Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES ACERCA DO FENOMENO DA GLOBALIZAÇÃO DA ECONOMIA, ESPECIALMENTE SUAS INFLUENCIAS NA INSTABILIDADE DO MERCADO FINANCEIRO INTERNACIONAL.

Autor
Humberto Lucena (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Humberto Coutinho de Lucena
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. MINISTERIO DA FAZENDA (MF), REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES.:
  • CONSIDERAÇÕES ACERCA DO FENOMENO DA GLOBALIZAÇÃO DA ECONOMIA, ESPECIALMENTE SUAS INFLUENCIAS NA INSTABILIDADE DO MERCADO FINANCEIRO INTERNACIONAL.
Publicação
Publicação no DCN2 de 06/04/1995 - Página 4701
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. MINISTERIO DA FAZENDA (MF), REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES.
Indexação
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, FINANÇAS, AMBITO INTERNACIONAL, EXIGENCIA, OBSERVAÇÃO, PROCESSO, ECONOMIA, MUNDO, MOVIMENTAÇÃO, CAPITALIZAÇÃO, PROVOCAÇÃO, AUSENCIA, ESTABILIDADE, MERCADO FINANCEIRO, PAIS EM DESENVOLVIMENTO, ANALOGIA, BRASIL.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, JORNAL DA TARDE, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ASSUNTO, TECNOLOGIA, MERCADO FINANCEIRO, AMBITO INTERNACIONAL, MOTIVO, GRUPO, INICIATIVA PRIVADA, PROVOCAÇÃO, QUEBRA, FALENCIA, RELEVANCIA, INSTITUIÇÃO FINANCEIRA.
  • COMENTARIO, PAIS ESTRANGEIRO, MEXICO, APLICAÇÃO FINANCEIRA, CAPITAL ESTRANGEIRO, AUSENCIA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, NATUREZA SOCIAL, ANALOGIA, BRASIL, ESFORÇO, GRUPO, ECONOMIA, GOVERNO, PROTEÇÃO, PAIS, RESULTADO, CRISE, FINANÇAS, PREFERENCIA, MODELO POLITICO, SOCIALIZAÇÃO, DEMOCRACIA, PENSAMENTO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CRITICA, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), NEGAÇÃO, LIBERALISMO.
  • COMENTARIO, REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), AUTORIA, ORADOR, SOLICITAÇÃO, ESCLARECIMENTOS, SITUAÇÃO, RESERVAS CAMBIAIS.
  • DEFESA, RELEVANCIA, PROTEÇÃO, ESTABILIZAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL, PLANO, REAL, NECESSIDADE, ESCLARECIMENTOS, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, EDUCAÇÃO, POVO, OBJETIVO, MODERNIZAÇÃO, PAIS.
  • DEFESA, NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, ECONOMIA, PAIS, GARANTIA, FUTURO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL.

O SR. HUMBERTO LUCENA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como havia anunciado no meu pronunciamento anterior, devo deter-me hoje na análise da atual situação financeira internacional, que, a meu ver, em face de seus aspectos críticos, está a exigir uma nova reflexão sobre o processo da chamada globalização da economia, o qual, particularmente após o término da guerra fria, com o fim da ex-União Soviética e a desativação das forças do Pacto de Varsóvia, ganhou corpo, acentuando, por parte do capitalismo, a busca de um novo ordenamento em escala mundial.

Enfrenta-se hoje em dia uma grande movimentação de capitais que, através de uma celeridade e volatilidade inéditas, terminaram por colocar em xeque todo o sistema financeiro mundial, não respeitando, como tem se visto nos últimos dez anos, qualquer nação. De tal sorte que chegam mesmo a promover a subversão do próprio conceito de Estado-Nação, plasmado desde os primórdios do capitalismo. E, dessa forma, vêm tendo um papel particularmente controvertido e preocupante no trato com os mercados financeiros dos países periféricos, os mercados emergentes, entre os quais está o Brasil, pois sua atuação vem contribuindo fortemente para desestabilizar as moedas nacionais.

Na verdade, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, repetindo as palavras do jornalista Rolf Kuntz, expressas em artigo publicado no dia 21 de março último, no Jornal da Tarde, de São Paulo, esses capitais de caráter especulativo, repito, acabaram por transformar o mercado financeiro internacional em um verdadeiro megacassino, onde as relações financeiras podem, hoje, por força dos grandes avanços tecnológicos, ser infinitamente agilizadas e avultadas. Tanto assim é, que grupos privados, e mesmo pessoas isoladas, podem desencadear a débâcle de instituições bancárias importantes, como foi o caso recente do tradicional Banco Barings, da Inglaterra, que abalou a própria Coroa britânica.

Enfim, uma espécie de feição neurótica do referido fenômeno da globalização, a dinamizar de modo frenético um fluxo financeiro, que, segundo o BIS, o Banco Central Internacional, com sede na Suíça, gira em torno de 13 trilhões de dólares, em busca de lucros cada vez maiores, e conseguindo-os, à medida que, a cada dia, desenvolvem formas novas, e extremamente sofisticadas, de defesa contra os riscos normais dos mercados em que atuam.

Seria, então, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o caso de se questionar qual a razão de vários países terem buscado tão avidamente recolher esses capitais, abrindo-lhes as portas de seus mercados, para, hoje em dia, em maior ou menor medida, se encontrarem com suas economias praticamente balizadas pela sua própria movimentação, como bem o demonstrou claramente a economia mexicana, a partir de dezembro do ano passado.

Na verdade, como é natural, esses capitais especulativos não trouxeram só mazelas. Afinal, foi através deles que milhares de empresas em todo o mundo, impossibilitadas de captar recursos de outro modo nos mercados de Bolsas, puderam capitalizar-se. O que contribuiu evidentemente para que se tivesse uma certa dinamização das economias dos seus respectivos países.

O problema é que, com igual ou maior intensidade, eles também se encarregaram de gerar grandes problemas e não apenas aos países menos desenvolvidos. Os bancos centrais das nações capitalistas adiantadas, do mesmo modo, têm-se visto às voltas com suas manobras, sem que delas pudesse escapar mesmo os Estados Unidos, cuja moeda foi levada ao córner da desvalorização, frente ao marco e ao iene, em níveis recordes, da ordem de 59% e 66%, respectivamente, no início do mês de março último.

Logicamente, é preciso compreender em que contexto isso se deu, para se avaliar melhor todo esse processo. Com efeito, nos anos 80, quando a questão era a falta de liquidez no mercado internacional e, conseqüentemente o dólar se encontrava fortemente valorizado, esses países, cujas dívidas externas eram significativas, entraram em profunda crise, do que nós brasileiros temos sólido conhecimento. Foi a época da moratória mexicana, a partir da qual esses países passaram a obrigatoriamente perseguir continuados superávits comerciais, para tornar viáveis os pagamentos dos serviços dessas dívidas, com todas as dificuldades internas daí naturalmente decorrentes.

Já no início da década de 90, deu-se o inverso. Com a ocorrência de um excessivo volume de liquidez no mercado mundial, os países referidos, todos carentes de recursos para empreender seus programas de desenvolvimento, viram-se transformados, como diz a economista Maria da Conceição Tavares, em "absorvedores forçados de poupança externa, qualquer que fosse a sua situação de balanço de pagamentos ou a sua capacidade real de absorção de investimento". Mas, seguramente, fizeram isso com base na elevação acentuada das taxas de juros internos, vis a vis, as taxas internacionais sabidamente em níveis bem inferiores naquele momento.

O México, como todos sabemos, foi justamente o país que se tornou o paradigma desse tipo de ajuste, sendo, por isso, louvado nos quatro cantos do mundo. E ao esmerar-se em seguir as indicações do FMI e do Banco Mundial, desenvolveu uma tremenda dependência desses capitais de curto prazo para poder financiar o seu consumo. Algum tempo depois, revelou-se claramente que a propalada reforma estrutural que teria empreendido, sob o aval daquelas instituições multilaterais, e que seria o real motivo dos elogios, na verdade, não tinha sido dirigida para solucionar efetivamente os graves problemas do país.

Com efeito, segundo a revista Exame, de 29 de março último, aquele país registrou, entre 1992 e 1994, um consumo adicional, ou seja, acima de sua real capacidade de absorção de importações, da ordem de 70 bilhões de dólares, financiados pelos capitais internacionais. E, então, com esses dólares sobrando em sua economia, o México viu valorizar o peso mexicano frente ao dólar, de tal modo que, de repente, tinha-se a impressão de que aquele país estava no melhor dos mundos.

O que, como disse antes, se revelou inteiramente falso. E, com certeza, uma análise mais detida teria logo demonstrado que aqueles capitais, ao invés de financiarem a modernização, estavam, isso sim, propiciando muito mais o consumo supérfluo e ostentatório das camadas privilegiadas da sociedade mexicana. Tendo sido bastante que as taxas de juros americanas voltassem a subir, indicando a possibilidade de redução de financiamentos dos gastos da economia Asteca, para que aqueles capitais batessem em retirada, provocando não só o desastre mexicano, mas uma reação em cadeia, negativa, em particular, sobre os demais mercados latino-americanos.

E a mim me parece, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que essa síntese dispensa a necessidade de demorar-me sobre o forte impacto desse processo de abertura aos capitais internacionais sobre outras economias, pelo que abstenho-me neste momento de deter-me demoradamente sobre o quadro econômico Argentino, por exemplo, ou, ainda, sobre as condições da Venezuela, que, como todos sabem, vem há anos lutando para vencer seus graves problemas, adotando, apesar de fortes reações da sociedade venezuelana, todas as terapias ortodoxas que lhe foram recomendadas pelas instituições multilaterais, mas sem qualquer êxito maior, no que tange à solução de sua grave crise social e política.

O que quero mais ressaltar, pelo que tem de essencial, é justamente esse fato, fundamental no meu entender, de até agora, em que pese todos esses ajustes, não se ter conseguido resolver o mais importante, isto é, atacar e solucionar, de fato, o preocupante quadro social desses países. Mesmo compreendendo as fortes diferenças que o nosso País guarda em relação a eles, me faz temer que os efeitos danosos de ajustes desse tipo também venham a impedir que resolvamos, no tempo requerido, os nossos próprios problemas de distribuição de renda e outros, não menos negativos, dela decorrentes.

É bem verdade, devo dizer, que, para nossa fortuna, o Brasil chegou por último nesse processo. Está claro para mim que agora a equipe econômica do Governo já pôde sacar pertinentemente todas as lições advindas dessa crise mundial e corretamente tem procurado evitar que sigamos à risca o mesmo modelo de inspiração neoliberal, mais do que social-democrata, como seria de se esperar, fato que, no meu entender, ficou claramente evidenciado pelo Senhor Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, em sua recente visita ao Chile.

Naquela oportunidade, em que buscou estabelecer bases de maior aproximação econômica com aquele país andino, cujos cuidados para não deixar que os capitais de curto prazo viessem a prejudicá-lo fortemente, que são bem conhecidos, Sua Excelência, com propriedade, alertou para a necessidade de que rapidamente se encontre uma nova fórmula de controle do sistema financeiro mundial. Tarefa, segundo o Presidente Fernando Henrique Cardoso, até aqui negligenciada pelo próprio FMI, que não mais estaria cumprindo com os objetivos estabelecidos na Conferência de Bretton Woods, em 1944.

Entretanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não podemos afirmar peremptoriamente que estamos totalmente a salvo dos reflexos negativos dessa situação sui generis do mercado financeiro internacional. Informações oficiosas, por exemplo, dão conta de que pouco mais da metade de nossas reservas internacionais constitui-se hoje desse capital especulativo. Capital esse que potencialmente está pronto para fugir de nossa área diante de outras eventuais mudanças que o mercado mundial possa vir a apresentar.

São, segundo essas fontes não oficiais, cerca de 16 bilhões de dólares de um total de 34 bilhões de dólares, que compõem o montante de nossas reservas atuais, nas mãos ágeis e calculistas de especuladores internacionais. Informação essa, aliás, que estou na expectativa de ver ou não confirmada, no momento em que receber resposta oficial a requerimento de minha autoria nesse sentido, recentemente apresentado ao Senado Federal, dirigido ao Sr. Ministro da Fazenda.

No entanto, confirme-se ou não essa informação, quanto ao montante preciso desses capitais na composição de nossas reservas, a realidade é que eles têm sabidamente um peso razoável nessa área. Fato que explica e justifica a preocupação governamental em intensificar momentaneamente as restrições às importações, ao aumentar de 32% para 70% as alíquotas dos impostos incidentes sobre cerca de 109 produtos de nossa pauta de importados, entre eles os automóveis. Pois, à medida em que começamos a enfrentar seguidos e fortes déficits em nossa balança comercial, como foi o caso do recorde de 1,095 bilhão de dólares de fevereiro - e já, em março, 900 bilhões de dólares -, aumentava ainda mais a probabilidade de que uma grande revoada de capitais, nos colocasse diante de grave perigo econômico-financeiro, como foi o caso do México.

Enfim, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, toda essa intervenção, com que dou seqüência a meu pronunciamento anterior, através do qual me pautei por enfatizar a importância de defendermos a estabilização econômica, via Plano Real, visa reforçar a necessidade de termos esclarecidos os novos rumos de nossa política econômica.

Não se trata, evidentemente, e nisso sou enfático, de que entendo que esses rumos devem ser essencialmente diferentes dos que foram originalmente traçados pelo Governo Fernando Henrique Cardoso, mas, objetivamente, para que tenhamos claro que o nosso País não tem por que seguir os mesmos caminhos amargurados dos nossos parceiros emergentes, o México e a Argentina.

Sem dúvida, não deve passar despercebido ao Governo, por exemplo, a tarefa fundamental e inadiável de que nosso povo avance em sua base educacional. Nesse sentido, temos hoje diante de nós o desafio de ter de superar em 10 anos o que países, como a Coréia do Sul, levaram 30 anos para concluir, exemplo tantas vezes lembrado, neste Plenário, pelo nosso ilustre Senador João Calmon, ontem homenageado nesta Casa.

Sabemos o quanto isso representa de importante para que possamos almejar a decantada modernidade. Afinal, o conhecimento é hoje o fator inarredável desse processo, em que a competitividade mundial se faz presente de forma cada vez mais seletiva e implacável. Para não me delongar em considerações óbvias a respeito dos aspectos concernentes à saúde, aos transportes, à necessidade de maior geração de emprego e renda deste País.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não devemos querer para o nosso povo o destino que os povos mexicano e argentino, por exemplo, estão a arrostar hoje em dia. No México, com efeito, já neste ano, teremos mais de 700 mil desempregados. Milhares de empresas, sobretudo micro, pequenas e médias, terão suas portas fechadas. E, apesar de toda a recessão, o País terá que enfrentar um enorme aumento da inflação. Sem falar no pior de tudo, que é o fato de aquele País ter sido obrigado a colocar o seu histórico e mais importante patrimônio econômico, que é a PEMEX, sua empresa petrolífera, à mercê dos seus credores, em uma demonstração cabal de premente perda de autonomia e de soberania.

Na Argentina, por seu turno, as coisas não são diferentes. O caminho também é o da recessão, depois que, em decorrência da crise mexicana, viu-se nosso vizinho platino às voltas com um déficit recorde na sua balança comercial, de 5,8 bilhões de dólares, ao que se somaram 10,4 bilhões de dólares referentes ao déficit em conta corrente.

Situação que levou o Ministro Cavallo a apelar dramaticamente ao Congresso Argentino para que aprovasse de imediato, e sem emendas, um programa radical de aumento de impostos de consumo, de alíquotas de importação, encargos patronais, cortes em benefícios às exportações, arrocho salarial dos funcionários públicos e redução do valor das pensões e das aposentadorias.

A Argentina está agora na expectativa, do mesmo modo que o México, de que o FMI, o BIRD, o Banco Mundial venham em seu socorro, devendo-se acrescentar que o país tem hoje cerca de 2,6 milhões de pessoas desempregadas e subempregadas.

Concretamente, em sã consciência, nenhum de nós poderá querer que o Brasil caia também nessa verdadeira armadilha. E tenho certeza de que não cairá. O País conta hoje com uma economia produtiva pujante, que vem crescendo, apesar de todas as adversidades, desde outubro de 1992, e consolidando ainda mais esse processo de crescimento, à medida que o Plano Real pôde trazer perspectivas de concreta estabilização monetária para o País. O Presidente Fernando Henrique Cardoso, com a sua visão de estadista, deve estar vigilante, no sentido de evitar novos acidentes de percurso no processo de estabilização da nossa economia, que tem por objetivo final melhorar, sobretudo, as condições de vida da imensa maioria de nossa gente, constituída de trabalhadores urbanos e rurais.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não obstante algumas reações em contrário, a sociedade brasileira sabe que há que se implementar o mais rápido possível as mudanças estruturais do País, principalmente as de cunho econômico, para podermos aspirar a um futuro de crescimento e de pleno desenvolvimento sócio-econômico, sem quebra da soberania nacional.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 06/04/1995 - Página 4701