo possa se comunicar melhor com a Nação, levando ao conhecimento de todos, sobretudo daquelas camadas mais atingidas por certos aspectos seus, principalmente no que tange à alteração de benefícios, dando uma idéia mais exata, que possa tranqüilizar a todos os cidadãos.

O Sr. Jader Barbalho - V. Exª me permite um aparte, Senador Humberto Lucena?

O SR. HUM.BERTO LUCENA - Com muito prazer, nobre Líder, Senador Jader Barbalho.

O Sr. Jader Barbalho - Senador Humberto Lucena, desejo cumprimentar V. Exª pelo pronunciamento que faz, em que trata de assunto que é de substancial importância para a sociedade brasileira, a questão da estabilização da moeda. Sem a estabilização da moeda, fatalmente, retomaremos o processo inflacionário galopante com todas as conseqüências inevitáveis, não só no campo da economia, mas no campo social, agravando portanto a realidade social que aí está. V. Exª, com muita propriedade, mostra a sua preocupação em relação às reformas constitucionais, inclusive com as manifestações que começam a ocorrer, relativas a um recuo do Governo em relação à proposta da Previdência. Ao cumprimentar V. Exª pela preocupação que tem com a estabilidade da moeda, isto é, com o sucesso do Plano Real, que todos nós desejamos, gostaria de considerar que o Brasil, ao longo da sua história, não teve um momento tão oportuno e tão bom, política e economicamente, para encaminharmos reformas neste País. Temos um Presidente eleito em primeiro turno com o apoio de 40 milhões de brasileiros; temos um Congresso, quase que na sua integralidade, renovado, à exceção de um terço do Senado Federal; temos reservas que nenhum outro Governo na história deste País teve a oportunidade de ter. Há toda uma ansiedade, por parte da sociedade brasileira, para que o Governo possa acertar. Portanto, as preocupações que V. Exª manifesta são seguramente as que permeiam toda a sociedade brasileira e devem fundamentalmente inquietar os homens e mulheres responsáveis pela direção deste País. Quero, Senador Humberto Lucena, no momento em que cumprimento V. Exª por trazer esse tema ao debate, especificamente em relação a um possível recuo, dizer que não concordo com ele. O Governo, há muito tempo, vem afirmando que a reforma da Previdência é essencial para o País. O Presidente da República, já em campanha eleitoral, tratou do assunto. Na sua despedida no Senado, também o fez, como no seu discurso de posse. O Ministro da Previdência Social teve oportunidade de fazer exposição à representação parlamentar de todos os Partidos, inclusive à representação sindical. O Presidente da República reuniu o Conselho Político para discutir o assunto, quando tivemos oportunidade de ouvir os Ministros da Justiça e da Previdência Social. O Governo enviou para o Congresso a emenda constitucional para a reforma da Previdência e, de repente, Senador Humberto Lucena, há um recuo. Um recuo por quê? Porque houve manifestação de rua? A manifestação de rua, no meu entendimento, pode ser considerada como um gesto próprio da democracia; mas a decisão, esta é da representação parlamentar na democracia representativa. Os que conseguem mobilizar na rua, nós temos oportunidade de dizer que acabamos, há poucos meses, de sair da rua e foi na rua que buscamos legitimidade para reformar ou não a Constituição. Quero, neste aparte, dizer que discordo de qualquer recuo. Porque ai do governo que não sabe ser governo e ai da oposição que não sabe ser oposição. O Governo, portanto, não tem recuar. Por que duas ou três manifestações ocorreram? Por que dois candidatos à Presidência da República, derrotados na última eleição, reúnem-se e dizem que são contra a reforma? Eles têm esse direito. O Congresso Nacional está pronto para receber a discordância, mas não para receber o grito. O grito não nos interessa. O que nos interessa no contraditório democrático é a discordância. Que discordem, que digam onde há equívocos, mas que contribuam para o debate. Este recuo, no meu entendimento, é perigoso. Hoje, abre-se mão da reforma na Previdência Social, amanhã, espalha-se que essas reformas todas não são convenientes para o País e, então, recua-se das reformas econômicas e fica-se inibido e acuado e não se enviam nem as reformas tributárias. O Presidente da República se elegeu com a bandeira das reformas, prometendo a reforma constitucional. Então, Senador Humberto Lucena, ao pedir perdão a V. Exª por ter-me alongado neste aparte, gostaria de acrescentar que o discurso de V. Exª é o de um homem que ao longo do tempo acompanha a vida nacional, participando dela, e traz para o debate, nesta tarde, assunto da maior importância. Neste momento, o País tem que dizer se quer efetivamente a estabilidade ou a instabilidade. Temos provado ao longo do tempo a instabilidade e desejamos a estabilidade. Cumprimento V. Exª pelo discurso que faz e quero dizer que estarei atento até o final de seu pronunciamento pela contribuição que V. Exª dá a este importante debate.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Agradeço as palavras de V. Exª, que muito me sensibilizam, e devo dizer, nobre Líder Jader Barbalho, que compreendo a posição de V. Exª, quanto a uma certa perplexidade diante desse anúncio feito pela imprensa de que o Governo estaria admitindo a possibilidade de adiar a apreciação, por parte Congresso Nacional, da reforma pertinente à Previdência Social.

Tenho para mim que o Governo, com isso, quer ganhar um pouco de tempo. Não acredito que o Senhor Presidente da República tenha em mente qualquer recuo em face de manifestações populares, porque ninguém mais do que Sua Excelência é um democrata e sabe muito bem que essas manifestações são naturais num regime de liberdade.

O que me parece mais provável é que, diante da controvérsia gerada no próprio Congresso e no seio dos próprios Partidos que o apóiam, que fazem parte de sua base de sustentação parlamentar, entre eles o PMDB, Sua Excelência esteja querendo ganhar, explicitar melhor a real posição do Governo, levando, sobretudo, o Sr. Ministro da Previdência Social, Reinhold Stephanes, não só ao Senado Federal ou à Câmara dos Deputados, mas, quem sabe, à própria televisão, para acalmar certos setores da sociedade, principalmente aqueles que estariam sendo mais visados por uma parte dessa reforma constitucional, no que for pertinente aos benefícios, principalmente às aposentadorias e pensões.

Como bem acentuou Sua Excelência, o Senhor Presidente da República, desde o início sempre foi sua preocupação o respeito aos direitos adquiridos e às expectativas de direito. Então, é preciso que se chegue a um denominador comum em torno disso, para que essa reforma da Previdência Social, que é urgente e inadiável, como diz V. Exª, venha a ser feita, sem maiores problemas no Congresso Nacional.

Quero crer, nobre Líder, Senador Jader Barbalho, já que se fez a divisão da proposta de emenda constitucional na Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Câmara dos Deputados, atendendo a uma iniciativa do seu Presidente, Deputado Roberto Magalhães, que nós tenhamos, quem sabe, a oportunidade de priorizar a apreciação - talvez o Governo chegue a esse ponto de vista, que é o meu -, da reforma no que tange, sobretudo, ao custeio da Previdência. Sabe V. Exª que esse é o aspecto fundamental, não somente para o País, mas para o próprio Governo, já que o grande drama da Previdência Social é o déficit de caixa. E tendo em vista a necessidade urgente de, amanhã, podermos desatrelar certos benefícios, do salário mínimo, para que os trabalhadores brasileiros possam gozar do direito de ter um salário mínimo justo e condigno.

O Sr. Geraldo Melo - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Geraldo Melo - Peço desculpas a Casa por interromper um pronunciamento como o de V. Exª, pois quando fala um homem da sua experiência, naturalmente todos devemos ouvir, certos de que da intervenção de V. Exª há de vir, como sempre, uma contribuição importante ao conhecimento, ao debate, ao esclarecimento das questões nacionais que nos preocupam a todos. Não creio em recuo no sentido de ser um ato de desistência, de abdicação ou de covardia do Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Sua Excelência associa, como sabemos, duas características muito importantes: além da autoridade que colheu nas ruas, é um homem de muita coragem para lutar por posições de que esteja convencido que são importantes para o País e para o povo brasileiro. Mas é um homem que exercita a sua coragem sem afastar-se dos postulados democráticos que constituem a grande marca do seu perfil de homem público. Tenho certeza de que o Presidente tem a perfeita consciência da importância do projeto da Previdência Social, por ser um projeto de efeitos difusos, cujos resultados penetram na casa de cada um de nós. Quem aqui não tem um parente, um amigo, um conhecido que esteja nos sufocando com suas preocupações, com seus telefonemas, com suas inquirições? Enquanto V. Exª falava, lembrava-me de fazer uma analogia com alguma coisa que se diz sobre Rui Barbosa. Dizem que ele é o autor mais citado e menos lido do Brasil. Tenho a impressão de que a mesma coisa está ocorrendo com a proposta do Governo quanto à reforma da Previdência. Parece ser a reforma mais citada e menos lida, porque todo mundo tem alguma crítica a fazer, algumas vezes em relação a propostas que não constam do projeto do Governo. De qualquer forma, penso que um sinal bastante saudável de que o Governo está sinalizando abertamente é que ele não quer ser dono de reformas que, por definição, por prerrogativa, pertencem ao Congresso Nacional. Ele exerce o seu direito de propor, mas a obra de reforma do nosso País vai ser uma obra nossa, dos Congressistas do Brasil. Por isso mesmo, o Presidente sabe que essas questões vão ser objeto de debate e de negociação. Tenho imensa esperança neste Congresso, que tem pessoas demonstrando, para orgulho nosso, seriedade e responsabilidade. Quando podemos contar com a palavra, a serenidade e a experiência de homens como V. Exª, tenho certeza de que, deste Congresso, haverão de sair as reformas, porque o povo que foi às ruas e elegeu Fernando Henrique Cardoso, e nos elegeu, foi dizer, inequivocamente, que quer que essas reformas sejam feitas. O Congresso encontrará a maneira de, produzindo os retoques necessários, fazer com que o sofrimento da sociedade seja o menor possível, em proveito de um País que todos desejamos seja um lugar bom para se viver. Peço desculpas e ouço o seu discurso com a atenção e o respeito que V. Exª merece.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Grato, Senador Geraldo Melo, pelo primoroso aparte que acaba de dar ao meu pronunciamento. Sem dúvida, as suas palavras vêm ao encontro do pensamento que procuro defender neste instante. Insisto em afirmar que acho que o Senhor Presidente da República, ao adiar, se for o caso, a apreciação da proposta de emenda constitucional da Previdência Social, deseja justamente esclarecer melhor a sociedade em torno desses aspectos a que V. Exª se refere, e que são objeto de constantes apelos a todos nós, representantes do povo e dos Estados no Congresso Nacional.

O Sr. Gerson Camata - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Pois não, Senador Gerson Camata.

O Sr. Gerson Camata - Ilustre Senador Humberto Lucena, o discurso de V. Exª talvez seja a peça mais importante produzida nesta tarde, mais importante do que os requerimentos que votamos há pouco. V. Exª enfoca uma preocupação que é a do País inteiro, dos setores mais responsáveis da Nação, sobre a necessidade das reformas todas que cansamos de ver e sentir necessárias. E o temor que estampa o discurso de V. Exª é o temor da sociedade brasileira: que o Governo se defina, que avance, pois o Brasil não tem tanto tempo para esperar. E há, ao mesmo tempo, uma convocação ao Congresso Nacional para que se atire nesse esforço e nessa luta. V. Exª, com a experiência que tem, indispensável ao Senado, acompanhou os últimos Governos. E lembro que, quando estávamos elaborando a Constituição, o Presidente José Sarney disse na época: "Com esta Constituição, o Brasil seria ingovernável." Logo a seguir veio o Presidente Fernando Collor de Mello, que disse: "É impossível governar o Brasil com esta Constituição." O Presidente Itamar Franco, mais moderado: "Está ficando difícil governar o Brasil com esta Constituição." Não é possível que três Presidentes da República digam a mesma coisa e não seja importante. E veja V. Exª: depois dessa Constituição, as estradas brasileiras melhoraram? Não, pioraram. A situação da agricultura brasileira melhorou? Piorou. A situação do servidor público brasileiro melhorou? Também não melhorou. Nada no Brasil melhorou. Melhorou a situação de alguns empregados em certas empresas estatais, que tiveram os seus privilégios reafirmados. Mas a situação geral do País não melhorou. Estamos diante de um plano que melhorou um pouco a situação do brasileiro, mas é fugaz; se não ocorrerem as reformas, ele desaba. A Nação sente isso e tem medo. O que V. Exª expressa no seu discurso não é aquilo que quer que aconteça, mas aquilo que V. Exª tem medo de que aconteça: que essa excitação possa ser transmitida para a sociedade brasileira inteira, gerando uma instabilidade na área econômica, que já tivemos e não queremos mais. De modo que a fala de V. Exª é uma peça importante colocada à reflexão do Senado, do Poder Legislativo e do Executivo. A experiência que V. Exª tem lhe dá autoridade para colocar, com a seriedade que encarna, essas importantes reflexões para o Brasil, para o Congresso Nacional e para o Poder Executivo, na tarde de hoje.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Ouvi com atenção a intervenção de V. Exª, nobre Senador Gerson Camata, e devo lembrar o quadro que tivemos no Congresso Nacional por ocasião da Revisão Constitucional por mim presidida. Sabe V. Exª do tumulto que ocorreu quando o Plenário, de então, dividiu-se numa grande maioria que pouco comparecia e numa aguerrida minoria que obstruía os trabalhos da Revisão Constitucional.

Chamo a atenção de V. Exª justamente para o fato de que o Senhor Presidente da República deveria ter presente aquela experiência para orientar aqueles que estão junto a si como articuladores, como líderes das duas Casas do Congresso Nacional para chegar, não somente com os partidos que o apóiam, mas com todos os partidos em geral, um consenso que possa nos levar ao êxito na apreciação das propostas de Reforma Constitucional.

Na época da Revisão, lidávamos com um quorum de maioria absoluta. Era necessário apenas metade mais um dos Srs. Congressistas presentes para que as propostas viessem a ser aprovadas. O resultado sabemos qual foi, diante da obstrução da minoria e da omissão da maioria: evidentemente que a Revisão se frustrou e pouco apresentou de saldo positivo à Nação, a não ser para resolver uma questão de caráter conjuntural, como foi a instituição do Fundo Social de Emergência, que o Governo agora tenta reeditar para permitir o equilíbrio das contas públicas e, por conseguinte, o êxito do Real que já tinha sido instituído como moeda e começava a operar em toda a economia brasileira.

O Sr. Bernardo Cabral - V. Exª me concede um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA -  Tem V. Exª a palavra.

O Sr. Esperidião Amin - V. Exª me habilita para o aparte seguinte, Senador Humberto Lucena?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Pois não.

O Sr. Bernardo Cabral - Eminente Senador Humberto Lucena, V. Exª está produzindo um discurso denso, com uma linearidade própria de quem freqüenta o Parlamento há muitos anos, afora uma época em que estivemos eqüidistantes aqui da Casa - V. Exª por uma circunstância, e eu por outra. Mas, desde a época em que nos encontramos pela primeira vez - já se vão trinta anos -, V. Exª tem por hábito ir à tribuna para tratar de assuntos sérios, como agora.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Obrigado a V. Exª.

O Sr. Bernardo Cabral - É evidente que estou dando a V. Exª as premissas de um cumprimento pelo seu trabalho, ao mesmo tempo em que gostaria de fazer uma observação paralela ao que disse o Senador Gerson Camata. Há três Presidentes, e agora, um quarto, que entendem que a nossa Constituição torna o País ingovernável. Em verdade, muito mais ingovernável estaria ele se não tivéssemos esta Constituição. Não sei o que estaríamos pagando, que preço alto. Isso me faz lembrar da Constituição de 37, quando Getúlio Vargas entendeu de dar ao nosso Francisco Campos, nosso grande jurista, a idéia de escrever sozinho uma Constituição; ela era tão perfeita que acabou sendo a "polaca", modelo da Polônia, que era anticomunista e, em 1945, essa Constituição se desfez. Por isso, o discurso de V. Exª é oportuno, lembrando os ziguezagues havidos na hora em que V. Exª, legitimamente, presidia a Revisão Constitucional. De modo que, Senador Humberto Lucena, com a idéia de quem já sofreu, como V. Exª, os desacertos da vida, os desencontros - V. Exª, de um jeito, eu de outro, mas, no fundo, com uma convergência -, quero cumprimentá-lo por vê-lo de novo na tribuna com a cabeça erguida.

O SR. HUMBERTO LUCENA - Agradeço a V. Exª por suas palavras e, sobretudo, quero sublinhá-las no que tange à Constituição atual, já que V. Exª foi o seu Relator emérito na Assembléia Nacional Constituinte.

Sabe V. Exª que aquele próprio Colegiado estabeleceu, no art. 3º das Disposições Transitórias, que, passados cinco anos de sua promulgação, haveria a Revisão Constitucional, sem dúvida para que fosse mais bem experimentada. Já que a Revisão não deu certo, vamos ver se a Reforma Constitucional o dará, evidentemente com maiores dificuldades, como já disse, até pelas circunstâncias do alto quorum necessário e, sobretudo, pelo fato de termos a apreciação de propostas de reforma constitucional, em dois turnos, em duas Casas separadas.

A propósito, deverei ocupar esta tribuna proximamente para encaminhar à Casa uma proposta de emenda constitucional, na qual vou defender a volta ao sistema anterior, isto é, à Reforma Constitucional sendo apreciada e votada em sessões conjuntas do Congresso Nacional, por entender que uma matéria dessa importância não pode ser tratada como se fosse um simples projeto de lei ou um projeto de lei complementar.

O Sr. Esperidião Amin - V. Exª me permite um aparte?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Esperidião Amin - Senador Humberto Lucena, desejo congratular-me com aquilo que outros companheiros, especialmente o Senador Bernardo Cabral, já chamaram de densidade do seu pronunciamento. Considero denso o pronunciamento de V. Exª e digno de alguém que por duas ocasiões presidiu esta Casa e conhece as nossas responsabilidades. Gostaria de dizer também que é uma rara oportunidade ouvir, neste trecho do seu pronunciamento, a avaliação de quem sentiu, muito próxima e intimamente, o drama da Revisão Constitucional que V. Exª presidiu e os percalços que enfrentamos. Em primeiro lugar, com relação à definição da Presidência; em segundo lugar, com relação a uma manifestação do Supremo Tribunal Federal, que retardou a definição das nossas atribuições, inclusive regimentais, da Revisão, com uma decisão que posteriormente foi retificada pelo Plenário do Supremo, e, finalmente, por aquilo que V. Exª chamou de omissão da maioria. Considero essa sua afirmação absolutamente verdadeira - e estou-me incluindo na maioria, pois era e sou a favor da Revisão Constitucional -, já que V. Exª a faz com a autoridade de quem presidiu a Revisão e de quem promoveu reuniões, das quais muitas participei no sentido de lograr algum êxito. Essa questão terá que ser profundamente avaliada a todo momento em que as dificuldades a que estivermos submetidos na apreciação de cada uma das emendas à Constituição que o Governo ou o Congresso intentar no episódio que estamos vivendo. Estamos vivendo um ciclo, uma segunda época da revisão, sem revisão.

A todo momento, sempre que houver uma dificuldade, vamos ter que fazer o nosso mea culpa porque perdemos a oportunidade. Quatro coisas não voltam: a palavra depois de dita, a pedra depois de atirada, o tempo que passou e a oportunidade perdida. Nós perdemos uma oportunidade. E perdemos a oportunidade de promover alterações no contexto da Revisão Constitucional, até mesmo naquelas questões que hoje são consenso, e também eram na época. Como exemplo, uma das emendas que o atual Governo encaminhou, que muda o conceito de empresa nacional, modificando os arts. 170 e 171. V. Exª bem se lembra, dia 4 de maio de 1994, o Relator, atual Ministro Nelson Jobim, foi acusado pelo Deputado Luis Carlos Hauly de estar pedindo voto contra o seu relatório. Nenhum Líder do Governo, nenhum vice-Líder do Governo votou; o Governo não disse o que queria e a emenda não passou por três votos, apesar de todo esse boicote

A emenda, que agora o Governo está propondo, está redigida pelo Ministro Nelson Jobim, então Deputado Federal e Relator da Revisão. Perdemos uma oportunidade! E quero aqui atestar, primeiro, que não foi por falta de empenho de V. Exª. E quem está lhe dizendo tem a liberdade por já ter divergido, até rudemente neste plenário - de peito aberto, mas rudemente até -, em questões de opinião, não em questões pessoais. Perdemos a oportunidade de aprovar emendas importantes para o País em sessão unicameral, com votação por maioria absoluta, e agora queremos votar em sessão bicameral, requeridos 3/5, duas votações em cada Casa. É mais difícil. Deixo aqui no ar, homenageando seu pronunciamento, duas perguntas: Por que a maioria se omitiu? Não terá sido por causa da eleição? Não terá sido porque alguns temas eram de difícil palatabilidade eleitoral? Segundo - e aí complemento a colocação do nobre Senador Gerson Camata, aduzindo aos depoimentos dos três Presidentes sobre a governabilidade decorrente da Constituição, se S. Exª me permitir uma indiscrição: ele não foi candidato a Governador de Estado, e declarou para todos nós aqui que considerava que governar o Espírito Santo, um Estado equilibrado, com a atual Constituição, era impossível. O Senador Gerson Camata voltou ao Senado e não quis ser eleito Governador do seu Estado, o Espírito Santo, porque o considera ingovernável. Isso sendo um Estado relativamente equilibrado com relação aos demais do País. Então, é dramaticamente necessário, como foi, promover a reforma da Constituição, mas perdemos uma oportunidade. Por que razão? Esta é minha pergunta. Peço desculpas se me alonguei, mas creio que um discurso denso, como o de V. Exª, não poderia ser objeto de um aparte superficial.

O SR. HUMBERTO LUCENA - O nobre Senador sempre aduz considerações muito importantes em qualquer pronunciamento, ainda mais neste que faço no momento, dado que V. Exª pôde trazer à colação testemunho dos mais abalizados. Ninguém mais do que o Senador Esperidião Amin - e posso dizer isso porque na época eu era Presidente do Congresso Nacional e do Senado Federal, portanto, da Revisão - tentou contribuir para que chegássemos ao êxito total, naquele Colegiado, que pretendia, realmente, a reformulação da Constituição, através de um quorum qualificado, idêntico àquele que tivemos por ocasião da Assembléia Nacional Constituinte.

Sem dúvida, V. Exª tem absoluta razão quando, ao me perguntar, apressa-se em responder. Creio que, na verdade, o grande problema que tivemos, naquela ocasião, foi justamente o de estarmos às vésperas de uma eleição geral no País. Evidentemente as pessoas, na sua maioria, posicionaram-se tendo em vista seus interesses eleitorais, colocando abaixo deles os interesses do Brasil, senão, outra seria a situação em que nos encontraríamos hoje, no Brasil.

Mas V. Exª foi um batalhador e tenho certeza que há de ser também neste processo de reforma constitucional, que, apesar de todo o empenho e de todo o entusiasmo do Sr. Presidente da República, é uma tarefa dificílima, que vai requerer de S. Exª uma competente obra de engenharia política, e não lhe faltam qualificações para isso. S. Exª terá realmente que dialogar muito, não apenas com a sociedade, mas sobretudo com o Congresso Nacional e inclusive com os Partidos de Oposição, para que possamos apreciar o que for mais urgente, mais necessário, mais inadiável aos interesses nacionais, nesta reforma constitucional.

O Sr. Coutinho Jorge - V. Exª me concede um aparte, Senador Humberto Lucena?

O SR. HUMBERTO LUCENA - Ouço com prazer o nobre Senador Coutinho Jorge.

O Sr. Coutinho Jorge - Senador Humberto Lucena, parabenizo V. Exª pela postura e pelo conteúdo do seu pronunciamento. Faço questão de relembrar que essa atitude V. Exª manteve em toda a legislatura anterior. Eu, como Senador, acompanhei todo o trabalho de V. Exª naquela legislatura, onde vivemos fatos fundamentais para a vida brasileira, como o impeachment do Presidente Collor, quando V. Exª exercia uma função importante neste Senado Federal. Posteriormente, a CPI do Orçamento, que abalou os alicerces do Congresso Nacional, e que V. Exª, como Presidente do Congresso Nacional, soube conduzir realmente com firmeza essa fase difícil. Já ao final da legislatura passada, V. Exª, presidindo a Revisão Constitucional, fez o que pôde para que este Congresso pudesse alterar dispositivos da nossa Constituição, necessários e imprescindíveis, para que o processo de desenvolvimento sócio-econômico do Brasil pudesse ter o seu curso com mais firmeza, na direção do seu próprio progresso. V. Exª há pouco comentava que, apesar do esforço, tivemos alguns resultados, como é o caso da criação do Fundo Social de Emergência - um instrumento importante no momento de desequilíbrio orçamentário do Poder Público Federal. Como V. Exª afirma, possivelmente o Governo vá reeditar, ou este Congresso vá realmente ampliar o período de vigência desse Fundo. Quero lembrar que, nesses quatros anos, apesar de todos esses percalços que geraram impacto importante na vida pública nacional, V. Exª teve sempre uma postura de Líder do PMDB, de Presidente desta Casa. Na medida do possível, esteve pronunciando discursos do conteúdo e da profundidade como o que V. Exª faz hoje, acompanhando, pari passu, as decisões importantes que poderiam alterar o clima, muitas vezes difícil, por que o Brasil passava. O conteúdo de seu discurso retrata essa visão de grande brasileiro que V. Exª é; mostra a sua preocupação com o atual Governo, que tem todas as condições para deslanchar um grande processo de desenvolvimento nacional, tem a oportunidade de propor reformas constitucionais básicas, apesar das dificuldades a serem enfrentadas. V. Exª, de uma forma clara, mostrou que, mesmo em relação ao tema Previdência Social, considera que o aparente recuo do Governo nada mais é que uma estratégia necessária às negociações que se impõem com a sociedade, com as lideranças políticas, para que se possa definir, de forma clara, o melhor politicamente possível em favor das mudanças, em favor do Brasil. V. Exª, portanto, traz um discurso oportuno, que enriquece o plenário desta Casa, evidenciando a grandeza da sua visão como grande Parlamentar brasileiro, que foi justiçado recentemente face a algo que estavam tentando cometer contra um homem probo, sério, idealista que muito fez e fará pelo Brasil. Parabéns pelo seu discurso oportuno. Sabemos que outros discursos do conteúdo deste irão enriquecer e trazer subsídios ao desenvolvimento do nosso País. Parabéns a V. Exª.

O SR. HUMBERTO LUCENA - V. Exª é muito generoso com o orador que está na tribuna, nobre Senador Coutinho Jorge. Se pude fazer alguma coisa de mais relevante pelo meu País, no exercício da Liderança do PMDB, nesta Casa, ao tempo em que fazia oposição ao ex-Presidente Fernando Collor, e sobretudo como Presidente do Senado e do Congresso Nacional, é porque contava, ao meu lado, com Senadores como V. Exª que, pela sua competência e pelo seu espírito público, sempre se salientavam trazendo a permanente contribuição à solução dos magnos problemas nacionais.

Na verdade, nobre Senador Coutinho Jorge, pretendo, oportunamente, voltar a esta tribuna para fazer dois outros pronunciamentos. Num deles, tenciono fazer uma análise sobre os acontecimentos recentes que tumultuaram a vida econômica no México, na Argentina e em países da Europa e da Ásia, no tocante à moeda.

Noutro, espero, também, deter-me com mais profundidade no programa de reformas do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Mas, desde logo, gostaria de dizer, sem que isso represente senão uma opinião pessoal, que o que está acontecendo no cenário político nacional, é que o Senhor Presidente da República enviou, ao Congresso, ao mesmo tempo, muitas propostas de emenda constitucional e isso causou um certo mal-estar mesmo porque várias dessas propostas, pelo seu próprio conteúdo, são muito polêmicas e controvertidas.

Daí por que dizia, há poucos dias, numa reunião em meu gabinete, ao Presidente do PMDB o Deputado Luiz Henrique, presentes os Senadores e Deputados da Paraíba, que a mim me parecia que não só S. Exª mas também os Presidentes do demais Partidos, sobretudo os que apóiam o Governo, deveriam fazer uma discussão, no âmbito interno de suas agremiações e nas Bancadas do Senado e da Câmara, em torno de cada uma dessas propostas de emenda constitucional e, ao final, levar um relatório ao Senhor Presidente da República sobre o posicionamento dos Parlamentares de cada um desses Partidos, para que Sua Excelência não se iludisse quanto a uma possível inanimidade.

O Presidente Fernando Henrique Cardoso tem de saber que não há unanimidade em torno dessas reformas no Senado e na Câmara, nos Partidos que o apóiam. O Governo não pode ser surpreendido pelo resultado da apreciação de matérias de tão alta importância para a vida nacional.

Quem sabe, se Sua Excelência abrir um diálogo franco com as Oposições, não poderá também recolher votos dos próprios Partidos contrários, mais à esquerda, que certamente são seus adversários, mas são brasileiros e patriotas.

Sr. Presidente, Srªs. Senadoras e Srs. Senadores, gostaria ainda de afirmar sobre as reformas: sem dúvida, o que de mais urgente há, neste instante, para ser apreciado, em matéria de reforma constitucional, é o que diz respeito às matérias tributária e previdenciária, mais particularmente no que tange ao caixa e aos recursos financeiros indispensáveis não somente para o combate ao déficit do Tesouro, mas também para o combate ao déficit da Previdência, a fim de que as contas fechem, equilibradas no final do ano em curso, sobretudo quando o Governo deixou de contar com outros recursos adicionais e, por isso, recorreu a uma reforma tributária de última hora no ano passado, que, entretanto, não atendeu às suas necessidades prementes.

Evidentemente, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, afinal temos a expectativa de que o Congresso Nacional venha a ter a mesma conduta essencial com que se pautou no primeiro semestre do ano passado, sob minha presidência, aprovando, como já disse aqui, o Fundo Social de Emergência, sem o qual o Plano Real não teria tido condições de durar até o presente momento, por melhores que fossem as condições da política externa.

Pasmem, Srs. Senadores, é importante que se relembre este aspecto: até hoje, o Congresso Nacional não votou a Medida Provisória que instituiu o real como moeda. O real continua a ser, apesar do êxito do Plano até agora, uma moeda provisória. Certamente, temos que dar urgência à apreciação desta importante matéria.

Tenho certeza de que o eminente Presidente desta Casa, Senador José Sarney, que vem desempenhando, de maneira tão dinâmica e competente o seu mandato, haverá de se empenhar, numa reunião com os Líderes, para que essa Medida Provisória seja votada urgentemente pelo Congresso Nacional, o que não ocorreu no ano passado por ter sido um ano atípico, diante das eleições gerais que tivemos no País.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, é esta a postura do Congresso que espero seja hoje adequadamente conduzida. Sem dúvida, falarei em outro pronunciamento sobre essas reformas mais que fundamentais ao País e a vitória final do Plano Real, não apenas para assegurar o seu êxito, em termos da estabilização da economia do País, mas pelo que representa como um caminho novo para viabilizar o crescimento e o desenvolvimento, livrando-o dos dramáticos problemas sociais que ainda o afligem, em grande parte, decorrentes da nossa iníqua e perversa distribuição de renda nacional.

Minha preocupação e meu apelo é para que, além de nossas diferenças políticas ou ideológicas, possamos contribuir com o melhor de nossa capacidade e energia, no sentido do aprofundamento desse grande debate nacional, de modo a se garantir o caminho da estabilização, construído pelo Plano Real, e a se harmonizar, cada vez mais, esse importantíssimo processo numa sociedade que realmente seja justa, para servir à consolidação do projeto democrático brasileiro.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.(Muito bem!)


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 30/03/1995 - Página 4236