Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO JORNALISTA JOÃO EMILIO FALCÃO COSTA FILHO.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO JORNALISTA JOÃO EMILIO FALCÃO COSTA FILHO.
Publicação
Publicação no DCN2 de 05/04/1995 - Página 4646
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, JOÃO EMILIO FALCÃO COSTA FILHO, JORNALISTA, ESCRITOR, SERVIDOR, SENADO.
  • TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, OBRA LITERARIA, AUTORIA, JOÃO EMILIO FALCÃO, JORNALISTA, ESCRITOR, ESTADO DO PIAUI (PI).
  • ELOGIO, DIGNIDADE, VIDA PUBLICA, RESPONSABILIDADE, ATUAÇÃO, JOÃO EMILIO FALCÃO, JORNALISTA, DEFESA, ETICA, INTEGRIDADE, MORAL, ORDEM PUBLICA.

    O SR PEDRO SIMON (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero pedir a esta Casa que acolha o registro de pesar pelo falecimento do jornalista e servidor do Senado João Emílio Falcão Costa Filho. Mais do que um homem de imprensa e servidor desta Casa, João Emílio Falcão foi um patriota que, em todas as posições que ocupou, sempre teve os interesses do povo brasileiro como uma razão de ser e de fazer.

    Tive o privilégio humano e político de com ele conviver nos últimos tempos, uma vez que prestava sua excepcional colaboração profissional e os seus conselhos políticos à minha pessoa. Poucos a ele se igualavam na modéstia com a qual exercia seu talento de escritor e a sua invulgar capacidade de análise política. Por outro lado, não foram muitos os de sua geração de jornalista - geração, por outro lado, brilhante - que puderam conviver com tantos e tão expressivos nomes do universo político brasileiro.

    João Emílio deixou o Piauí ainda menino, aos 15 anos. O que o empurrou para o Rio de Janeiro foi o irrecusável chamado do jornalismo. De família tradicional em seu Estado, não se transferiu para o Sul em busca de oportunidade de trabalho que lhe proporcionasse os recursos de sobrevivência ou a realização social, porque sua situação familiar lhe garantia futuro privilegiado em sua terra. Seu pai era um dos dirigentes de um partido sólido, como era a União Democrática Nacional, e chegou à Câmara Federal em 1957.

    O que chamou João Emílio ao Rio foi o jornalismo. Aos 16 anos entrava para a redação do Diário Carioca, no Rio de Janeiro, que, naquela época, era uma das grandes escolas do jornalismo brasileiro sob o comando de Pompeu de Sousa. Os nomes mais expressivos da imprensa nacional passaram pela redação do grande jornal, como os de Carlos Castello Branco, Luís Paulistano de Santana, Sérgio Porto, entre os que já nos deixaram, e outros que ainda continuam firmes no trabalho, como Newton Carlos, Evandro Carlos de Andrade, Hélio Fernandes e Armando Nogueira, entre outros.

    Com o desaparecimento do Diário Carioca, Falcão trabalhou nos mais importantes jornais brasileiros, como o Correio da Manhã, O Globo, Jornal do Brasil, O Estado de S. Paulo, Folha de S.Paulo e Correio Braziliense.

    Tão logo se inaugurou Brasília, Pompeu de Souza trouxe João Emílio para a nova Capital. O jovem repórter político se tornou, em poucos anos, um dos jornalistas mais bem informados sobre a situação política nacional. Ele conhecia os homens, sabia ser discreto e só usava o que sabia na defesa do interesse público. Por outro lado, sempre recusou posições de poder. Preferia ter a liberdade de que dispõem normalmente os conselheiros. Nesse aspecto - e disso sou boa testemunha -, ele se parecia com os uomini d´ingégno que serviam aos príncipes do Renascimento. Ele tinha o prazer intelectual de influir, de procurar a solução melhor para os impasses políticos e desprezava as ilusões da notoriedade. Poucas horas antes de falecer, na mesma noite, João Emílio pôde prestar-me e prestar à República os conselhos de sua experiência e de seu excepcional bom senso.

    O jornalismo dificultou-lhe a produção literária. Ainda assim, encontrou tempo para escrever alguns livros de crônicas e de contos, que lhe asseguraram a presença na Academia Brasiliense de Letras e na Academia de Letras do Piauí. Entre os seus livros se encontram Aleluia e O Andarilho, livros de contos, e Balanço da Semana e Olhos Secos, coletâneas de crônicas.

    João Emílio era casado com D. Neusa Theodoro Falcão Costa e deixa filhos.

    Ao comunicar à Casa meu pesar, faço-o na certeza de que o Brasil perdeu um de seus maiores e mais dedicados servidores. Um homem que, em sua modéstia, detestava a arrogância; em seu temperamento, era bravo defensor da paz e da conciliação; em sua inteligência, era prudente quando a razão pedia a prudência, e corajoso quando a coragem se exigia.

    O Sr. Humberto Lucena - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador?

    O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - No encaminhamento de votação não é permitido aparte, Senador. V. Exª poderá pedir a palavra posteriormente.

    O SR. PEDRO SIMON - Sr. Presidente, peço a V. Exª a transcrição, nos Anais da Casa, junto com o meu pronunciamento, da última crônica de Falcão, que foi publicada após a sua morte, De Flores a Timon, escrita a pedido do Prefeito da sua região, onde ele fala da sua mocidade. Nessa crônica, ele fala na morte, no mesmo dia em que morreu.

    Certa feita, procurei o Sr. Costa Couto, que foi ministro no governo de V. Exª, Sr. Presidente, para falar a respeito de uma matéria que saiu na revista Veja, sobre a morte do Presidente Tancredo Neves. Fui falar com ele e Falcão foi comigo. Conversamos longamente sobre o novo livro que o ex-Ministro vai publicar, falamos sobre uma série de fatos, inclusive sobre a morte. Sim, falamos muito sobre a morte.

    Ele jantou, jogou cartas e estava dançando quando morreu. É a morte que gostaríamos de ter, mas é aquela de que os amigos não gostam, porque não têm condições de prestar uma homenagem. Conheço muitas pessoas íntegras, sérias, dignas. Conheço muitos jornalistas, mas digo, com toda a sinceridade, que é muito difícil encontrar alguém como Falcão.

    Se dependesse do ex-Presidente da República Itamar Franco, o Falcão teria sido praticamente o que quisesse em seu governo. Ele o convidou para ser seu chefe de gabinete; convidou-o para ser o seu representante na imprensa, o seu porta-voz; enfim, convidou-o para uma série de funções importantes no governo, e Falcão não aceitou. Isso, contudo, não o impedia de receber, três a quatro vezes por dia, telefonemas do Presidente Itamar Franco ou de telefonar para ele, como amigo e colaborador do ex-Presidente, no sentido de tentar ajudar, anônima e espontaneamente, sem nada buscar.

    Falcão era uma dessas pessoas que nascem com o desejo de lutar para fazer o bem. Não tinha propósitos de grandeza, nem de subir e nem de crescer. Dizia ele: "Eu me sinto muito feliz. Tenho a minha casa, os meus filhos, a minha profissão. Estou trabalhando e esforçando-me pelo meu País."

    Ele vai fazer falta para o nosso País. Que bom se o Brasil fosse constituído de pessoas como o Falcão. Íntegras, dignas e honestas, sim, e sem arrogância. Para Falcão isso não significava nada, porque ele era assim espontaneamente; essa era a sua maneira de ser. Ele só se preocupava em fazer o bem, em ajudar e colaborar, quer com jornalistas, quer com políticos, quer com parlamentares; tinha amizade e respeito para com pessoas como o Senador Jarbas Passarinho, o Deputado Nelson Marchezan, o Senador Alexandre Costa e V. Exª, Sr. Presidente; tinha respeito pelo Presidente Itamar. A respeito de todas, ele fazia questão de dizer que eram pessoas sérias, que ele respeitava.

    A imprensa, Sr. Presidente, desempenha um papel tremendamente importante na vida brasileira, mas ela tem o poder de fazer e desfazer, louvando ou não, elogiando ou não, endeusando ou desmoralizando. Falcão tinha o sentimento da responsabilidade da imprensa, de dizer, de criticar - e ele era duro e áspero em suas críticas - ou de elogiar, mas nunca brincando com a dignidade e a honradez de ninguém.

    Eu sinto muito, Sr. Presidente, a falta de um homem como o jornalista João Emílio Falcão. Sei que V. Exª e ele tinham uma amizade recíproca e ele o respeitava muito. Sei que ele tinha amizades profundas nesta Casa, em Brasília e pelo Brasil afora. Mas o que me chamava a atenção em Falcão era exatamente a simplicidade de ser um homem íntegro, sério, bom, e isso para ele era o normal.

    Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, volto a repetir, o Brasil será um grande país quando as pessoas, sejam elas operários, trabalhadores, intelectuais, senadores, donas de casa, presidentes da República, sejam elas quem forem, tiverem, como linha-mestra, a maneira de ser e a personalidade de Falcão. No dia em que cada um fizer a sua parte da mesma forma como ele, com garra e amor, desempenhava a sua tarefa de jornalista, dando a sua colaboração, ajudando o seu País; no momento em que os "Falcões" se multiplicarem, em seriedade e singeleza, não querendo buscar na sociedade mais do que a ela oferecem; no dia em que isso acontecer, no dia em que pessoas anônimas e singelas constituírem a média do pensamento do povo, da gente, da elite brasileira, não tenho nenhuma dúvida de que este Brasil estará seguindo o seu verdadeiro destino.

    Trago a minha homenagem a esse querido amigo a quem todos no Senado e no Congresso, quer políticos, quer jornalistas, respeitávamos. Trago aqui o meu preito de dor por uma pessoa que a mim tocou profundamente, porque senti que tinha ao meu lado, de manhã, de tarde e de noite, um homem de uma retidão e de uma dignidade a toda prova; um homem que me chamava a atenção, que me fazia ver nos jornais aquilo que eu lia e não via, porque ele é que tinha a capacidade de ver; que assistia à televisão e ali via coisas que eu também via, mas não entendia, como se não tivesse visto. Depois, ele me chamava e perguntava: "Você viu aquilo que aconteceu?" Ele tinha a percepção do Brasil, do Brasil sofrido, do Brasil do dia-a-dia, das condições de ser.

    Ele tinha ânsia, alucinação pela seriedade, pela integridade, pela busca da moralidade da coisa pública. A maioria dos projetos que eu apresentava, quem debatia, quem discutia, quem me cobrava permanentemente era ele; os projetos sobre a ética na coisa pública, quem me cobrava era o Falcão. Era ele. Ele me trazia, ele debatia, ele me colocava em contato com ex-ministros do Tribunal de Contas, com pessoas da sociedade, com professores da universidade. Ele me perguntava: "Você viu, na Folha, o Procurador da República, lá em São Paulo, que publicou o artigo tal? Você viu que o Tribunal tomou tal decisão?"

    Quem via, quem trazia, quem tinha a ânsia permanente da ética, da seriedade, da dignidade, era o Falcão. Confesso aqui, de público, que a idéia, o estudo, a ansiedade, a cobrança por apresentar, foi do Falcão. E ele nunca fez isso para tentar atingir quem quer que fosse, pois não tinha a preocupação do pessoal, de brincar com a dignidade ou com a honra ou querer atingir A, B ou C. A preocupação dele era com o conjunto da sociedade. A preocupação dele era com este Brasil. Ele dizia que nós tínhamos todas as condições para sermos um país sério, responsável.

    Homem do Piauí, ele amava a sua terra. Lá, tinha ele a sua fazenda - não sei se era metade no Piauí e metade na terra de V. Exª, Sr. Presidente, ou se mais na terra de V. Exª, no Maranhão, do que no Piauí. A verdade é que, periodicamente, ia ele ao Piauí e de lá, das conversas com um irmão, seu sócio, seu colega, quem cuidava da fazenda, ele trazia as histórias e os pensamentos do seu Piauí. A preocupação e o carinho que tinha por aquela terra e por aquela gente resultavam em análises e interpretações que ele fazia do seu Piauí. Ele dizia que os políticos do Piauí são políticos sérios, são políticos responsáveis. A respeito de dois ex-Governadores do Piauí, que estão aqui, na minha frente, ele falava: "Esse Lucídio Portella é um homem sério, esse Hugo Napoleão é um homem de bem". O carinho que ele tinha pelas coisas do seu Piauí, pela gente da sua terra, levava-o a sempre dizer que um dia a situação haveria de mudar. Ele era um homem que buscava mudanças.

    Eu sei, Sr. Presidente, que nem sempre a vida corresponde às nossas expectativas. Vemos pessoas, nem sempre merecedoras, ocupar altas posições - não sabemos por que chegaram lá - quando aquelas que possuem as verdadeiras condições são preteridas, são ignoradas. Para quem é crente - eu sou, o Falcão era e V. Exª é -, é fácil entender. É que a vida é uma passagem, e cada um recebe os seus talentos e vai usá-los da maneira que melhor lhe aprouver.

    Mas não seremos cobrados do lado de lá, Sr. Presidente, porque chegamos a Senadores da República ou chegamos a ser grandes empresários. A cobrança vai ser no sentido do que nós fizemos com as oportunidades que nos apareceram. Vamos ter que responder sobre o que a vida nos proporcionou, sobre o que fizemos com os talentos que recebemos. Creio que João Emílio Falcão está muito tranqüilo quanto a sua prestação de contas.

    Ele tinha o dom de escrever. Lendo seus livros e analisando sua carreira de jornalismo, verificamos que a sua pena foi dedicada ao bem, à dignidade, à seriedade, às coisas boas da vida, à seriedade de um Brasil e de uma sociedade.

    Sr. Presidente, de todos os jornalistas, desde os focas aos mais importantes da Casa, eu ouço a mesma coisa: "O Falcão, para nós, era uma referência". Falcão atendia a todos eles. Aos mais importantes, experientes, com independência, sem medo, sem susto. Aos mais humildes, com carinho e respeito. Dizem que Falcão era um ponto de referência, primeiro, porque o que ele dizia era aquilo mesmo; ele não inventava, não criava, não difamava; o que ele narrava eram fatos que estavam acontecendo; segundo, se houvesse alguma dúvida com relação à interpretação do que queriam fazer, publicar, escrever no dia seguinte, perguntavam ao Falcão o que ele pensava, porque a resposta dele era a resposta do bom senso, da lógica, daquilo que deve ser.

    Desde terça-feira passada, gente simples, jornalistas que nem conheço e outros muito importantes, como Tarcísio Holanda, falam exatamente isto: "Eu perdi uma referência, além de ter perdido um grande amigo". Em qualquer posição que o Falcão estivesse, ele estava sempre pronto a estender uma mão, dar uma colaboração, ajudar, dar um conselho, uma orientação. Ele fez a sua parte. Deus o chamou repentinamente, mas tenho certeza de que ele está tranqüilo e sereno na sua prestação de contas.

    Trago aqui o meu carinho, o meu afeto, a minha admiração a Falcão. Dificilmente, na minha longa vida pública, como político, como advogado, como professor universitário, tenho encontrado pessoas - e geralmente somos pródigos nos elogios, mas não é esse o caso - das quais possa dizer o que vou dizer agora: Falcão é o padrão que eu gostaria de ter como média da sociedade do meu País, na competência, na dignidade, no amor, no caráter, na seriedade, na alegria de viver - ele era um homem alegre e feliz -,  na satisfação de fazer das coisas mais simples as coisas mais responsáveis.

    O meu abraço e o meu afeto ao nosso querido Falcão.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 05/04/1995 - Página 4646