Pronunciamento de Valmir Campelo em 20/04/1995
Discurso no Senado Federal
NUMERO CONSIDERAVEL DE SERVIDORES PUBLICOS, JA APOSENTADOS, QUE RETORNAM AO SERVIÇO PUBLICO MEDIANTE PRESTAÇÃO DE CONCURSO.
- Autor
- Valmir Campelo (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/DF)
- Nome completo: Antônio Valmir Campelo Bezerra
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
- NUMERO CONSIDERAVEL DE SERVIDORES PUBLICOS, JA APOSENTADOS, QUE RETORNAM AO SERVIÇO PUBLICO MEDIANTE PRESTAÇÃO DE CONCURSO.
- Publicação
- Publicação no DCN2 de 21/04/1995 - Página 6052
- Assunto
- Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
- Indexação
-
- COMENTARIO, AUSENCIA, PROIBIÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, RETORNO, APOSENTADO, SERVIÇO PUBLICO, DEPENDENCIA, APROVAÇÃO, CONCURSO DE PROVAS, CONCURSO DE TITULOS.
- REFERENCIA, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), REJEIÇÃO, ACUMULAÇÃO, PROVENTOS, APOSENTADORIA, EXERCICIO, FUNÇÃO PUBLICA, SERVIDOR, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).
- SOLIDARIEDADE, LEITURA, VOTO, MARCO AURELIO, MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), DEFESA, RETORNO, APOSENTADO, SERVIÇO PUBLICO.
O SR. VALMIR CAMPELO (PTB-DF. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como é do conhecimento geral, após a entrada em vigor da nova Constituição Federal, de 1988, um número considerável de servidores públicos, já aposentados, retornou à atividade no Serviço Público, mediante a prestação de concursos.
Isso se deu por dois motivos. O primeiro e mais importante desses motivos é que a nova Carta, pela primeira vez em nossa História constitucional, colocou, como condição sine qua non para ingresso no serviço público, a prestação de concursos de provas e títulos.
O segundo motivo é que a Lei Maior não veda, expressamente, em momento algum, como Cartas anteriores o fizeram, a acumulação de proventos da inatividade com o exercício de cargos, empregos ou funções.
Desse modo, como já disse, servidores aposentados - em número significativo, especialmente aqui em Brasília - tornaram à ativa, mediante o mecanismo democrático do concurso público. E tudo isso, com o beneplácito das autoridades administrativas, respaldadas no entendimento da então Consultoria Geral da República, de que eram lícitas essas acumulações, consoante Parecer publicado no Diário Oficial de vinte e um de julho de 1989, aprovado pelo Senhor Presidente da República, Dr. José Sarney, hoje insigne Presidente desta Casa e do Congresso Nacional.
Ocorre, porém, que recentemente, ao ser chamado a julgar um caso de acumulação de proventos de aposentadoria com exercício de função pública, tendo como partes o Governo do Estado de São Paulo e um servidor daquele Estado, o Supremo Tribunal Federal, por oito votos a um, manifestou-se contrariamente à acumulação.
O acórdão do nosso Tribunal Maior foi publicado no Diário da Justiça de trinta e um de março último, mas ainda não transitou em julgado, porque está sujeito a embargos de declaração e certamente será objeto desse recurso a ser interposto pelo advogado do servidor em litígio com o Estado de São Paulo.
A decisão do Supremo Tribunal mergulhou os servidores aposentados ativos, aos quais venho me referindo em meu pronunciamento, em grande angústia, porque, acreditando no que dizia a Constituição e entendiam as autoridades constituídas, empenharam-se a fundo, geralmente em concursos dos mais disputados, que exigiam grande preparação intelectual e experiência profissional, para obter cargos e empregos agora ameaçados.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores:
Embora fazendo questão de destacar de pronto o maior respeito que tenho pelo nosso Supremo Tribunal Federal, cujas doutas decisões devemos todos encarar com a maior deferência, quero hoje aqui me solidarizar com o eminente Ministro Marco Aurélio, cujo voto, embora vencido nesse debate sobre acumulação, prima pela sabedoria e justeza das colocações. Creio que ele, de maneira excepcional, soube defender sua posição.
Como estou convicto de que a nossa Constituição não veda a acumulação, mais do que simplesmente me solidarizar com o Ministro Marco Aurélio, que tomou esta solitária - mas sábia - decisão, desejo reproduzir aqui parte de seu voto, sem nenhuma dúvida dos mais brilhantes já pronunciados naquela Casa.
O fato é que o Ministro Marco Aurélio pronunciou-se amparado na melhor doutrina sobre o tema. Na verdade, é preciso que se diga, os maiores especialistas brasileiros na questão já se pronunciaram favoravelmente à acumulação. Vários desses textos foram arrolados no relato do Ministro Marco Aurélio.
Inicialmente, o Ministro Marco Aurélio faz um levantamento do tratamento que é dado à acumulação de vencimentos nas diversas Constituições brasileiras. A primeira, de 1824, não abordou o tema. A de 1891 vedou acumulações remuneradas, no que foi criticada pelo nosso mais brilhante jurista de todos os tempos, Ruy Barbosa.
Faço questão de registrar aqui o fecho do voto escrito de Ruy Barbosa, incluído no parecer do Ministro Marco Aurélio. Diz Ruy Barbosa:
"O grande mal não está em que as incapacidades acumulem os cargos públicos, mas em que os cargos públicos se confiem às incapacidades. Desacumulando, o que unicamente se obtém será multiplicar o número dos incapazes beneficiados, abrindo ao Poder novas ocasiões de exercer entre os seus favorecidos, engrossando-lhes a quantidade, o arbítrio de que dispõe."
Já a Carta de 1934 vedou a acumulação de cargos públicos, estendendo-a aos inativos. A de 1937, que não repete a norma anterior, limita-se a dizer que não cabe a acumulação de cargos. E não toca na questão dos inativos.
A Constituição de 1946, em princípio, vedou a acumulação mas contemplou exceções que beneficiaram o magistério, a magistratura e também os que ocupavam cargos técnico-científicos. E nada fala sobre inativos.
A Constituição de 1967 e a Carta Magna de 1969 vedaram a acumulação e estenderam-na aos inativos.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores:
Antes de prosseguir com o resumo do voto do Ministro Marco Aurélio, gostaria de registrar aqui dois rápidos comentários do jurista Celso Antônio Bandeira de Mello, Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade Católica de São Paulo, sobre a história da acumulação nas diversas Constituições.
Em resposta a recente consulta que lhe foi feita por diversos magistrados sobre acumulação, e à vista do referido acórdão do STF, diz Bandeira de Mello que a Carta de 1891 vedava o acúmulo pelo simples fato de, naquela época, só haver aposentadoria por um motivo: invalidez. Além disso, segundo Bandeira de Mello, as vedações registradas em outras Cartas se justificavam pelo fato de, à época em que foram promulgadas - ao contrário do que se dá hoje - não haver exigência de prestação de concurso público de provas e títulos. Bandeira de Mello cita, mesmo, diversos acórdãos do STF, proferidos sob a vigência da Constituição de 1946, decidindo pela licitude da acumulação de proventos com vencimentos.
Isso posto, voltemos ao pronunciamento do Ministro do STF.
Analisando a Constituição de 1988, o Ministro Marco Aurélio demonstrou - apresentando as várias redações dadas, ao longo dos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, ao artigo sobre as acumulações - que houve o deliberado desejo dos Constituintes de permitir a acumulação.
Para isso, citou a emenda do Senador Nélson Carneiro, que defende a acumulação de proventos com cargos, empregos ou funções, sendo ela a responsável pela efetiva consagração deste princípio na Carta Magna.
Lembra o Ministro Marco Aurélio que, nas comissões temáticas, a redação sugerida era:
"Art. 87 - É vedada a acumulação de cargos, funções públicas, empregos e proventos, exceto:"
No entanto, a expressão proventos acabou sendo retirada do texto por essa emenda supressiva apresentada pelo Senador Nélson Carneiro, que a justificou dizendo:
"Tenho-me preocupado intensamente com o problema do aposentado em geral, sobretudo por sua conexão natural com a do idoso.
Ao que se aposenta ainda saudável, portador de rica experiência, veda-se-lhe a oportunidade de um novo cargo, emprego ou função pública, do qual poderia auferir algo mais com que, finalmente, aproximar-se do ideal de uma vida em segurança."
E conclui dessa maneira o Senador Nélson Carneiro sua justificativa:
"O que é preciso é reabrir o serviço público a todo e qualquer cidadão nele inativado, desde que prestante e útil ao serviço. Sem isso, a aposentadoria se constitui em castigo, quando à sua instituição preside a idéia de prêmio."
A Emenda teve parecer favorável do então Relator-Geral, nosso eminente Senador Bernardo Cabral, e recebeu consagradora aprovação dos Constituintes.
Sr. Presidente, Srs. Senadores:
Penso que com a citação do texto do então Senador Nélson Carneiro, o Ministro Marco Aurélio foi muito além da letra fria da lei, e mostrou - o que é bem mais importante - o verdadeiro espírito que presidiu a redação do dispositivo constitucional.
Na segunda metade de seu brilhante voto, o Ministro Marco Aurélio alinha a opinião dos maiores especialistas nacionais no assunto, a começar por Corsíndio Monteiro da Silva, que, aliás, sobre o tema escreveu, entre outras obras, Os Hermeneutas da Intransigência Desacumuladora.
O Ministro do STF cita trecho de outra obra - O Regime de Acumulação de Cargos na Constituição de 1988 e as Idéias de Ruy - do citado autor, na qual o jurista afirma:
"A Constituição de 1988, deste modo, liberou por completo o inativo do serviço público; se antes havia a regra de que "a proibição de acumular proventos (que nunca existiu) não se aplica aos aposentados, quanto ao exercício de mandato eletivo, quanto ao de um cargo em comissão ou quanto a contrato para prestação de serviços técnicos ou especializados", hoje não existe.
O aposentado, hoje em dia, pode até fazer concurso e reingressar no serviço público livremente."
A seguir, o Ministro Marco Aurélio apresenta o ponto de vista de outro jurista destacado, o saudoso Hely Lopes Meirelles, que comenta no seu clássico Direito Administrativo Brasileiro:
"Pelas atuais disposições constitucionais, entendemos que o servidor aposentado pode exercer qualquer emprego, função ou cargo em comissão, já que não se encontra nenhuma restrição nas normas a respeito".
O Ministro Marco Aurélio, em seu voto, também cita José Afonso da Silva, que, na obra Curso de Direito Constitucional Positivo, afirma:
"...não é mais proibido acumular proventos com vencimentos de cargo, emprego ou função. Significa que o servidor aposentado ou mesmo em disponibilidade poderá exercer qualquer cargo, emprego ou função pública sem restrição alguma, recebendo cumulativamente seus proventos da inatividade com os vencimentos da atividade assumida".
Por fim, o Ministro Marco Aurélio reproduz texto do já citado jurista Celso Antônio Bandeira de Mello:
"Entendemos que não se podendo construir proibições onde não existem, resulta que hoje é possível acumular sem restrições proventos - isto é, o que se recebe na condição de aposentado - com vencimentos de cargo, função ou emprego que se exerça. Deveras, o aposentado não exerce cargo algum. Não acumula, pois, cargo algum."
O Ministro Marco Aurélio fecha seu voto dizendo que lhe parece paradoxal que um inativo não possa exercer um cargo obtido mediante concurso público quando não existe impedimento para que o mesmo cidadão venha a exercer um cargo de confiança, mediante simples convite de uma autoridade.
Sr. Presidente, Srªs Srs. Senadores:
Penso que, com o resumo do voto do Ministro Marco Aurélio, baseado nos pareceres dos mais conceituados juristas brasileiros, deixo aqui modesta contribuição para os debates sobre a questão.
Do mesmo modo, quero me dirigir aos inativos do Serviço Público que, mediante concurso público, conquistaram um novo cargo e voltaram à ativa para lhes dizer que estou certo de que o STF, haverá de modificar seu entendimento nas próximas decisões.
E estou certo, outrossim, de que o Poder Legislativo, ao discutir e aperfeiçoar a Proposta de Emenda Constitucional sobre previdência e assuntos correlatos, recentemente enviada ao Congresso Nacional pelo Poder Executivo, haverá de aproveitar o ensejo para explicitar, em caráter permanente, a vontade do Constituinte no sentido da licitude dessas acumulações. Ou, na pior das hipóteses, haverá de resguardar, em disposição transitória, as situações jurídicas legitimamente constituídas desses dignos servidores públicos.
Era o que tinha a dizer.
Muito obrigado!