Discurso no Senado Federal

PROPOSTA DE UM NOVO SISTEMA PARA APLICAÇÃO DO 'VALE-GAS'.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA.:
  • PROPOSTA DE UM NOVO SISTEMA PARA APLICAÇÃO DO 'VALE-GAS'.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DCN2 de 21/04/1995 - Página 6047
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • PROPOSTA, ALTERAÇÃO, SISTEMA, CONCESSÃO, SUBSIDIOS, CONSUMIDOR, ENERGIA ELETRICA, AQUISIÇÃO, BOTIJÃO, GAS, BENEFICIO, POPULAÇÃO CARENTE, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO NORTE, REGIÃO NORDESTE.

O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB-PA. Como Líder. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, no presente momento, muito se discute a respeito da recomposição de custos, de reestruturação, de reengenharia e de outros temas semelhantes, para tornar as empresas mais eficientes, produzindo mais e a um custo menor, de modo a conseguir enfrentar, com êxito, a competição, melhorando a qualidade dos produtos ou dos serviços que prestam.

Não seria, então, chegada a hora de aproveitarmos este crescente interesse por técnicas mais eficientes de administração para implementar, no Estado brasileiro, modelos de gerência de recursos públicos que tragam benefícios à população, no sentido de um melhor atendimento? Sim, porque é possível prestar serviços em maior quantidade e melhor qualidade, despendendo igual ou até menor volume de recursos. Como? Simplesmente passando a adotar certos conceitos na Administração pública como, por exemplo, qualidade, produtividade e racionalidade.

Na maioria da vezes, um salto para melhor na prestação de serviços públicos não requer nenhuma teoria complicada da administração e, sim, o bom senso.

Este, Sr. Presidente, é um tema que trazemos para ser refletido por todos nós. Que não digam que só sabemos criticar. Na verdade, desejamos o sucesso do Governo. Queremos que o Plano de Estabilização Econômica dê certo. É com o intuito de contribuir que nos manifestamos.

Hoje, trataremos de um assunto relacionado com o que acabamos de comentar. Vamos mostrar o que é incompetência e apresentar o caminho óbvio a ser seguido para beneficiar, com menor custo, aquele segmento que mais necessita da ação governamental, a população de baixa renda.

Referimo-nos ao Vale-gás, um benefício existente desde março de 1993, criado no Governo Itamar Franco, pelo Decreto nº 787, de 30 de março de 1993, e dirigido aos consumidores residenciais e rurais que utilizam pouquíssima energia elétrica.

O vale-gás é um subsídio a esses consumidores, subsídio à conta de energia elétrica e aquisição do gás em botijão, o GLP.

Tal benefício tem valor irrisório, 4% do salário mínimo para cada consumidor que utilize até 75 Kw/h de energia elétrica por mês. Como o salário mínimo situa-se no patamar de R$ 70,00, o valor do subsídio fica em R$ 2,80 por consumidor, cuja residência se enquadre no critério mencionado.

Contudo, tão grande é o número de famílias pobres no Brasil que mesmo essa pouca quantia tem o efeito de ajudar esses nossos compatriotas mais humildes, na sua dura batalha diária pela sobrevivência. Por isso, pelo seu alcance social, o Vale-gás merece toda nossa preocupação.

Para que se tenha uma idéia, o Brasil há 35 milhões de consumidores de energia elétrica, dos quais 8,5 milhões consomem menos que 75Kw/h por mês, portanto, fazendo jus a esse subsídio.

Isso posto, poder-se-ia indagar a respeito de qual é a relação existente entre o Vale-gás e a necessidade de maior eficiência nos mecanismos de gestão de recursos públicos.

Pois bem, acontece que o procedimento para concessão do Vale-gás, adotado até 31 de dezembro de 1994, quando foi suspenso, era irracional, falho, excessivamente burocrático e impunha custos desnecessários aos beneficiários. Em suma, esse é um caso típico em que um pouco mais de bom senso poderia reverter-se numa melhora substantiva do benefício a quem faz jus, sem representar o aumento sequer de um centavo no gasto de recursos públicos, ao contrário, diminui.

Vejamos, Srs. Parlamentares, qual o caminho burocrático que o cidadão carente tinha que percorrer, no sistema de concessão do benefício, para receber seus R$ 2,80.

Em primeiro lugar, naturalmente o cidadão deveria estar apto a receber o subsídio. Isso significa dizer - repetimos uma última vez - que sua conta de energia elétrica teria que acusar um consumo de, no máximo, 75Kw/h por mês, o que representa uma quantidade bastante modesta. Após receber a fatura da companhia de energia elétrica, o beneficiário tinha que quitá-la junto ao sistema bancário ou a outro órgão apto a recebê-la. O próximo e último passo, o cidadão se dirigia à agência local dos Correios, onde, mediante a apresentação da fatura quitada, recebia o benefício de R$ 2,80, o chamado vale-gás.

Diga-se de passagem que este nome: vale gás, se deve ao fato de que a intenção do subsídio, quando idealizado, era promover ao pequeno consumidor de energia elétrica uma ajuda para a aquisição do gás de cozinha. Contudo, nada garante que o beneficiário não utilizava o subsídio para outros fins, já que ele recebia em dinheiro.

Bem, onde estava a irracionalidade do sistema da concessão de VALE-GÁS? Precisamente em que tal sistema obrigava os beneficiários, que são pessoas de poucos recursos, a gastarem seu dinheiro e seu tempo de forma absolutamente desnecessária.

O cidadão recebia a conta de luz em sua residência. Tinha que ter dinheiro para pagá-la e era obrigado a ir ao banco para fazê-lo. Com a conta paga, ele se dirigia ao Correio para receber os 2,80 reais. De um lado, o cidadão perdia tempo, gastava dinheiro com transporte, além de outros desconfortos de enfrentar filas nos bancos e nos Correios, e, por último, ainda utilizava o dinheiro como quisesse. De outro lado, a concessionária de energia tinha que pagar aos bancos pelo recebimento da conta, bem como o DNC aos Correios o valor de 0,24 centavos de reais por VALE-GÁS pago.

Os custos com essas operações tornavam-se mais caros algumas vezes do que o próprio valor da conta de luz.

Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, nosso objetivo ao discursarmos hoje é propor um novo sistema para a concessão do VALE-GÁS, um sistema que evite as desvantagens do outro, tendo por resultado tratar melhor o beneficiário pobre, impedindo que um subsídio já tão minguado seja diminuído ainda mais por conta das despesas que precisam ser realizadas para sua aquisição.

Tal proposta já existe e está formalizada numa minuta de decreto elaborada pela Associação Brasileira de Concessionárias de Energia Elétrica, a qual encaminharemos ao Poder Executivo na pessoa do Excelentíssimo Senhor Presidente da República. Apelamos às lideranças do Governo nesta Casa para que analisem o assunto e somem-se a esta luta.

Em resumo, o sistema funcionava de acordo com os seguintes passos: primeiro, o órgão financiador do subsídio, Departamento Nacional de Combustíveis - DNC, transferia aos Correios recursos no montante da previsão de dispêndios com o VALE-GÁS no mês. Segundo, a companhia concessionária de energia elétrica emitia a fatura para os usuários. Terceiro, os usuários que tinham direito ao VALE-GÁS levavam a uma agência dos Correios a fatura quitada e recebiam, em espécie, o benefício. Quarto, os Correios prestavam contas ao DNC dos pagamentos efetuados.

O novo sistema, por sua vez, operaria da seguinte forma: na primeira etapa, segundo previsão, o DNC, em vez de repassar os recursos aos Correios, efetuaria tal pagamento diretamente às Concessionárias de Energia Elétrica. Estas identificariam os consumidores aptos a receberem o benefício e entregar-lhes-iam as faturas já quitadas. Portanto, oito milhões e meio de brasileiros receberiam em suas casas a conta de luz já devidamente paga e ainda anexo o VALE-GÁS. Nesse passo, vale ressaltar que, via de regra, o valor do benefício é superior ao valor da conta de luz para esses clientes. Para que se tenha uma idéia, quem consome até 30 kwh paga 0,66 centavos de reais de conta de luz por mês e até 75 kwh cerca de 2,80 reais por mês.

Para nós, é difícil imaginar que alguém pague tão pouco pelo consumo de energia elétrica. Nós que consumimos mais energia elétrica, porque temos em nossas casas geladeira, rádio e televisão, imaginamos que todos os brasileiros também possuem esses eletrodomésticos. Mas oito milhões e meio de famílias no Brasil pagam um valor mínimo de energia elétrica, porque não possuem esses ou outros aparelhos eletrodomésticos.

Juntamente com a conta de luz quitada, as concessionárias entregariam aos clientes aptos a receberem o benefício o VALE-GÁS na forma de um cupom anexo à conta e destacável, que daria direito ao usuário de utilizá-lo na compra do botijão de gás. O valor do VALE-GÁS seria igual à diferença entre o benefício - 4% do salário mínimo vigente - e o valor da conta de luz. Depois, o beneficiário trocaria o seu cupom junto às distribuidoras de gás, pagando, com ele, parte do preço do botijão de gás. Por fim, as distribuidoras de gás entregariam os cupons colecionados ao DNC, o qual lhes pagaria a importância neles expressa.

A superioridade da proposta mencionada é inequívoca. O beneficiário não perderia tempo algum, não desembolsaria dinheiro nem com transporte nem para pagar a luz e compraria o gás direto da Distribuidora. Assim, o sistema tornar-se-ia mais racional e mais eficiente, aumentando o bem-estar e o valor líquido do benefício, sem implicar qualquer aumento de dispêndio de recursos públicos, mas ao contrário economizando-os, pois as subsidiárias não pagariam aos bancos e o DNC não pagaria aos Correios.

Ademais, enumeremos, com brevidade, duas outras vantagens do novo sistema. Primeiro: garantia do emprego do VALE-GÁS para sua real finalidade, que é constituir um subsídio para a aquisição de botijão de gás. Segundo, que é de maior importância, menor possibilidade de corrupção, uma vez que o controle sobre quem está apto a receber o benefício seria feito diretamente pelas concessionárias, juntamente com a emissão das faturas de energia elétrica, utilizando, para isso, meios magnéticos.

Assim, Sr. Presidente, o que discutimos prova que o bom senso, a organização e a racionalidade, empregados na Administração Pública, com certeza, estarão sempre a serviço da população, proporcionando-lhe uma melhoria da qualidade de vida.

Por fim, temos o maior apreço pelo programa do VALE-GÁS. Apesar do pequeno vulto dos recursos destinados a cada beneficiário, tal programa aponta na direção correta. O Estado, nele, aparece desempenhando sua função precípua e mais nobre, que é ser um agente de distribuição de renda; não um agente de concentração de renda, que é o papel nefasto que o Estado brasileiro tem cumprido.

Já que nos referimos ao setor elétrico, é importante dizer, por exemplo, que em nosso Estado, o Pará, e no Maranhão, as indústrias de alumínio, grandes consumidoras de energia elétrica, são subsidiadas, o que tem causado enormes prejuízos à nossa região, pois a ELETRONORTE, devido a esses subsídios, perde poder de investimento. Mas este será um tema específico de outro trabalho que breve apresentaremos nesta Casa.

Vale ressaltar ainda que os recursos para subsidiar o VALE-GÁS continuam existindo e que o DNC pretende dar-lhes outra destinação menos nobre. Estes recursos foram criados no aumento do óleo diesel e do gás GLP e são parte integrante dos preços de faturamento na refinaria.

Ressalte-se, ainda, que, dos oito milhões e meio de beneficiários do VALE-GÁS, quatro milhões e meio estão situados no Norte e Nordeste do Brasil, o que representa 50% do total de consumidores dessas regiões, que é de nove milhões.

Vejam, portanto, Srs. Senadores do Norte e Nordeste, a importância de se reativar o VALE-GÁS, o mais rápido possível.

O grande interesse das concessionárias é não ter de pagar pelos serviços de cobrança dos bancos ou fontes arrecadadoras, que antes se beneficiavam de certo período em que o dinheiro ficava em suas mãos. Mas agora a FEBRABAN propõe a cobrança de 1,20 real por conta recebida, visto que, com o Plano Real, o dinheiro parado já não rende tanto quanto antes, e o valor dessas contas variam de 0,66 centavos de reais a 2,80 reais.

Dessa forma, finalizamos, reiterando a convicção de que o Estado deve ter uma orientação social. Deve fornecer meios e recursos para que os desfavorecidos possam ter um pouco de alívio na sua difícil lide cotidiana e para que possam vencer a pobreza que os assola. Nesse sentido, pedimos a sensibilidade do Poder Executivo para a imediata aprovação e implementação do novo sistema proposto para a concessão do VALE-GÁS no Brasil.

O Sr. Eduardo Suplicy - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ADEMIR ANDRADE - Com prazer ouço V. Exª.

O Sr. Eduardo Suplicy - Elaborou V. Exª um estudo aprofundado sobre o mecanismo do VALE-GÁS. Pergunto-lhe se chegou a examinar os efeitos da introdução desse vale sobre a adimplência. O dado que informalmente obtive, e V. Exª talvez possa ter ouvido, foi o de que, em razão do VALE-GÁS, aqueles que possuem conta de pequeno valor passaram a ter um menor grau de inadimplência. Ou seja, pelo estímulo de estarem recebendo um complemento de renda sob a forma de dinheiro, passaram a ser mais adimplentes - a pagarem mais os compromissos - e que, por um lado, teria sido certa vantagem no conjunto da problemática que examina V. Exª.

O SR. ADEMIR ANDRADE - É verdade. Queremos mudar isso porque estava ocorrendo que desses oito milhões e meio de consumidores brasileiros, cujos valores das contas hoje variam em torno de 0,66 centavos de reais e 2,80 reais, valor do VALE-GÁS neste momento, para receberem esse benefício, tinham que gastar, pois recebiam a conta em suas residências e iam ao banco pagá-las. Portanto tinham que pegar um transporte para ir ao banco e, depois, precisavam pegar um transporte para irem aos Correios receberem o dinheiro. O que propomos é que se acabe com isso, ou seja, a empresa subsidiária de energia elétrica já manda a conta para a residência do cidadão já quitada.

Exemplificando: consome-se 30 kwh, o VALE-GÁS tem atualmente o valor de 2,80 reais. Então, a pessoa receberia um crédito de 2,80 reais menos 0, 66 centavos de reais, e já iria direto no GLP e compraria o gás de cozinha daquela empresa, que receberia depois do DNC. O que as subsidiárias querem é deixar de pagar aos bancos e às casas lotéricas e outras, que estão podendo receber conta de luz. Por quê? O custo de se pagar para que elas cobrem está quase igual, às vezes até maior, do que o próprio valor da conta de luz. Com isso, o cidadão receberia a conta quitada em sua residência e, simplesmente, com o que sobrasse de troco, ele compraria seu VALE-GÁS, dando apenas a diferença. Há ainda a vantagem de que esse vale seria destinado ao uso correto, porque hoje o cidadão recebe o dinheiro e faz o que quer com ele.

Estamos propondo uma forma de melhorar todo esse processo, já que os recursos continuam existindo, mas que, infelizmente, pela falta de atenção do novo Governo, não foi colocado em aplicação até hoje. O VALE-GÁS está parado desde 31 de dezembro do ano passado, e o que estamos querendo é que ele volte imediatamente a funcionar, na forma como estamos propondo neste momento. Estamos encaminhando este trabalho ao Presidente da República e ao Ministro de Minas e Energia para que avaliem e atendam a essa necessidade da população.

Era o que tínhamos a dizer, Sr. Presidente. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN2 de 21/04/1995 - Página 6047