Discurso no Senado Federal

CONTRARIO A PROPOSTA DE PRIVATIZAÇÃO DA TELEBRAS E PETROBRAS.

Autor
Odacir Soares (PFL - Partido da Frente Liberal/RO)
Nome completo: Odacir Soares Rodrigues
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • CONTRARIO A PROPOSTA DE PRIVATIZAÇÃO DA TELEBRAS E PETROBRAS.
Publicação
Publicação no DCN2 de 30/03/1995 - Página 4247
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, LOBBY, DEFESA, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA ESTATAL, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, QUEBRA, MONOPOLIO ESTATAL, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), TELECOMUNICAÇÕES BRASILEIRAS S/A (TELEBRAS), PREJUIZO, INTERESSE NACIONAL.
  • QUESTIONAMENTO, TESE, FUNDAMENTAÇÃO, ENTIDADE, DEFESA, PRIVATIZAÇÃO, MANIPULAÇÃO, DADOS, DIVULGAÇÃO, ATRASO, INEFICACIA, EMPRESA ESTATAL, INCOMPETENCIA, ESTADO, DIREÇÃO, EMPRESA, DEMONSTRAÇÃO, CAPACIDADE, MODERNIZAÇÃO, EMPRESA PRIVADA.
  • COMENTARIO, POSIÇÃO, MARGARETH THATCHER, MINISTRO, PAIS ESTRANGEIRO, INGLATERRA, CRITICA, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA ESTRANGEIRA, TELECOMUNICAÇÃO, MOTIVO, REDUÇÃO, QUALIDADE, SERVIÇO, EXCESSO, AUMENTO, TARIFAS.

O SR. ODACIR SOARES (PFL-RO. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, dentre as conseqüências mais perversas da chamada década perdida, que no decênio de 80, deixou-nos sob a traumatizante impressão de malogro do projeto brasileiro de desenvolvimento, eu apontaria notadamente estas duas: o declínio de alguns empreendimentos que conheceram inquestionável sucesso nas décadas anteriores e a perda da auto-estima - estado de ânimo, até então, sempre presente na alma de nosso povo.

O colapso de tais empreendimentos - cito, em especial os ligados à produção de petróleo, à expansão e modernização das telecomunicações e à ampliação e melhoria de nossa malha viária - conjugado com as múltiplas seqüelas da crise que se precipitou sobre o País, a um só tempo, econômica, política e societária, acabaram por provocar enorme declínio da nossa qualidade de vida.

Já, a perda da auto-estima culminou num fenômeno mais deplorável ainda, que eu denominaria de desistência do Brasil. Refiro-me a alguns milhões de brasileiros que, perplexos com as calamidades que sobre nós se abateram, simplesmente, desistiram do Brasil, abandonando o seu território, renunciando a própria nacionalidade e adotando identidade estrangeira.

Refiro-me, outrossim, a tantos outros brasileiros que, muito embora tenham permanecido no País, dele também desistiram, psíquica e culturalmente, pondo em prática o mais desastroso escapismo cívico-cultural ocorrido neste país.

Com efeito, sem ânimo para encarar e tentar reverter a dura realidade que enfrentávamos, tais brasileiros descreram de sua Pátria, passaram a escarnecer sua cultura e sua gente e, olhos voltados para as nações mais prósperas do Primeiro-Mundo, puseram-se a copiar seus padrões consumistas, como se tal fosse a afirmação suprema da modernidade.

Essa foi e tem sido a hora da exibição plena dos velhos contrastes e das contradições já tão antigas da vida brasileira. Do lado de cá, a parcela sofrida e majoritária da Nação, a debater-se na luta por sobreviver à crise e por superá-la. Do lado de lá, a parcela minoritária dos privilegiados, em peregrinação pelos grandes santuários da prosperidade e de consumismo do Hemisfério Norte, buscando retemperar-se das agruras da vida vivida em nosso País.

É quando, sacolas às mãos, eles se põem a abarrotá-las com os gadgets eletrônicos e outras comodidades largamente oferecidas pelos países bafejados pela globalização da economia e regidos pelas arejadas regras do livre mercado.

É quando, também, um ou outro desses desafogados e eternos itinerantes, cedendo a uma atávica tendência nacional - herança dos tempos coloniais - passa da importação de coisas à importação de idéias.

Cultores medíocres da criatividade, mais propensos a adotar coisas já feitas do que a fazer coisas novas, além do mais, pouco enraizados na própria cultura, não lhes custa nada mudar de idéias, trocando-as pelos modismos mais recentes com que se deparam em suas andanças pelo Primeiro Mundo. Pouco se lhes dá que a moda não seja tão nova assim. A embalagem sendo nova, e renomada a etiqueta que a envolve, eles não hesitam em incluí-la em sua bagagem, para exibi-la e recomendá-la aos demais cultores da modernidade.

E foi graças a isso, que deu entrada neste país o vírus recalcitrante do neoliberalismo radical - aquele que leva o princípio da economia de mercado às últimas conseqüências, transformando-o em dogma de fé e buscando impor sua aplicação, sem nenhuma consideração de tempo e lugar e sem admitir nem contenção alguma, nem freio moderador de qualquer espécie.

Como ideologia política ou como receituário de prosperidade econômica, ele restringe ao extremo os papéis desenvolvidos pelo Estado, seja na produção de bens de interesse estratégico, seja na prestação de serviços públicos, seja no controle da atividade econômica, seja na regulação das relações do Capital com o Trabalho.

Nessa hipertrofia do laissez faire, avulta a recomendação da cedência indiscriminada das empresas geridas pelo Estado, como passo decisivo e indispensável, que toda a nação deve dar, para que logre galgar o pórtico quase inacessível da modernidade.

É, também por aí, que se insinua, tentando arrebatar nossa adesão e fazer nossa cabeça, o lobby poderoso em favor da privatização das empresas estatais brasileiras, com ênfase toda especial na quebra do monopólio estatal executado pela Petrobrás e pela Telebrás.

Esse lobby, que segundo a revista Veja, no caso específico da Telebrás, é encabeçado pelo IBDT (Instituto Brasileiro para o Desenvolvimento das Telecomunicações), entidade que congrega principalmente as empresas fabricantes de centrais telefônicas, movimenta bilhões de dólares e assume certas características que merecem apontadas.

Ele não sustenta uma tese, move, antes, uma guerra impiedosa, visando a arrebatar a fatia mais alentada do mercado das comunicações, estimado em bilhões de dólares.

Ele é virulento no ataque à empresa executora do monopólio, a seus técnicos e a seus dirigentes, negando-lhes a competência, os méritos do passado e do presente e assoberbando os seus malogros, no futuro. Trabalhando quase sempre com meias verdades e com dados manipulados, ele doura a pílula da privatização, enquanto carrega as tintas na descrição da propalada ineficiência da Telebrás.

Não dá ensejo à réplica dos defensores da empresa; quando, porém, estes se manifestam, seus argumentos são tachados de falaciosos e seus formuladores inquinados de agentes do execrável corporativismo.

Ele faz pouco da memória e da inteligência do povo, quando escamoteia a lembrança das boas performances da Telebrás e, sobretudo, quando reduz o debate a um posicionamento maniqueísta em que a prosperidade e a modernização são frutos naturais da empresa privada, enquanto que o atraso e a ineficiência são os resultados fatais da empresa estatal.

Assim, a opinião pública é obstada a posicionar-se com maturidade frente à complexidade do problema, decompondo-o primeiro, para melhor abarcar todas as suas dimensões e relativizando, em seguida, a eficácia das soluções propostas, de sorte a atingir o entendimento de que o receituário da privatização não pode ser aplicado identicamente a todas a empresas de qualquer país, em qualquer momento e a despeito de quaisquer situações peculiares.

Nesse clima de embate de interesses mais do que de debate de soluções, a opinião pública é, também, impedida de discernir as soluções de real interesse do País, daquelas que só representam interesses de grupos, não raro, alheios ou até adversos aos interesses nacionais.

Graças, por fim, à ruidosa cibernose provocada pela campanha lobista, o cidadão brasileiro e seus representantes são obstados em sua reflexão sobre o verdadeiro alcance da desestatização indiscriminada de empresas. Tal reflexão seria mais frutífera se lhes fosse permitido associar o postulado privatizante a outros postulados oriundos dos países ultraliberais, em seus domínios, mas dominadores, no domínio alheio.

Com efeito, não se pode deixar de tomar em conta as afinidades entre a lógica da privatização, fundada na premissa da incompetência do Estado para gerir suas empresas, devendo este, portanto, cedê-las a empresas privadas que tenham essa competência e outras lógicas que fundamentam a nova ordem mundial. Segundo estas, por exemplo, também existem povos competentes e povos incompetentes.

Competentes ou incompetentes para gerir os recursos naturais que detêm, para preservar o meio ambiente em que vivem, para administrar sua taxa de natalidade, para produzir e para integrar-se na economia globalizada.

Para os povos considerados privados dessas competências básicas, é que vem sendo engendrados, nos países ricos, os postulados da soberania relativa, da distinção entre bens privativos de cada povo (os que se assentam no solo) e bens que constituem patrimônio da humanidade (os que se escondem no sub-solo). Para esses povos, inclusive, é que as Nações Unidas - entidade cada dia mais subordinada ao predomínio das grandes potências - urdiu e vem financiando o polêmico e hediondo plano de controle populacional, do qual o aborto e a esterilização em massa, por sua inquestionável eficácia, constituem os métodos mais largamente recomendados e aplicados.

O que se intenta é reduzir se não exterminar, a médio e longo prazos, os povos ditos incompetentes, a fim de que os autodenominados povos eugênicos e competentes, só estes, possam se apropriar dos bens naturais que aqueles detêm e dos quais não sabem fazer o melhor uso, dando-lhes, aí sim, a melhor rentabilidade sem poluir os ares do mundo.

Feitas essas associações, a opinião pública não tardaria a compreender que a campanha de pressões privatizantes comporta cogitações bem mais complicantes do que a quebra dos monopólios erigida em fator condicionante do ingresso do Brasil no clube privé dos países prósperos.

De minha parte, Sr. Presidente e Srs. Senadores, fugindo à crença compulsiva nas virtudes miraculosas das privatizações indiscriminadas, longe de aceitar a inexorabilidade da queda dos monopólios da Petrobrás e da Telebrás, volto a advogar, frente ao problema, a substituição do embate pelo debate, o abandono das pressões, que devem ceder lugar à postura cautelosa e equilibrada dos que se apegam ao exame exaustivo de todos os ângulos e dimensões do problema, sem nunca perder de vista que a única consideração que se impõe é a ditada pelos interesses reais e permanentes da Nação.

Dentro dessa linha de cautelas, agora mais do que nunca, recomendada pelos abalos que andaram golpeando as economias de países que pareciam galopar sem tropeços rumo à prosperidade, tangidos pelo fervor ultraliberal, dentro dessa linha, repito, seria extremamente salutar que nos entregássemos ao saudável exercício da memória nacional.

Veríamos, então, voltarem à tona os tempos folclóricos do Brasil das patacas e dos tostões, quando nossa economia caminhava, a passo de cágado, tendo suas necessidades de transporte, de energia elétrica, de combustíveis fósseis e minerais, de telecomunicações, de navegação, de serviços urbanos e outras mais, atendidas quase que exclusivamente por prestigiosas empresas privadas internacionais.

Os que viram hão de se recordar que tais serviços eram também folclóricos e ineficientes, mal contribuindo para tocar o Brasil pré-industrial. Este, de resto, nunca teria atingido o estágio de industrialização atual, se não tivesse criado as suas Companhias Siderúrgicas, as suas "Petrossaurus e Telessaurus".

Também, repontariam na memória os tempos em que a demanda nacional de medicamentos era atendida por razoável e eficiente indústria nativa.

Adquirida esta pelos grandes laboratórios multinacionais, é pertinente que se indague que vantagens maiores trouxe essa troca para o consumidor brasileiro, sabendo-se, como se sabe, que os oligopólios constituídos por tais laboratórios, detêm a liderança da pressão inflacionária, além de figurarem como campeões do desabastecimento de produtos de interesse vital para os consumidores, sempre que, contrariando esforços de nosso reajuste econômico, intentam impor ao mercado consumidor suas desmedidas elevações de preços.

A par desse exercício de memorização, seriam também proveitosos os exercícios de acuidade comparativa. Por exemplo, muito nos seria dado a aprender com as vicissitudes enfrentadas pelos consumidores de países que, precipitadamente, adotaram a fórmula miraculosa das privatizações indiscriminadas.

Deixando de lado os casos já bastante conhecidos do México e da Argentina, limitemo-nos a evocar o caso da Inglaterra, onde a própria Margareth Tatcher, arauto inconteste do receituário privatizante, admitiu estar arrependida de ter privatizado a empresa estatal britânica de telecomunicações, simplesmente porque, depois disso, a qualidade dos serviços piorou e as tarifas elevaram-se excessivamente.

Nesse reparo, aliás, a ilustre "Dama de Ferro" é secundada pela advertência do The Economist que, segundo acabo de ler em Rubem de Azevedo Lima, admitiu que as privatizações são impopulares na Inglaterra e aconselhou os outros países a privatizarem com cautela, pois tal prática ajuda mais aos detentores de ações de ex-estatais do que os consumidores.

Altamente recomendável seria, também, o exercício de audiência ou, melhor dizendo, de ouvidoria dos neutros e dos não-implicados diretamente no problema.

Foi o que fiz, debruçando-me sobre a revista Tiers-Monde, na qual, em exaustiva e competente análise do problema, Anne-Marie Delaunay Maculan, afirma textualmente:

"Os resultados esperados e as modalidades possíveis de privatização deixam um certo número de questões não resolvidas. Fishlow (1990) e Naukani (1990) consideram que as experiências do Chile ou de certos países da Ásia não são convincentes. Eles põem em dúvida o caráter quase sempre miraculoso atribuído à privatização para resolver todos os problemas, o que efetivamente, marca o tom geral do debate em curso no Brasil".

(Processus de Privatisation et Modernisation des Telecommunications au Brésil, Anne-Marie Delaunay Maculan, Revue Tiers-Monde, nº 138, Avril-Juin 1994).

Sr. Presidente, Srs. Senadores,

Para não mais me alongar, adianto as principais conclusões que vou extraindo do tumultuado debate sobre estatais e privatizações.

Não acredito numa incompetência intrínseca do Estado para gerir seus empreendimentos estratégicos. Se isso fosse verdade, faleceria, também, ao Estado a desejável competência, para administrar a educação, prover o abastecimento, suprir a saúde, promover a ciência e a tecnologia, regular o trabalho e a produção, administrar a justiça e zelar pela segurança e bem-estar de seus cidadãos.

Os impasses que comprometem a eficiência da Petrobrás e da Telebrás têm suas causas convergindo para os mesmos fatores que andam a determinar o impasse atual do Brasil, na totalidade de suas instituições.

Nesse sentido, a Telebrás é a cara do Brasil, como o Brasil é a cara dos brasileiros, todos parecendo ter perdido o rumo de sua destinação e a determinação de seus ideais, no execrando decênio de 80.

Não se resolverá, quero crer, o impasse da Telebrás ou da Petrobrás, mudando-as de mãos, como não se resolverá o impasse do Brasil, abrindo mão de sua soberania, como também, não se logrará sanar as frustrações dos brasileiros pelo despojamento de sua identidade cultural.

A salvação não vem de fora. O melhor remédio não deriva do receituário alheio, mas há de ser aviado no laboratório da criatividade nacional.

A providência mais urgente para o Brasil contemporâneo, é um banho geral de cidadania, é uma imersão prolongada nas águas salvíficas do civismo, para que delas emerja uma nação recuperada em sua auto-estima, confirmada em sua identidade cultural, e revigorada no cultivo dos valores, cujo abandono, tem determinado, se não a falência, pelo menos o desgoverno geral do País.

É o que penso, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 30/03/1995 - Página 4247