Discurso no Senado Federal

EXITO DA ATUAÇÃO DO GOVERNO NO PROCESSO DE ESTABILIZAÇÃO ECONOMICA.

Autor
Gilberto Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AM)
Nome completo: Gilberto Miranda Batista
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA NACIONAL.:
  • EXITO DA ATUAÇÃO DO GOVERNO NO PROCESSO DE ESTABILIZAÇÃO ECONOMICA.
Publicação
Publicação no DCN2 de 19/04/1995 - Página 5284
Assunto
Outros > ECONOMIA NACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, DESENVOLVIMENTO, POLITICA CAMBIAL, GOVERNO, EXECUÇÃO, AJUSTAMENTO, APERFEIÇOAMENTO, PROGRAMA DE GOVERNO, ESTABILIZAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL.

              O SR. GILBERTO MIRANDA (PMDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a recente batalha cambial travada pelo Governo foi tão cheia de lances dramáticos, que certamente ocupará lugar próprio na história do comércio exterior brasileiro. No período de 6 a 10 deste mês de março, as sucessivas respostas do Banco Central a diferentes formas de pressão, exercidas pelos que desejavam acumular moeda estrangeira, foram portadoras de mensagem ao mercado sobre a linha política que as autoridades monetárias decidiram manter a todo custo.

              A questão tem dois aspectos principais. O primeiro ressalta, como prioridade básica, a bem-sucedida superação, no campo externo, de dificuldades que afetam o custo de vida, em conseqüência de elevação brusca dos preços externos. O segundo liga-se a preocupação do Governo com a persistência e crescimento do deficit da balança comercial.

              Esse deficit, Sr. Presidente, Srs. Senadores, faz lembrar uma observação do Professor Mário Henrique Simonsen, ex-Ministro da Fazenda e do Planejamento, ao analisar os dilemas que envolvem os executores da política monetária e da política cambial. Numa frase bem expressiva, disse ele que "a inflação esfola, mas o mercado externo mata".

              Na área econômica, uma parte da equipe exerce vigilância constante, movida pela intenção de evitar que se generalizem incrementos de preços de caráter especulativo. A estabilidade monetária é assim definida como objetivo primacial. desse modo, a moeda estável é, para o Governo, o índice principal de satisfação ou descontentamento popular. E não se pode negar a contribuição dos preços estáveis para o aumento crescente do consumo de bens duráveis, dando um tom festivo à vida urbana, desde o lançamento do Real.

              Economistas alemães descrevem a alegria que o consumo produz nos seres humanos, como expressão da liberdade de realizar sonhos acalentados por amplas camadas populares. Na verdade, a criação do acervo doméstico domina o pensamento das famílias. A indústria moderna oferece uma tal variedade de bens duráveis, que não pode deixar de exercer fascínio sobre os seus compradores em potencial. Nos países de moeda inflacionária, a aquisição desses bens só pode ser realizada por pequena parcela da população consumidora. Tal significa que a inflação oprime as grandes massas populares, limita de forma implacável as aspirações dos consumidores e não por acaso oferece campo livre aos que fazem uso da demagogia para ganhar prestígio distribuindo ilusões.

              É, portanto, de todo compreensível, Sr. Presidente, Srs. Senadores, o esforço que tem feito o Presidente Fernando Henrique Cardoso para corresponder à expectativa de seus trinta e cinco milhões de eleitores, no que tange ao custo de vida. A compra de igual quantidade de bens com a mesma quantia em dinheiro, em dias sucessivos, garante às famílias a execução em segurança do orçamento doméstico no curso do mês. O estado de espírito que daí resulta acaba se transformando em fator de importância política para o Governo.

              Volto, Sr. Presidente, Srs. Senadores, à frase de Mário Henrique Simonsen sobre a inflação que esfola e o mercado externo que mata. A taxa de câmbio influencia de forma direta o custo de vida em escala nacional. Enquanto o câmbio não se altera, o Ministério da Fazenda pode atribuir a uma decisão política de sua área a conservação dos preços internos estáveis.

              As donas de casa e chefes de família representam uma parcela substancial da população brasileira. Se levam para o supermercado a mesma quantia e de lá voltam com a mesma quantidade de produtos, é certo que não terão motivo para propalar descrença na capacidade administrativa do Governo.

              Diante, pois, dessa expectativa de muitos milhões de consumidores, ninguém duvida de que o poder público fará o impossível para evitar essa descrença. Que esforço pode ser comparado ao impossível? Nada mais nada menos do que a taxa de câmbio estabelecida de forma rígida. Se se estabelecesse de imediato a paridade entre o Real e o Dólar, mediante um ajuste da ordem de dezesseis por cento, o efeito sobre o custo de vida seria imediato, dada a influência dos cinqüenta bilhões de dólares de importações sobre o custo de vida dos moradores da zona urbana.

              Daí a relutância, a prudência e a segurança com que têm agido o Banco Central no tocante à taxa de câmbio, embora a rigidez cambial restringe as exportações e amplie aquela diferença entre receita e despesa na balança comercial.

              Em defesa, portanto, da estabilidade dos preços internos, as autoridades monetárias sentem-se compelidas a prevenir o encarecimento do custo de vida, não obstante o risco implícito de uma reedição brasileira dos dramas do México e da Argentina. Quando Simonsen declara que o mercado externo mata, ele tem em vista uma taxa de câmbio engessada, que não se altera nem mesmo diante da ameaça de um desastre semelhante ao esgotamento da reserva cambial.

              O Governo acaba de sair vitorioso de uma batalha que foi ganha em parte pela decisão de flexibilizar a taxa cambial, entre outras medidas que deixaram o Banco Central finalmente a cavaleiro da situação.

              Srs. Senadores, o período de 6 a 10 de março de 1995 tem importância singular. Junto a minha voz a outros de meus pares que trataram de diferentes lances da batalha cambial desses dias. Folgo em registrar que os Anais da Câmara Alta tenham oferecido abrigo a comentários ilustrados sobre esse momento de nossa vida econômica.

              A documentação que o Congresso Nacional acumula continua a ser fonte de informação para pesquisadores e analistas de nossa evolução histórica. Essa é uma das razões que me levam a uma compilação dos acontecimentos recentes, contrariando a idéia de que somos um povo de memória curta. Na verdade, quem procurar nas fontes certas, há de encontrar a descrição completa ou os traços principais dos grandes acontecimentos que marcam a vida brasileira. Espero estar contribuindo para que os pesquisadores e analistas encontrem nas minhas palavras indícios de como se escreve a história contemporânea do nosso grande País.

              Vejamos como começa e se desenvolve a batalha cambial que é o objeto principal de meu discurso:

              Na quinta-feira, dia 2 deste mês, durante sua visita ao Chile, o Presidente Fernando Henrique Cardoso declarou em Santiago que era intenção de seu Governo fazer uso mais efetivo do sistema de bandas no mercado de câmbio. Essa declaração teve forte ressonância no mercado brasileiro. No dia seguinte, quando os jornalistas, ouvindo o Presidente em entrevista coletiva, tentaram extrair dele maiores informações sobre a escala das variações cambiais de que antes falara, o chefe do Governo procurou suavizar a declaração anterior. Deu a entender que era intenção oficial a ser cumprida no futuro. No entanto, os operadores realizarem compras que chegaram ao limite máximo de R$ 0,86 por dólar, provocando, na sexta-feira, dia 3 de março, uma desvalorização do real estimada em 0,7%.

              O clima não era com efeito favorável manutenção da taxa rígida. Estavam ganhando ímpeto as saídas de capitais, totalizando o líquido de 3 bilhões e 400 milhões de dólares, no acumulado do ano, até o dia 2 de março, conforme dados do Banco Central.

              A pressão dos exportadores brasileiros, em favor de uma relação mais favorável entre o real e o dólar, acompanhou o clima internacional de extrema agitação, que se seguiu quebra do Banco Barings, instituição inglesa de longa tradição, baixa do dólar nos mercados internacionais e as crises gêmeas do México e da Argentina.

              Srs. Senadores, não se diga que a taxa de câmbio fixada pelo Banco Central só trouxe descontentamento. Muitos dos exportadores aproveitaram o auge do consumo no mercado interno para vender, aqui, seus produtos em melhores condições do que obteriam se os colocassem no mercado externo. Por sua vez, em todo esse período, empresas brasileiras, com dívidas no exterior, beneficiaram-se da taxa cambial sobrevalorizada, ao liquidarem compromissos em moeda estrangeira. Essas foram vantagens inegáveis.

              Lidamos, portanto, com situações específicas. Deixar de exportar por influência de uma taxa de câmbio, que não cobre os custos de produção, causa impacto negativo na balança comercial, ampliando o deficit. Por sua vez, o deficit em conta corrente também aumenta quando os compradores de moeda estrangeira acham que o dólar está barato e aproveitam a circunstância para colocar recursos no exterior.

              Voltando à ordenação cronológica dos fatos, ressalto a brusca mudança verificada no mercado, entre a sexta-feira, dia 3, e a segunda-feira, dia 6 de março, dia em que o Governo oficializou a utilização do sistema de bandas na política cambial. A cotação da moeda americana poderia variar, daí em diante, de R$ 0,86 a R$ 0,90, esclarecendo o Banco Central que em maio o dólar seria cotado a R$0,98.

              A intenção do Governo era demonstrar a flexibilidade da taxa cambial, mediante sucessivas alterações nessa taxa, o que distinguia a situação brasileira daquela que havia arrastado o México e a Argentina a crises desesperadoras, mercê de taxas rígidas.

              Naquela segunda-feira, dia 6, a posição definitiva do Banco Central não ficou bem entendida, dando origem a perplexidade dos operadores, acompanhadas de afirmações de agentes do mercado de que o Bacen cometera erros de comunicação e erros de compatibilização da política cambial com a política monetária. É que, no mesmo dia, a FIPE, Fundação Instituto de Pesquisa Econômica, órgão de reconhecido prestígio técnico no mundo dos negócios, anunciou que a inflação de dezembro, que fora de um por cento, estava com prenúncios de elevação para dois por cento em março. Explicava que, enquanto a demanda continuava em alta, os reajustes salariais, atrelados ao IPC-R, acumulando 24%, de julho a fevereiro, iriam ter impacto sobre o custo de vida. O aumento do salário mínimo, previsto para maio, e os dissídios coletivos de metalúrgicos e operários da construção civil, no segundo trimestre do ano, adensavam as nuvens no horizonte.

              Parece ter ficado claro que o Banco Central desejava que o mercado caminhasse para o limite de R$ 0,93. Faltou um esclarecimento preciso e oportuno no sentido de que a expectativa oficial era a de que esse patamar só seria válido a partir de maio. Estava subentendido, ao ver das autoridades, que continuavam em vigor as bandas de R$ 0,86 e R$ 0,90. Mas os bancos autorizados a operar em câmbio começaram na manhã do dia 7, terça-feira, a adquirir a moeda americana a R$ 0,901, saltando o limite máximo estabelecido. No fechamento, a R$ 0,90, a alteração equivalia a 2,97% em relação à abertura, que fora de R$ 0,875. Durante o dia, o BC fez uso de suas reservas no total de US$ 1,8 bilhão. Realizou dois leilões no câmbio comercial futuro, que absorveu US$ 1,5 bilhão, à taxa de R$ 0,93, para entrega em 2 de maio, enquanto o terceiro leilão, no valor de US$ 300 milhões, a R$ 0,90, se destinou ao mercado flutuante.

              Na quarta-feira, dia 8, o BC realizou três operações no câmbio flutuante: uma a R$ 0,90 e duas a R$ 0,895, no valor total de US$ 350 milhões. Para liquidação a 5 de maio, foi leiloado um bilhão de dólares no câmbio comercial, à taxa de R$ 0,888. Enquanto isso, as Bolsas de Valores brasileiras sofriam fortes baixas, aumentando o clima de nervosismo, já afetado pelas notícias de que o dólar sofrera nova baixa no mercado internacional, caindo para 89,05 ienes e para 1,36 marco alemão. Os papéis da dívida latino-americana também despencavam no mercado de Nova Iorque.

              Na quinta-feira, dia 9, o mercado entrou em transe, forçando o BC a realizar trinta e dois leilões, sendo 16 no comercial e 16 no flutuante, às taxas, respectivamente, de R$ 0,888 e de R$ 0,895. O último leilão foi realizado às 18h30, quando normalmente o mercado encerra suas atividades às 17 horas. O nervosismo, verificado durante todo o dia, favoreceu negociações no mercado futuro em diferentes patamares: para maio, o dólar foi negociado a R$ 0,95, enquanto a taxa para julho chegou a R$ 1,021. As vendas totais do dia pelo BC variaram entre 3,2 bilhões e 3,9 bilhões de dólares, conforme diferentes estimativas.

              Na madrugada de quinta para sexta-feira, dia 10/3, o Governo atuou com firmeza, e seu esforço para vencer a crise está expresso numa série de resoluções do Banco Central, abaixo resumidas:

              1. O Comunicado nº 4.492 estabelece o limite inferior da taxa de flutuação em R$ 0,88 e o limite superior em R$ 0,93 por dólar. As cotações só poderão flutuar dentro desses limites.

              2. A Resolução Nº 2.147, do BC, revoga a permissão para pagamento antecipado de empréstimo em moeda estrangeira e de financiamentos concedidos a importadores.

              3. A Circular nº 2.545 fixa em noventa dias o prazo mínimo de cada repasse no mercado financeiro.

              4. A Circular nº 2.546 reza que será de, no mínimo, 24 meses o prazo médio de amortização para a contratação de operações de empréstimos externos. A mesma Circular determina que é de, no mínimo, noventa e seis meses o prazo médio de amortização nas operações de empréstimos externos, mediante o lançamento de títulos no exterior, com o benefício de redução do imposto de renda incidente sobre as remessas de juros, comissões e despesas.

              5. A Circular nº 2.547 fixa em 180 dias, a contar do vencimento original, o prazo médio mínimo de amortização para as renovações ou prorrogações de operações de créditos externos.

              6. A Circular nº 2.548 estabelece novos limites para as posições de câmbio comprada e vendida dos bancos e operadores credenciados a operar no mercado de câmbio de taxas flutuantes. Para os bancos credenciados, a ordem é a seguinte: quando a posição de câmbio comprada for superior a US$ 1 milhão, o excedente será depositado em moeda estrangeira no Banco Central. Para os operadores credenciados (sociedades corretoras, distribuidoras de títulos e valores e companhias financeiras) o limite máximo de posição comprada é de US$ 500 mil.

              7. A Circular Nº 2.549 determina que os bancos autorizados a operar no mercado de câmbio comercial depositarão no Banco Central o que exceder de US$ 5 milhões em sua posição comprada.

              Seguiu-se a essas medidas um clima de alívio. Na sexta-feira, dia 10, os mercados de câmbio operaram com uma tranqüilidade que fazia agudo contraste com o nervosismo do dia anterior. A variação, que era de R$ 0,86 a R$ 0,90, passou para R$ 0,88 e R$ 0,93, afirmando o economista Persio Arida, presidente do Banco Central, que essas bandas vão perdurar por muito tempo. Significa que as flutuações encontram campo mais livre e os exportadores melhoram sua posição no mercado externo.

              O BC realizou sete leilões, na sexta-feira, dia 10, com um sinal contrário ao dos leilões anteriores. Desta vez foi para comprar dólares, a fim de evitar que baixasse a menos do limite da banda inferior. Enquanto as vendas do dia anterior foram realizadas a R$ 0,888, as compras feitas foram feitas a R$ 0,88, sofrendo prejuízos os que acumularam moeda estrangeira no curso da semana. Segundo alguns operadores, essas compras chegaram a US$ 1,5 bilhão, propiciando ao BC a recuperação de parte dos valores vendidos, anteriormente.

              Ao mesmo tempo, com a extensa Circular Nº 2.550, o Banco Central altera o regulamento do contrato de câmbio para exportação e reduz alíquotas do imposto de exportação sobre vários produtos. Os exportadores de ampla gama de produtos podem fechar o contrato de câmbio até 180 dias antes do embarque das mercadorias. Em menor número de casos, o câmbio só poderá ser fechado no prazo máximo de sessenta dias antes do embarque efetivo.

              A Circular mencionada corresponde ao esforço em que ora se empenha o Governo para incentivar as exportações e por essa via alcançar saldo apreciável na balança comercial.

              Em grande coro, economistas de várias partes do País aprovaram as medidas adotadas pelo Governo para vencer as resistências contra o Real. Com a elevação dos juros básicos de 3,22% para 4,25% foram oferecidos novos incentivos para a permanência do capital no mercado financeiro. Desse modo, é melhor dispor de moeda nacional do que trocá-la neste momento por dólares. O clima de pessimismo e de previsão de desastre foi assim substituído por um otimismo moderado, porém suficiente para acalmar os ânimos durante algum tempo.

              O depoimento do Presidente do Banco Central, Prof. Pérsio Arida, à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal , no dia de ontem, contribuiu para reforçar essa percepção. Com seu conhecido preparo técnico e tranqülidade professoral, Arida desfez todas as suspeitas, por ventura subsistentes, de vazamento de informações às vésperas das mudanças cambiais introduzidas no último dia 6. Mais importante, Sr. Presidente, Srs. Senadores, o presidente do Bacen reconheceu os exagerados patamares em que se acham as taxas de juros e prometeu empenho para reduzi-las, com o objetivo de prevenir novos surtos especulativos, desestimular o "capital volátil" e incentivar aplicações de longo prazo na área produtiva.

              Efeito instantâneo dessas declarações, o Índice Bovespa subiu 4,74%, a febre do câmbio baixou e os juros também caíram. Era a sinalização de que o mercado, há tempos, vinha carecendo para certificar-se da firmeza de propósito do governo na condução dos ajustes necessários ao aperfeiçoamento do programa de estabilização em curso.

              Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente. Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 19/04/1995 - Página 5284