Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE EDITORIAL DO JORNAL O ESTADO DE S.PAULO, EDIÇÃO DE 9 DE ABRIL DE 1995, ANUNCIANDO O FIM DA TREGUA NO COMERCIO EXTERIOR. NECESSIDADE DE SE VOTAR, NO SENADO, A LEI DE PATENTES.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PROPRIEDADE INDUSTRIAL.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE EDITORIAL DO JORNAL O ESTADO DE S.PAULO, EDIÇÃO DE 9 DE ABRIL DE 1995, ANUNCIANDO O FIM DA TREGUA NO COMERCIO EXTERIOR. NECESSIDADE DE SE VOTAR, NO SENADO, A LEI DE PATENTES.
Aparteantes
Ademir Andrade.
Publicação
Publicação no DCN2 de 11/04/1995 - Página 5038
Assunto
Outros > PROPRIEDADE INDUSTRIAL.
Indexação
  • CRITICA, EDITORIAL, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ANUNCIO, AMEAÇA, REPRESALIA, COMERCIO EXTERIOR, PAIS, MOTIVO, AUSENCIA, SENADO, VOTAÇÃO, LEGISLAÇÃO, PATENTE DE INVENÇÃO.
  • LEITURA, DOCUMENTO, AUTORIA, ENTIDADE, DEFESA, LIBERDADE, UTILIZAÇÃO, CONHECIMENTO, REMESSA, ITAMAR FRANCO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, EPOCA, GESTÃO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, DENUNCIA, JUSTIFICAÇÃO, PARTE, PROPOSTA, PROJETO DE LEI, RELAÇÃO, PATENTE DE INVENÇÃO, OFENSA, INTERESSE NACIONAL, ADVERTENCIA, NECESSIDADE, DISCUSSÃO, LEGISLAÇÃO, AUDIENCIA PUBLICA.

O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB-PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o jornal O Estado de S. Paulo, em editorial de ontem, anuncia o fim da trégua:

      "A trégua usufruída pelo comércio externo brasileiro, durante cerca de dois anos, está em vias de ser rompida. Prazos legais e fatores econômicos internos convergem no sentimento de turvar os esforços de crescimento das exportações brasileiras com ameaças de sanções e medidas compensatórias. (...) O que preocupa o escritório do representante comercial nos Estados Unidos - USTR - é o tema de sempre: a falta de uma lei de propriedade industrial que proteja, no Brasil, as patentes americanas.

      As inexplicáveis e imotivadas delongas do Congresso no exame do projeto foram absorvidas pelo USTR e pelo Departamento de Estado e entendidas dentro do então complicado quadro político brasileiro. (...)

      Finalmente aprovado na Câmara, o projeto passou para o Senado, ao tempo da conclusão da Rodada Uruguai e do GATT, e lá recebeu emenda. Está paralisado a espera de votação para que volte à revisão da Câmara dos Deputados. Sem a lei aprovada, o USTR será obrigado a colocar o Brasil na lista dos países sujeitos a retaliações comerciais."

O lide da matéria, Sr. Presidente, é o seguinte: "Se o Senado não votar a Lei de Patentes, o Brasil sofrerá represálias comerciais."

É o velho argumento batúlico, a antiga bátula, a palmatória ou o moderno peteleco que os professores aplicam nos alunos malcriados das escolas. Não posso acreditar que esse tipo de coerção se coloque acima do Senado Federal, composto, hoje, por dois terços de novos Senadores, que não participaram dos debates da matéria e têm o direito e o dever de conhecê-la em profundidade. Verifiquem, Srs. Senadores, que não há um argumento a favor do Brasil, mas simplesmente a ameaça de represálias desde que o Brasil não proteja as patentes norte-americanas.

O Senador Ney Suassuna deverá, dentro de pouco tempo, apresentar o seu relatório à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Está na hora de o Senado refletir profundamente sobre o assunto, reabrindo o período das audiências públicas, escutando a sociedade brasileira. Mormente depois que a União Européia rejeitou a patente sobre microorganismos e sobre vida, de uma forma geral, e depois de que a Argentina se recusou a homologar o projeto norte-americano, criando um caso de profundas repercussões que quase terminou com um voto de repúdio ao embaixador norte-americano.

Sr. Presidente, ao editorial do jornal O Estado de S. Paulo quero aduzir uma carta aberta que recebeu o Presidente Itamar Franco em março de 1993, enviada por cento e vinte entidades que compõem o fórum pela liberdade do uso do conhecimento. O documento pretendia denunciar e justificar os pontos que considerava lesivos aos interesses nacionais, da forma como estão hoje abordados nas propostas de projetos de lei oriundas quer do Legislativo, quer do Executivo. O documento é o seguinte, Sr. Presidente, Srs. Senadores:

      "1. SERES VIVOS

      É imprescindível a não-inclusão de seres vivos, material e processos biológicos e processos de manipulação de material biológico, sob qualquer alegação, como objeto de patenteamento.

      2. FÁRMACOS, MEDICAMENTOS E ALIMENTOS

      O fórum entende que, embora o reconhecimento de patentes de fármacos seja uma das questões centrais que motiva as pressões internacionais pela aprovação rápida de uma nova lei, o reconhecimento de patentes nesta área inviabilizará o desenvolvimento tecnológico e industrial do País, concedendo o monopólio absoluto do mercado para os cartéis internacionais."

Os mesmos, Sr. Presidente, que querem quebrar o monopólio da PETROBRÁS, das telecomunicações e abrir o mercado brasileiro, protegido pelo art. 219 da Constituição da República, aos países amigos.

      "As indústrias nacionais estatais e privadas não poderão produzir fármacos nem medicamentos para os programas de saúde, deixando, assim, de atender adequadamente à população. Somente fabricarão aqueles produtos cuja patente estiver caduca nos países desenvolvidos. Os programas governamentais de saúde e educação estarão, portanto, irremediavelmente comprometidos.

      Consideramos que a discussão sobre patentes neste setor deve estar subordinada ao prévio envio ao Congresso Nacional de uma proposta de lei de genéricos que possa garantir a produção de medicamentos essenciais à população, a preços acessíveis e fora das condições de monopólio propiciadas pelo reconhecimento de patentes no exterior.

      3. PIPELINE

      O dispositivo de pipeline é um dos aspectos da lei mais nocivos aos interesses nacionais. Este dispositivo permite não só a aceitação de novos pedidos de patentes como também que produtos, hoje beneficiados pelo Código atual e fabricados livremente, passem a ser patenteados.

      Estabelece-se, assim, uma espécie de patente retroativa, que, além de acarretar enormes prejuízos aos fabricantes nacionais, contraria as tendências internacionais nessa questão.

      Todos os países que recentemente reconheceram patentes nas áreas em questão estabeleceram um prazo mínimo de carência, em média de 10 anos, visando adequar e dar condições aos fabricantes locais de enfrentar a concorrência dos grandes monopólios.

      Consideramos altamente positiva sua supressão da versão ora em discussão no Executivo Federal.

      4. SEGREDO DE NEGÓCIO

      É o mais perverso mecanismo de propriedade intelectual, sendo a antítese do próprio sistema patentário. Ele inibe, externamente, o livre uso do conhecimento em troca de nada. Se existisse, inúmeras empresas jamais teriam iniciado suas atividades no Brasil. Muitos empresários brasileiros abriram suas empresas baseados em conhecimentos que adquiriram trabalhando em outras empresas. Este último, um mecanismo justo de aprendizado e expansão do setor produtivo, estaria inibido com o segredo de negócio, que persiste no novo Projeto do Executivo (art. 204, XI e XII), devendo ser totalmente eliminado.

      Pesa ainda contra o segredo de negócio ser inconstitucional, pois a manifestação intelectual é livre e independente de censura (art. 5º, IX, da Constituição Federal).

      5. IMPORTAÇÃO

      Há uma clara estratégia dos países produtores de tecnologia para retirar indústria de tecnologia avançada do Brasil e exigir a reserva do nosso mercado para produtos fabricados no exterior. O argumento usado é a não-economicidade da produção local. Acima das vantagens econômicas estão o interesse e a segurança nacionais.

      Alternativamente a essa proposta, deve ser criado um dispositivo que faça caducar a patente quando sua produção for paralisada por período igual ou superior a três anos.

      A fabricação no Brasil permite fiscalizar preços, cria empregos, possibilita aprendizado e transferência de tecnologia.

      Cumpre regulamentar em lei federal a defesa do mercado interno como disposto na Constituição Federal (art. 219). O mercado interno como parte integrante do patrimônio nacional não pode ser dilapidado.

      6. TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA

      A lei de patentes é um contrato entre o inventor e a sociedade: o inventor oferece o conhecimento à sociedade em troca de um privilégio. Ocorre, todavia, que a sociedade tem oferecido o privilégio monopolístico do mercado em troca de nada. É preciso introduzir na lei mecanismos que assegurem a transferência de conhecimento em troca desse privilégio.

      É fundamental o INPI, como órgão responsável do Governo Federal, manter poderes para averbar e não simplesmente registrar os contratos de transferência de tecnologia, a fim de coibir abusos danosos ao interesse nacional.

      7. PRAZOS

      Os prazos das patentes não devem ser ampliados, permanecendo os atuais 15 (quinze) anos para patente de invenção e 10 (dez)anos para a de desenho industrial, a partir da data do depósito, quando começa a ser gozado o privilégio.

      8. CADUCIDADE

      É importante manter a caducidade como mecanismo independente da licença compulsória.

      Não podemos aceitar o Decreto nº 635, de 21/08/92, do ex-Presidente Fernando Collor de Mello, que deu adesão integral à revisão de Estocolmo e solicitamos a retirada dessa adesão.

      9 - MODERNIZAÇÃO DO SISTEMA PATENTÁRIO

      O fórum considera essencial a modernização do sistema patentário mundial. O monopólio de mercado é um resquício medieval, sendo a antítese da livre concorrência, prevista no art. 170 (Constituição Federal), inibindo a livre iniciativa, o aprendizado, o desenvolvimento dos povos, elevando os preços e penalizando os consumidores.

      Consideramos o royalty, ao invés do monopólio, o mecanismo mais adequado para estimular o desenvolvimento científico e tecnológico e ressarcir os investimentos feitos em pesquisa.

      Uma reformulação do sistema patentário internacional é essencial para viabilizar o desenvolvimento do Terceiro Mundo, através da eliminação do monopólio, substituindo-o pelo royalty e permitindo assim o reconhecimento do direito humano essencial e fundamental de aprender.

      10. POLÍTICA DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA

      Por último, tratando-se de uma questão onde primam os interesses comerciais, faz-se necessário uma cuidadosa análise da situação da pesquisa científica e tecnológica do País, visando a reformulação de uma ampla política de ciência e tecnologia de abrangência nacional, cujo teor preserve e amplie a capacidade de pesquisa brasileira - garantindo inclusive os repasses dos recursos necessários - visando a independência tecnológica, indispensável para o desenvolvimento econômico.

      Em síntese, é necessário que das discussões sobre a Lei de Patentes surja um real esforço para o desenvolvimento científico no Brasil que permita a diminuição do abismo que nos separa dos países desenvolvidos.

      No entanto, é evidente, isso tornar-se-á efetivo apenas se devidamente acompanhado de um programa governamental que implique em investimento financeiro real no desenvolvimento científico e tecnológico nos centros de pesquisas do País, antecedido de uma definição da política de ciência e tecnologia para médio e longo prazos."

Acrescento a essas idéias do fórum uma sugestão oferecida pelo Senador Darcy Ribeiro, qual seja, a criação de um Fundo de Desenvolvimento Tecnológico Nacional, suprido com 50% dos royalties hauridos no mercado nacional e provenientes do patenteamento em território brasileiro.

O Sr. Ademir Andrade - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ROBERTO REQUIÃO - Ouço o aparte do nobre Senador Ademir Andrade.

O Sr. Ademir Andrade - Nobre Senador Roberto Requião, quero associar-me às preocupações de V. Exª e somar-me a elas, concordando plenamente com suas colocações. Fiquei assustado também, quando li ontem, em vários jornais deste País, que já estava decidido o acordo no Senado Federal para que, nesta quarta-feira, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania juntamente com a Comissão de Economia aprovem, em caráter definitivo, a Lei de Patentes. Assustou-me profundamente porque o noticiário acrescentava que o Presidente Fernando Henrique Cardoso precisava levar essa aprovação na audiência que terá com o Presidente dos Estados Unidos no próximo dia 20 de abril. Desconheço qualquer tipo de acordo que tenha sido feito nesta Casa. Aliás, faço uma crítica, neste momento, porque desde que iniciamos esta Legislatura não assistimos a uma única reunião de Lideranças para resolver qualquer tipo de assunto no Senado Federal. Preocupa-me porque abrimos as discussões, por exemplo, para a Lei de Diretrizes e Bases da Educação brasileira e prorrogamos o processo da discussão; tantas leis importantes dependem de nós e estamos rediscutindo e aprimorando nosso conhecimento de forma a defender os interesses de nossa Pátria. Não podemos nos obrigar a votar uma lei para a qual não temos ainda o preparo suficiente. Eu, inclusive, estou tão preocupado que já comecei a juntar tudo o que tenho sobre essa lei: manifestações de entidades de toda ordem, inclusive, do próprio Governo; manifestações da ELETRONORTE contrárias a determinados pontos da lei etc. Não compreendo e não sei como se fez esse acordo nem que tipo de procedimento está sendo adotado nesta Casa para que, na próxima quarta-feira, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania e a Comissão de Economia tenham, já de antemão, a antecipação do resultado positivo aprovando essa lei para dar satisfação aos Estados Unidos. É lamentável que isso esteja ocorrendo. Gostaria, inclusive, de solicitar uma informação da Presidência da Casa sobre que acordo foi esse, quem o produziu para que o Senador Ney Suassuna já chegue com esse parecer pronto, e nós sejamos obrigados a aprová-lo nesta quarta-feira. Estou com V. Exª: penso que desta lei dependem muitos interesses nacionais, e devem-se marcar audiências públicas para que todos possamos votá-la de maneira consciente, no interesse da maioria do povo brasileiro. Obrigado a V. Exª.

O SR. ROBERTO REQUIÃO - Senador Ademir Andrade, não posso acreditar em acordo de Lideranças, porque a Bancada do PMDB aguarda o agendamento de uma reunião a ser marcada com o Relator da Lei de Patentes, Senador Ney Suassuna, para que iniciemos a discussão desse processo.

Esta matéria não é para apressados; é uma matéria que define a situação das patentes da ciência e tecnologia no Brasil nas próximas gerações.

O Sr. Ademir Andrade - Li essa notícia em três jornais ontem, Senador Roberto Requião.

O SR. ROBERTO REQUIÃO - Também li, mas não acreditei nelas; julgo que seja uma desinformação.

O Sr. Ademir Andrade - Então, alguém está usando nossos nomes em vão.

O SR. ROBERTO REQUIÃO - Quero acreditar que o Senado da República não passaria por cima dos Senadores, não fugiria da discussão de um assunto tão importante quanto esse.

Estamos agora no período, tenho certeza, do aprofundamento da questão, das audiências públicas e da grande discussão sobre a Lei de Patentes, que não será nunca gerada por argumentos batúlicos, por palmatórias, por ameaças e petelecos, venham de onde vierem. O interesse que deve presidir essa discussão é o interesse dos brasileiros, o interesse do desenvolvimento do País, da nossa ciência e da nossa tecnologia.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente. (Muito bem!)


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 11/04/1995 - Página 5038