Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS ACERCA DAS EXPERIENCIAS DE PRIVATIZAÇÃO DAS GRANDES COMPANHIAS DE SERVIÇOS PUBLICOS NA ALEMANHA E NA INGLATERRA, DEFENDENDO AS PRIVATIZAÇÕES NO BRASIL.

Autor
Gilberto Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AM)
Nome completo: Gilberto Miranda Batista
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • COMENTARIOS ACERCA DAS EXPERIENCIAS DE PRIVATIZAÇÃO DAS GRANDES COMPANHIAS DE SERVIÇOS PUBLICOS NA ALEMANHA E NA INGLATERRA, DEFENDENDO AS PRIVATIZAÇÕES NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DCN2 de 05/04/1995 - Página 4661
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, ANALISE, EXPERIENCIA, PRIMEIRO MUNDO, EXECUÇÃO, PROGRAMA, PRIVATIZAÇÃO.
  • COMENTARIO, ENTREVISTA, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), MICHAEL MARK DICKERHOF, EMPRESARIO, RELAÇÃO, EXPERIENCIA, IMPLANTAÇÃO, PRIVATIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ALEMANHA, COMPARAÇÃO, PROCESSO, ATUALIDADE, VENDA, EMPRESA ESTATAL, BRASIL.
  • COMENTARIO, ANALISE, EDITORIAL, PERIODICO, THE ECONOMIST, RELAÇÃO, EXECUÇÃO, VENDA, EMPRESA ESTATAL, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, INGLATERRA.
  • DEFESA, ALTERAÇÃO, PROGRAMA, PRIVATIZAÇÃO, BRASIL.

    O SR. GILBERTO MIRANDA (PMDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, de vez que o governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso tem sinalizado, desde o seu primeiro dia, com o firme propósito de retomar o ímpeto do programa de privatizações, julgo oportuno comentar aqui algumas recentes experiências nessa área, vindas do Primeiro Mundo.

    Primeiramente, gostaria de chamar a atenção dos nobres colegas para a entrevista do privatizador-em-chefe das empresas da antiga Alemanha Oriental, o Dr. MICHAEL MARK DICKERHOF, publicada no jornal O Globo do último domingo (26/03). O depoimento desse executivo da Agência Alemã de Privatizações reveste-se para nós, brasileiros, de especial significado, já que foi em nosso País que ele, no período de 1969 a 1990, construiu uma sólida carreira como administrador de empresas à frente de organizações como a Karmann-Ghia, a Voith e a Eternit.

    Em outubro de 1990, um dia depois da queda do Muro de Berlim, esse advogado de 56 anos de idade desembarcou em sua Munique natal com a missão de trabalhar no gigantesco projeto de privatização da finada República Democrática Alemã. Três anos depois, sua agência havia privatizado quatro mil empresas. Isso equivale a dizer que 95% do programa foi cumprido.

    Com base em sua experiência, o dr. DICKERHOF permite-se traçar alguns paralelos e outros tantos contrastes entre as situações da extinta Alemanha Oriental daquele período e o Brasil da atualidade.

    Na rubrica dos "paralelos", Sr. Presidente, Srs. Senadores, o executivo alemão enfatiza a cortina-de-fumaça de ufanismo vazio com que os estatólatras de todos os continentes tentam esconder as mazelas da chamada economia de comando. "Dizia-se", conta o Dr. DICKERHOF, "que a Alemanha Oriental tinha a nona economia do planeta e que seu parque industrial era o mais desenvolvido do bloco socialista, mas, comparando tudo aquilo que eu encontrei com a economia da Alemanha Ocidental, dava dó. Os quadros de pessoal das empresas eram, no mínimo, 30% maiores do que deveriam [...] Isso sem falar nas máquinas e equipamentos que, na maior parte, não passavam de sucata. Resultado: tivemos de liquidar umas 120 empresas, que não tinham a menor viabilidade econômica."

    Já no cômputo dos "contrastes", Sr. Presidente, Srs. Senadores, o Dr. DICKERHOF salienta a razão básica, que a seu ver, permitiu ao programa alemão avançar tanto, ao passo que o nosso, iniciado mais ou menos na mesma época, progrediu tão pouco. Numa palavra: vontade política e social. Em suas próprias palavras, mais uma vez: "Na Alemanha, não havia dúvida a respeito do que devia ser feito por parte do governo, dos partidos políticos, da população em geral e até mesmo dos sindicatos, que são fortes e não olham para o passado. Mais: havia uma lei que obrigava - este era o termo - a privatizar as empresas do lado oriental, e ponto final! [...] "No Brasil", constata o Dr. DICKERHOF, "ainda não existe essa ampla vontade da sociedade. O corporativismo das estatais é grande, as influências políticas idem... tudo isso dificulta." E como dificulta, Sr. Presidente, Srs. Senadores!

    O dr. DICKERHOF, conclui seu depoimento com duas advertências aos brasileiros de boa-vontade que, no governo, no parlamento, na imprensa, na academia, no setor privado e também nos círculos mais esclarecidos do sindicalismo, empenham-se para sensibilizar o conjunto da sociedade com vistas ao inadiável compromisso de retomar e concluir nosso processo de desestatização. Uma delas é, de que o timing é um fator crucial. Referindo-se ao programa de governo que levou o Sr. Fernando Henrique à Presidência da República já em primeiro turno, o Dr. DICKERHOF recomenda: "O Presidente [...] deveria aproveitar o embalo, pois, com o tempo passando, perde-se o estado de graça, o apoio maciço que ele recebeu das urnas, abrindo espaço para as forças contrárias à privatização. "Sinceramente", continua o executivo alemão, "estou preocupado com o tempo que está passando. O governo está avaliando as forças políticas e indo num ritmo mais lento, do que pretendia. Talvez, até, seja o caminho mais prudente. Agora, em minha opinião, o ideal seria tomar as medidas necessárias o mais rápido possível."

    A advertência final do Dr. DICKERHOF, Sr. Presidente, Srs. Senadores, refere-se à anacrônica visão que, entre nós, ainda considera certas estatais como estratégicas a fim de mantê-las sob controle do Estado para todo o sempre. "Para mim", conclui o bem-sucedido privatizador alemão, "não há setores estratégicos. Essa é uma filosofia ultrapassada. Não acho a Petrobrás ou a Eletrobrás empresas estratégicas, por exemplo [...] Se elas forem privatizadas [,ocorrerá uma de duas:] ou os preços de seus produtos vão cair, ou o governo vai arrecadar mais impostos." E convenhamos, Sr. Presidente, Srs. Senadores, trata-se de alternativas igualmente bem-vindas!...

    Nesse particular, eu acrescentaria apenas que, durante sua recente visita ao Brasil, a ex-Primeira Ministra Margareth Thatcher chegou a desconcertar sua audiência com um raciocínio de irrefutável e cristalina simplicidade. De acordo com a dama de ferro, nada mais estratégico que a agricultura, fonte dos alimentos necessários à sobrevivência humana, e, no entanto, uma atividade desenvolvida, na maioria esmagadora dos casos, com base na iniciativa privada ao redor de todo o planeta. Aliás, Sr. Presidente, Srs. Senadores, todas as tentativas de submeter a agricultura a formas estatais de produção e gestão redundaram em retumbantes e trágicos fiascos, como o da antiga União Soviética. Na década de 30, sob Stálin, a coletivização forçada do campo custou a vida de 30 milhões de camponeses; e, mais recentemente, na década de 70, os soviéticos, capazes de projetar seu poderio militar até países tão longínquos como Cuba e Angola, viram-se, não obstante, obrigados a recorrer ao arquiinimigo ianque para abastecer-se de grãos...

    E o segundo conjunto de lições práticas sobre a privatização, Sr. Presidente, Srs. Senadores, nos vem justamente da Inglaterra de Mrs. Thatcher.

    A prestigiosa revista The Economist, em seu número de 11 a 17 de março último, publicou inspirado editorial propondo um balanço "político" de uma década de privatização na Grã-Bretanha. Segundo o editorialista, o governo Conservador do Primeiro-Ministro John Major vive hoje sob o fogo cruzado da oposição trabalhista e da opinião pública, em razão da presente impopularidade da política que, iniciada por sua antecessora, tornar-se-ia um modelo adotado pela maioria dos países dos cinco continentes.

    Como sabemos, Sr. Presidente, Srs. Senadores, as privatizações britânicas concentraram-se nas grandes companhias de serviços públicos (eletricidade, gás, telecomunicações e água). Pois bem, os trabalhistas denunciam os preços excessivos cobrados por essas empresas e reclamam dos altos salários pagos aos seus executivos. A pressão parlamentar tem sido tão estridente que o premiê Major acaba de arquivar seu projeto de desestatização dos Correios. Ao mesmo tempo, os reguladores governamentais, nomeados para fiscalizar o funcionamento desses antigos monopólios estatais já consideram seriamente impor limites à capacidade das empresas de elevar as taxas por esses serviços.

    E, para complicar o quadro, pesquisas de opinião pública têm apontado consistentemente (e aqui passo a citar The Economist) "que não mais de um sexto dos eleitores considera que a privatização do serviço de água tenha sido uma 'coisa boa'; apenas um quarto [desses eleitores] diz o mesmo da venda das empresas de gás e de eletricidade. Cerca de dois terços são favoráveis à reestatização desses serviços. Tão-somente dois quintos do eleitorado aprovam a venda até mesmo da British Telecom [antigo monopólio estatal das telecomunicações], mais de dez anos depois de sua privatização e a despeito da maciça evidência de que esse gigante [...] é agora uma companhia muito melhor do que quando controlada pelo Estado."

    Uma avaliação apressada desses números, Sr. Presidente, Srs. Senadores, levaria a crer que a privatização britânica foi um colossal equívoco. Mas, conforme adverte o editorialista do Economist, os dados requerem uma análise mais sutil. De um lado, é bem possível que o baixo conceito atual das privatizações advenha dos problemas de imagem enfrentados pelo gabinete Conservador em outras áreas de política pública. Cumpre lembrar que, apesar de tudo isso, as alternativas oposicionistas não têm sido capazes de sensibilizar a maioria do eleitorado. E nem mesmo "a perene impopularidade da privatização impediu os Conservadores de vencer as quatro últimas eleições gerais."

    De outro lado, Sr. Presidente, Srs. Senadores, as referidas pressões no sentido de impor controles mais estritos às taxas cobradas pelas ex-estatais de serviços públicos, são, na verdade, fruto de seu próprio sucesso, já que seus lucros advêm de legítimos ganhos de eficiência auferidos desde que elas passaram para o controle da iniciativa privada. São esses mesmos ganhos de produtividade que permitem às empresas pagar melhores salários aos seus executivos e assim ter capacidade para recrutar no mercado de trabalho os profissionais mais competentes e motivados que garantirão os elevados padrões de qualidade no atendimento ao usuário, sem o risco de um retrocesso à cultura da acomodação característica de tantos setores da administração pública no mundo inteiro.

    Tudo isso posto, o editorialista do Economist admite que o processo de privatização britânico teve algumas falhas sérias, duas das quais, Sr. Presidente, Srs. Senadores, podem muito bem servir de alerta aos privatizadores de outros países, inclusive o nosso.

    A primeira dessas falhas prende-se ao que se poderia considerar uma insuficiente "popularização". No diagnóstico do editorialista, "o governo foi acusado de vender algo que pertencia à população como um todo a um seleto grupo de pessoas instruídas de classe média, muitas das quais eleitoras naturais dos Conservadores, por preços de liquidação." Logo em seguida o mesmo autor indica qual teria sido a alternativa mais apropriada: "dar a cada eleitor ou contribuinte um lote gratuito de ações das firmas privatizadas (afinal, elas já eram, teoricamente, de propriedade do grande público). E quanto aos executivos bem pagos colocados à frente dessas empresas, o governo britânico poderia ter achado maneira de garantir, no ato da venda, que os proventos de seus dirigentes se subordinassem a exigentes critérios de desempenho e transparência pública."

    A segunda e última lição, Sr. Presidente, Srs. Senadores, é a de que monopólios privatizados podem ser quase tão inconvenientes quanto os estatais. Somente depois das privatizações, lembra o editorialista do Economist, foi que o governo britânico se empenhou para impor alguma medida de competição nos mercados de telecomunicações, gás e eletricidade. Em sua opinião, essa precaução havia sido anteriormente negligenciada porque o "governo viu na privatização uma fábrica de dinheiro; monopólios sempre alcançam preços mais altos do que firmas operando em mercados competitivos." Ou seja nenhum programa de privatização, por mais sofisticado e eficaz, pode ser encarado como alternativa a uma reforma tributária séria.

    Minha convicção, Sr. Presidente, Srs. Senadores, é de que a privatização é uma excelente solução para o problema do estoque do débito público, mas nunca para o financiamento do seu fluxo. Vender estatais para cobrir despesas correntes é agir como o indivíduo irresponsável que queima patrimônio familiar para pagar as contas do cartão de crédito. Fluxo da dívida pública se controla com uma reforma fiscal abrangente que corte gastos, do lado da despesa, e racionalize a arrecadação, do lado da receita. Peço desculpas aos nobres colegas por estar aqui martelando tamanha obviedade, mas como não se cansava de avisar o grande Nelson Rodrigues, poucas coisas são tão invisíveis e impenetráveis à nossa compreensão cotidiano quanto o "óbvio ululante"...

    Para encerrar, Sr. Presidente, Srs. Senadores, permitam-me resgatar uma poderosa imagem encontrada no depoimento do Dr. DICKERHOF. Da janela de seu escritório na Agência de Privatização, no centro da cidade de Halle, ele notou que mesmo nas altas horas da noite, apesar de circularem vazios, os bondes invariavelmente puxavam reboques. Ele foi a companhia de transportes queixar-se daquele desperdício e lá verificou que os engates estavam completamente enferrujados, não havia como separar os bondes dos reboques. "Mas", celebra o Dr. DICKERHOF, "nossa insistência foi tanta que as autoridades resolveram serrar os engates."

    É esse tipo de determinação que está ainda faltando a uma boa parcela da elite brasileira - dentro e fora do governo! Oxalá encontremos todos em nossas reservas de sadio patriotismo, racionalidade econômica e senso de compromisso para com as gerações futuras, a coragem necessária para romper o nó górdio da estatização que há décadas amarra o desenvolvimento de nosso País.

    Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 05/04/1995 - Página 4661