Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE A POLEMICA QUESTÃO DA MAIORIDADE PENAL.

Autor
João França (PP - Partido Progressista/RR)
Nome completo: João França Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO PENAL.:
  • REFLEXÕES SOBRE A POLEMICA QUESTÃO DA MAIORIDADE PENAL.
Publicação
Publicação no DCN2 de 30/03/1995 - Página 4245
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO PENAL.
Indexação
  • ANALISE, NECESSIDADE, REDUÇÃO, IDADE, IMPUTAÇÃO, RESPONSABILIDADE PENAL, MOTIVO, AUMENTO, VIOLENCIA, CRIME, ASSALTO, HOMICIDIO, RESPONSABILIDADE, MENOR.
  • REFERENCIA, CRIME, OCORRENCIA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), PUBLICAÇÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, ISTOE SENHOR, RELAÇÃO, AUMENTO, HOMICIDIO, RESPONSABILIDADE, MENOR, REVOLTA, POPULAÇÃO.
  • DEFESA, NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, DEFINIÇÃO, MAIORIDADE, RESPONSABILIDADE PENAL.

           O SR. JOÃO FRANÇA (PP-RR. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tratarei hoje de um assunto polêmico. As divergências a seu respeito não ocorrem apenas em nossa época. Remontam há séculos e permanecem até nosso tempo. Trata-se da questão da maioridade penal.

           Já se discutia, entre os jurisconsultos romanos, o aspecto do "discernimento" e suas relações com a idade dos delinqüentes. Segundo a tendência da época, a idade cronológica não era um fator tão decisivo para a teoria da culpabilidade quanto o era a maturidade sexual. Assim, deveriam receber um tratamento especial da justiça os impúberes. Esse tratamento diferenciado se traduzia em atenuantes de penas para os delitos praticados pelos impúberes. A primeira autoridade a fixar uma idade cronológica limite para a maioridade penal foi o imperador Justiniano. Tomou ele os catorze anos como a idade final da fase impúbere, para as pessoas do sexo masculino.

           Ao longo da história dos povos, foram muito variáveis os critérios acerca da maioridade penal, havendo registros de condenação de crianças de tenra idade.

           A verdade é que a noção de "discernimento" e de entendimento dos fatos sempre foi um critério pouco preciso e seguro para a imputação de penas, ficando sujeito às faculdades pessoais dos juízes e julgadores.

           Mas verdade também é que as sociedades modernas estão tendo de repensar o limite de maioridade fixado nas leis, diante do aumento assustador de casos gravosos nos quais participam como infratores crianças e adolescentes.

           Muitas vezes, Sr. Presidente, a força da violência é tão grande que temos dificuldade em acreditar que foram os crimes, os assaltos, os assassinatos praticados por menores de idade. A imagem que temos de uma criança ou de um adolescente choca-se brutalmente com as cenas que vemos descritas nos noticiários policiais ou exibidas pela televisão. Serão mesmo meninos de dezessete, dezesseis, quinze anos, e até menos, os participantes ou responsáveis por atos de tamanha gravidade?

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores:

           Lembro-me de um mês particularmente negro para a população da cidade de São Paulo. As ocorrências de assassinatos praticados por menores verificou-se com tal intensidade e tamanha violência que apavorou toda a sociedade.

           Isto se deu no início de 1992, e mereceu reportagem da revista Isto É - Senhor, na edição de quatro de março do mesmo ano.

           Tomo a liberdade de enunciar alguns desses crimes, para se avaliar melhor o que pode significar uma arma na mão de um menor infrator.

           No dia doze de fevereiro do referido ano de 1992, o médico Sérgio Pompéia Ramos de Souza, cinqüenta e cinco anos, diretor do Centro Médico do DETRAN de São Paulo, foi retirado de sua casa, juntamente com um filho, por dois meninos armados. Ao passar defronte de um posto do Corpo de Bombeiros, o médico tentou reagir ao assalto. Foi morto com um tiro de um dos garotos. Sabe-se que os assaltantes tinham idade em torno de dez anos. O filho do médico ouviu do garoto que atirou no pai uma frase que merece nossa atenção. Disse ele: "Se a polícia me pegar eu fico três dias na Febem e volto para a rua".

           No dia vinte e quatro do mesmo mês, o vigia Hilto Pereira dos Santos, quarenta e dois anos, foi morto ao impedir que um adolescente roubasse a agência bancária em que trabalhava no Morumbi. O assaltante não tinha mais de dezesseis anos.

           No mesmo mês, Irineu de Oliveira levou um tiro dentro do carro porque não entregou o relógio a dois menores. Nesse mesmo dia, três garotos mataram o chefe de segurança Ernesto Kocsis, que reagiu a um assalto. Uma semana depois, um tiro no peito, disparado por um jovem de quinze anos, matou o cobrador José Santos. Noutro local, o soldado Anílson Nogueira foi desarmado e morto por uma quadrilha de miniassaltantes.

           Nesses casos, e noutros mais que não cabe citar aqui, os menores são os infratores, são os assassinos, são os assaltantes.

           É preciso destacar, no entanto, que eles são também costumeiramente as vítimas. A polícia está cansada de saber que em quadrilha de bandidos existe sempre um menor, forçado a assumir a autoria de um crime em troca de sua aceitação no submundo da marginalidade ou de alguma porção de droga. São usados como verdadeiros escudos contra a prisão dos colegas de bando maiores de dezoito anos.

           Ocorre que a responsabilidade penal no Brasil começa aos dezoito anos. Estabelece o art. 228 da Constituição Federal serem penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial. Ao alcançarem a maioridade, os jovens condenados ainda são réus primários, devido à pouca idade. Acontece que muitos, na verdade, não o são, pois praticaram atos infracionais antes dos dezoito. Esses infratores, em grande parte, começam a ingressar na senda do crime na faixa dos dezesseis aos dezoito anos.

           Em termos estatísticos, sessenta por cento dos menores que delinqüem estão nessa faixa de idade. Apesar de já inseridos na marginalidade e engajados na criminalidade, só vão para a cadeia quando praticarem o primeiro delito grave como maiores.

           Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores:

           É forçoso reconhecer que necessitamos pôr um ponto final na escalada da criminalidade infantil e juvenil. É hora de revermos o Estatuto da Criança e do Adolescente no tocante à definição da maioridade penal.

           Temos de levar em conta que o mundo mudou muito nas últimas décadas. O menor de hoje não é mais o menor dos anos quarenta. A maior facilidade de acesso aos meios de informação trouxe para os menores uma visão mais madura do mundo e de seus valores. Dificilmente se pode atribuir falta de discernimento entre o bem e o mal, entre o certo e o errado aos menores de hoje.

           Na esteira dessa avaliação, os constituintes concederam o direito de voto aos jovens de dezesseis anos, que participam, a partir de 1988, da escolha do Presidente da República, dos governadores, dos deputados e senadores, e assim por diante.

           Já é hora, portanto, Sr. Presidente, de o menor ser responsabilizado penalmente pelos atos infracionais que vier a cometer a partir dos dezesseis anos.

           Há um movimento intensivo em outros países para combater a criminalidade infantil e juvenil. Especialistas no assunto têm proposto que se julgue, como se um adulto fosse, o menor que comete homicídios de segundo grau ou crimes hediondos.

           A Inglaterra, por exemplo, tem tornado mais severos os julgamentos de menores que cometeram infrações graves. No ano passado, os jornais noticiaram amplamente a condenação dos garotos Jon Venambles e Robert Thompson, que torturaram até a morte um menino de dois anos, sem que a polícia tenha conseguido esclarecer o motivo do crime. Os garotos, que à época do assassinato tinham dez anos de idade, foram condenados à pena de quinze anos de prisão.

           A alteração da minoridade penal deverá promover mudança também no Estatuto da Criança e do Adolescente, criado em 1990, e sujeito a críticas em muitos pontos.

           Já ouvimos acusações de que muitas das garantias estabelecidas pelo Estatuto protegem muito mais os criminosos adultos que exploram os menores do que os menores propriamente. A polícia e os juízes reconhecem que o aliciamento de menores pelos criminosos conhecidos como "pais de rua" apresentou um crescimento notável a partir da vigência do Estatuto. 

           Sei que existem fortes divergências quanto ao teor dessa proposta. Mas sei também que a sociedade clama pela efetiva punição daqueles que cometem crimes contra o patrimônio e a vida de pessoas inocentes, não hesitando em matar friamente até para roubar um reles par de tênis.

           É preciso pensar, sobretudo, nas vítimas potenciais desses bandidos que armam menores, utilizando-se de sua pretensa impunidade para matar e roubar.

           Não deixamos de reconhecer que os verdadeiros problemas que levam ao crime e à violência estão relacionados ao desemprego, ao trabalho pessimamente remunerado e à ausência de políticas assistenciais. Crianças desnutridas, sem orientação familiar, sem referência de domicílio, evadidas dos bancos escolares são presa fácil dos "pais de rua".

           Nesse ponto, é preciso deixar claro que não se confundem os menores carentes com os menores infratores.

           Aos menores carentes, é necessário dar proteção. Aliás, proteção que lhes faltou da família, da sociedade e do Estado.

           A família, por sua desagregação, não realiza o seu papel insubstituível de ser o centro da formação moral da criança e do jovem. A sociedade, embora tenha grupos organizados para assegurar ao menor seus direitos, nem sempre consegue operacionalizar uma ajuda efetiva e adequada. O Poder Público não demonstra vontade política nem organização administrativa para integrar os esforços numa ação objetiva de amparo à criança e ao adolescente.

           Ao menor delinqüente, entretanto, é necessário dar punição. Não somos contra medidas de recuperação e programas de prevenção em favor desses menores. Mas a qualificação do ato infracional que cometem e a avaliação de sua vida pregressa devem ser consideradas na imputação da pena. Também não somos favoráveis ao aprisionamento dos menores infratores em cárceres comuns. O convívio com detentos traria ao menor o aprendizado da bandidagem, sob a conivência do Estado.

           O Estatuto da Criança e do Adolescente, nesse particular, apresenta um notável avanço, pois não considera o menor como um criminoso qualquer. Antes de chegar aos dezoito anos, ninguém pode ser condenado e enviado a um presídio comum, mas nada impede que os juízes das varas da Infância e da Juventude adotem medidas de privação da liberdade do menor infrator. Estão previstos também no Estatuto tratamentos psicológicos e educativos. Portanto, não é verdadeiro dizer que o Estatuto prega a impunidade.

           O que consideramos como inapropriado para os tempos atuais, em que a violência cresce assustadoramente, é a maioridade penal ser atingida apenas aos dezoito anos. Acreditamos que um menor de dezesseis já possa responder penalmente pelas infrações que cometer. É a mudança desse ponto do Estatuto que viemos defender, nesse momento.

           Deixo registradas nos Anais dessa sessão as reflexões que teci sobre o tema, acreditando que receberei muitas adesões à minha proposta, e, o que é principal, muitas contribuições para aperfeiçoá-la.

           Tenho dito.

           Obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 30/03/1995 - Página 4245